Puxadas
pelo agro, emissões de gases de efeito estufa sobem 6% no Brasil, aponta
Observatório do Clima
As
emissões de gases de efeito estufa cresceram 6% no Brasil entre 2020 e 2023,
alcançando 21,1 milhões de toneladas lançadas na atmosfera, segundo um
relatório divulgado pelo Observatório do Clima nesta quarta-feira (27). O
levantamento aponta que 75,6% das emissões de metano vêm do agronegócio, com
15,7 milhões de toneladas, sendo 98% originadas na pecuária.
Em
entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, o geógrafo Wagner Ribeiro,
professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de
São Paulo (USP), afirma que mudanças no consumo e no padrão produtivo são
essenciais para reverter esse quadro. “O gado, além do sofrimento animal, está
associado também [à emissão de gases de efeito estufa]. Então, essa de fato é
uma escolha que pode, que deve ser feita”, diz. “Me parece que nós temos que
mudar o padrão e, pouco a pouco, deixar de nos alimentarmos de carne vermelha”,
complementa.
O
professor destaca ainda que grande parte dessa produção é destinada ao mercado
externo, o que reforça os impactos ambientais. “Esse tipo de situação pode ser
ampliada. Ocorre que parte desse volume importante de produção é destinado para
exportação. E nós temos mercados como Rússia, entre outros, que acabam sendo os
grandes destinatários da carne bovina para corte no Brasil”, informa. Ele
lembra também que outros setores contribuem para o problema, como a
suinocultura, responsável por emissões a partir do manejo de dejetos.
Para
Ribeiro, é preciso valorizar alternativas produtivas e de consumo que priorizem
a conservação ambiental e a geração de valor agregado. “Nós temos que nos
apresentar para o mundo gerando valores de outra natureza, que estejam
associados à conservação ambiental, que estejam baseados em ciência e
tecnologia, associados aos conhecimentos das comunidades originárias. E não é
simplesmente vendendo commodities, inclusive produtos agropecuários, que geram
pouco valor agregado. Esse é um debate fundamental e que não assistimos no
Brasil”, defende.
O
geógrafo chama atenção, no entanto, para os entraves políticos que dificultam o
avanço do debate. “Lamentavelmente, nessa composição de um bloco da
extrema-direita, esse setor agropecuário tem um papel importante, tem um peso
político importante, não apenas no governo, mas também no Congresso, e por isso
que essa questão não avança”, avalia.
• Boi versus extrativismo
A
Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, criada em 1990 e no centro de uma
disputa territorial entre extrativistas e pecuaristas, está há sete anos sem o
georreferenciamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio). A falta do mapeamento impede a aplicação das regras de uso da terra e
transforma o território em um campo fértil para o desmatamento e a criação
ilegal de gado. O Ministério Público Federal (MPF) judicializou o caso,
classificando de uma “grave deficiência do serviço público”.
A
Justiça Federal no Acre determinou que o ICMBio apresente um planejamento para
a delimitação de todas as colocações da Resex Chico Mendes, em razão de uma
ação pública do MPF. O órgão tem cinco meses para identificar as medidas
perimetrais, a área total, a localização, as confrontantes e as coordenadas
georreferenciadas dos seus limites, sob pena de multa diária de 50 mil reais.
A
reportagem da Amazônia Real conversou com dois extrativistas que vivem
realidades distintas na Resex. Suas histórias revelam as contradições do
território e como a ausência do Estado, outrora na vanguarda da luta ambiental
com o conceito da florestania, empurra os moradores para escolhas que desafiam
a legalidade.
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Boi X extrativismo
O
extrativista Evanildo Lima de Oliveira vive há 28 anos com a família na
colocação Porongaba, no Seringal Nazaré, em Xapuri (AC). Ele conta que o pai
adquiriu a área em 1997, após a criação da Resex Chico Mendes. Ele decidiu sair
de uma região mais isolada para buscar melhores condições de vida. “Nós
morávamos no município de Sena, no Seringal Iaco. Aí meu pai veio e conheceu um
cara aqui do Seringal Nazaré, que perguntou se ele não queria comprar a
colocação dele. Pediu 800 reais na época, que era muito dinheiro, e meu pai
passou mais de ano pagando”, recorda.
Evanildo
herdou parte da colocação para viver do extrativismo e “para criar um gadinho”.
Ele produz castanha e borracha, mas admite que a renda com o extrativismo não é
suficiente para sustentar a família. “O extrativismo não sustenta uma família.
Por mês, com o corte da seringa, produz entre 70 e 80 quilos, o que rende no
máximo 800 reais. E esse valor só é possível em seis meses do ano em que a
produção é viável. A borracha ‘só dá de março a agosto’. Depois para. Volta em
novembro, mas em janeiro a cooperativa já nem compra mais”, admite Oliveira
sobre a produção de gado Nelore.
