Assim como os genéricos, biossimilares
podem ampliar acesso no país
Em fevereiro deste
ano, a Lei dos Genéricos completou 25 anos no Brasil. A autorização para que
laboratórios fabricassem medicamentos que tivessem as patentes expiradas foi um
marco para a saúde pública no sentido de ampliar o acesso e estimular a concorrência.
Hoje, os genéricos representam 33% das prescrições e 35% das vendas de
medicamentos no país, segundo a PróGenéricos. Agora, com a farmacologia
caminhando para uma nova etapa, marcada por mecanismos de ação complexos – com
alvos específicos, menos toxicidade e maior eficiência –, os biossimilares e os
genéricos de alta complexidade têm potencial de trazer uma nova perspectiva
para o setor.
Boa parte desse
cenário que se desenha ocorre pelo avanço da tecnologia e das inovações que
surgem todos os anos, que têm permitido a evolução da medicina genética e da
compreensão detalhada de inúmeras doenças a níveis que antes eram
inimagináveis. Mas embora a prática clínica demonstre o impacto das novas
classes de medicamentos, o desafio tem sido encontrar um equilíbrio entre
acesso e sustentabilidade do sistema, uma vez que o alto custo dessas terapias
tende a ser um entrave.
“Desde que os
genéricos chegaram ao Brasil, vimos uma grande revolução, muita coisa já
aconteceu desde então no mercado”, analisa Rogério Scarabel,
ex-diretor-presidente da ANS e sócio da M3BS Advogados.
Essa evolução no
último quarto de século passa pela criação de mecanismos de regulamentação
sobre o processo de controle de qualidade dos genéricos, programas de apoio ao
desenvolvimento técnico-científico desses medicamentos e campanhas de educação
para a população sobre fármacos dessa natureza. São fatores que contribuem para
o contínuo desenvolvimento desse mercado, como aponta Roberto Rocha, CEO da
farmacêutica Teva: “O sistema de saúde de mais alta complexidade no Brasil, que
engloba cuidados e terapias assignadas, por exemplo, a pacientes oncológicos,
perceberá muitos benefícios com a chegada dos genéricos mais complexos e de
alta qualidade, uma vez que estes podem significar uma economia ao sistema e,
consequentemente, desbloqueiam recursos para as terapias inovadoras
apresentadas pelas farmacêuticas e que necessitam ser incorporadas ao sistema.”
O tema foi amplamente
debatido no 1º Summit Saúde Suplementar, promovido pela Teva com apoio da
Associação Brasileira dos Enfermeiros Auditores (ABEA) e Sociedade Brasileira
de Auditoria Médica (SBAM), que buscou discutir alternativas e ampliar o
diálogo sobre o tema. Para Scarabel, o Brasil possui uma relevância muito
grande em tamanho e diversidade da população, mas ainda há um potencial de
mercado muito grande a ser explorado. “Somos o oitavo mercado de saúde do
mundo, mas economicamente ele significa menos de 2%, o que é muito
insignificante.”
O evento contou ainda
com as participações de Danielle Leão, hematologista e pesquisadora clínica da
BP, Fabiano Pombo, farmacêutico que atua com regulamentação e qualidade de
genéricos e biossimilares, Fernanda Manfredini, farmacêutica e diretora de qualidade
Latam da Teva Brasil, Gabriela Tannus, diretora de assuntos institucionais do
Instituto Brasileiro de Valor em Saúde (IBRAVS), Helena Romcy, presidente da
Associação Brasileira dos Enfermeiros Auditores (ABEA) Marcos Santos,
presidente da Sociedade Brasileira de Auditoria Médica (SBAM), Márcio Nattan,
neurologista e membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia, Stephen Stefani,
oncologista clínico e professor de Avaliação de Tecnologias em Saúde e Economia
da Saúde, e Vanessa Teich, diretora de economia em saúde no Hospital Israelita
Albert.
• Inovação, sustentabilidade e qualidade
O processo de
desenvolvimento de um novo medicamento é dispendioso. De acordo com um
levantamento feito pela Deloitte, a média de custo desse processo é de US$2,3
bilhões – isso engloba encontrar uma nova molécula viável, que apresenta o
potencial de ação desejado, as fases de comprovação da ação, determinação de
dosagem, avaliação da toxicidade, comparação com a referência atual do mercado
e a conclusão de indicação. Todo o investimento na inovação e a incerteza de
que após todo esse aporte o medicamento será disponibilizado acabam deixando o
processo mais custoso.
