sexta-feira, 31 de maio de 2024

Derrota importante no Congresso expõe equívocos políticos

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), amanheceu na quarta-feira (29) com o gosto da derrota acachapante sofrida na noite passada, imposta por um Congresso majoritariamente conservador e alinhado ao ideário da extrema direita. Ele não falou uma palavra sobre isso, até a hora do almoço, quando começou a ouvir os seus ministros da articulação política.

O primeiro a se pronunciar foi o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE). Ele foi direto ao ponto ao sugerir a necessidade da renovação na Esplanada dos Ministérios; além de uma reestruturação interna do Partido dos Trabalhadores (PT) para enfrentar o avanço do bolsonarismo no Parlamento, nas ruas e nas redes sociais.

— É evidente que o presidente é quem define as diretrizes, mas em qualquer governo é necessário evitar a acomodação. Se estivesse tudo bem, Lula teria 80% de aceitação. E não está tudo bem — reconheceu Guimarães nesta manhã, a jornalistas.

•        Popularidade

Guimarães apontou a existência de erros profundos na política de comunicação do governo conduzida pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom). O atual mandato de Lula “entregou muito”, disse o líder parlamentar, mas os resultados não chegam à população.

O deputado cearense nega que haja um desgaste à imagem do presidente, para explicar a queda na popularidade do governo.

— Não é desgaste. É a continuidade do que tivemos na eleição. Precisamos avançar. Ainda há tempo para reformular muitas coisas. Acredito que podemos reverter essa situação para que Lula alcance um alto índice de aceitação em 2026—  acrescentou.

•        Derrubada

Segundo Guimarães, há ainda o fato de que a ultradireita construiu um Estado paralelo baseado em notícias falsas (fake news), o que divide o país.

— O país está dividido, metade de nós e metade deles — contabiliza, embora a proporção da derrota, no Congresso, esteja mais para dois terços com o neofascismo e um terço com as forças progressistas.

O presidente Lula viu seu veto à saidinha de presos ser derrubado por uma ampla margem de votos. Foram 314 votos para derrubar o texto, contra 126 pela manutenção da decisão só na Câmara dos Deputados. No Senado, foram 52 votos para extinguir o veto e apenas 11 para manter.

A derrota no projeto das saidinhas era esperada nos corredores do Congresso, mas líderes petistas mantinham o otimismo pela manutenção. Entretanto, partidos que compõem a base, como MDB, PSD e Republicanos, ficaram divididos e deram votos importantes para a derrota do Planalto.

•        Negociações

Outro texto que o governo se viu completamente exposto foi o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à Lei de Segurança Nacional. O dispositivo vetado criminalizava notícias falsas em massa e poderia afetar aliados de Bolsonaro.

Essa, segundo a cúpula petista, foi a derrota mais dura. Havia uma expectativa para a derrubada do veto ou, ao menos, uma votação mais apertada. Entretanto, o Planalto viu apenas 139 votos a seu favor, enquanto 317 apoiaram o veto.

Na avaliação de aliados, o impacto é maior pelo “recado” do Congresso ao Planalto do que ao apoio ao veto propriamente dito. Petistas afirmaram que o próprio Congresso derrotou Bolsonaro ao aprovar a criminalização das fake news em massa, e os próprios parlamentares deram vitória ao ex-presidente e minaram o texto aprovado. Para os petistas, é preciso se atentar às negociações.

•        Lideranças

O Congresso ainda decidiu adiar a apreciação de outros sete vetos presidenciais. Entre eles, estão os vetos que incluem dispositivos referentes a trechos da Lei Geral do Esporte; ao despacho gratuito de bagagens aérea; a lei que retomou o programa Minha Casa, Minha Vida e ao marco regulatório da gestão de florestas públicas. O adiamento ocorreu por um acordo entre as lideranças. A continuação da sessão do Congresso ainda não está agendada.

Na retomada da sessão, nesta manhã, o Congresso aprovou o PL que cria as carreiras de Especialista em Indigenismo, de Técnico em Indigenismo e de Tecnologia da Informação; cria o Plano Especial de Cargos da Funai (PECFunai) e o quadro suplementar da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e define o órgão supervisor e altera a remuneração do cargo de Analista-Técnico de Políticas Sociais.