A
criação de gado, que começou como um complemento, se tornou essencial. A raça
Nelore é a mais comum no Brasil. Um bezerro é vendido por cerca de 1.700 reais,
enquanto um boi adulto pode passar dos 2.700 reais. Segundo Oliveira, hoje a
família toda tem cerca de 80 cabeças. A venda de bezerros e bois é, na prática,
o que garante comida na mesa. “Se tirar o nosso gado, ninguém sabe como é que
vai viver. Porque o gado, quando a gente consegue vender um bezerro, a gente
vai na cidade, faz a feira. O boi ajuda.” Já com a borracha “tem que cortar o
ano todo e ainda assim não consegue”.
A
situação de Evanildo é a mesma de 80% dos extrativistas na Resex Chico Mendes,
que apresentam algum tipo de irregularidades, como criação de gado superior ao
permitido e desmatamento. A reserva tem 126 mil cabeças de gado cadastradas,
mas o número é maior, segundo o ICMBio.
O
extrativista também vive sob a incerteza de ser fiscalizado. Sua colocação foi
apontada por desmatamento de 50 hectares, e o ICMBio exigiu a recuperação de
20, sem oferecer apoio técnico ou material. “A gente não tem condição, não tem
máquina, não tem muda. Se mandasse as mudas, a dupla, uma máquina, a gente
podia plantar seringueira, castanheira, cumaru de ferro.”
A
tensão foi exacerbada pela Operação Suçuarana, em junho de 2025, que retirou
400 cabeças de gado apreendidas e gerou protestos de moradores e políticos. A
operação provocou ameaças de morte contra o líder ambientalista Raimundo Mendes
de Barros, primo de Chico Mendes, que foi acusado de ser o responsável pela
fiscalização.
Oliveira
não recebeu ordem formal para retirar seu gado do ICMBio. “Ficam dizendo que
vão tirar a gente. A preocupação só aumenta.” Sobre os modos de vida na
reserva, ele contextualiza: “A gente tem um sonho, né, pra crescer na vida. E o
sonho da gente, o que é melhor, é manter um gadinho. Um gadinho o cara consegue
comprar um transporte, comprar uma casa na cidade. Se tirarem isso da gente,
fica meio ruim”.
O
Seringal Nazaré, onde reside Evanildo, está em uma área de conflito por terras,
segundo um relatório de 2024 da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O documento
aponta que o município de Xapuri, que integra a região da Amacro, é uma espécie
de “laboratório experimental do agronegócio”, concentrando cerca de 60% dos
conflitos por terra da Amazônia Ocidental entre 2015 e 2024.
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Entre embargos
Jorge
Gomes de Souza vive na Resex Chico Mendes há 25 anos, em uma área herdada do
sogro em 2002, mas a posse nunca foi formalizada pelo Estado. A imprecisão no
reconhecimento das áreas é justamente um dos pontos centrais da Ação Civil
Pública, do MPF. “Aqui eles se baseiam em 900 hectares. Eles (ICMBio) mediram e
disseram que tem 101 hectares desmatada”, explica Jorge, que vive da
“rendazinha da terra”.
Esse
cálculo impreciso transforma a reserva, na prática, em uma ocupação desordenada
e sem vocação definida. Produtos extrativistas como castanha e borracha, antes
predominantes na economia da reserva, hoje pouco contribuem para o sustento da
família. O zoneamento interno das colocações se torna inviável, mesmo sendo uma
exigência prevista no Plano de Manejo e na legislação ambiental. A localização
da casa principal é, muitas vezes, o único dado utilizado na fiscalização.
No ano
de 2019, o ICMBio aplicou um embargo de 30 hectares sobre a área de Jorge,
alegando desmatamento e impondo multa de 300 mil reais. Ele nega que tenha
feito novos cortes e contesta o valor da penalidade. “A terra não valia nem a
metade do que eles disseram. Eles disseram que era por onde o fogo tinha
passado.”
Em
abril de 2025, agentes ambientais desembarcaram de dois helicópteros em frente
à casa de Jorge. “Parecia que eu ou minha esposa éramos bandidos”, relata. Ele
foi notificado para retirar o gado da área embargada, mas a ordem é
impraticável. “O gado fica espalhado. Falei para eles: ‘Vamos entrar em acordo,
eu cerco os 30 hectares e tiro o gado de lá’.” A proposta, segundo Jorge, foi
ignorada.
Sem o
georreferenciamento, o MPF destaca que é impossível atribuir responsabilidade
com precisão por infrações, como alertas de desmatamento via satélite ou atos
infracionais. E isso faz com que o avanço do desmatamento dentro da Resex se
torne expressivo. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), mais de 94 mil hectares já foram derrubados até 2023, quase 10% do
território, o maior índice entre as
Unidades de Conservação (UCs) do Acre. A devastação é impulsionada pela
expansão irregular da pecuária e pelo comércio ilegal de madeira.
