Derrota importante no Congresso expõe
equívocos políticos
O presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), amanheceu na quarta-feira (29) com o
gosto da derrota acachapante sofrida na noite passada, imposta por um Congresso
majoritariamente conservador e alinhado ao ideário da extrema direita. Ele não
falou uma palavra sobre isso, até a hora do almoço, quando começou a ouvir os
seus ministros da articulação política.
O primeiro a se
pronunciar foi o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).
Ele foi direto ao ponto ao sugerir a necessidade da renovação na Esplanada dos
Ministérios; além de uma reestruturação interna do Partido dos Trabalhadores
(PT) para enfrentar o avanço do bolsonarismo no Parlamento, nas ruas e nas
redes sociais.
— É evidente que o
presidente é quem define as diretrizes, mas em qualquer governo é necessário
evitar a acomodação. Se estivesse tudo bem, Lula teria 80% de aceitação. E não
está tudo bem — reconheceu Guimarães nesta manhã, a jornalistas.
• Popularidade
Guimarães apontou a
existência de erros profundos na política de comunicação do governo conduzida
pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom). O atual mandato
de Lula “entregou muito”, disse o líder parlamentar, mas os resultados não chegam
à população.
O deputado cearense
nega que haja um desgaste à imagem do presidente, para explicar a queda na
popularidade do governo.
— Não é desgaste. É a
continuidade do que tivemos na eleição. Precisamos avançar. Ainda há tempo para
reformular muitas coisas. Acredito que podemos reverter essa situação para que
Lula alcance um alto índice de aceitação em 2026— acrescentou.
• Derrubada
Segundo Guimarães, há
ainda o fato de que a ultradireita construiu um Estado paralelo baseado em
notícias falsas (fake news), o que divide o país.
— O país está
dividido, metade de nós e metade deles — contabiliza, embora a proporção da
derrota, no Congresso, esteja mais para dois terços com o neofascismo e um
terço com as forças progressistas.
O presidente Lula viu
seu veto à saidinha de presos ser derrubado por uma ampla margem de votos.
Foram 314 votos para derrubar o texto, contra 126 pela manutenção da decisão só
na Câmara dos Deputados. No Senado, foram 52 votos para extinguir o veto e apenas
11 para manter.
A derrota no projeto
das saidinhas era esperada nos corredores do Congresso, mas líderes petistas
mantinham o otimismo pela manutenção. Entretanto, partidos que compõem a base,
como MDB, PSD e Republicanos, ficaram divididos e deram votos importantes para
a derrota do Planalto.
• Negociações
Outro texto que o
governo se viu completamente exposto foi o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) à Lei de Segurança Nacional. O dispositivo vetado criminalizava notícias
falsas em massa e poderia afetar aliados de Bolsonaro.
Essa, segundo a cúpula
petista, foi a derrota mais dura. Havia uma expectativa para a derrubada do
veto ou, ao menos, uma votação mais apertada. Entretanto, o Planalto viu apenas
139 votos a seu favor, enquanto 317 apoiaram o veto.
Na avaliação de
aliados, o impacto é maior pelo “recado” do Congresso ao Planalto do que ao
apoio ao veto propriamente dito. Petistas afirmaram que o próprio Congresso
derrotou Bolsonaro ao aprovar a criminalização das fake news em massa, e os
próprios parlamentares deram vitória ao ex-presidente e minaram o texto
aprovado. Para os petistas, é preciso se atentar às negociações.
• Lideranças
O Congresso ainda
decidiu adiar a apreciação de outros sete vetos presidenciais. Entre eles,
estão os vetos que incluem dispositivos referentes a trechos da Lei Geral do
Esporte; ao despacho gratuito de bagagens aérea; a lei que retomou o programa
Minha Casa, Minha Vida e ao marco regulatório da gestão de florestas públicas.
O adiamento ocorreu por um acordo entre as lideranças. A continuação da sessão
do Congresso ainda não está agendada.
Na retomada da sessão,
nesta manhã, o Congresso aprovou o PL que cria as carreiras de Especialista em
Indigenismo, de Técnico em Indigenismo e de Tecnologia da Informação; cria o
Plano Especial de Cargos da Funai (PECFunai) e o quadro suplementar da Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e define o órgão supervisor e altera a
remuneração do cargo de Analista-Técnico de Políticas Sociais.