Os parlamentares alteraram, ainda, a remuneração das carreiras e do Plano Especial de Cargos da Agência Nacional de Mineração (PEC-ANM); a remuneração dos cargos das carreiras de Policial Federal e de Policial Rodoviário Federal e criaram a Polícia Penal Federal e a carreira de Policial Penal Federal.

•        Jaques Wagner diz que Lula quer melhorar ‘organização’ do governo após derrota em vetos

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou nesta quarta-feira, 29, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu uma melhora na “organização” das conversas de articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso, após deputados e senadores derrubarem uma série de vetos do petista.

Em sessão conjunta nesta terça-feira, 28, Câmara e Senado decidiram rejeitar os vetos presidenciais à chamada “saidinha” de presos do regime semiaberto para ver familiares e à proibição de uso de recursos públicos para promover, por exemplo, ações contra a chamada “família tradicional”, uma pauta cara ao bolsonarismo.

Mesmo assim, Wagner considera que o governo saiu vitorioso ao conseguir manter o veto ao calendário de pagamento de emendas impositivas (obrigatórias) que tornaria o Orçamento da União ainda mais engessado. O Executivo conseguiu fechar um acordo com os parlamentares após acelerar a liberação desses recursos, cruciais para irrigar bases eleitorais de deputados e senadores em ano de disputa por prefeituras.

“Acabei de sair da sala dele (Lula). Ele está absolutamente tranquilo. Ele tem 78 (anos), já apanhou, já comemorou, já chorou, já riu. Então, não assusta isso”, afirmou o líder do governo, a jornalistas. “O balanço é de que a gente precisa melhorar a nossa organização nesse processo de governo e Legislativo”, emendou.

De acordo com Jaques Wagner, melhorar a organização do governo envolverá uma “sistemática de acompanhamento mais próxima” do Congresso. Quando houver uma sessão de vetos, os articuladores do governo terão de se reunir uma semana antes e debater os acordos, exemplificou. “É preciso um afinamento melhor para que o que aconteceu aqui (Congresso) seja totalmente absorvido lá (Planalto).”

Como mostrou a Coluna do Estadão, o líder do governo Lula no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), entrou na mira do PT, que atribuiu ao senador a culpa pela derrota na sessão de vetos. Líderes da Câmara costumam reclamar que Randolfe não os procura para negociar as pautas prioritárias de Lula.

A manutenção do veto à “saidinha”, por exemplo, chegou a ser tratada como “questão de honra” no governo, mas a articulação não funcionou, mesmo com apelos à bancada evangélica e envolvimento do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, na tentativa de convencimento dos parlamentares.

“Todos sabemos que matéria econômica tramita de um jeito e matéria que eu vou chamar, genericamente, de costumes, tramita de outro. Qual é a base? Depende do tema”, minimizou Jaques Wagner.

“Estamos em um período em que a política não é mais a política que a gente conhecia, de oito, dez anos atrás. A política está totalmente bipolarizada, fanatizada e alguns já estão em campanha eleitoral para 2026, seja no Senado, seja para a Presidência da República”, emendou o líder do governo.

Jaques Wagner disse que a defesa que Lula fez da “saidinha” para os presos verem os familiares tem relação com o tempo em que o presidente ficou detido em Curitiba, entre 2018 e 2019, após condenações da Operação Lava Jato que foram posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“O próprio presidente, é bom lembrar - e ele é ser humano, não é feito de aço -, já na sua vida recente, passou por algo semelhante, quando lhe foi vetada a hipótese de ele ir ao enterro do irmão. E, depois, foi no enterro do neto parecendo um terrorista de alta periculosidade. Achar que esse ser humano não tem sensibilidade para isso é pedir, na minha opinião, um pouco demais”, disse o líder.

“Ele fez consciente o veto. A derrubada do veto, ok, não é uma questão programática para a gente, como a questão da Lei de Segurança Nacional não é programática para a gente, era uma questão mais partidária. O que era essencial para nós, foi mantido, as questões orçamentárias”, acrescentou Wagner.

