Por que muitas capitais brasileiras ainda
não têm planos contra mudanças climáticas?
Um caminho para as
cidades reduzirem as emissões de gases de efeito estufa e prevenirem mortes,
danos à infraestrutura e perdas materiais decorrentes de desastres relacionados
às mudanças climáticas: essa é a essência de um plano de enfrentamento às causas
e consequências das mudanças climáticas. Uma espécie de “receita de bolo” do
que fazer diante da perspectiva de que tempestades, ondas de calor, secas e
outros eventos extremos se tornem cada vez mais frequentes e destruam cidades.
A importância dessa
receita já era clara – e ficou ainda mais evidente com o desastre no Rio Grande
do Sul. Contudo, a maioria das capitais brasileiras não tem esse plano, ou
ainda o estão construindo.
Ao todo, 16 capitais
das 27 não têm o plano concluído, segundo a reportagem apurou com as
prefeituras. As capitais que não possuem plano finalizado são: Aracaju, Belém,
Boa Vista, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis, Goiânia, Macapá, Maceió,
Manaus, Natal, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, São Luís e Vitória.
As prefeituras de
Belém, Florianópolis, Macapá, Manaus, Natal, Porto Alegre e Vitória estão
elaborando seus respectivos planos de enfrentamento às mudanças climáticas.
As respostas completas
de todas as prefeituras consultadas podem ser lidas aqui.
Em 2023, a Agência
Pública havia mostrado que somente dez haviam terminado seus planos. Nesse
intervalo de um ano, somente Teresina entrou no grupo das capitais com plano.
<><> Por
que isso importa?
• Planos de adaptação às mudanças
climáticas são feitos para ajudar a reduzir os impactos de desastres junto à
população e podem salvar vidas e diminuir perdas materiais nas tragédias.
• Mesmo capitais que possuem planos nem
sempre são capazes de implementá-los ou a sociedade não consegue fiscalizar sua
execução.
Vários fatores
explicam o despreparo das capitais brasileiras para enfrentar as causas e
consequências das mudanças climáticas, de acordo com especialistas
entrevistados pela Pública.
“O fato de que a
maioria das capitais não possui plano reflete uma certa negligência política”,
afirma Rodrigo Perpétuo, secretário executivo da Icle iAmérica do Sul. A Iclei
é uma rede de governos locais e regionais focada no desenvolvimento urbano sustentável
e tem trabalhado em conjunto com diversas prefeituras na elaboração de planos
de mudanças climáticas.
Perpétuo aponta outras
barreiras para a elaboração de planos de mudanças climáticas, como a
necessidade de envolver diversas áreas dentro das prefeituras e setores da
sociedade (universidades, sociedade civil, iniciativa privada) e o baixo nível
de conhecimento técnico relativo às mudanças climáticas no nível municipal.
Patrícia Pinho é
diretora adjunta de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(IPAM) e autora líder do grupo de trabalho sobre impactos, adaptação e
vulnerabilidade do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Ela
também destaca a insuficiência de recursos financeiros, conflitos de interesses
com setores econômicos poderosos, a falta de dados precisos e a descontinuidade
nas políticas devido a mudanças na administração. Para ela, o Brasil está
atrasado na agenda de adaptação e é preciso correr atrás do tempo perdido.
O atraso tem
consequências. Como apontado pelo Relatório Síntese do IPCC, publicado em março
de 2023, e reforçado pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul que desalojaram
mais de meio milhão de pessoas, as mudanças climáticas já afetam negativamente
a infraestrutura urbana, a prestação de serviços públicos e o bem-estar da
população.
“Há uma necessidade de
redução das emissões. Mas, no curto prazo, medidas de adaptação precisam vir
com urgência. Podem salvar vidas”, afirma Perpétuo. “Adaptação envolve, por
exemplo, políticas de habitação, reassentamento de pessoas, obras de macrodrenagem.”
José Marengo é
coordenador-geral de Pesquisa e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e
Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Para ele, o foco deve ser na
prevenção, em reduzir os riscos de danos causados pelos desastres. Essas
medidas fazem parte do processo de adaptação.
“Os volumes de chuva
vão continuar aumentando”, alerta. “Com medidas efetivas de prevenção, é
possível reduzir as vulnerabilidades para que, mesmo que chova mais, os
impactos sejam menores. O principal é salvar vidas e garantir uma
infraestrutura básica. Por exemplo, garantir que não falte água durante estes
eventos, que o transporte não seja interrompido.”
• No centro do desastre, Porto Alegre não
finalizou seu plano
Porto Alegre, que tem
sido duramente afetada pelas chuvas há quase um mês, ainda não finalizou seu
plano de enfrentamento às mudanças climáticas. As pesquisas iniciais começaram
em 2023. A previsão é que esteja concluído em agosto de 2024, segundo informações
da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto
Alegre (Smamus). A Smamus lançou uma pesquisa pública para receber sugestões
dos cidadãos para estruturar medidas atenuantes dos efeitos das mudanças
climáticas na cidade.
Além de não ter seu
plano finalizado, a capital do Rio Grande do Sul lida com outros problemas de
planejamento urbano. O sistema que deveria proteger a cidade de cheias falhou.
Além disso, o Plano Diretor – importante instrumento de planejamento da cidade
– não foi revisto dentro do prazo exigido pela legislação.
