O que esperar dos Planos de Saúde após “acordo”
com operadoras anunciado por Lira
O presidente da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou na última terça-feira (28) que, em
reunião com representantes de operadoras de planos de saúde, foi negociado que
serão suspensos "os cancelamentos recentes relacionados a algumas doenças
e transtornos".
Embora a fala de Lira,
que foi compartilhada em sua conta no X (antigo Twitter), tenha sido encarada
como uma boa notícia, até o momento, a reunião não culminou em nenhum tipo de
acordo formal para reverter cancelamentos unilaterais (por decisão do plano de
saúde) ou evitar novos.
A iniciativa de Lira,
além da intenção de diálogo com as operadoras, buscou impedir a criação de uma
CPI na Câmara para investigar o setor de saúde, que já conta com 171 das 197
assinaturas necessárias para ser instaurada.
O deputado Aureo
Ribeiro (Solidariedade-RJ) foi o responsável por angariar as assinaturas para
instaurar a CPI dos Planos de Saúde e investigar os cortes nos atendimentos.
"Foi um fato
isolado", disse o deputado sobre a reunião da última terça-feira.
"Temos 300
deputados querendo investigar os planos de saúde. Por isso nada muda [após as
declarações de Lira]. A CPI está mantida e será protocolada na quarta-feira
(5/6)."
Segundo a assessoria
do presidente da Câmara, a reunião foi "um primeiro movimento", que
será seguido por reuniões com consumidores, agências reguladoras e as empresas
para dar base à discussão sobre um projeto de lei relativo aos planos de saúde
que tramita na Câmara dos Deputados.
Entretanto, ainda não
há data para que esses encontros aconteçam.
À BBC News Brasil, a
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que também estava presente na
reunião, afirma que ficou acertado que o setor irá apresentar sugestões de
medidas legislativas com foco na melhoria do acesso de consumidores aos planos
de saúde.
No entanto, não foi
apresentado nenhum planejamento concreto de como ou quando essas sugestões
ocorrerão.
A agência aponta que,
em 2023, foram feitas 15.279 reclamações sobre cancelamento/rescisão unilateral
em todos os tipos de contratação. Em 2024, até o começo de maio, já foram
registradas mais 5.888.
"A identificação
de possíveis condutas infrativas só é feita após a análise individual das
demandas", disse a ANS.
Assim, as reclamações
podem refletir apenas uma parte dos cancelamentos recentes, pois nem todos os
consumidores que tiveram seus planos interrompidos unilateralmente tomam a
iniciativa de registrar uma queixa.
• Não há previsão de mudanças
"Por enquanto,
nada muda", resume a advogada Renata Vilhena Silva, especialista em
direito à saúde.
Como ainda não há um
documento formal assinado pelas entidades representantes das operadoras e das
próprias operadoras, não é possível cobrar algum direito com base nas
declarações de Lira.
A deputada estadual
Andréa Werner (PSB), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa
com Deficiência da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp),
afirma que a falta de uma formalização deixa o acordo sem consequências
práticas.
"Está tudo muito
confuso", diz. "Não sabemos quais são os prazos [para as suspensões
dos cancelamentos], critérios, ou quais operadoras farão parte."
Ela lembra que, além
da CPI da Câmara dos Deputados, as operadoras de saúde são alvo também de uma
CPI na Alesp, que já conta com 58 assinaturas — mais do que as 32 necessárias
para que possa se viabilizar.
"Esse acordo não
pode minimizar os esforços que fizemos para que haja uma investigação mais
ampla", afirma a deputada.
No Rio de Janeiro, a
Assembleia Legislativa abriu uma CPI em abril deste ano, prometendo investigar
o descumprimento dos contratos de pessoas com deficiência.
Por meio de sua
assessoria de imprensa, a Unimed afirmou à BBC News Brasil que, na reunião
ocorrida com Lira, "foi firmado o compromisso de manter a vigência dos
contratos atuais". Mas não disse nada sobre reverter cancelamentos já
realizados.
Quando questionada
sobre a existência de um acordo formal, a Bradesco Saúde afirmou que a
Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade da qual faz
parte, está respondendo por este tema. A FenaSaúde não respondeu aos
questionamentos da BBC News Brasil.
