quinta-feira, 30 de maio de 2024

O Vox espanhol é o centro da extrema direita global

Três semanas antes das eleições para o Parlamento Europeu, a extrema-direita global se reuniu em Madrid no último domingo em uma demonstração sem precedentes de sua coordenação internacional. Organizado pelo Vox, partido neofranquista da Espanha, o evento de três dias terminou em um comício em massa com oradores que incluíram Marine Le Pen da França, André Ventura de Portugal, o presidente argentino Javier Milei e o ministro do Likud israelense Amichai Chikli — além de, via vídeo, a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán.

O evento de encerramento, assistido por mais de dez mil pessoas, começou com um vídeo denunciando os objetivos de desenvolvimento da ONU como uma conspiração “ecofeminista”, enquanto imagens distorcidas de Bill Gates e Greta Thunberg piscavam na tela. Logo em seguida, a ex-funcionária de Donald Trump, Mercedes Schlapp, liderou um grito pró-sionista de “Viva Espanha! Viva Israel!”

Embora as contradições claras entre os vários discursos da extrema-direita estivessem em exibição, a animosidade coletiva contra inimigos comuns e sobrepostos e a lealdade a formas de autoritarismo reacionário superaram quaisquer fatores diferenciadores. O Vox podia tanto convidar o negacionista do Holocausto e neonazista Pedro Varela quanto declarar Israel “uma referência internacional na luta contra o terrorismo islâmico”, enquanto o anarcocapitalismo de Milei e a retórica protecionista chauvinista de Le Pen podiam ser calorosamente recebidos.

“Nós, patriotas, devemos permanecer unidos”, insistiu Matt Schlapp, presidente da União Conservadora Americana, no comício. “Não vamos deixar George Soros ou Biden nos dividirem.”

Nesse sentido, o comício de domingo foi também uma prova adicional do papel cada vez mais central do Vox em ligar movimentos políticos reacionários de todo o mundo. Ele não só opera como uma ponte-chave entre a extrema-direita europeia e latino-americana, mas, antes das eleições para o Parlamento Europeu, também está buscando estreitar os laços entre as duas principais famílias da extrema-direita dentro da União Europeia (UE): os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) pró-OTAN e mais tradicionalistas de Meloni e o agrupamento Identidade e Democracia mais pró-Rússia e extremista de Le Pen.

À medida que as pesquisas mostram a extrema-direita fazendo ganhos significativos nas eleições de junho, Santiago Abascal, do Vox, está agora se posicionando como uma figura central dentro desta “internacional reacionária” — mesmo que seu próprio partido tenha perdido terreno domesticamente no último ano. Um oficial do partido chegou a se vangloriar dizendo que “apenas o Vox é capaz de realizar uma [reunião de extrema-direita] tão grande”.

Uma internacional anticomunista

As manchetes sobre a convenção foram dominadas pela disputa diplomática que surgiu depois que Milei chamou a esposa do primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez de “corrupta” no palco. No entanto, a relação do presidente argentino com o Vox precede sua entrada na política de linha de frente, tendo sido um dos signatários da Carta de Madrid de 2020, ao lado de figuras como Eduardo Bolsonaro e o extremista chileno José Antonio Kast. Este foi o documento fundador da aliança anti-esquerdista liderada pelo Vox, o Foro Madrid, que busca combater a disseminação de “regimes totalitários inspirados no comunismo” na América Latina.

Como nota Miguel Urbán, fundador do Podemos, em seu livro de 2024 Trumpismos, o Foro Madrid está buscando alcançar algo distinto da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) nos Estados Unidos. Enquanto esta última organiza eventos periódicos reunindo líderes e ativistas internacionais de direita, o Foro Madrid aspira ser uma “organização internacional permanente de partidos de extrema-direita”, com um plano de ação anual. Como escreve Urbán, “o Vox manteve uma agenda frenética de networking, viagens e eventos com o objetivo de construir o primeiro quadro estável para a coordenação das forças de extrema-direita latino-americanas, um, além disso, que teria [ele próprio] no centro.”

