Tragédias deixam lições para a reconstrução
mais eficiente das regiões afetadas
Regiões afetadas por desastres naturais de
grandes proporções --como terremotos, tsunamis, incêndios florestais e
inundações-- podem aproveitar as lições aprendidas com essas tragédias para se
reconstruírem de forma mais eficiente e com maior resiliência às condições
ambientais.
É a situação do Rio
Grande do Sul, que vive uma tragédia devido às enchentes desde o final de abril
que já mataram mais de 160 pessoas em vários municípios.
"No rescaldo
imediato de um grande desastre, uma vez que os esforços de socorro e
recuperação estão completos, há uma enorme pressão sobre os governos para
começar imediatamente a reconstruir e mostrar resultados. Isso é compreensível,
mas apressar-se no processo de reconstrução sem as instituições adequadas em
funcionamento é um grande erro", escreve Abhas Jha, gerente de mudanças
climáticas e gestão de risco de desastres para o sul da Ásia do Banco Mundial.
Em vários pontos do
planeta, países têm investido em diferentes estratégias para se reerguerem
depois de fenômenos extremos.
Após enfrentar, em
único dia, um terremoto, um tsunami e uma emergência nuclear, o Japão se
encontrou com um cenário de destruição de grandes proporções. Em 11 de março de
2011, um sismo de magnitude 9 no oceano Pacífico, a cerca de 130 km da cidade
de Sendai, foi seguido de ondas gigantes. Os eventos destruíram grandes áreas
no leste do país e provocaram quase 20 mil mortes.
A força das águas
causou danos também à estrutura da usina nuclear de Fukushima Daiichi, onde
três dos seis reatores derreteram, liberando elementos radioativos que
contaminaram o entorno. O episódio foi o mais grave acidente nuclear desde o de
Tchernóbil, em 1986, na então União Soviética (hoje território da Ucrânia).
Quatorze anos após a
tragédia, a recuperação ainda não acabou, mas o país já reconstruiu boa parte
das estruturas afetadas, incluindo casas, hospitais e estradas. Técnicas de
construção otimizadas para cenários de abalos sísmicos, bem como novas barreiras
e estruturas de proteção contra tsunami foram amplamente empregados na
reconstrução.
Um relatório de 2021
indica que, naquela altura, cerca de 541 km de rodovias --o equivalente a 95%
do total destruído-- já haviam sido repostos. No processo de recuperação das
vias, os japoneses adotaram técnicas de planejamento e construção mais eficientes
--inclusive, em alguns casos, reduzindo a distância de deslocamento em relação
ao que existia antes do terremoto.
O ponto mais
desafiador continua sendo as imediações da usina de Fukushima. Embora o
perímetro de isolamento tenha diminuído desde o acidente, autoridades
reconhecem que a desinfecção total da área e o manejo dos resíduos ainda podem
levar décadas até serem concluídas.
Após o acidente, o
Japão investiu na criação de um órgão para coordenar as atividades de
recuperação, a chamada Agência de Reconstrução. Uma taxa especial foi usada
para aumentar a arrecadação de fundos para financiar os projetos, tanto por
meio de obras públicas quanto em linhas de crédito para pessoas e empresas.
Pesquisadora no Centro
de Síntese Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP e
especialista em projetos interdisciplinares e indicadores de resiliência,
Fabiana Lourenço e Silva Ferreira destaca que a recuperação depois das
catástrofes pode ser uma oportunidade para ampliar a resistência das cidades e
adaptá-las às mudanças climáticas, reduzindo os riscos associados à ocorrência
de novos desastres.
"O marco de
Sendai, que é o marco regulatório desenvolvido a partir de um acordo mundial,
preconiza que, no caso de acontecer um desastre, nós temos de pensar bem na
reconstrução. Não se trata de reconstruir no mesmo padrão, mas sim de
reconstruir melhor, adequando tudo às características de cada local",
afirma.
A especialista
considera que as autoridades devem ainda ponderar sobre o que deve ser
reconstruído. Edificações em áreas de risco elevado ou em perímetros de
proteção ambiental estão entre as que não deveriam ser repostas.
"Em algumas áreas
afetadas, se for verificado que havia ali uma exposição indevida, não se pode
simplesmente voltar a construir", diz. "Infelizmente, muitas vezes o
poder público fecha os olhos, principalmente em pequenos municípios."
A ideia de avaliar os
estragos para repensar a reconstrução foi um dos pontos adotados na ilha da
Madeira, território de Portugal no oceano Atlântico, depois de uma das
enchentes mais devastadoras de sua história, em fevereiro de 2010.
Além das inundações, a
ilha enfrentou uma série de grandes deslizamentos de terra, causando a morte de
49 pessoas e deixando cerca de 250 feridos, além de centenas de desabrigados.
Houve ainda danos às infraestruturas e ao sistema de abastecimento.
O processo de
recuperação do local envolveu esforços que contaram também com financiamento de
instituições europeias, incluindo o Banco Europeu de Investimento. Um dos
mecanismos era a concessão de financiamentos de pequeno e médio porte para
apoiar iniciativas de reparação dos danos, mas também de adaptação do local
contra desastres naturais futuros.
Como o turismo é uma
das principais fontes de renda da região, as mudanças também levaram em conta a
necessidade de proteger essa atividade econômica.
Uma das áreas mais
afetadas pelos deslizamentos, a cidade de Funchal, capital da Madeira, ganhou
medidas adicionais de prevenção, como a instalação de grandes barragens para o
controle de sedimentos.
Essas estruturas são
formadas por paredes de concreto com 10 metros de altura que têm
"dentes" que auxiliam na retenção dos detritos sólidos. Assim, em
caso de inundação, somente os materiais mais finos conseguem passar pelos
espaços.
