quarta-feira, 29 de maio de 2024

Assim como os genéricos, biossimilares podem ampliar acesso no país

Em fevereiro deste ano, a Lei dos Genéricos completou 25 anos no Brasil. A autorização para que laboratórios fabricassem medicamentos que tivessem as patentes expiradas foi um marco para a saúde pública no sentido de ampliar o acesso e estimular a concorrência. Hoje, os genéricos representam 33% das prescrições e 35% das vendas de medicamentos no país, segundo a PróGenéricos. Agora, com a farmacologia caminhando para uma nova etapa, marcada por mecanismos de ação complexos – com alvos específicos, menos toxicidade e maior eficiência –, os biossimilares e os genéricos de alta complexidade têm potencial de trazer uma nova perspectiva para o setor.

Boa parte desse cenário que se desenha ocorre pelo avanço da tecnologia e das inovações que surgem todos os anos, que têm permitido a evolução da medicina genética e da compreensão detalhada de inúmeras doenças a níveis que antes eram inimagináveis. Mas embora a prática clínica demonstre o impacto das novas classes de medicamentos, o desafio tem sido encontrar um equilíbrio entre acesso e sustentabilidade do sistema, uma vez que o alto custo dessas terapias tende a ser um entrave.

“Desde que os genéricos chegaram ao Brasil, vimos uma grande revolução, muita coisa já aconteceu desde então no mercado”, analisa Rogério Scarabel, ex-diretor-presidente da ANS e sócio da M3BS Advogados.

Essa evolução no último quarto de século passa pela criação de mecanismos de regulamentação sobre o processo de controle de qualidade dos genéricos, programas de apoio ao desenvolvimento técnico-científico desses medicamentos e campanhas de educação para a população sobre fármacos dessa natureza. São fatores que contribuem para o contínuo desenvolvimento desse mercado, como aponta Roberto Rocha, CEO da farmacêutica Teva: “O sistema de saúde de mais alta complexidade no Brasil, que engloba cuidados e terapias assignadas, por exemplo, a pacientes oncológicos, perceberá muitos benefícios com a chegada dos genéricos mais complexos e de alta qualidade, uma vez que estes podem significar uma economia ao sistema e, consequentemente, desbloqueiam recursos para as terapias inovadoras apresentadas pelas farmacêuticas e que necessitam ser incorporadas ao sistema.”

O tema foi amplamente debatido no 1º Summit Saúde Suplementar, promovido pela Teva com apoio da Associação Brasileira dos Enfermeiros Auditores (ABEA) e Sociedade Brasileira de Auditoria Médica (SBAM), que buscou discutir alternativas e ampliar o diálogo sobre o tema. Para Scarabel, o Brasil possui uma relevância muito grande em tamanho e diversidade da população, mas ainda há um potencial de mercado muito grande a ser explorado. “Somos o oitavo mercado de saúde do mundo, mas economicamente ele significa menos de 2%, o que é muito insignificante.”

O evento contou ainda com as participações de Danielle Leão, hematologista e pesquisadora clínica da BP, Fabiano Pombo, farmacêutico que atua com regulamentação e qualidade de genéricos e biossimilares, Fernanda Manfredini, farmacêutica e diretora de qualidade Latam da Teva Brasil, Gabriela Tannus, diretora de assuntos institucionais do Instituto Brasileiro de Valor em Saúde (IBRAVS), Helena Romcy, presidente da Associação Brasileira dos Enfermeiros Auditores (ABEA) Marcos Santos, presidente da Sociedade Brasileira de Auditoria Médica (SBAM), Márcio Nattan, neurologista e membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia, Stephen Stefani, oncologista clínico e professor de Avaliação de Tecnologias em Saúde e Economia da Saúde, e Vanessa Teich, diretora de economia em saúde no Hospital Israelita Albert.

•        Inovação, sustentabilidade e qualidade

O processo de desenvolvimento de um novo medicamento é dispendioso. De acordo com um levantamento feito pela Deloitte, a média de custo desse processo é de US$2,3 bilhões – isso engloba encontrar uma nova molécula viável, que apresenta o potencial de ação desejado, as fases de comprovação da ação, determinação de dosagem, avaliação da toxicidade, comparação com a referência atual do mercado e a conclusão de indicação. Todo o investimento na inovação e a incerteza de que após todo esse aporte o medicamento será disponibilizado acabam deixando o processo mais custoso.