Esta organização transfronteiriça ainda está em fase inicial. No entanto, de acordo com um relatório recente da Internacional Progressista, o “impacto mais importante” do Foro Madrid até agora “foi sua capacidade de criar e mobilizar uma rede… para minar governos de esquerda na região.” Nesse sentido, uma grande investigação por um consórcio de publicações latino-americanas encontrou políticos associados à aliança envolvidos em campanhas coordenadas destinadas a “deslegitimar os resultados eleitorais em vários países” — trabalhando através das fronteiras para amplificar histórias falsas de fraude eleitoral no Peru, Colômbia e Chile, apoiadas por campanhas organizadas de trolling online.

Na realidade, o Foro Madrid também faz parte de uma infraestrutura mais ampla da extrema-direita de associações católicas extremistas, exilados latino-americanos e think tanks reacionários na capital espanhola, que também ajudou a transformar a cidade em um ponto de encontro chave para forças autoritárias globalmente. A premiê regional de Madrid, Isabel Ayuso, da ala radical do Partido Popular conservador, adotou o slogan dos exilados cubanos “Liberdade ou Comunismo”, enquanto, durante um mês de protestos violentos nas ruas sobre a reeleição de Sánchez em novembro passado, a mesma rede de extrema-direita e retórica insurrecional foi mobilizada na tentativa de lançar dúvidas sobre a legitimidade de sua maioria parlamentar.

·        Mudando o equilíbrio de poder

Milei levou essas táticas para a convenção do Vox enquanto voava para a Espanha procurando uma briga com o primeiro-ministro de centro-esquerda do país — indo ao ponto de denunciar o “totalitarismo” de Sánchez e descrevendo-o como um “socialista arrogante e delirante” ao retornar a Buenos Aires. A subsequente disputa diplomática, que viu a Espanha retirar seu embaixador na Argentina, deu início à campanha eleitoral europeia do Vox com força.

No entanto, Abascal também esperava lançar a campanha com Le Pen e Meloni presentes no palco com ele, enquanto buscava mais protagonismo internacional através do fomento de uma cooperação crescente entre as duas alas existentes da extrema-direita europeia. Tanto o pós-fascista Fratelli d’Italia de Meloni quanto o Rassemblement National de Le Pen estão atualmente liderando nas pesquisas em seus respectivos países, enquanto os assentos projetados combinados de seus dois agrupamentos em toda a UE fariam da extrema-direita a segunda maior força no Parlamento Europeu.

Além disso, com os Verdes e o grupo liberal Renew de Macron esperando ambos sofrer grandes perdas, o Parlamento Europeu poderia potencialmente ter uma maioria de MPEs de direita pela primeira vez em sua história. Isso não necessariamente deslocaria a coalizão dominante de partidos centristas, mas poderia permitir ao Partido Popular Europeu (PPE) conservador assegurar uma maioria alternativa em certos votos — como aqueles sobre questões ambientais, liberdades civis ou imigração.

No entanto, como observa o acadêmico Cas Mudde, essa onda histórica da extrema-direita “poderia se tornar uma vitória de Pirro, se [os] partidos permanecerem tão divididos.” O ECR, que inclui Fratelli, Vox e Reconquête de Éric Zemmour, diverge mais do grupo Identidade e Democracia de Le Pen na política externa — e, como resultado, em seu grau de respeitabilidade mainstream. Com sua posição estritamente pró-OTAN, Meloni cultivou laços mais estreitos com o PPE desde que se tornou primeira-ministra e quer manter a porta aberta para um pacto com Ursula von der Leyen sobre sua reeleição como chefe da Comissão Europeia após as eleições de junho.

Nesse sentido, sua decisão de não comparecer pessoalmente ao evento do último domingo viu Meloni buscando um equilíbrio difícil, com sua intervenção em vídeo projetada para nem fechar as portas às investidas do Vox em direção a Le Pen nem se alinhar com elas. “Veremos o que acontece após as eleições”, insistiu um oficial do Vox — com o partido se vendo como o melhor posicionado para operar como um pivô entre os vários agrupamentos durante o próximo mandato.

