Advogado é intimidado após denunciar
contaminação por agrotóxicos, dizem entidades
AO MENOS 161
PESQUISADORES E ENTIDADES em defesa de direitos humanos, trabalhistas e
socioambientais denunciaram nesta quarta-feira (29) uma tentativa de
intimidação, por parte do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola
(Sindag), contra o advogado Diogo Cabral, que atua junto à Federação dos
Trabalhadores Rurais do Maranhão (Fetaema).
O advogado recebeu na
última quinta-feira (23) uma notificação extrajudicial do Sindag para se
retratar ou comprovar, em até 48h, que a pulverização aérea de agrotóxicos no
Maranhão prejudica comunidades.
A notificação
apresenta como motivo a entrevista de Cabral ao jornal JMTV 2ª edição, em 24 de
abril, quando foi noticiada a aprovação de uma lei que proibiu a pulverização
de agrotóxicos com aviões ou drones no município de Caxias (MA).
A reportagem cita um
dado da Fetaema de que a prática gerou 60 ocorrências de contaminação no estado
em 2023. “Pessoas tiveram queimaduras, crianças, idosos e gestantes acabaram
adoecendo, com graves problemas gastrointestinais, e parte da produção agrícola
destas comunidades foi inteiramente perdida”, disse Cabral à emissora.
Para o Sindag,
contudo, trata-se de “vã afirmação” dizer que a pulverização aérea prejudica
pessoas e o meio ambiente. “Está comprovado tecnicamente que a aviação agrícola
constitui ferramenta moderna e segura para a aplicação dos necessários
defensivos agrícolas”, afirma o sindicato na notificação ao advogado.
No entanto, segundo a
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, “há um amplo conjunto de
pesquisas científicas que demonstram a necessidade de proibir a pulverização
aérea de agrotóxicos no Brasil e que esse tipo de atividade tem promovido inúmeras
violações de direitos humanos”. A rede de organizações denuncia os efeitos
causados pelos pesticidas.
O Ceará é o único estado a proibir a prática, que já é vedada na União Europeia desde 2009, por causa de potenciais danos à saúde e ao meio ambiente gerados pelas chamadas “chuvas de veneno”. O Ibama também restringiu a pulverização aérea de alguns agrotóxicos, como o fipronil, por entender que pode causar a morte massiva de abelhas.
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Pulverização contaminou 91 comunidades do
Maranhão, dizem entidades
Segundo a nota de
repúdio divulgada hoje, a ação do Sindag ocorre num contexto de aumento da
violência agrária e de denúncias sobre a pulverização aérea no Maranhão, pois
91 comunidades de 21 municípios foram vítimas neste ano dessa prática.
A nota diz ainda que a
notificação extrajudicial do Sindag é uma “tentativa de silenciamento das
pessoas e entidades que apresentam publicamente visão crítica acerca dos
agrotóxicos, o que também significa uma tentativa de impedir que grupos sociais
vulneráveis denunciem e lutem pelo direito à saúde e ao meio ambiente
preservado”.
À Repórter
Brasil, Cabral disse que viu a notificação como uma provocação e uma tentativa
de barrar processos de proibição da pulverização no Maranhão. Desde 2022, seis
municípios aprovaram leis impedindo que a prática aconteça (Barreirinhas,
Brejo, Caxias, Lago dos Rodrigues, São Francisco do Maranhão e Santana do
Maranhão). Há ainda projetos de leis tramitando em outros cinco (Coroatá, Lago
da Pedra, Peritoró, Timbiras e Lago do Junco). Em Buriti, uma decisão judicial
impede a pulverização após agrotóxicos serem lançados de avião sobre crianças e comunidades em disputa por terra.
“Podem judicializar se
quiserem. Eu vou ter um campo de debate amplo para comprovar minhas afirmações
com base na pesquisa científica, com base nas evidências do campo científico
acerca dos danos causados pela pulverização aérea de agrotóxicos. Eu não vou
responder a essa provocação.”, diz o advogado à Repórter Brasil.
O advogado conta ainda
que a notificação chegou dois dias após uma audiência pública para discutir a pulverização aérea no estado promovida pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
Humanos do Maranhão (CEDDH/MA), órgão ligado à Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos e Participação Popular do estado. Segundo relatos, mais de 200
pessoas participaram da audiência, a maior parte de comunidades atingidas por
agrotóxicos.
O presidente do
CEDDH/MA, Luís Antônio Pedrosa, contou à reportagem que um servidor do governo
federal quanto o próprio Sindag tentaram intimidar os participantes do evento.
Posteriormente, o funcionário público chegou a enviar mensagens à Pedrosa
afirmando que as alegações de falta de fiscalização eram mentirosas.
