Congelamento de óvulos avança e atrai
perfis diferentes
A gravidez é uma
opção, mas o chamado tempo biológico (ou tempo materno) limita a escolha por
meio de uma batalha entre tempo e fertilidade. Para que continuem com seu poder
de tomada de decisão de dizer ‘quando’ e ‘como’, muitas mulheres estão mais
adeptas de técnicas de reprodução assistida. Uma dessas técnicas é o
congelamento de óvulos, que cresce no Brasil.
“Acredito que nós
estamos vivendo uma nova era em que a evolução dessa vez não é a contracepção,
mas sim a preservação da fertilidade”, afirma o Dr. Nathan Ceschin,
ginecologista e obstetra, vice-diretor da Feliccita Instituto de Fertilidade.
“Hoje o melhor tratamento para assegurar as taxas de gravidez no futuro seria o
congelamento de ovos.”
Dados da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), compilados a pedido pelo jornal O
Globo, mostram que foram realizados 4.340 congelamentos de óvulos em 2023, um
aumento de 97% quando comparado aos 2.193 ciclos feitos em 2020, primeiro ano
do histórico dos dados. No total, entre 2020 a 2023, foram realizados 13.471
congelamentos.
Esta técnica de
reprodução, no entanto, não surge de um hype atual. Ela nasceu para tratar as
pacientes oncológicas que ainda tinham vontade de ter filhos algum dia. No
Brasil, existe há algumas décadas e o país é considerado até mesmo como um dos
precursores. Segundo o ginecologista, o congelamento está em constante evolução
por aqui nos últimos 30 anos: “A medicina vai evoluindo tanto como formas de
congelamento, mas principalmente meios de cultivo, placas, estufas, todos são
instrumentos básicos que trabalhamos na parte do laboratório. O Brasil vem
tendo uma norma mundial com qualidade e desenvolvimento técnico e científico e
nós estamos muito orgulhosos desses números com a boa prática da reprodução que
temos”.
• Acesso ao congelamento de óvulos na
saúde suplementar e no SUS
A transformação da
medicina reprodutiva já foi até mesmo pauta de decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), que decidiu em 2023 que as operadoras de saúde passem a custear
o congelamento de óvulos de pacientes oncológicos. A infertilidade é um
possível efeito colateral para pessoas que passam por radioterapia ou
quimioterapia, sendo assim, necessário intervenções médicas para garantir a
preservação da capacidade fértil.
No Sistema Único de
Saúde (SUS), não é diferente. Todas as mulheres brasileiras com câncer podem
ter acesso ao tratamento de congelamento oncológico pelos Centros de Reprodução
Humana Assistida (CRAHs), algo que deve ser tratado com o médico que acompanha
o caso.
Um problema frequente
ao tratar de Brasil, no entanto, é o acesso aos hospitais e clínicas. São
apenas dez unidades do CRAHs aptos para atendimento deste procedimento pelo
SUS. A maioria das clínicas de reprodução assistida estão em grandes centros,
longe de determinadas partes da população. “Hoje, ainda temos dois estados que
não têm [clínicas] de reprodução assistida, e a maioria sendo grandes cidades e
capitais. Já tivemos um grande salto em conseguir com que os planos de saúde
paguem o tratamento. Nos últimos casos que tivemos, foi 100% do tratamento
custeado”, aponta Ceschin.
O valor do
procedimento também é um impeditivo para que mulheres no país todo possam
escolher realizá-lo. De acordo com as fontes entrevistadas para esta
reportagem, o custo do procedimento em si foi de R$ 20 mil reais, com uma taxa
anual variando de R$ 1.000 a R$ 1.500 reais para manter o congelamento nas
clínicas. Para Ceschin, a popularização do procedimento pode levar a uma
diminuição no investimento que deve ser feito por cada paciente.
• Tecnologia e eficácia
Nos primeiros anos da
terapia, eram realizados mais os congelamentos de embriões, ou seja, a
combinação do espermatozoide com o óvulo fecundado. Porém, no processo de
congelamento e posterior descongelamento, havia muitas perdas do material, em
torno de 60% nos anos 90. Posteriormente, com estudo, foi descoberto que o
processo de vitrificação mantinha os óvulos em melhores condições que as usadas
antes.
“A vitrificação é um
congelamento extremamente rápido, onde conseguimos levar a temperatura à -196º
C. Aprendemos que mantinha melhor a qualidade do óvulo porque no interior do
citoplasma de cada óvulo tem gotículas de água. Digamos que elas ficavam cristalizadas
e, dessa maneira, quando descongelávamos perdia-se muito.” Hoje, com esse novo
procedimento há uma sobrevida das coletas que variam em torno de 90 a 93%,
segundo Ceschin.