Os parlamentares
alteraram, ainda, a remuneração das carreiras e do Plano Especial de Cargos da
Agência Nacional de Mineração (PEC-ANM); a remuneração dos cargos das carreiras
de Policial Federal e de Policial Rodoviário Federal e criaram a Polícia Penal
Federal e a carreira de Policial Penal Federal.
• Jaques Wagner diz que Lula quer melhorar
‘organização’ do governo após derrota em vetos
O líder do governo no
Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou nesta quarta-feira, 29, que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva pediu uma melhora na “organização” das conversas de
articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso, após deputados e
senadores derrubarem uma série de vetos do petista.
Em sessão conjunta
nesta terça-feira, 28, Câmara e Senado decidiram rejeitar os vetos
presidenciais à chamada “saidinha” de presos do regime semiaberto para ver
familiares e à proibição de uso de recursos públicos para promover, por
exemplo, ações contra a chamada “família tradicional”, uma pauta cara ao
bolsonarismo.
Mesmo assim, Wagner
considera que o governo saiu vitorioso ao conseguir manter o veto ao calendário
de pagamento de emendas impositivas (obrigatórias) que tornaria o Orçamento da
União ainda mais engessado. O Executivo conseguiu fechar um acordo com os parlamentares
após acelerar a liberação desses recursos, cruciais para irrigar bases
eleitorais de deputados e senadores em ano de disputa por prefeituras.
“Acabei de sair da
sala dele (Lula). Ele está absolutamente tranquilo. Ele tem 78 (anos), já
apanhou, já comemorou, já chorou, já riu. Então, não assusta isso”, afirmou o
líder do governo, a jornalistas. “O balanço é de que a gente precisa melhorar a
nossa organização nesse processo de governo e Legislativo”, emendou.
De acordo com Jaques
Wagner, melhorar a organização do governo envolverá uma “sistemática de
acompanhamento mais próxima” do Congresso. Quando houver uma sessão de vetos,
os articuladores do governo terão de se reunir uma semana antes e debater os
acordos, exemplificou. “É preciso um afinamento melhor para que o que aconteceu
aqui (Congresso) seja totalmente absorvido lá (Planalto).”
Como mostrou a Coluna
do Estadão, o líder do governo Lula no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem
partido-AP), entrou na mira do PT, que atribuiu ao senador a culpa pela derrota
na sessão de vetos. Líderes da Câmara costumam reclamar que Randolfe não os procura
para negociar as pautas prioritárias de Lula.
A manutenção do veto à
“saidinha”, por exemplo, chegou a ser tratada como “questão de honra” no
governo, mas a articulação não funcionou, mesmo com apelos à bancada evangélica
e envolvimento do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski,
na tentativa de convencimento dos parlamentares.
“Todos sabemos que
matéria econômica tramita de um jeito e matéria que eu vou chamar,
genericamente, de costumes, tramita de outro. Qual é a base? Depende do tema”,
minimizou Jaques Wagner.
“Estamos em um período
em que a política não é mais a política que a gente conhecia, de oito, dez anos
atrás. A política está totalmente bipolarizada, fanatizada e alguns já estão em
campanha eleitoral para 2026, seja no Senado, seja para a Presidência da
República”, emendou o líder do governo.
Jaques Wagner disse
que a defesa que Lula fez da “saidinha” para os presos verem os familiares tem
relação com o tempo em que o presidente ficou detido em Curitiba, entre 2018 e
2019, após condenações da Operação Lava Jato que foram posteriormente anuladas
pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“O próprio presidente,
é bom lembrar - e ele é ser humano, não é feito de aço -, já na sua vida
recente, passou por algo semelhante, quando lhe foi vetada a hipótese de ele ir
ao enterro do irmão. E, depois, foi no enterro do neto parecendo um terrorista
de alta periculosidade. Achar que esse ser humano não tem sensibilidade para
isso é pedir, na minha opinião, um pouco demais”, disse o líder.
“Ele fez consciente o
veto. A derrubada do veto, ok, não é uma questão programática para a gente,
como a questão da Lei de Segurança Nacional não é programática para a gente,
era uma questão mais partidária. O que era essencial para nós, foi mantido, as questões
orçamentárias”, acrescentou Wagner.