Nesse cenário, o Brasil conta com as duas possibilidades de oferecer as tecnologias cujas patentes expiraram e que, portanto, não passam pelos custos de desenvolvimento: os genéricos, medicamentos que tem como ativo estruturas moleculares mais simples, e os biossimilares, com estruturas moleculares mais complexas. Para comparação, o custo de desenvolvimento de um genérico varia entre US$2 milhões a US$5 milhões. No caso do biossimilar, o custo total que varia entre US$100 milhões e US$200 milhões.

“Diferente do genérico comum, o biossimilar traz algumas complexidades. Você tem uma estrutura biológica, geralmente produzida por algum organismo vivo, e ela tem que ter determinadas características que permitam que a atividade final desse medicamento seja o mesmo esperado do produto de referência”, explica Fabiano Pombo.

Além disso, o biossimilar passa por testes específicos, como farmacocinética, farmacodinâmica e bioequivalência, parte do rigoroso controle de qualidade de genéricos e biossimilares durante todo o ciclo de vida dos produtos.

“São boas práticas de fabricação, do sistema de qualidade farmacêutica, que se estendem do projeto a implementação, manutenção e melhoria contínua dos medicamentos”, detalha Pombo. “Nós já fazemos genéricos químicos há mais de 25 anos. E, atualmente, temos feito esse processo com os biossimilares. Eu participei muito das discussões no começo da entrada dos biossimilares no mercado, tive a oportunidade de conversar com muitas empresas brasileiras e também de fora do Brasil, e havia uma expectativa muito grande. Como parte do processo, do mercado de saúde, é importante que a gente conheça as opções disponíveis para garantir acesso a melhor delas.”

•        Muito além do preço dos genéricos e biossimilares

A discussão sobre o impacto dos genéricos e biossimilares inclui muitos outros ângulos além do preço, como destacou Danielle Leão. Ela citou como exemplo os novos fármacos para leucemia linfocítica crônica (LLC), que tem mudado o curso natural da doença, elevado a expectativa de vida e a qualidade de vida dos pacientes: “Recentemente foi aprovado um biossimilar de um anticorpo monoclonal no Brasil, que já é amplamente utilizado em outros países, que demonstrou aumentar para 74% a chance de cura do paciente.”

Outra aprovação recente, por parte da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, foi o primeiro genérico no país indicação para o tratamento de leucemia mieloide crônica (LMC) e leucemia linfoblástica aguda (LLA).

Para Leão, as evidências clínicas reforçam que a discussão sobre a incorporação está em um novo momento, em que o foco não é o questionamento sobre os benefícios dos biossimilares, mas estratégias de viabilizar o acesso aos pacientes. “São tecnologias muito importantes, que aumentam a sobrevida do paciente, e há possibilidade de trabalhar para que mais pessoas tenham acesso a esses medicamentos. Somos um país grande, com dinheiro limitado que precisa ser utilizado de maneira consciente, mas é importante unir gestão, ciência e dignidade humana.”

A sobrevida é uma consequência direta da chegada de novas soluções, como destacou o oncologista clínico Stephen Stefani. Se há algumas décadas o intervalo de chegada de novos medicamentos era de cerca de três anos, atualmente isso se acelerou: “A cada duas, três semanas há uma novidade, todas extremamente interessantes, com alvo definido, menor toxicidade”.

Na visão de Stefani, “o remédio deixou de ser um veneno e passou a ser dirigido, ter um novo mecanismo e mudar a história da doença. Pacientes com doenças que antes eram incuráveis, estão vivendo muito tempo, às vezes apresentam um segundo ou terceiro câncer, são tratados para todos e vivem muito mais. É também um efeito colateral da longevidade.”

O professor reforça que não há fórmula mágica para a equação que envolve a sustentabilidade do sistema, mas é preciso discutir a diminuição de custos não apenas pela lógica do menor preço, mas considerando a cartela de clientes, a necessidade da população atendida e o foco estratégico. Por isso, a variedade dos perfis de análise deve ser considerada a partir do desfecho desejado.