O sucesso dos
procedimentos, no entanto, não é uma promessa certeira. Os resultados dependem
de diversos fatores, como a quantia de óvulos coletados e suas condições. Ainda
que os índices sejam favoráveis, não é possível afirmar que um procedimento
médico terá sucesso absoluto. “Nós estimamos que uma paciente que congela em
torno de 14-16 óvulos até os 35 anos, tem uma taxa de gravidez de 80-86% no
futuro.”
No relatório da Red
Latinoamericana de Reproducción Asistida (REDLARA), organização que credencia
clínicas de países da América Latina para procedimentos como o congelamento de
óvulos, aponta que foram iniciados 87.732 ciclos de procedimentos de reprodução
assistida diversos em 2020. Destes, 46% foram no Brasil. Vale ressaltar que a
quantia de ciclos tem impacto direto no tamanho do país. Por cálculo básico de
ciclo/milhão, o Brasil é o sexto país latino-americano com maior taxa de ciclos
iniciados de reprodução assistida iniciada.
Em 2020, foram
realizados 4.813 procedimento de preservação da fertilidade, o congelamento de
óvulos. Este é o terceiro procedimento mais realizado por brasileiras, o
primeiro é a iniciação de novos ciclos autólogos de fertilização pela técnica
do in vitro ou do ICSI, via injeção intracitoplasmática de espermatozoides.
Segundo o relatório, após a remoção dos ciclos de congelamento, a taxa de
entrega/resultado foi de 14,8% para injeção intracitoplasmática de
espermatozoides e 15,6% para fertilização in vitro.
De acordo com dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maior porcentagem de
partos com nascidos vivos ainda é de mulheres entre 25 a 29 anos, com 638.303
nascimentos. Ainda assim, desponta na terceira posição, atrás da faixa de 20 a
24 anos, as mulheres que estão tendo seus filhos após os 30 anos. Foram 532.722
crianças em 2022. O número de mulheres que parem após os 35 anos também é
representativo: 342.120 nasceram dessas mulheres.
De 2020 a 2022, as
faixas etárias de mulheres entre 40 a 44, 45 a 49 e acima de 50 anos foram as
únicas que aumentaram. A primeira saiu de 92.066 nascimentos em 2020 para
99.843 em 2022, um aumento de 8,4%. As faixas mais novas diminuíram na
comparação entre 2020 e 2022, o que corrobora com a tendência de menos
nascimentos e envelhecimento da população.
• Dentro do consultório
Rui Ferriari,
professor e coordenador do Centro de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, integra um dos primeiros
serviços públicos a oferecer o procedimento de congelamento de óvulos no
Brasil.
Ele comenta sobre
estudos e novas pesquisas entre possibilidades de gravidez para mulheres que
escolhem esperar ou recorrem a métodos de reprodução assistida. Um deles é o
congelamento de tecido ovariano. “O problema são os resultados disso que ainda
é um número de nascimentos pequeno”, esclarece. Outro é o rejuvenescimento
ovariano. “Há algumas tentativas com injeção de células-tronco dentro do ovário
e outras substâncias. Isso é considerado experimental e não se pode prometer um
sucesso em relação a isso”, comenta o professor.
Segundo Ferriari,
antes de tentar fazer um congelamento, a gravidez natural sempre é o melhor
caminho. Por isso, além de considerar os planos anticoncepcionais, ele também
aconselha pacientes a pensarem sobre seu futuro reprodutivo desde cedo. O
congelamento de óvulos pode surgir como um plano B. “Não existe nenhum tipo de
estudo que vai definir a melhor idade. Tem cálculos que dizem que 37 anos é
razoável, mas você pode ter mulheres com menos probabilidade, perdas ovarianas
mesmo antes disso. O que falamos é que não é preservação de fertilidade, é um
aumento de chances de engravidar”, completa.
Por isso, cada caso é
um caso e deve ser acompanhado por médico especializado. Contudo, há dois
fatores que médicos concordam: a qualidade dos óvulos é mais garantida quando a
paciente é jovem e quanto maior a quantidade de óvulos, melhor. O doutor levanta
um ponto de atenção para condições de saúde que podem alterar a experiência de
uma paciente, como o ovário policístico e a endometriose. No caso desta última,
existem pacientes que obtêm sucesso no procedimento, mas passam por maior
instabilidade. “A paciente mais difícil para nós é com endometriose, pois têm
chance de comprometimento da sua reserva ovariana. Se a doença pega o ovário,
ela tem mais chance de ter uma resposta ruim ao fazer uma fertilização in vitro
ou um congelamento.”