Em particular, o anúncio desta terça-feira de Le Pen e Matteo Salvini de que seus partidos não mais se sentariam no mesmo grupo que o Alternativa para a Alemanha abre a possibilidade de um realinhamento significativo na extrema-direita europeia após as eleições — assim como a esperada incorporação do Fidesz de Orbán ao ECR.

Em qualquer caso, a ameaça de um avanço significativo da extrema-direita é clara. “Nós, patriotas, devemos ocupar Bruxelas”, proclamou Orbán em sua intervenção na convenção do Vox, enquanto Ventura, do Chega, afirmou: “A Europa é nossa. A Europa é nossa!” Após a pesquisa de 9 de junho, ficará claro quão realista é essa perspectiva.

 

¨      Linha vermelha. Por André Márcio Neves Soares, em A Terra é Redonda

A expressão “linha vermelha” foi repetidamente utilizada por Vladimir Putin antes da invasão da Ucrânia. Com efeito, apesar da OTAN, aproveitando-se do momento de caos na Rússia, na década de 1990, ter violado o acordo de não inclusão de antigos países da União Soviética nas suas fileiras, a Rússia havia estabelecido um “limite territorial” claro, que não deveria ser ultrapassado, e esse limite era justamente a Ucrânia. Essa era a “linha vermelha”.

É claro que, se pudesse, a Rússia teria impedido que boa parte dos países que fizeram parte da famosa “cortina de ferro” passassem a integrar a OTAN, notadamente Estônia, Letônia e Lituânia, além da Ucrânia, por uma questão de fronteiras. Não é agradável para qualquer país ter um vizinho inimigo, ainda mais com capacidade bélica nuclear, instalado do outro lado da sua fronteira. Duvido que os Estados Unidos permitissem que o México firmasse acordo com a Rússia para instalação de ogivas nucleares em seu território.

É fato que Vladimir Putin é um ditador que se aproveitou da conjuntura caótica da Rússia para implantar seu projeto pessoal de poder. Quase ninguém duvida das atrocidades que vêm sendo cometidas, por ambos os lados, após a invasão russa. De repente, o mundo se deu conta de que o acordo de cavalheiros da “guerra fria” não só tinha acabado, com o desmoronamento do bloco soviético, mas também de que estamos à beira de uma terceira guerra mundial, talvez a última.

O grande problema é que Vladimir Putin não está isolado na tentativa de fazer o relógio da catástrofe bater à meia-noite. Pelo contrário, as principais potências ocidentais, capitaneadas pelos Estados Unidos, estão a forçar o que há poucos anos atrás parecia uma possibilidade distante: uma guerra global.

Nesse sentido, a denúncia da Rússia de “participação direta” das potências ocidentais na guerra na Ucrânia, baseada no vazamento de uma conversa confidencial entre militares alemães de alta patente sobre o fornecimento de armas à Kiev, parece confirmar a suspeita de várias fontes internacionais, mídia, pesquisadores, historiadores, cientistas políticos etc., de que o ocidente mais anseia do que rejeita a possibilidade de um conflito mundial armado.

Tenho certeza, caro leitor, de que o único obstáculo que impede a deflagração do conflito é, ainda, a questão do poderio nuclear da Rússia. Na falta de opção mais direta e sangrenta para derrubar a Rússia, o Ocidente tenta fazê-la sangrar desde que a Ucrânia foi invadida. Contudo, malgrado os inúmeros confiscos de ativos russos no exterior, a economia russa continua a dar sinais de vida e, o que é pior para o ocidente, parece estar suportando esses últimos dois anos conturbados melhor do que muitos países da OTAN.

Por conseguinte, tem sido um erro sistemático dos Estados Unidos, como principal país desse acordo militar, incentivar o envio de armas ocidentais para o front da guerra. É mais do que óbvio que a Ucrânia não pode vencer uma guerra na qual ela é mais fraca do que o oponente russo, pelo menos pelas vias de fato tradicional, ou seja, pela guerra com armamentos não nucleares. Realmente, a única chance concreta que a Ucrânia tem é o completo envolvimento das potências ocidentais.