 

•        Por que os investidores estão se afastando do Brasil se a economia não vai mal?

Parte do problema é a insistência em aplicar velhas receitas a questões do presente. Na realidade, a economia brasileira não vai mal: em 2024 o PIB deve crescer entre 2,5% e 3%, até o fim do ano a inflação deve ficar em 3,5% – não muito distante da meta de 3% estipulada pelo Banco Central. O desemprego está abaixo de 8%, o que, apesar de não ser pouco, foi o índice mais baixo em dez anos. No comércio externo, o superávit da balança igualmente bateu recorde.

Conclusão: as cifras-chave do Brasil estão entre medianas e fracas, mas poderiam ser bem piores. A economia está melhor do que nos últimos dez anos. Apesar disso, os investidores lhe voltam as costas: no primeiro trimestre de 2024, eles levaram tanto capital para o exterior como 40 anos atrás!

O índice da bolsa nacional é pior entre todos os mercados de valores do mundo. A cotação do real em relação ao dólar caiu significativamente, ao contrário das demais moedas latino-americanas. Aumentam as sobretaxas de juros que os investidores estrangeiros exigem para incluir os títulos brasileiros em seus portfólios. O risco Brasil está aumentando do ponto de vista dos mercados financeiros.

Então, qual é o motivo dessa discrepância entre a realidade econômica e a má vontade dos investidores para com o Brasil? Em termos simplificados, no momento o país não tem uma boa história para contar: não há perspectivas de um futuro luminoso que faça o coração dos investidores bater mais forte.

Pelo contrário: são muitos os indicadores de que o Brasil continuará morro abaixo, em direção à mediocridade pouco ambiciosa. Pois de onde poderão vir os lucros de produtividade necessários – descontado o setor do agronegócio e, talvez, o da mineração?

No panorama internacional, os brasileiros não têm grande relevância na inteligência artificial, ciência de dados, tecnologia de semicondutores, informática e nem nearshoring – isto é, a transferência das cadeias de agregação de valor para mais perto dos Estados ocidentais.

O país ainda tem futuro?

Nesta coluna, temos repetidamente acentuado as vantagens do Brasil na comparação global: por um lado, é fornecedor mundial de alimentos, matérias primas e energia, tanto tradicional quanto sustentável, e continuará a crescer sua importância no mercado para esses produtos. Ao mesmo tempo, está equidistante dos polos de poder geopolítico China e Estados Unidos, podendo negociar e atuar com ambos.

Isso tudo continua valendo. Contudo o Brasil não explora essas vantagens o suficiente para fazer os investidores – tanto nacionais quanto estrangeiros – acreditarem nele. O governo Lula desperdiça essa dianteira estratégica, ao apostar em receitas do passado para problemas de hoje.

Com sua política econômica pouco atraente para o mercado, o presidente Lula impõe altos custos à economia. Disciplina orçamentária frouxa, investidas contra o Banco Central por seu combate à inflação, a velha política industrial tendo no centro uma Petrobras instrumentalizada pelo Estado: tudo isso já resultou na recessão nacional mais grave em meio século, e no maior escândalo de corrupção da história brasileira.

Lula está prestes a voltar a cometer esses erros. Não é à toa que agora a Petrobras perdeu quase um quinto de sua cotação nas bolsas.

E por falar da Operação Lava Jato: de lá para cá, todos os vereditos da época foram anulados. Com isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) presta um sério desserviço ao Brasil, pois também a segurança jurídica questionável é um dos motivos pelo qual os investidores vêm se afastando.

Um ano e meio após sua tão promissora posse, Luiz Inácio Lula da Silva não é mais o estadista conceituado que foi um dia. Ao tomar partido pela Rússia, Venezuela e, mais recentemente, pelos palestinos, ele perdeu muitas simpatias no Ocidente – sem, em contrapartida, ter feito novos amigos confiáveis.

Desde Brasil, um país do futuro, de Stefan Zweig (1941), a nação tem sempre conseguido se apresentar como sociedade esperançosa e importante economia em ascensão. No momento, porém, ela está mais longe dessa imagem do que nunca.

 

Fonte: Correio do Brasil/Deutsche Welle

 

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