Nesse cenário, o
Brasil conta com as duas possibilidades de oferecer as tecnologias cujas
patentes expiraram e que, portanto, não passam pelos custos de desenvolvimento:
os genéricos, medicamentos que tem como ativo estruturas moleculares mais
simples, e os biossimilares, com estruturas moleculares mais complexas. Para
comparação, o custo de desenvolvimento de um genérico varia entre US$2 milhões
a US$5 milhões. No caso do biossimilar, o custo total que varia entre US$100
milhões e US$200 milhões.
“Diferente do genérico
comum, o biossimilar traz algumas complexidades. Você tem uma estrutura
biológica, geralmente produzida por algum organismo vivo, e ela tem que ter
determinadas características que permitam que a atividade final desse
medicamento seja o mesmo esperado do produto de referência”, explica Fabiano
Pombo.
Além disso, o
biossimilar passa por testes específicos, como farmacocinética, farmacodinâmica
e bioequivalência, parte do rigoroso controle de qualidade de genéricos e
biossimilares durante todo o ciclo de vida dos produtos.
“São boas práticas de
fabricação, do sistema de qualidade farmacêutica, que se estendem do projeto a
implementação, manutenção e melhoria contínua dos medicamentos”, detalha Pombo.
“Nós já fazemos genéricos químicos há mais de 25 anos. E, atualmente, temos
feito esse processo com os biossimilares. Eu participei muito das discussões no
começo da entrada dos biossimilares no mercado, tive a oportunidade de
conversar com muitas empresas brasileiras e também de fora do Brasil, e havia
uma expectativa muito grande. Como parte do processo, do mercado de saúde, é
importante que a gente conheça as opções disponíveis para garantir acesso a
melhor delas.”
• Muito além do preço dos genéricos e
biossimilares
A discussão sobre o
impacto dos genéricos e biossimilares inclui muitos outros ângulos além do
preço, como destacou Danielle Leão. Ela citou como exemplo os novos fármacos
para leucemia linfocítica crônica (LLC), que tem mudado o curso natural da
doença, elevado a expectativa de vida e a qualidade de vida dos pacientes:
“Recentemente foi aprovado um biossimilar de um anticorpo monoclonal no Brasil,
que já é amplamente utilizado em outros países, que demonstrou aumentar para
74% a chance de cura do paciente.”
Outra aprovação
recente, por parte da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, foi o
primeiro genérico no país indicação para o tratamento de leucemia mieloide
crônica (LMC) e leucemia linfoblástica aguda (LLA).
Para Leão, as
evidências clínicas reforçam que a discussão sobre a incorporação está em um
novo momento, em que o foco não é o questionamento sobre os benefícios dos
biossimilares, mas estratégias de viabilizar o acesso aos pacientes. “São
tecnologias muito importantes, que aumentam a sobrevida do paciente, e há
possibilidade de trabalhar para que mais pessoas tenham acesso a esses
medicamentos. Somos um país grande, com dinheiro limitado que precisa ser
utilizado de maneira consciente, mas é importante unir gestão, ciência e
dignidade humana.”
A sobrevida é uma
consequência direta da chegada de novas soluções, como destacou o oncologista
clínico Stephen Stefani. Se há algumas décadas o intervalo de chegada de novos
medicamentos era de cerca de três anos, atualmente isso se acelerou: “A cada duas,
três semanas há uma novidade, todas extremamente interessantes, com alvo
definido, menor toxicidade”.
Na visão de Stefani,
“o remédio deixou de ser um veneno e passou a ser dirigido, ter um novo
mecanismo e mudar a história da doença. Pacientes com doenças que antes eram
incuráveis, estão vivendo muito tempo, às vezes apresentam um segundo ou
terceiro câncer, são tratados para todos e vivem muito mais. É também um efeito
colateral da longevidade.”
O professor reforça
que não há fórmula mágica para a equação que envolve a sustentabilidade do
sistema, mas é preciso discutir a diminuição de custos não apenas pela lógica
do menor preço, mas considerando a cartela de clientes, a necessidade da
população atendida e o foco estratégico. Por isso, a variedade dos perfis de
análise deve ser considerada a partir do desfecho desejado.
“Todas as estimativas
globais mostram que os biossimilares colaboram para um saving na casa dos
bilhões, portanto são números que não precisam sequer entrar em discussão. São
medicamentos que podem viabilizar o que a gente faz, entrar como estratégia para
libertar o orçamento para que possamos investir em inovação. O foco não é
economizar por economizar, mas para investir em novas possibilidades”, defende
Stefani.