Do outro lado do
mundo, na Austrália, os danos foram causados por incêndios florestais que
traumatizaram um país já acostumado a ligar com grandes fogos. Em 7 de
fevereiro de 2009, várias localidades na região de Victória foram consumidas
pelas chamas.
O incêndio, um dos
maiores já ocorridos no país, deixou 173 mortos e um rastro de desolação, com
danos em 109 cidades. Mais de 2.300 casas destruídas e 43 mil hectares tiveram
danos registrados.
Além de criar um
comitê especial para investigar o desastre, o governo australiano usou a
devastação das chamas para alterar suas políticas de prevenção e resposta aos
incêndios.
Desde então, foram
implementados novos protocolos, que incluem alterações em códigos de construção
e e um moderno sistema de alerta à população.
A pesquisadora Fabiana
Lourenço e Silva Ferreira afirma que não existe solução única que se adeque à
adaptação de todas as cidades.
"Cada cidade tem
de se adaptar em função das suas características locais e das suas
vulnerabilidades. Nós temos de considerar o clima, as características culturais
daquela população e muitos outros aspectos", descreve.
• Família tenta vida nova no RS, mas
precisa voltar ao estado natal após chuvas
"Eu não queria sair de Porto
Alegre", diz a amazonense Apoliana de Arruda, 42. "Aqui tem esse
ritmo friozinho, é uma cidade maravilhosa". Após seis meses morando na
capital gaúcha, porém, ela se viu sem alternativa.
Neste sábado (25),
Apoliana viaja com o marido Ricardo de Souza, 53, e os filhos Talita, 19, e
Gabriel, 16, para Osório, no litoral norte do Rio Grande do Sul. De lá, eles
vão de ônibus até o aeroporto de Florianópolis, embarcam para São Paulo e
seguem rumo a Manaus para um novo recomeço.
Até 3 de maio, a
família morava na rua Corrêa de Melo, no bairro Sarandi. Esta foi a data que a
enchente do lago Guaíba tomou conta do bairro, e eles tiveram que sair de casa.
Por 21 dias, dividiram
com outras 250 pessoas o teto do estádio poliesportivo da PUC-RS (Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul), um dos maiores abrigos para
afetados pelas chuvas em Porto Alegre.
"Compramos tudo
aqui e conseguimos trabalho, estamos há seis meses na cidade e a gente se
deparou com essa situação triste", conta Apoliana.
"Nós viemos de
Manaus para a gente buscar emprego, buscar melhoria. Devido à pandemia, o polo
industrial sofreu, isso mexeu com o povo lá do Amazonas".
A família chegou em
Porto Alegre em meados de 2023. Ela trabalhava em um supermercado em frente à
praça Montevidéu, no Centro Histórico, e o marido era motorista de ônibus nas
linhas que conectam o centro ao norte da cidade. Tanto o supermercado quanto a
garagem da empresa tiveram alagamento próximo a 2 m.
Quando a enchente
tomou conta do bairro, a família foi para a casa de um vizinho. Com o nível da
água subindo, saíram para a rua e encontraram bombeiros que estavam resgatando
moradores.
"As minhas coisas
eu perdi tudo, minha casa tá embaixo da água", diz ela. "Eu não tenho
nada. Só tenho roupa de abrigo, que graças a Deus a gente tem para se vestir.
Não é o que a gente queria para nossa vida."
Apoliana diz que os
primeiros dois dias no abrigo foram difíceis. "Eu desabei. No terceiro
dia, eu vi que as pessoas estavam desabando também, e Deus me deu força",
diz. "Eu tive que engolir a minha dor, o meu choro, para dar um abraço em alguém,
para ouvir um relato. Quem parar para ouvir qualquer pessoa aqui dentro vai
chorar junto".
A família decidiu,
então, voltar ao Amazonas. Quando souberam que um empresário manauara estava
organizando a entrega de doações ao Rio Grande do Sul, pediram ajuda a ele, que
entrou em contato com autoridades amazonenses para viabilizar a saída.
O primogênito da
família já conseguiu deixar o estado e está no Amazonas aguardando a mãe,
Ricardo e os irmãos.
Em Manaus, o filho
mais velho de Apoliana ajuda na procura por um novo lar. "Eu disse para
ele: consegue um colchão, que a gente já está dormindo de qualquer jeito mesmo.
Alugar um cantinho e vamos ver o que vai acontecer daqui para frente".
Ela conta que o filho,
hospedado na casa da sogra, acordou em desespero após sonhar que o quarto
estava inundando.
"Não tem como não
ficar com um trauma, vem sempre na memória o que vivemos com a chuva. Se eu
encontrar um rio ou uma água, já não quero ficar muito perto", diz
Apoliana.
Prestes a enfrentar
uma viagem de mais de 10.000 km de volta ao seu estado natal, Apoliana leva
guardadas no coração as boas lembranças que teve no curto período em que o Rio
Grande do Sul foi sua casa.
"Meus amigos que
eu fiz aqui nessa cidade, eu vou levar para o resto da minha vida", disse
a amazonense. "Eu sou do Norte, mas eu amo meu povo gaúcho."
Na quinta-feira (23),
a Força Nacional a acompanhou até perto de casa para buscar malas que ela
deixou no vizinho, mas o nível do alagamento impediu o acesso.
A família também busca
confortar os familiares que moram longe. "Nós estamos, entre aspas,
seguros e abrigados aqui, mas nossos parentes veem na televisão pontes sendo
arrastadas, casas, falam que morreram tantos", diz Ricardo, que é natural
do Rio de Janeiro.
"A gente tenta
passar para eles que a gente está bem, graças a Deus, e que aqui nós estamos
sendo bem cuidados."
Fonte: FolhaPress
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