Já a Amil afirmou que,
"por se tratar de um encontro liderado pela entidade que representa o
setor, orientamos a procurar a Abramge".
As três são as
operadoras de planos de saúde que estiveram presentes na reunião com Lira.
Nenhuma delas deu informações específicas sobre possíveis reversões ou
indicações de canais aos quais os beneficiários podem recorrer.
O presidente da
Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Gustavo Ribeiro, disse, por
meio de nota, que "o setor se comprometeu a rever os cancelamentos dos
serviços a pessoas em tratamento de doenças graves, do transtorno do espectro
autista (TEA) e demais transtornos".
"Também ficam
suspensos novos cancelamentos unilaterais de planos coletivos por adesão",
afirmou Ribe
Enquanto um acordo não
é formalizado, situações como a da empresária Janaina Kafer, de 34, seguem
frágeis. No ano passado, a Unimed chegou a cancelar o plano que ela mantinha
para si mesma e para o filho de 5 anos, diagnosticado com o TEA.
Graças a uma decisão
em caráter liminar, a empresária conseguiu reverter o cancelamento do plano do
filho. Mas precisou abrir mão do dela.
“Tive que arcar com os
custos de um advogado para reverter a suspensão do meu filho, e por isso não
consegui mais pagar pelo meu plano”, diz.
Em abril deste ano,
mesmo com a decisão da Justiça garantindo a vigência do plano do filho, a
empresária conta que recebeu uma nova carta de cancelamento. Ela acredita, no
entanto, que a Unimed suspendeu o cancelamento porque seu caso acabou saindo na
imprensa.
"Um dia antes de
uma reportagem ir para o ar, recebi um e-mail dizendo que aquele aviso de
cancelamento havia sido um engano", afirma ela.
A advogada Renata
Vilhena Silva afirma que tem visto muitos casos em que as operadoras não
cumprem as decisões judiciais.
"Os planos têm
enfrentado o Judiciário", diz.
Para ela, a solução
passa por uma regulamentação mais rígida da ANS e por uma lei que proíba as
rescisões dos planos coletivos.
Apesar de ter
garantido a continuidade do plano de saúde, os altos reajustes podem
inviabilizar a permanência do filho de Janaina no plano de saúde, ela conta.
"Em maio de 2022,
houve um reajuste de 80%", diz.
Agora, exatos dois
anos depois, ela recebeu um novo aviso de reajuste, desta vez de 70%.
"Além disso, a
Unimed descredenciou a clínica onde meu filho fazia as terapias. Com isso,
temos que ir até outra região da cidade, a 20 km de distância de casa, para
realizar as terapias em uma outra clínica", diz.
"Já que eles não
conseguem cancelar, estão tentando de todas as formas fazer com que a gente
deixe o plano".
Sobre o caso de
Janaina e o filho, a Unimed afirmou que cumpre "rigorosamente a legislação
e as normas que regem os planos de saúde assim como todas as decisões judiciais
que são cabíveis".
"O plano
permanece ativo e continuamos a prestar ao beneficiário todo o atendimento
necessário", informou a empresa.
• Quando o plano pode ser cancelado?
O Código de Defesa do
Consumidor (CDC) considera uma prática abusiva a rescisão unilateral de
contratos de planos de saúde pelas operadoras.
Em entrevista à BBC
News Brasil, o advogado Rafael Robba explicou que existem dois tipos principais
de planos de saúde.
O primeiro é o
individual, que uma pessoa contrata diretamente para si ou para a família.
O segundo é o
coletivo, que geralmente é acertado por uma empresa para os funcionários — ou
por sindicatos e entidades de classe.
"Para os planos
individuais ou familiares, a legislação proíbe o cancelamento unilateral do
contrato, a menos que exista inadimplência ou fraude", explica o advogado,
que é sócio do Vilhena Silva, escritório especializado em direito à saúde.
Mas a regra não vale
para os convênios coletivos. Nesses casos, as empresas podem, sim, fazer o
cancelamento a qualquer momento, se isso estiver previsto no contrato assinado
no início.
A rescisão só deve
respeitar três regras:
• Precisa ocorrer na data de aniversário
do contrato;
• Toda a carteira de clientes daquele
plano coletivo deve perder o acesso (ou seja, não é possível excluir um
indivíduo específico);
• Os usuários devem ser avisados com dois
meses de antecedência sobre o cancelamento.