Por meio de nota, o
Sindag afirmou que buscou esclarecimentos tanto com o advogado popular quanto
com a rede de televisão que veiculou a reportagem a fim de buscar a
“transparência sobre as informações divulgadas e a verdade sobre os fatos”. “A
ação não tem nada a ver com a linha de trabalho de ninguém. Busca apenas
estabelecer a racionalidade em um debate que é importante para toda a
sociedade. Onde, infelizmente, a generalização e o radicalismo arriscam
provocar danos para as pessoas, para profissionais que cumprem a lei, para a
produção agrícola e ao próprio meio ambiente”, afirma o sindicato. Leia na íntegra.
·
Cientistas que pesquisam efeitos negativos
dos agrotóxicos já foram perseguidos
“Essa tentativa de
intimidação não é isolada, ela é parte de uma estratégia nacional e
internacional que visa ao silenciamento dos cientistas e acontece de uma forma
estruturada”, afirma Vicente Almeida, coordenador da Rede Irerê de Proteção à
Ciência, que expõe e analisa perseguições a pesquisadores e defensores de
direitos humanos.
Assim como o advogado
popular Diogo Cabral, pesquisadores brasileiros que vem se posicionando contra
as práticas do agronegócio vêm sofrendo ameaças e assédios após revelarem
impactos ambientais, sociais e de saúde provocados pelos agrotóxicos,
como mostraram O Joio e o Trigo e De Olho nos Ruralistas.
Almeida foi um desses
pesquisadores perseguidos. Seis meses depois de publicar um artigo que
evidenciava que o uso de sementes transgênicas no país aumentava o consumo de
agrotóxicos, o oposto do que o agronegócio dizia na época, foi demitido da
Embrapa sob a alegação de “desídia, insubordinação, indisciplina e mau
procedimento”. Ele até conseguiu voltar cerca de dois anos depois às suas
funções, por meio de uma decisão da Justiça, mas pouco tempo depois foi
demitido novamente, desta vez sem justa causa.
Outro pesquisador
perseguido foi Fernando Carneiro. Com uma longa carreira na saúde pública,
tendo passado pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, Ministério da
Saúde e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), atua como
pesquisador em saúde e ambiente de trabalho na Fiocruz no Ceará. Carneiro
também fez contribuições no Dossiê
Abrasco: Um Alerta Sobre Os Impactos dos Agrotóxicos na Saúde e no Dossiê Contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida.
Após mostrar em uma
audiência pública, organizada pelo Ministério Público de Fortaleza, que o Ceará
era o terceiro maior comercializador de agrotóxicos do Brasil (em quilogramas
por área plantada) em 2013, a Federação da Agricultura do Estado do Ceará (FAEC)
se sentiu ofendida. Ela entrou com uma interpelação judicial, ou seja, uma
intimação pedindo explicações sobre os dados apresentados e por usar o termo
“veneno” para se referir a “defensivos agrícolas”. A federação
considerava a palavra usada “pejorativa” e “desqualificadora”. Diversas organizações publicaram notas de repúdio e a Fiocruz saiu em
defesa do seu pesquisador
“No fundo eles querem
intimidar, eles querem fazer com que as pessoas gastem com advogados, inverter
realmente o ônus da prova, para que todo mundo fique calado”, afirma Carneiro.
<><> Leia
a nota de repúdio na íntegra:
NOTA
PÚBLICA SOBRE A TENTATIVA DE INTIMIDAÇÃO DE ADVOGADO DEFENSOR DE DIREITOS
HUMANOS NO MARANHÃO
Tivemos
conhecimento de que um “SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DE AVIAÇÃO AGRÍCOLA –
SINDAG”, com sede no Rio Grande do Sul, notificou o advogado da Federação
dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do
Maranhão-FETAEMA, DIOGO DINIZ RIBEIRO CABRAL, atuante defensor dos direitos
humanos no Estado do Maranhão, com o fito de tentar intimidá-lo na sua tarefa
de defender trabalhadores rurais vítimas da utilização indiscriminada de
agrotóxicos em lavoura do agronegócio. Isso ocorreu logo após a audiência
pública promovida pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do
Maranhão- CEDDH/MA, em parceria com a FETAEMA, Rede de Agroecologia do Maranhão
– RAMA, Justiça nos Trilhos e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos. Tal
intimidação ocorre num contexto de extrema violência agrária e ampliação das
ocorrências de pulverização aérea de agrotóxico no Maranhão e das denúncias
públicas, dirigidas a órgãos de estado e organismos internacionais, promovidas
por comunidades, organizações da sociedade civil e movimentos sociais sobre os
graves danos causados à saúde, ao meio ambiente e à produção por esta atividade
potencialmente danosa. Neste ano de 2024, 91 comunidades foram vítimas de
pulverização aérea em 21 munícipios do Maranhão. Repudiamos qualquer tentativa
de silenciamento das pessoas e entidades que apresentam publicamente visão
crítica acerca dos agrotóxicos, o que também significa uma tentativa de impedir
que grupos sociais vulneráveis denunciem e lutem pelo direito à saúde e ao meio
ambiente preservado. Tal repúdio se faz mais veemente e necessário quando tais
agressões têm firme propósito de intimidar e de causar efeito atemorizante
sobre destacado advogado, vinculado à defesa do direito humano à saúde, do meio
ambiente ecologicamente equilibrado e dos territórios tradicionais e que vem
atuando, há 15 anos, na defesa de comunidades, de quilombolas, de assentados da
reforma agrária vítimas de contaminação por agrotóxicos.
