Escravidão: Movimento Negro Evangélico
cobra perdão de igrejas e abertura de documentos sobre participação
No carnaval deste ano
deste ano, a prefeitura de Campina Grande (PB) havia convidado o pastor
estadunidense Douglas Wilson para participar do já tradicional congresso
Consciência Cristã.
A participação foi
cancelada após uma intensa mobilização de diferentes grupos que denunciaram o
religioso por perpetuar ideias racistas em pronunciamentos e até em livros
publicados. A organização do evento disse que decisão foi tomada para preservar
a integridade física do pastor.
Um das entidades que
tomou frente para barrar a vinda do religioso foi o Movimento Negro Evangélico,
uma organização autônoma que busca debater pautas raciais, principalmente,
envolvendo as igrejas.
O cancelamento do
convite do pastor Wilson foi um dos impulsos para o MNE lançar, em maio deste
ano, em alusão ao dia da abolição da escravatura no Brasil, 13, um manifesto
convocando as igrejas protestantes a pedirem perdão por conta da atuação que
tiveram no período colonial no Brasil.
"A gente sabe que
já existem muitos trabalhos sobre a atuação da Igreja Católica nesse processo
[de escravidão], mas pouco se sabe, pouco se tem documentado de maneira pública
sobre a participação das igrejas protestantes também nesse processo",
explica Zé Vitor, coordenador de incidência política do MNE, em entrevista ao
programa Bem Viver desta segunda-feira (27).
A campanha foi
intitulada 388 anos de escravidão: e a Igreja com isso?. Ela exige também exige
a abertura dos arquivos de igrejas protestantes históricas (como luterana,
presbiteriana, calvinista, metodista e batista) referentes ao período da
escravidão aqui no Brasil.
"A gente sabe
que, apesar da igreja evangélica brasileira hoje, ser majoritariamente negra, a
gente tem um processo de violência racial dentro do seio da religião
protestantate. Relações entre os membros e casos de violência racial que
acontecem entre elas, mas também conformam a própria fotografia do poder,
principalmente dessas igrejas tradicionais, que têm na sua composição,
majoritariamente, líderes homens e brancos."
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Confira a entrevista na íntegra
• Como surgiu a campanha?
Zé Vitor - Acho que
tem um processo que passa por alguns marcos, mas a pauta em si é uma
reivindicação do movimento desde o seu início, lá por volta de 2003, de
conseguir, de fato, trazer luz sobre esse período histórico que durante muitos
anos, na verdade até hoje, a gente ainda tem poucos insumos, pouco material
produzido.
Mas o que impulsionou
essa campanha foi a conferência de Durban, uma conferência importantíssima
realizada em 2001, que pautou o enfrentamento à violência racial para países
africanos e também afrodescendentes.
Naquele momento, a
memória e a verdade são colocadas como elementos centrais para alcançar
justiça. É a partir da memória e da verdade que a gente alcança a chamada
reparação.
Tudo isso se somou a
um momento que a gente viveu no início do ano, na Paraíba, em que um evento
muito famoso no meio evangélico tradicional convidou um pastor norte-americano
que, nos seus escritos, de alguma forma, defende uma narrativa da escravidão à
luz da Bíblia e isso gerou um processo de mobilização grande.
Fizemos uma plenária
em cima da hora, com mais de 90 pessoas de vários lugares do Brasil, online,
pra discutir alguma ação de incidência que levasse ao cancelamento do convite
de uma pessoa dessa. A partir da ampla mobilização de movimentos evangélicos, principalmente
do movimento negro evangélico que fez um processo de conectar pessoas que
estavam interessadas em incidir nisso.
E a gente teve o
cancelamento do convite do pastor Douglas Wilson. Isso foi mais uma confirmação
de algo que a gente já estava observando e tinhamos interesse em fazer algo
relacionado à memória da escravidão.
Dentro do próprio MNE,
um dos nossos eixos de atuação é a memória e a verdade. No ano passado
realizamos uma campanha chamada "Quero trazer a memória" para juntar,
reunir material sobre a participação de pessoas negras evangélicas em momentos
momentos importantes da história do Brasil.
Esses dois marcos,
tanto do internacional como nacional, influenciaram muito a escolha do 13 de
maio – que é uma data extremamente controversa, e tem as suas diversas
questões, mas entendemos que é uma data em que o debate público se volta para o
tema – para questionar a participação das igrejas protestantes nesse período.
A gente sabe que já
existem muitos trabalhos sobre a atuação da Igreja Católica nesse processo, mas
pouco se sabe, pouco se tem documentado de maneira pública sobre a participação
das igrejas protestantes também nesse processo. Pouco se sabe, a gente tem
poucos estudos, poucos materiais públicos disponíveis.
E haviam igrejas
evangélicas aqui, igrejas de tradição, como batistas, presbiterianos,
anglicanos e etc. Então já existem cartas e alguns documentos históricos que
falam sobre membros dessas igrejas e como eles não apenas conviveram com essa
violência, com essa brutalidade, como também mantinham escravos.
A gente precisa falar
disso, porque não é como se após 13 de maio as dinâmicas houvessem se alterado.
A gente sabe que, apesar da igreja evangélica brasileira, hoje, ser
majoritariamente negra, a gente tem um processo de violência racial dentro do
seio da religião protestantate.
Relações entre os
membros e casos de violência racial que acontecem entre elas, mas também
conformam a própria fotografia do poder, principalmente dessas igrejas
tradicionais, que têm na sua composição, majoritariamente, líderes homens e
brancos.
• Zé Vitor, eu queria que você falasse um
pouco também quais são as principais exigências que o Manifesto faz.
O Manifesto é escrito
pelo movimento negro evangélico, mas ele é um manifesto da igreja brasileira,
de quem se sentir tocado de alguma forma, de quem se sentir chamado a essa
luta, por memória, verdade, reparação.
Ele tem esse apelo
para que haja esse pedido de perdão. Que é algo que já tem sido feito em vários
dos países, a própria igreja anglicana já escreveu um pedido de perdão
reconhecendo a sua participação nesse processo etc.
Mas a gente sabe que,
falando de Brasil, principalmente falando do Brasil de 2024, a gente vive um
momento delicado, né? A agenda evangélica foi captada por uma agenda
fundamentalista.
A gente faz essa
exigência por um pedido de perdão, mas a gente entende também que ele é
insuficiente, não é só pedir perdão.
A gente quer fazer
mais do que isso. O próprio manifesto também faz um apelo para que essas
instituições que já estavam aqui naquele período, elas facilitem o acesso aos
documentos, facilitem o acesso aos registros históricos que narram a
participação dessas instituições nesse momento que nós vivemos.
• Qual é a reflexão que vocês fazem do
simbolismo histórico dessa iniciativa, da publicação deste manifesto?
Eu acho que acho que
há um simbolismo. Essa campanha, ela é um primeiro esforço de pautar esse
debate dentro das igrejas evangélicas brasileira e acho que pautar isso com
capilaridade. A gente está fazendo um trabalho de mobilizar pessoas de norte a
sul do país.
A campanha tem essa
duração de dois meses, nós estaremos entre maio e junho pautando isso nas
nossas redes sociais mas também em igrejas.
A gente entende também
que vai ser um processo muito desafiador, para além desse trabalho mais de
mobilização, redes sociais e atividades em igreja.
A campanha tem o
objetivo de trazer luz sobre esse grande problema, esse grande elefante amarelo
radioativo dançando na sala que todo mundo vê e todo mundo sabe que existiu –
ou, quer dizer, nem todo mundo sabe que existiu. Então por isso nós estamos levando
isso adiante.
Fonte: Brasil de Fato
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