“Todas as estimativas globais mostram que os biossimilares colaboram para um saving na casa dos bilhões, portanto são números que não precisam sequer entrar em discussão. São medicamentos que podem viabilizar o que a gente faz, entrar como estratégia para libertar o orçamento para que possamos investir em inovação. O foco não é economizar por economizar, mas para investir em novas possibilidades”, defende Stefani.

•        Dados de vida real com paciente no centro

Os dados de vida real têm contribuído para ampliar e evidenciar essa cadeia de fatores que precisa ser analisada para a saúde financeira dos sistemas de saúde. Afinal, eles possibilitam uma análise mais aprofundada de determinados desfechos que não possuem testes clínicos específicos, como a melhoria de qualidade de vida, indicador crucial para uma saúde que caminha para valorizar cada vez mais o cuidado centrado no paciente.

“Quando falamos em saúde baseada em desfecho – e estamos falando de dados de vida real – há uma coisa muito importante: quem define o que é desfecho, se um tratamento funcionou ou não? É o paciente”, pondera Gabriela Tannus, do IBRAVS.

Um exemplo direto de impacto atrelado à qualidade de vida é a enxaqueca. Segundo Márcio Nattan, neurologista do Hospital Albert Einstein e membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia, além do impacto profundo na qualidade de vida do paciente, a condição também traz um impacto econômico e social por causa da incapacidade que provoca: “Temos a Carga Global de Morbidade (GBD, na sigla em inglês), uma avaliação de anos perdidos por doença, ou seja, o quanto que essa condição muda a expectativa de vida de uma pessoa, quantos anos a pessoa vive com essa incapacidade. A enxaqueca se encontra em segundo lugar quando a gente olha para anos vividos com incapacidade acumulados no mundo.”

Para ele, a jornada do paciente de enxaqueca não é linear. “Ele tem sintomas de fotofobia, fonofobia, náuseas repetidamente, às vezes de uma maneira progressiva, ao passo que fica muito difícil funcionar trabalhar, aproveitar a família, ter momentos de lazer. Quando a gente olha para a forma que o paciente descreve isso, percebemos que vai muito além da dor, é de fato debilitante”, complementa Nattan.

Por todos esses fatores, segundo Tannus, há a importância de se dialogar com o paciente ao longo de toda a jornada de tratamento, não apenas para alinhar as expectativas, mas para entender o que faz sentido para a realidade daquele indivíduo. “Não adianta eu ter um tratamento em que eu melhoro inúmeros indicadores, mas o paciente continua se sentindo mal. Por exemplo, uma medicação apresentou ótimos resultados, mas um dos efeitos colaterais é um leve tremor na mão. Se o meu paciente for um pianista, é um efeito colateral tão pequeno assim? Por isso, o foco tem que ser no paciente.”

•        Caminho a percorrer

Contudo, ainda há um caminho a ser percorrido no Brasil. Tannus salienta que os dados de vida real baseados na população local são indispensáveis para a construção de estratégias que sejam aplicáveis e tragam resultados, já que os fatores culturais têm um impacto significativo no desenho dessas estratégias:

“Para montar linhas de cuidados, eu preciso ter os dados mensurados para entender o que está acontecendo. Preciso falar com o meu paciente e entender o que aquele indicador no meu banco de dados significa para ele na vida real. Hoje temos muitos dados europeus, americanos, que mostram o impacto de algumas decisões de saúde que já nos ajudam a entender o potencial de um tratamento na vida real. Mas é fundamental a gente entender o dado local, porque isso interfere na utilização de recursos e nesta avaliação do paciente.”

Neste contexto, a inteligência artificial aparece como grande aliada por sua capacidade de extrair insights de dados de saúde. Mas segundo Vanessa Teich, do Einstein, ainda há um desafio de estruturação do montante de dados clínicos disponíveis hoje nas instituições de saúde, que chegam por todos os lados: prontuários eletrônicos, testes genéticos, vestíveis, estudos clínicos e outros. A grande dificuldade está em traduzir esses dados para torná-los interoperáveis. Mas já existem cases práticos.

“Em visita aos Estados Unidos, conversei com um time do City of Hope, um hospital oncológico parceiro do Einstein, que contou sobre como eles já tinham um sistema de integração com o laboratório. Todo paciente que realizava um teste genético já tinha esses dados atualizados também no prontuário médico. Ou seja, é algo que já existe, mas aqui ainda temos uma série de desafios de interoperabilidade”, conclui Teich.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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