• Por que os investidores estão se
afastando do Brasil se a economia não vai mal?
Parte do problema é a
insistência em aplicar velhas receitas a questões do presente. Na realidade, a
economia brasileira não vai mal: em 2024 o PIB deve crescer entre 2,5% e 3%,
até o fim do ano a inflação deve ficar em 3,5% – não muito distante da meta de
3% estipulada pelo Banco Central. O desemprego está abaixo de 8%, o que, apesar
de não ser pouco, foi o índice mais baixo em dez anos. No comércio externo, o
superávit da balança igualmente bateu recorde.
Conclusão: as
cifras-chave do Brasil estão entre medianas e fracas, mas poderiam ser bem
piores. A economia está melhor do que nos últimos dez anos. Apesar disso, os
investidores lhe voltam as costas: no primeiro trimestre de 2024, eles levaram
tanto capital para o exterior como 40 anos atrás!
O índice da bolsa
nacional é pior entre todos os mercados de valores do mundo. A cotação do real
em relação ao dólar caiu significativamente, ao contrário das demais moedas
latino-americanas. Aumentam as sobretaxas de juros que os investidores
estrangeiros exigem para incluir os títulos brasileiros em seus portfólios. O
risco Brasil está aumentando do ponto de vista dos mercados financeiros.
Então, qual é o motivo
dessa discrepância entre a realidade econômica e a má vontade dos investidores
para com o Brasil? Em termos simplificados, no momento o país não tem uma boa
história para contar: não há perspectivas de um futuro luminoso que faça o
coração dos investidores bater mais forte.
Pelo contrário: são
muitos os indicadores de que o Brasil continuará morro abaixo, em direção à
mediocridade pouco ambiciosa. Pois de onde poderão vir os lucros de
produtividade necessários – descontado o setor do agronegócio e, talvez, o da
mineração?
No panorama
internacional, os brasileiros não têm grande relevância na inteligência
artificial, ciência de dados, tecnologia de semicondutores, informática e nem
nearshoring – isto é, a transferência das cadeias de agregação de valor para
mais perto dos Estados ocidentais.
O país ainda tem
futuro?
Nesta coluna, temos
repetidamente acentuado as vantagens do Brasil na comparação global: por um
lado, é fornecedor mundial de alimentos, matérias primas e energia, tanto
tradicional quanto sustentável, e continuará a crescer sua importância no
mercado para esses produtos. Ao mesmo tempo, está equidistante dos polos de
poder geopolítico China e Estados Unidos, podendo negociar e atuar com ambos.
Isso tudo continua
valendo. Contudo o Brasil não explora essas vantagens o suficiente para fazer
os investidores – tanto nacionais quanto estrangeiros – acreditarem nele. O
governo Lula desperdiça essa dianteira estratégica, ao apostar em receitas do
passado para problemas de hoje.
Com sua política
econômica pouco atraente para o mercado, o presidente Lula impõe altos custos à
economia. Disciplina orçamentária frouxa, investidas contra o Banco Central por
seu combate à inflação, a velha política industrial tendo no centro uma Petrobras
instrumentalizada pelo Estado: tudo isso já resultou na recessão nacional mais
grave em meio século, e no maior escândalo de corrupção da história brasileira.
Lula está prestes a
voltar a cometer esses erros. Não é à toa que agora a Petrobras perdeu quase um
quinto de sua cotação nas bolsas.
E por falar da
Operação Lava Jato: de lá para cá, todos os vereditos da época foram anulados.
Com isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) presta um sério desserviço ao
Brasil, pois também a segurança jurídica questionável é um dos motivos pelo
qual os investidores vêm se afastando.
Um ano e meio após sua
tão promissora posse, Luiz Inácio Lula da Silva não é mais o estadista
conceituado que foi um dia. Ao tomar partido pela Rússia, Venezuela e, mais
recentemente, pelos palestinos, ele perdeu muitas simpatias no Ocidente – sem,
em contrapartida, ter feito novos amigos confiáveis.
Desde Brasil, um país
do futuro, de Stefan Zweig (1941), a nação tem sempre conseguido se apresentar
como sociedade esperançosa e importante economia em ascensão. No momento,
porém, ela está mais longe dessa imagem do que nunca.
Fonte: Correio do
Brasil/Deutsche Welle
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