<><>Uma
poronga acesa
Para
Ângela Mendes, filha do líder seringueiro Chico Mendes e coordenadora do Comitê
Chico Mendes, o modelo de desenvolvimento sustentável da reserva extrativista
está sob ataque de um sistema que privilegia a exploração predatória. “A gente
vive sob a força de um sistema opressor, que enriquece destruindo e manipula as
narrativas com muito dinheiro. Hoje, o discurso dominante é de que a floresta é
um entrave ao desenvolvimento, e isso é muito perigoso”, explica a ativista.
Ângela
critica a fragilidade do ICMBio, que falha na fiscalização e na garantia de
políticas públicas. Ela afirma que a tensão tem aumentado muito e é resultado
direto da omissão do Estado. “O ICMBio
precisa amadurecer e entender a importância social da reserva. Falha no básico
e ignora a co-gestão com as associações locais, que estão na linha de frente
enfrentando invasões e conflitos.”
Apesar
do cenário crítico, Ângela faz questão de destacar ações positivas, como a
criação de café, os sistemas agroflorestais e o artesanato do Ateliê da Floresta. “Essas experiências provam que o
modelo dá certo. O problema é que o gado parece mais fácil, mas essa facilidade
tem um custo alto: acelera o colapso ambiental”, destaca.
A
ativista defende o fortalecimento das reservas extrativistas como estratégia de
enfrentamento às mudanças climáticas. “A Resex Chico Mendes é mais do que um
território protegido. Ela é uma resposta à crise climática. Proteger esse
modelo é proteger o nosso futuro”, alerta Angela Mendes.
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A ausência do Estado
Desde
2017, o MPF tem recomendado a realização do georreferenciamento das colocações
na Resex Chico Mendes. Neste ano de 2025, a Justiça Federal confirmou essa
“omissão continuada” e constatou a ausência de qualquer planejamento, orçamento
ou contratação para a delimitação das áreas. Em resposta, o ICMBio alegou que o
pedido do MPF poderia interferir em sua programação, caracterizando um “perigo
de dano reverso” para o próprio Instituto.
Apesar
da alegação do ICMBio, documentos técnicos internos do próprio órgão citados na
ação do MPF atestam a “extrema relevância do mapeamento e delimitação” para a
gestão e proteção da unidade. Um estudo do Imazon, de 2015, já revelava que a
Resex havia sido a 10ª mais desmatada da Amazônia, um reflexo, segundo o MPF,
da “reiterada ausência de priorização da proteção”.
A
partir de maio, está contando o prazo de cinco meses dado pela Justiça Federal
para que o ICMBio apresente um planejamento detalhado para a delimitação das
colocações. O documento deve incluir coordenadas georreferenciadas e prever que
as atividades de delimitação serão realizadas em conjunto com associações e
moradores. O não cumprimento do prazo sujeitará o ICMBio a uma multa diária de
50 mil reais. A ação pública também destaca a insuficiência de pessoal, com
apenas três analistas e um técnico responsáveis pela gestão de um território de
quase 1 milhão de hectares.
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O que diz o ICMBio
Em
resposta à Amazônia Real, o ICMBio defendeu que a ausência de um
georreferenciamento rigoroso das colocações não compromete a gestão da reserva.
O órgão argumenta que o mapeamento detalhado, que se assemelha a um loteamento
rural, não é adequado para uma UC de uso coletivo. O instituto afirma que já
utiliza bases de dados com coordenadas de pontos identificadores, como as
casas-sede, para a fiscalização e a gestão da unidade, o que, em sua avaliação,
permite a maioria das ações necessárias.
Apesar
das denúncias de conflitos e da atuação de desmatadores, o ICMBio alega que a
fiscalização e a gestão participativa com associações locais são eficazes para
coibir práticas ilegais e mediar disputas. Sobre a determinação judicial, o
Instituto informou que apresentará uma proposta ao MPF e à Justiça Federal em
momento oportuno. Ele reforça que não adotará mecanismos que configurem o
parcelamento do território, e defende que a Resex Chico Mendes tem se mostrado
efetiva na proteção ambiental e dos modos de vida tradicionais, especialmente
quando comparada à situação de seu entorno.
Em
relação ao caso do extrativista Jorge Gomes, o ICMBio explica que as abordagens
são realizadas de modo cordial e que os embargos são sanções administrativas em
casos de infrações. O órgão detalha que o processo de embargo segue etapas
formais, como a lavratura de auto de infração e a abertura de um processo
administrativo eletrônico, conduzido pelo Sistema Eletrônico de Informações
(SEI), que garante o direito de defesa. O embargo só é suspenso se o infrator
comprovar a regularização e a adoção de medidas corretivas, e todo o processo
pode levar anos.
Fonte:
Brasil de Fato/Amazônia Real

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