O ovário policístico
acontece de outra forma. Como ele é um distúrbio que afeta o tamanho dos
ovários, acaba contribuindo no momento de realizar um procedimento como o
congelamento, porque ele produz muitos óvulos. Da mesma forma acontece para
pacientes que fazem qualquer tipo de intervenção médica na região dos ovários:
“Paciente que, por exemplo, vai fazer alguma cirurgia de ovário, principalmente
que tenha endometriose, tem risco de lesionar o ovário e afetar sua reserva.
Sempre discutimos isso antes de operar porque depois que opera ela pode ter um
comprometimento da função.”
• Perfil de quem faz
Segundo Ceschin, a
partir dos 35 e, ainda mais provavelmente, a partir do 38 anos existe uma queda
de qualidade dos óvulos e a melhor maneira de preservá-los seria congelando o
próprio óvulo na tentativa de ser mãe: “A nossa geração e essa que está chegando
têm mais comunicação, mais acesso às tecnologias e são quem mais buscam
postergar a maternidade. O congelamento de óvulos de maneira social é a
paciente que já tem até seus 35 ou 36 anos e não pretende ser mãe a curto ou
médio prazo e assim congela.”
Natália foi uma das
mulheres que decidiu fazer o congelamento de óvulos na faixa etária de 35 a 37.
“Eu já tinha isso na cabeça de que provavelmente queria fazer, porque sempre
tive pensamentos ambivalentes em relação a engravidar. Chegou os 35 e eu não tinha
decidido ainda, não sabia para que lado eu ia ou não. Aí eu pensei: ‘bom, não
dá para adiar mais, vou congelar para não ficar pensando tanto nisso’. Não
adiantou, continuo pensando, mas pelo menos eu tenho esse seguro”, conta a
servidora pública de 37 anos.
Ela começou a se
organizar e ir em consultas com o médico no final de 2021, mas o processo
acabou demorando um pouco mais que o esperado para ser realizado. Seu médico a
orientou que o procedimento deveria começar após ela parar com a pílula
anticoncepcional, prática de anos, e menstruar, o que demorou algum tempo até
que o corpo voltasse à sua condição natural. “Depois disso, foi mais rápido do
que eu imaginava, mas um pouco mais dolorido do que me falavam. Você precisa
tomar remédio para os óvulos e eu fiquei com muita dor, parecia que eu tinha
bolas de tênis dentro de mim.”
No meio do caminho,
Natália também descobriu que tinha ovário policístico, uma condição que tornou
o processo ainda mais dolorido e desconfortável para ela. Os medicamentos
tomados antes da coleta é para que tenha a maior quantidade de óvulos possíveis
disponíveis para serem retirados. “Eles foram bem realistas, falaram que não
quer dizer que vai dar certo a fertilização depois, até depende da idade que eu
tiver também para gravidez, não é só porque está congelado que eu posso ter 70
anos e querer engravidar que não dá certo.”
Para Mariana, de 31
anos, a situação foi outra. Com 12 anos, teve um tumor benigno de ovário e
operou do lado direito. Anos depois, com 26 anos, descobriu que o tumor estava
no ovário esquerdo também e precisou operar. Para reservar sua possiblidade de
gerar um filho no futuro, fez o congelamento de óvulos na época. “Na época não
era casada, eu não tinha companheiro, estava na minha vida louca de solteira,
mas não dava para ficar brincando também. Pensei: vou fazer.”
Assim como Natália, o
processo de congelamento não foi tão fácil. A experiência para cada paciente
pode mudar, mas para algumas os efeitos colaterais e incomodo podem ser mais
acentuados que para outras. Ela, que é ginecologista, conta que sofreu bastante
durante o processo e teve complicação da síndrome de hiper estimulação
ovariana, o que a fez parar de trabalhar por um tempo até passar por todo o
processo. “São muitas injeções, hormônio, o cabelo cai, fiquei com o humor
péssimo. Se o aspirador estivesse ligado, eu queria morrer e eu sou uma pessoa
calma. Não se fala do quão estressante é passar isso”. Mariana conta que, pelo
processo inteiro, tomou aproximadamente 14 injeções no total, além de ter feito
a coleta sedada e de 16 óvulos terem sido coletados, mas que com a perda de
dois, ficaram 14 congelados.
Apesar das
dificuldades, a opinião de Natália e Mariana, que vivem em contextos diferentes
do congelamento, são parecidas: o procedimento representa uma segurança para
quem faz, seja em termos médicos de alguém que precisou fazer o congelamento,
como alguém que o escolheu. “Eu recomendo se a pessoa tem condição financeira
de fazer, isso é uma segurança. Eu acho que é uma tranquilidade a mais para a
gente”, conta Mariana.
Fonte: Futuro da Saúde
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