São os consumidores
com contratos coletivos que sofrem mais frequentemente com a rescisão
unilateral, aponta o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em um
documento em seu site.
"O mais grave é
que muitos consumidores contratam planos coletivos sem saber dos riscos a que
estarão sujeitos. A ANS não impede a prática e, depois de muitos casos de
abusos, determinou que o cancelamento somente pode ocorrer uma vez ao ano, na
data de aniversário do contrato. A medida, obviamente, não resolve o problema,
e o consumidor que tem plano de saúde coletivo continua correndo o risco de
ficar sem cobertura quando mais precisa", descreve o documento.
Na opinião de Robba,
"a legislação é omissa".
"Por conta disso,
as operadoras colocam no contrato essa previsão de que podem cancelar o
contrato sem nenhuma justificativa", afirma o advogado.
Segundo o Idec, se o
cancelamento unilateral for efetuado em situações diferentes das anteriormente
citadas, o consumidor tem direito de reclamar e solicitar uma solução.
"Primeiramente, o
portador do plano de saúde deve entrar em contato com a operadora pedindo que
seu problema seja resolvido. Para evitar futuros problemas, o consumidor deve
guardar uma prova dos contatos efetuados, tanto por fax, pessoalmente, carta,
ou e-mail."
Se mesmo assim a
questão não for resolvida, o consumidor pode procurar o Procon mais próximo ou,
em casos mais graves, entrar com uma ação no Juizado Especial Civil (JEC).
• PL dos Planos de Saúde
Tramitando há 17 anos,
o PL nº 7419/2006, conhecido como PL dos Planos de Saúde, propõe alterações na
Lei dos Planos de Saúde (nº 9.656), sancionada em 3 de junho de 1998.
O Conselho Nacional da
Saúde (CNS), um órgão do Ministério da Saúde, define o PL como "uma
reunião de 270 projetos de lei que, em conjunto, podem alterar toda a estrutura
legal do mercado de saúde suplementar e flexibilizar as regras para os planos de
saúde em detrimento dos direitos dos consumidores".
Um dos principais
pontos do projeto é impedir que as operadoras realizem a rescisão unilateral
dos contratos individuais, coletivos ou de autogestão. A única exceção seria
para casos de atraso nas mensalidades.
O texto também propõe
a criação de um prontuário digital, obrigando o poder público a manter uma
plataforma com informações dos pacientes das redes pública e privada. Assim,
dados de pacientes de ambas as redes estariam disponíveis em um mesmo sistema.
"Entendemos que é
importante unificar os dados, mas a forma como isso será utilizado pelo setor
privado é preocupante. Isso não pode ser um critério para seleção de risco dos
pacientes, por exemplo", disse, em nota, a conselheira nacional de saúde
Ana Navarrete, coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde Suplementar
(Ciss) do CNS.
"Não posso
utilizar o histórico de saúde de um paciente para aceitar ou negar nenhum tipo
de atendimento."
Outra sugestão do PL é
a criação de um fundo nacional composto por recursos públicos e privados para o
financiamento de terapias de alto custo no tratamento de doenças raras.
"Na prática,
independentemente de como as responsabilidades sejam compartilhadas entre um e
outro, transfere-se, em algum grau, o risco financeiro inerente à atividade das
operadoras ao setor público - que, sabidamente, tem capacidades de atendimento
e financiamento ainda mais limitadas do que as do setor privado", opina a
conselheira nacional de saúde e vice-coordenadora da Ciss, Shirley Morales, na
nota publicada pelo CNS.
A BBC News Brasil
tentou contato com o deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA), atual relator do
projeto de lei, mas não obteve sucesso até o momento de publicação desta
reportagem.
Duarte Jr. foi
indicado como relator do PL em março de 2023.
"Com muita honra,
fui indicado como relator do PL que vai estabelecer alterações importantes na
lei que regulamenta os serviços dos Planos de Saúde", escreveu, na
ocasião, em sua conta no X.
"Já estou
trabalhando para garantir uma adequada assistência à saúde para os
consumidores. Em especial, às pessoas com deficiência", afirmou o relator.
Fonte: BBC News Brasil
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