Venezuela:
soam tambores de guerra dos EUA
Os
tambores de guerra do Império Americano estão mais uma vez batendo alto e forte
na América Latina.
Três
contratorpedeiros norte-americanos equipados com o sistema Aegis, uma
tecnologia de defesa projetada para rastrear múltiplos alvos e neutralizar
ameaças aéreas ou marítimas simultaneamente, chegarão à costa da Venezuela nos
próximos dias. Eles serão acompanhados por 4.000 soldados, aviões de vigilância
e um submarino no que é, de longe, a maior demonstração de força que os EUA já
reuniram contra o governo chavista da Venezuela.
O casus
belli ostensivo desta operação militar é derrubar organizações de
tráfico de drogas na América Latina, agora classificadas pela Casa Branca
como narco-terroristas. Elas incluem o Tren de Aragua da Venezuela
e o Cartel de los Soles, que, de acordo com Washington, tem ligações estreitas
com o governo Maduro.
Desnecessário
dizer que qualquer um que acredite neste último pretexto para a guerra contra
um país que os EUA tentaram submeter a mudança de regime em pelo menos duas
ocasiões até agora neste século – e que foi submetido a mais de uma década de
sanções econômicas paralisantes – é excepcionalmente crédulo ou um apologista
do Império.
Essa
última escalada começou há cerca de duas semanas, com o anúncio da
Procuradora-Geral dos EUA, Pam Bondi, de uma recompensa de 50 milhões de
dólares por informações que levassem à prisão de Maduro, valor que antes era de
25 milhões. Erik Prince, o enigmático fundador da desacreditada empresa de
mercenários Blackwater — cujo nome mudou tantas vezes que é difícil acompanhar
—, em seguida tuitou: “Deveria estar morto ou vivo.”
Este é
um roteiro antigo, cansado e cada vez mais mal escrito:
A
notícia do deslocamento, divulgada pela CNN, foi posteriormente corroborada
pela secretária de imprensa da Casa Branca, Katerine Leavitt. Questionada se a
nova operação poderia incluir o desembarque de tropas nas costas venezuelanas,
ela respondeu que os EUA estavam considerando “usar todo o seu poder” para
conter o fluxo de drogas da Venezuela para os Estados Unidos, e insistiu que o
líder venezuelano Nicolás Maduro é chefe de um cartel, além de um governante
ilegítimo.
Este
deve ser um momento doce para o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, que
sonha com a mudança de regime na Venezuela, Cuba e Nicarágua desde que está na
política (e provavelmente desde ainda antes).
Em 14
de agosto, Rubio confirmou o deslocamento de forças navais e aéreas dos EUA no
Mar do Caribe, no que descreveu como um esforço para combater os cartéis de
drogas que estariam “utilizando o espaço aéreo internacional e as águas
internacionais” para transportar drogas aos Estados Unidos.
Da Venezuela
Analysis: Os marinheiros e fuzileiros navais destacados dos EUA estão
designados para o Grupo Anfíbio de Prontidão Iwo Jima (IWO ARG) e para a 22ª
Unidade Expedicionária de Fuzileiros (MEU) de Operações Especiais Capacitadas
(SOC). Ambas as unidades são treinadas e equipadas para realizar missões
rápidas em escala global a fim de cumprir objetivos estratégicos dos EUA. Elas
não são unidades antinarcóticos. Em uma conferência de imprensa, Rubio
identificou como alvo principal o chamado “Cartel de los Soles”, que Washington
alega ser liderado por Maduro e outros altos funcionários venezuelanos com a
intenção de “inundar” os EUA com narcóticos. “O Cartel de los Soles é
uma das maiores organizações criminosas que existem no hemisfério. Ele foi
indiciado nos tribunais federais dos Estados Unidos”, disse Rubio. Ele
acrescentou que os EUA não reconhecem o governo Maduro, chamando-o de “empresa
criminosa” que ameaça a segurança nacional dos EUA e os interesses petrolíferos
na Guiana, referindo-se às operações da Exxon Mobil na disputada região de
Essequibo.
Claro,
isso tem tanto a ver com o combate ao narcotráfico quanto as guerras no Iraque,
Síria, Líbia e Afeganistão tiveram a ver com o combate ao terrorismo islâmico.
Os EUA
têm sido, pode-se argumentar, o maior apoiador e facilitador de organizações de
tráfico de drogas no planeta, assim como têm sido, de forma semelhante, o maior
apoiador de organizações terroristas islâmicas. Ambos os tipos de organizações
se mostraram aliados úteis na busca das ambições imperiais dos EUA (por
exemplo, os cartéis colombianos e mexicanos durante a insurgência dos Contras
na Nicarágua nos anos 1980, ou os ramais da Al Al-Qaeda na Síria), ao mesmo
tempo em que serviram como pretextos convenientes para intervenções militares.
O
governo venezuelano não tem ilusões sobre os objetivos reais dos EUA. O
ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino Lopez, disse que os Estados
Unidos querem “forçar uma mudança de regime” no país sul-americano — um
objetivo que perseguem há mais de duas décadas, desde o fracassado golpe de
direita contra Chávez em 2003. E não nos esqueçamos da tentativa farsesca de
golpe do “líder interino” da Venezuela escolhido a dedo por Trump, Juan Guaidó,
em 2019.
Não é
difícil ver por que os EUA querem uma mudança de regime na Venezuela:
Não se
trata apenas de a Venezuela ter mais petróleo sob seu solo e mar do que
qualquer outro país; é o fato de estar localizada bem no quintal imediato dos
EUA. Durante a campanha presidencial do ano passado, Trump admitiu abertamente
que queria se apropriar do petróleo venezuelano, dizendo (ênfase minha):
“Quando saí, a Venezuela estava pronta para colapsar. Nós teríamos ficado com
todo aquele petróleo, estaria bem ao lado.”
Este é
um exemplo perfeito de por que Trump é tão detestado por tantos no
establishment de Washington — ele diz em voz alta aquilo que deveria permanecer
subentendido a respeito das ambições imperiais de Washington.
Até o
momento, o presidente Maduro respondeu à mobilização das forças dos EUA
ordenando o destacamento de quatro milhões e meio de membros da Milícia
Nacional Bolivariana para defender o “território, a soberania e a paz” da
Venezuela.
Da Venezuela
Analysis:Em um discurso televisionado na segunda-feira, Maduro exortou todos os
membros da milícia a estarem “armados e prontos” para defender todo o
território nacional. Ele também ordenou a ativação de milícias de camponeses e
trabalhadores em áreas rurais e fábricas em todo o país. “Nenhum império virá
tocar o solo sagrado da Venezuela, nem deveria tocar o solo sagrado da América
do Sul”, comentou Maduro. A Milícia Bolivariana é uma unidade de combate
voluntária das forças armadas venezuelanas que foi criada em 2005 pelo
presidente Hugo Chávez. É composta por homens e mulheres civis de todas as
idades.
O
ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, respondeu na
terça-feira que a milícia estava preparada para “defender cada centímetro” da
nação caribenha. Caracas proibiu o uso de drones em território venezuelano por
30 dias.
As
ameaças de Washington não estão apenas direcionadas à Venezuela, alerta Maduro;
elas estão direcionadas a toda a região latino-americana. E ele está certo: os
EUA buscam usar a guerra às drogas como um meio de reafirmar seu poder em sua
vizinhança direta. O líder venezuelano pediu apoio e unidade de todos os países
da região.
Como
temos alertado nos últimos anos, Washington reacendeu seu interesse em seu
chamado “quintal” ao buscar se retrair de certas partes do mundo para o
continente americano, assim como reafirmar o controle sobre os abundantes
recursos da região — incluindo elementos de terras raras, lítio, ouro,
petróleo, gás natural, petróleo leve doce, cobre, abundantes produtos agrícolas
e vastas reservas de água doce.
Aqui
está Laura Richardson, a ex-comandante do Comando Sul dos EUA, expondo o que o
SOUTHCOM quer da América Latina e do Caribe:
O
governo e os militares dos EUA, e as corporações cujos interesses eles servem,
têm seus olhos em todos esses recursos. Eles também têm seus olhos nas duas
passagens bi-oceânicas da região, o Canal do Panamá e a Passagem de Drake, bem
como, sem dúvida, no corredor interoceânico que está sendo desenvolvido através
do Istmo de Tehuantepec, no México.
Como
lamentou o jornalista e apresentador de notícias argentino Carlos Montero em um
tweet em 2023, seria bom viver em um mundo onde os EUA não estivessem
interessados na América Latina pelas riquezas que poderiam saquear, mas para
ajudá-la a se libertar de ser a região mais desigual do mundo. Mas isso
significaria quebrar com quase 200 anos de tradição.
Nos
últimos dias, muitos governos da região se manifestaram contra a mobilização de
forças de Washington contra a Venezuela. De acordo com O Globo,
Lula da Silva, do Brasil, teme que Trump esteja planejando uma intervenção
militar na Venezuela para derrubar o governo Maduro, o que colocaria o Brasil
em uma posição ainda mais delicada em relação ao governo Trump.
O
presidente dos EUA impôs tarifas de 50% na maioria dos produtos brasileiros,
citando a “caça às bruxas” do judiciário brasileiro contra o ex-presidente de
direita Jair Bolsonaro por sua alegada tentativa de golpe em 2024. No entanto,
existem outras razões potenciais para o descontentamento de Trump com o Brasil,
como os crescentes apelos de Lula pela desdolarização, a mais recentemente
delas na Cúpula dos BRICS no Rio.
Outros
líderes latino-americanos expressaram preocupação com este último episódio de
beligerância dos EUA.
“Do
coração da América do Sul, condenamos veementemente o deslocamento militar dos
Estados Unidos em águas ao redor da Venezuela”, escreveu o presidente da
Bolívia, Luis Arce, em suas redes sociais. “Relacionar a Revolução Bolivariana
e… o presidente Nicolás Maduro ao tráfico de drogas é uma das maiores infâmias
da administração Trump nos últimos tempos, assim como o uso recorrente da luta
contra as drogas como instrumento de intervenção imperialista em países que não
se alinham com seus interesses geopolíticos.”
No
entanto, Arce encerrará seu mandato muito em breve. Seu substituto será um dos
dois candidatos conservadores que avançaram para o segundo turno das eleições
presidenciais da Bolívia, depois que o movimento de esquerda MAS, que governou
a Bolívia na maior parte das últimas duas décadas, se voltou contra si mesmo.
Quem quer que vença o segundo turno, uma coisa é bastante clara: a Bolívia em
breve buscará um alinhamento mais próximo com os EUA.
Além
disso, Arce fez um “apelo urgente” para que organizações multilaterais como a
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), a União de Nações
Sul-Americanas (Unasul) e o bloco bolivariano ALBA-TCP convoquem “reuniões de
emergência” para “abordar esta questão com a seriedade que merece” e defender a
“soberania e paz” regionais.
No
entanto, a unidade regional diante da hostilidade dos EUA é improvável. Se há
uma coisa com a qual o Império do Caos dos EUA sempre pôde contar, é a divisão
e a polarização entre os estados-nação contingentes da América Latina. Os
leitores podem lembrar que foi o próprio Lula quem bloqueou a proposta de
adesão da Venezuela à aliança BRICS no ano passado, apenas meses após a
reeleição contestada de Maduro. Esse movimento deixou Maduro mais isolado no
cenário mundial.
No
entanto, Maduro pode contar com o apoio diplomático da vizinha Colômbia e do
México. O presidente colombiano Gustavo Petro alertou que os EUA cometeriam um
erro se atacassem a Venezuela.
“Os
gringos estão perdendo o rumo se pensam que invadir a Venezuela resolverá seus
problemas”, disse Petro. “Eles buscam colocar a Venezuela na mesma situação que
a Síria, só que correm o risco de arrastar a Colômbia para o problema.”
A
Colômbia, é claro, é o estado-cliente mais próximo dos EUA na América do Sul,
com pelo menos sete bases militares norte-americanas. Mas desde a eleição de
Petro em 2022, o país tentou seguir um curso mais independente, aderindo
recentemente ao Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS.
A
presidente do México, Sheinbaum, também criticou o deslocamento de tropas dos
EUA próximo à Venezuela, citando o compromisso constitucional do México com os
princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos. O México, é claro,
também enfrenta a ameaça de intervenção militar dos EUA após ter sido
classificado como adversário pelo Departamento de Justiça dos EUA — um destino
que o governo Sheinbaum tem tentado evitar enviando dezenas de chefes de cartel
para Washington.
“Nossa
Constituição diz claramente e é sempre nossa posição: a autodeterminação dos
povos, a não-intervenção e a solução pacífica de controvérsias”, disse
Sheinbaum, acrescentando que esses problemas podem ser resolvidos com diálogo.
Infelizmente,
são princípios que Washington pouco respeita ou valoriza. Os EUA realizaram
dezenas de intervenções militares na América Latina no século XX, incluindo
invasões e mobilizações de tropas, golpes, operações de mudança de regime, além
de apoio e assistência militares.
Continuou
a se intrometer na região no século XXI, embora com frequência e intensidade
ligeiramente menores (com três grandes operações na Venezuela, em 2003, 2019 e
agora em 2025, Honduras em 2009 e Bolívia em 2019). No entanto, isso pode estar
prestes a mudar, já que os EUA definem suas ambições imperiais para mais perto
de casa — incluindo, é claro, a Groenlândia e o Canadá. No entanto, de alguma
forma, é a Venezuela que é o “perigo para a região”.
O fato
de o governo Trump parecer estar empenhado em atacar a Venezuela — e muito
possivelmente o México — como parte de sua guerra regional contra os cartéis de
droga da América Latina contradiz todas as suas promessas de ser um “presidente
da paz” e colocar a “América em primeiro lugar”. Como observa o ex-congressista
libertário dos EUA Ron Paul, a política externa do presidente Trump está se
mostrando tão beligerante e intervencionista quanto a de seus predecessores.
Com
Trump em modo “pacificador” em relação à Ucrânia, após a recente Cúpula do
Alasca com Putin, será interessante observar como seu governo lidará com a
escalada das hostilidades com a Venezuela. O analista e cientista político
venezuelano William Serafino sugere que Washington evitará ataques militares
diretos contra a Venezuela, preferindo optar por um cenário de operações
híbridas ou não cinéticas.
[Isso]
abrangeria uma ampla gama de operações, desde ciberataques e sabotagem de
infraestrutura até surtos de violência armada. Uma Guerra Suja com o propósito
de desgaste, possivelmente até recriando um Gideon estilo 2025.
Gideon
foi uma tentativa de um grupo de dissidentes militares venezuelanos que estavam
no exílio desde janeiro de 2019 e três membros de uma força de segurança
privada sediada nos Estados Unidos de infiltrar-se na Venezuela no estado
costeiro de La Guaira a partir da Colômbia. Foi um fiasco total. A primeira
onda de ataque resultou na morte de seis dissidentes venezuelanos, enquanto
vários outros foram capturados por pescadores, forças policiais locais e depois
entregues às forças do governo; a segunda onda foi interceptada pela Força
Armada Nacional Bolivariana (FANB).
Se os
EUA tentassem algo semelhante, deveriam poder contar com o apoio do Vente
Venezuela, as forças de oposição lideradas por María Corina Machado, que está
escondida desde as eleições contestadas do ano passado. No final de julho,
Machado enviou a seguinte mensagem via mídia social para seus seguidores, o
exército e a polícia venezuelanos e a comunidade internacional:
“Todos
nós temos tarefas a cumprir, e a primeira é a organização clandestina de todas
as estruturas dentro da Venezuela. Assim como desobedecemos e os deixamos
humilhantemente sozinhos [nas eleições de ontem]. Nos preparamos para a ação
cívica no dia em que for exigida.”
É claro
que já passamos por isso muitas vezes antes. Machado tentou organizar uma
revolta civil em setembro do ano passado, que acabou em nada. Como observamos
na época, a Venezuela simplesmente não possui uma oposição forte e com
credibilidade — muito parecido com meu país por afinidade, o México.
Mesmo
com o apoio dos EUA, da UE e de numerosos governos alinhados com os EUA na
América Latina, para não mencionar o apoio constante da mídia ocidental e
grupos de lobby, não foi possível derrubar Chávez ou Maduro. Como escreveu o
leitor do NC, Cristobal, no thread de um post anterior, “tentativas repetidas
de derrubar o governo por meio de golpes militares, violência pós-eleitoral,
sanções econômicas e esforços de desestabilização no valor de milhões de
dólares, incluindo terrorismo e ciberataques” não deram em nada.
A
diferença desta vez é que os EUA enviaram suas próprias forças para monitorar
os acontecimentos. Estimulado pelo recente colapso do governo Assad na Síria e
pelo apoio militar à guerra de 12 dias de Israel contra o Irã, Trump estaria
disposto a cruzar a linha e entrar em outra guerra, desta vez na Venezuela? E,
se o fizer, o que isso significará para o movimento MAGA, especialmente com o
escândalo Epstein ainda borbulhando ao fundo?
Fonte: Por
Nick Corbishley, no Naked Capitalism | Tradução: Rôney Rodrigues, em Outras
Palavras

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