São
Luís/MA, 29 de maio de 2024.
Assinatura
Conselho
Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Maranhão– CEDDH/MA
Federação
dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do
Maranhão-FETAEMA
Rede de
Agroecologia do Maranhão – RAMA
Confederação
Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares-CONTAG
Sociedade
Maranhense de Direitos Humanos-SMDH
Campanha
Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Comissão
Pastoral da Terra- Regional Maranhão
Terra de
Direitos
Movimento
dos Atingidos por Barragens-MAB
Movimento
pela Soberania Popular na Mineração- MAM
Movimento
Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu- MIQCB
Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST
Amazon
Watch
Coletivo
Taoca
Fórum em
Defesa da Vida do Baixo Parnaíba Maranhense
Instituto
de Defesa de Consumidores-IDEC
Rede
Nacional de Advogados e Advogadas Populares- RENAP
Associação
em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão – ASSEMA
União das
Associações das Escolas Famílias Agrícolas do Maranhão- UAEFAMA
Comunidades
Eclesiais de Base – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Nordeste 5
Pastorais
Sociais- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Nordeste 5
Justiça
nos Trilhos-Jnt
Diocese de
Brejo (MA)
Diocese de
Coroatá (MA)
Programa
de Assessoria Rural da Diocese de Brejo
Cáritas
Diocesana de Brejo
Sindicato
dos Servidores Públicos de São Bernardo-Ma
Grupo
Companheiras de Santa Quitéria-Ma
Centro de
Defesa dos Direitos Humanos de Santa Quitéria-Ma
Conselho
Pastoral dos Pescadores-Ma
Reocupa
Rede
Emaranhadas
Movimento
21 (M-21)
Movimento
Xingu Vivo
Associação
Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura – ACESA
Associação
do Território Quilombola de Alcântara- ATEQUILA
Coletivo
de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Maranhão – CMTR – MA
Salve a
Floresta
Núcleo
Tramas- Universidade Federal do Ceará
Gustavo
Mesquita de Souza- LEPENG- UFMA
Professor
Doutor Joaquim Shiraishi Neto-UFMA
Professor
Doutor Bernardo Mançano Fernandes – REDE DATALUTA
Professora
Doutora Joana Tereza Vaz de Moura- Labrural- UFRN
Professor
Doutor Marco Antonio Mitidiero Junior – UFPB
Professor
Doutor Ronaldo Sodré- LEPENG- UFMA
Professor
Doutor José Sobreiro Filho – Geact, Universidade de Brasília- UnB
Professor
Doutor Rodrigo Simão Camacho, GeoEduQa – UFGD
Professor
Doutor Sedeval Nardoque, GeoAgraria – UFMS
Professor
Doutor João Cleps Junior – LAGEA-UFU
Professor
Doutor Flavio Bezerra Barros – Universidade Federal do Pará
Leonice
Alexandra Tessmann de Correia – GeoEduQa – UFGD
Djoni
Roos, Geolutas – Unioeste
Luiz Peit.
GeoEduQA -UFGD
Resistência
Cultural Upaon Açu- Reocupa
Rede de
Mulheres Emaranhadas São Luis
Coletivo
Etinerâncias
Maracatu
Baque Mulher São Luís
ANAN/MA –
Associação da Advocacia Negra – ma
Instituto
Idade Mídia Comunicação para Cidadania
Rádio
Ribeirinha Murukutu
Mirasawa
Murukutu Rendáwa Tupinambá (org. Indígena).
Associação
Cultural dos Povos da Amazônia Independente.
Casa
Galiléia
Coletivo
Pororoka
Observatório
do Marajó
Instituto
Lilar
COJOVEM
Labexperimental
Laboratório
da Cidade
Utopia
Negra Amapaense
Condô
Cultural
Associação
Giramundo
Instituto
Mapinguari
Organização
Mandi
AIHHUAM
FALA
Jornalismo
Instituto
Update
Assinam
ainda dezenas de sindicatos de trabalhadores rurais da região
Fonte: Repórter Brasil
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