• Dados de vida real com paciente no
centro
Os dados de vida real
têm contribuído para ampliar e evidenciar essa cadeia de fatores que precisa
ser analisada para a saúde financeira dos sistemas de saúde. Afinal, eles
possibilitam uma análise mais aprofundada de determinados desfechos que não
possuem testes clínicos específicos, como a melhoria de qualidade de vida,
indicador crucial para uma saúde que caminha para valorizar cada vez mais o
cuidado centrado no paciente.
“Quando falamos em
saúde baseada em desfecho – e estamos falando de dados de vida real – há uma
coisa muito importante: quem define o que é desfecho, se um tratamento
funcionou ou não? É o paciente”, pondera Gabriela Tannus, do IBRAVS.
Um exemplo direto de
impacto atrelado à qualidade de vida é a enxaqueca. Segundo Márcio Nattan,
neurologista do Hospital Albert Einstein e membro da Sociedade Brasileira de
Cefaleia, além do impacto profundo na qualidade de vida do paciente, a condição
também traz um impacto econômico e social por causa da incapacidade que
provoca: “Temos a Carga Global de Morbidade (GBD, na sigla em inglês), uma
avaliação de anos perdidos por doença, ou seja, o quanto que essa condição muda
a expectativa de vida de uma pessoa, quantos anos a pessoa vive com essa
incapacidade. A enxaqueca se encontra em segundo lugar quando a gente olha para
anos vividos com incapacidade acumulados no mundo.”
Para ele, a jornada do
paciente de enxaqueca não é linear. “Ele tem sintomas de fotofobia, fonofobia,
náuseas repetidamente, às vezes de uma maneira progressiva, ao passo que fica
muito difícil funcionar trabalhar, aproveitar a família, ter momentos de lazer.
Quando a gente olha para a forma que o paciente descreve isso, percebemos que
vai muito além da dor, é de fato debilitante”, complementa Nattan.
Por todos esses
fatores, segundo Tannus, há a importância de se dialogar com o paciente ao
longo de toda a jornada de tratamento, não apenas para alinhar as expectativas,
mas para entender o que faz sentido para a realidade daquele indivíduo. “Não
adianta eu ter um tratamento em que eu melhoro inúmeros indicadores, mas o
paciente continua se sentindo mal. Por exemplo, uma medicação apresentou ótimos
resultados, mas um dos efeitos colaterais é um leve tremor na mão. Se o meu
paciente for um pianista, é um efeito colateral tão pequeno assim? Por isso, o
foco tem que ser no paciente.”
• Caminho a percorrer
Contudo, ainda há um
caminho a ser percorrido no Brasil. Tannus salienta que os dados de vida real
baseados na população local são indispensáveis para a construção de estratégias
que sejam aplicáveis e tragam resultados, já que os fatores culturais têm um
impacto significativo no desenho dessas estratégias:
“Para montar linhas de
cuidados, eu preciso ter os dados mensurados para entender o que está
acontecendo. Preciso falar com o meu paciente e entender o que aquele indicador
no meu banco de dados significa para ele na vida real. Hoje temos muitos dados
europeus, americanos, que mostram o impacto de algumas decisões de saúde que já
nos ajudam a entender o potencial de um tratamento na vida real. Mas é
fundamental a gente entender o dado local, porque isso interfere na utilização
de recursos e nesta avaliação do paciente.”
Neste contexto, a
inteligência artificial aparece como grande aliada por sua capacidade de
extrair insights de dados de saúde. Mas segundo Vanessa Teich, do Einstein,
ainda há um desafio de estruturação do montante de dados clínicos disponíveis
hoje nas instituições de saúde, que chegam por todos os lados: prontuários
eletrônicos, testes genéticos, vestíveis, estudos clínicos e outros. A grande
dificuldade está em traduzir esses dados para torná-los interoperáveis. Mas já
existem cases práticos.
“Em visita aos Estados
Unidos, conversei com um time do City of Hope, um hospital oncológico parceiro
do Einstein, que contou sobre como eles já tinham um sistema de integração com
o laboratório. Todo paciente que realizava um teste genético já tinha esses
dados atualizados também no prontuário médico. Ou seja, é algo que já existe,
mas aqui ainda temos uma série de desafios de interoperabilidade”, conclui
Teich.
Fonte: Futuro da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário