Tirar
dinheiro do Banco do Brasil? Como grupos de WhatsApp acreditaram em falsa
'falência' devido a sanções dos EUA
"Tire
seu dinheiro do Banco do Brasil"
"Brasileiros
sacando seu dinheiro pelo risco Moraes/Dino".
Há
pouco mais de uma semana, muitos brasileiros que abriram as redes sociais e os grupos de
WhatsApp receberam mensagens como essas em forma de vídeo, foto e texto.
Mas,
desde segunda-feira (25/8), elas também estão nas mãos da Polícia Federal (PF).
Sob
argumento de que tinham como objetivo "gerar caos no sistema financeiro
nacional", a Advocacia-Geral da União (AGU), acionada pela Procuradoria do
Banco Central (BC), enviou uma notícia-crime à PF pedindo abertura de uma
investigação.
"Observa-se
uma ação articulada de disparo massivo de publicações que buscam aterrorizar a
sociedade", disse a AGU.
Uma
percepção que se confirma com dados de monitoramento de mais de 100 mil grupos
públicos no WhatsApp e 5 mil no Telegram.
O
levantamento da empresa de análise de tendências sociais Palver, a pedido da
BBC News Brasil, mostra que o Banco de Brasil virou tema frequente de mensagens
na segunda quinzena de agosto, com uma prevalência clara de mensagens com
conteúdos alarmistas sobre o futuro da instituição.
"A
maior parte das mensagens tinham como objetivo principal causar pânico, uma vez
que esse é um tema bastante sensível para a população brasileira, vide o
fantasma da inflação e do confisco das poupanças", analisa o
cientista de dados Lucas Cividanes, da área de inteligência e análise da
Palver.
De pano
de fundo para o "alarme", está a atuação do ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
Alvo do
governo de Donald Trump, nos EUA, por supostamente comandar uma "caça às
bruxas" contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, Moraes foi sancionado pela
chamada Lei Magnitsky no final de
julho.
A lei
americana visa sancionar estrangeiros que promovam violações de direitos
humanos — no caso de Moraes, um dos argumentos foi que o ministro abusa de sua
posição de autoridade para minar a "liberdade de expressão" de
cidadãos americanos, já que ele pediu suspensão de contas e redes sociais que
desrespeitaram decisões judiciais no Brasil.
As
sanções da Magnitsky visam estrangular financeiramente o alvo e incluem
congelamento de bens nos EUA e proibição de qualquer pessoa ou empresa dos EUA
de realizar transações econômicas com o indivíduo.
É aí
que entra o Banco do Brasil. É pelo banco que os ministros do STF recebem
salário.
Em
tese, pela Magnitsky, cartões de crédito de Moraes emitidos por bandeiras
americanas, como Visa e Mastercard, teriam que ser cancelados. Além disso, ele
não poderia ter contas e investimentos em bancos que atuem no mercado
americano, apesar de não estar claro qual o alcance das medidas.
De
acordo com reportagem do jornal Valor Econômico em 21 de agosto, um cartão de
crédito do ministro do BB foi cancelado e a ele foi oferecido um cartão Elo, de
bandeira nacional — informação não confirmada oficialmente pelo banco nem pelo
ministro.
Foi
justamente nessa data em que foi registrado o pico de menções ao Banco do
Brasil nos grupos de mensagens, segundo o levantamento da Palver.
Mas o
que alimentou mesmo o tom do discurso dos influenciadores bolsonaristas foi uma
nota divulgada pelo próprio Banco do Brasil em 19 de agosto.
Nela, a
instituição dizia: "O Banco do Brasil atua em plena conformidade à
legislação brasileira, às normas dos mais de 20 países onde está presente e aos
padrões internacionais que regem o sistema financeiro".
No
WhatsApp, o apego foi à frase "O Banco do Brasil atua em plena
conformidade à legislação brasileira".
Um dia
antes da publicação da nota, o ministro Flávio Dino, do STF, havia proibido a aplicação no Brasil de
sentenças judiciais e leis estrangeiras que não estejam validadas por acordos
internacionais ou referendadas pela Justiça brasileira.
Isso
incluiria a Lei Magnitsky, usada para retaliar Moraes.
Estava
formada aí a "tempestade perfeita" para a campanha contra o BB nas
redes.
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A escalada contra o BB
Os
dados analisados pela Palver mostram que o início da onda de mensagens sobre o
Banco do Brasil começou, na verdade, no dia 14 de agosto, antes da decisão de
Dino. Foi ali que o número de menções à instituição escalaram até chegar ao
pico no dia 21.
No dia
14, foi divulgado que o Banco do Brasil teve um lucro líquido ajustado de R$
3,8 bilhões no segundo trimestre deste ano — 60% menor que o registrado no
mesmo período do ano passado e pior do que esperado pelo mercado.
Entre
os motivos, está a alta na inadimplência de pessoa física e do agronegócio — o
BB é o maior financiador do setor do país, que enfrenta uma onda de
recuperações judiciais.
Na
análise de Reinaldo Boesso, fundador da fintech TMB e com atuação em fundos de
investimentos, o problema no agro também está por trás de outra notícia sobre o
BB que inflamou a base bolsonarista.
No dia
21, o banco divulgou que os dividendos referentes ao terceiro trimestre de 2025
serão pagos integralmente apenas em 11 de dezembro de 2025, segurando o
pagamento antecipado.
"É
um problema econômico que ele está se precavendo e ponto. E está tudo bem. Isso
é claramente o que o mercado financeiro sempre fez: segurar quando dá algum
problema para se manter capitalizado e não ter uma crise", avalia Boesso.
Mas o
resultado financeiro aquém do esperado e o desenrolar das notícias sobre Moraes
fizeram do banco um alvo em potencial nas redes sociais, indica a Palver.
"A
lógica de atuação do ecossistema de extrema-direita nos aplicativos de
mensagens vive de aberturas de janelas de oportunidade", analisa Lucas
Cividanes.
"As
narrativas buscam sempre se aproveitar de um fato político que possa explorar
algum medo difuso existente na sociedade e soma-se a isso alguma camada
conspiratória. Podemos dizer que é uma 'tempestade perfeita', mas há método
para encontrá-la", completa.
Com a
decisão de Dino sobre a eficácia automática de leis estrangeiras, as menções ao
BB se aceleraram, segundo o levantamento da Palver.
O pico
de menções, no dia 21, teve 120 mensagens sobre o banco a cada 100 mil — para
efeito de comparação, a média histórica de menções a "Bolsonaro" é de
300 a cada 100 mil mensagens.
Entre
os dias 28 de julho e 26 de agosto (período analisado pela Palver), 53% das
mensagens identificadas nos grupos eram favoráveis às sanções do banco e 30%
eram em defesa da instituição.
Uma das
mensagens incluídas pela AGU na notícia-crime é do advogado Jeffrey Chiquini,
que compartilhou um post no X com a mensagem: "Meu conselho a você que tem
conta no Banco do Brasil: tire seu dinheiro de lá".
Esse
conselho foi amplamente compartilhado por canais de direita nas redes sociais —
o que levou o banco a agir.
Cividanes,
da Palver, explica que a mensagem viral não acontece simplesmente "de cima
para baixo" — ou seja, como uma criação de grandes personalidades
influentes.
"São
muitas vezes fruto de tentativa e erro. Mas fato é que uma vez que uma
narrativa persevera, existe uma convergência para um tema específico",
diz.
"Muitas
vezes o gatilho são apitos de cachorro desses grandes empreendedores da
economia da atenção."
Segundo
a AGU, o ofício em que o Banco do Brasil informa quais são os perfis envolvidos
na ação foi encaminhado à PF como anexo da notícia-crime.
Entre
os perfis apontados pelo banco por "propagar a desordem financeira no
País", além de Chiquini, estão os dos deputados federais Gustavo Gayer
(PL-GO) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
A BBC
News Brasil entrou em contato com os dois parlamentares, mas não obteve
resposta.
Já o
advogado Jeffrey Chiquini declarou que sua declaração dizia "respeito à
realocação de investimentos em ações, pois, em razão da insegurança jurídica, o
investimento se tornaria imprevisível."
Segundo
Chiquini, "um conselho de investimento em ações é legítimo — e todo
investidor o faz".
"A
Lei Magnitsky é clara: bancos que tentam proteger sancionados também podem ser
punidos", completou.
A
reportagem não encontrou mais a mensagem destacada pela AGU no perfil de
Chiquini no X.
Em nota
à BBC News Brasil, a AGU declarou que "ao divulgar mensagens fomentando
uma corrida bancária para retirada de dinheiro dos bancos, perfis em redes
sociais evidenciam claro interesse de gerar caos no sistema financeiro
nacional".
Segundo
o órgão, a "coordenação de ataques" mostra uma intenção política de
colocar a opinião pública contra o STF.
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Contenção da sangria
O
levantamento da Palver mostra que as menções ao BB começaram a arrefecer já no
dia 22 de agosto.
Nesse
dia, o BB divulgou uma nota dizendo que "acompanha o surgimento de
publicações inverídicas e maliciosas que disseminam desinformação em redes
sociais".
"Declarações
enganosas ou inverídicas que tenham como objetivo prejudicar a imagem do Banco
do Brasil não serão toleradas. O Banco tomará todas as medidas legais cabíveis
para proteger sua reputação, seus clientes e seus funcionários", dizia a nota.
No
mesmo dia, a AGU fez o encaminhamento da notícia-crime à PF, comunicando a
imprensa na segunda-feira (25).
O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também tratou rapidamente do assunto. Em
entrevista à TV GGN, ele afirmou que "tem acontecido ataque ao Banco do
Brasil por parte de bolsonaristas na rede social, defendendo saques de valores
do banco".
Os
ataques também mobilizaram sindicatos e bancários. Na quarta-feira (27/8), num
pequeno protesto em frente à sede do BB em São Paulo, na Avenida Paulista,
bancários seguravam cartazes dizendo "BB é bom para o Brasil" e
"Defender o Banco do Brasil é defender a soberania nacional".
"Queremos
mostrar para população que o BB tem que respeitar as leis brasileiras, não dos
EUA. O que for sobre os EUA, o banco de lá vai respeitar. Aqui, ele vai
respeitar nossas leis", declarou no ato Ana Lúcia Ramos, secretária-geral
da Federação dos Bancários.
A
contenção do clima de ataque ao Banco do Brasil se diferencia de outra crise
envolvendo o sistema financeiro: a do Pix, em janeiro. Na ocasião, o
governo federal precisou revogar uma nova regra da Receita Federal sobre
monitoramento das transações via Pix.
A
revogação do ato normativo se deu, segundo a Receita, "por conta de
distorções e notícias falsas sobre a medida", que espalharam a informação
de que o Pix seria taxado.
Nesta
quinta-feira (28/8), em meio à deflagração das operações contra um esquema supostamente utilizado
pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), o ministro Haddad
chegou a declarar que o recuo do governo sobre o Pix em janeiro atrasou uma
maior fiscalização sobre as fintechs — empresas de tecnologia que prestam
serviços financeiros apontadas como parte fundamental para movimentar o
dinheiro do crime organizado.
Fonte:
BBC News Brasil

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