Mas isso violaria o tal “acordo de cavalheiros” de deixar de fora das escaramuças entre Estados Unidos e Rússia (herdeira do falido bloco soviético) as armas nucleares. Não é preciso ser um cientista para imaginar a enormidade dos danos que uma guerra entre a Rússia – talvez com a China ao seu lado – e o bloco ocidental, com lançamento de milhares de ogivas nucleares de lado a lado, causaria ao planeta. Seria o Armagedon!

O erro sistemático estadunidense se agrava pelo que parece ser um erro também estratégico, a saber, tentar sufocar um país da extensão e história da Rússia. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi relativamente fácil, para os aliados, cercar a Alemanha nazista por todos os lados, quando o fascismo italiano sucumbiu e o Japão estava tão longe. Mas, de certo modo, isso somente foi possível com a participação primordial do exército vermelho, que contribuiu fortemente para a derrubada do Terceiro Reich.

Ora, pensando na atualidade, como a Rússia seria cercada? Como países europeus do tamanho de estados brasileiros (comparativamente, já que escrevo a partir do Brasil) poderiam ofuscar territorialmente um país como a Rússia, que tem quase a mesma dimensão dos dez outros maiores países da Europa somados, quais sejam Ucrânia, França, Espanha, Suécia, Noruega, Alemanha, Finlândia, Polônia Itália e Reino Unido? Os maiores Estados ocidentais, Estados Unidos e Canadá, estão do outro lado do atlântico.

Se o destino não nos favorecer e a China se solidarizar com a Rússia, o que não é impossível, estaremos mesmo todos ferrados, caro leitor. E observem que tudo o que foi dito acima não incluiu a Índia, outra potência emergente, por ela ser a mais obscura nesse momento, em termos de posicionamento geopolítico.

Acredito que agora ficou mais fácil entender o tamanho do imbróglio que representa a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Se o conflito sofrer uma escalada, não há como esperar que uma eventual guerra global entre os dois blocos políticos antagônicos aconteça sem que a Terra seja devastada. Mesmo que a guerra seja convencional, nos moldes da Segunda Guerra Mundial, só que com o uso de mais tecnologia, a devastação do planeta será muito mais intensa, em razão dos infindáveis drones, da catastrófica guerra de mísseis balísticos, da guerra de trincheiras, do custo para o globo terrestre com muitos anos de destruição, das incontáveis perdas humanas, especialmente de civis etc. E ainda há a possibilidade mais grave de que um dos lados não se contente e resolva dar um fim à guerra utilizando bombas nucleares. O que restará?

Talvez seja por isso que o Papa Francisco está tão inquieto nos últimos tempos. Dias atrás ele voltou a defender uma paz negociada. Afirmou, sem medo de represálias, que o lado mais fraco precisa reconhecer isso e negociar, mesmo que essa aparente fraqueza não signifique sua capitulação completa. Foi criticado duramente pela Ucrânia e por vários países ocidentais. Mas ele está certo.

No mundo animal o mais fraco negocia para não morrer. O animal humano sempre negociou com o seu superior para não ser extinto. Sociedades que não negociaram diante de um poder maior foram varridas da história, a exemplo de Troia e dos indígenas do continente americano. Sucede que o Ocidente não tem permitido que a Ucrânia negocie.

Se nada mudar na política internacional em breve, ou pior, se Vladimir Putin entender que o cenário se tornou mais perigoso ainda para a Rússia – nesse momento, militares ingleses estão em solo ucraniano para ensinar as Forças Armadas ucranianas a usar os mísseis mais modernos que eles possuem –, chegará o momento em que não ouviremos mais os apelos do Papa. Não haverá mais Papa.

 

Fonte: Por Eoghan Gilmartin, com tradução de Sofia Schurig, para Jacobin  Brasil

 

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