O Estatuto das Cidades
exige que o Plano Diretor seja revisto, no máximo, a cada dez anos. No caso de
Porto Alegre, a revisão deveria ter sido feita até 2020, o que não ocorreu.
Em abril deste ano, o
secretário da Smamus, Germano Bremm, afirmou que um dos cinco objetivos do novo
Plano Diretor será adaptar a cidade para os efeitos das mudanças climáticas e
zerar as emissões de gases do efeito estufa.
Questionada pela
reportagem, a secretaria informou que o principal motivo para o atraso foi a
pandemia de covid-19 e que a revisão do Plano Diretor deve ser concluída no
final do ano. Leia aqui a resposta completa da Smamus.
• Sede de COP30, Belém não tem plano
concluído
Preparando-se para
sediar em 2025 a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), o
evento global mais importante sobre o tema, Belém é mais uma das capitais
brasileiras que ainda não possui seu plano. Em elaboração, o plano de
enfrentamento às mudanças climáticas deve ficar pronto e ser apresentado à
Câmara dos Vereadores até outubro deste ano, segundo informou a prefeitura.
“O plano está em
processo de revisão. O objetivo é transformar o plano em lei para garantir sua
continuidade nas gestões seguintes. Queremos que o plano vá até 2050”, explica
Sérgio Brazão, coordenador do Fórum Municipal sobre Mudanças Climáticas de Belém.
Mapeamento realizado
pelo Serviço Geológico do Brasil em 2021 revela a dimensão da ameaça e a
urgência de preparar Belém para enfrentar chuvas cada vez mais fortes. De
acordo com o estudo, mais de 172 mil pessoas estão em áreas classificadas como
de risco alto e muito alto de inundações, alagamento, erosão costeira/marinha e
deslizamento planar.
De acordo com ele,
mesmo sem o plano estar pronto, ações que vão constar no planejamento já estão
sendo implementadas, como aquisição de ônibus mais eficientes e o fechamento da
usina termelétrica na Ilha de Cotijuba previsto para o segundo semestre. Essas
medidas são de mitigação e visam reduzir as emissões de gases que causam as
mudanças climáticas.
Em relação às medidas
de adaptação, que preparam as cidades para os efeitos das mudanças climáticas,
Brazão destaca a necessidade de obras de drenagens em Belém, formada por 14
bacias hidrográficas, para evitar alagamentos e inundações.
“As bacias precisam de
intervenção para garantir a drenagem natural. Foram concluídas as obras em uma
(bacia do Una); neste ano, serão concluídas obras em duas (bacias da Estrada
Nova e do Tucunduba) e iniciadas as obras na bacia do rio Mata-Fome”, afirma
Brazão.
“As outras dez bacias
necessitam de intervenção de drenagem, deslocamento de pessoas para habitações
e, fora do ambiente, drenagem, elaborações de marginais arborizadas, dentre
outras intervenções necessárias. O plano incluirá a necessidade de ação nas bacias
como prioridade. Embora seja uma intervenção dispendiosa, o prazo provável de
2050 torna sua execução possível.”
Como o caso de Belém
mostra, a inexistência de um plano não significa a completa ausência de medidas
de enfrentamento às mudanças climáticas. Contatadas pela reportagem, outras
prefeituras que não possuem plano de mudanças climáticas também informaram a adoção
de diversas medidas de mitigação e adaptação.
A prefeitura de
Maceió, por exemplo, criou o Previne Maceió, voltado para o enfrentamento ao
período chuvoso, e a prefeitura de Boa Vista afirmou estar “implantando o Plano
Municipal de Resíduos Sólidos, que prevê a mitigação de impactos climáticos a
partir da destinação adequada dos resíduos sólidos na capital”.
A inexistência de um
plano, contudo, significa que não há coordenação entre as diferentes ações
adotadas para a consecução de metas e objetivos climáticos previamente
estabelecidos com base nas necessidades específicas de cada cidade.
• Planos devem sair do papel
Mesmo entre as
capitais que possuem plano, a situação está longe da ideal. É preciso
implementá-lo, assim como acompanhar as ações feitas e os resultados obtidos,
inclusive pela sociedade. No entanto, como os exemplos de Rio Branco e
Fortaleza ilustram, nem sempre os planos saem do papel ou a sociedade pode
fiscalizar sua implementação.
No caso da capital
acreana, como revelado no levantamento anterior, a prefeitura possuía um plano
que não saiu do papel e anunciou a necessidade de criação de um Comitê
Intersecretarial de Mudanças do Clima para revisão do plano e sua posterior
implementação. Depois de quase um ano, o comitê foi criado em abril de 2024. A
reportagem questionou a prefeitura de Rio Branco se havia adotado as demais
medidas, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestação da
prefeitura.
Fortaleza é outra das
11 capitais que possuem um plano de mudanças climáticas. Publicado em 2020, o
documento apresenta 98 iniciativas para tornar Fortaleza sustentável,
resiliente, de baixo carbono e inclusiva.
Questionada pela
reportagem quanto à implantação do plano, a Secretaria de Urbanismo e Meio
Ambiente informou que o monitoramento é realizado por meio do Gabinete de
Governança Climática e que mais de 40% das 98 iniciativas do plano estão em
andamento, como os Microparques, Plantando Ciclos e revisão do Plano Diretor.
No entanto, a secretaria não disponibiliza ao público relatórios de
monitoramento e avaliação do plano.
Fonte: Por João
Guilherme Bieber, da Agencia Pública
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