sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Diplomatas europeus condenam ações de Israel em Gaza e pedem ‘medidas urgentes’ da UE

Mais de 200 diplomatas europeus, incluindo 110 ex-embaixadores, condenaram nesta terça-feira (26/08), em uma carta conjunta, as ações ilegais “de Israel em Gaza e na Cisjordânia”, e pedem que os países da União Europeia tomem medidas urgentes.

O texto apresenta nove propostas com o objetivo de “criar uma massa crítica de apoio, dentro e fora da UE, visando proteger e fazer cumprir o direito internacional”. As medidas complementam outras já divulgadas em uma carta anterior, assinada por 58 diplomatas europeus e publicada em 28 de julho. 

As propostas incluem a suspensão de licenças de exportação de armas, a proibição do comércio de bens e serviços com assentamentos ilegais e a proibição de centros de dados europeus receberem, armazenarem ou processarem dados do governo israelense ou de empresas se estiverem relacionados “à presença e às atividades de Israel em Gaza e outros locais dos territórios ocupados”.

A carta menciona os planos de expansão de assentamentos israelenses na Cisjordânia e ações de colonos. O documento rejeita a construção de 3.400 unidades habitacionais na área E1, que separaria Jerusalém Oriental da Cisjordânia e alteraria a configuração territorial, impedindo a implementação da solução de dois Estados. O texto também condena o assassinato de Odeh Hathalin, um ativista palestino que trabalhou como consultor do documentário No Other Land, vencedor do Oscar. Ele foi morto a tiros por um colono israelense em julho.

Os signatários da carta apontam a dificuldade de obtenção de um acordo de cessar-fogo, a falta de uma solução para libertar reféns, os planos de evacuação da Cidade de Gaza e o deslocamento de aproximadamente um milhão de palestinos para o sul do território. 

<><> Bloqueio da ajuda humanitária

Segundo o texto, essas ações podem resultar em deslocamentos em larga escala e em uma crise migratória. Os diplomatas afirmam que “o governo israelense continuou a impedir a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio) e 100 ONGs internacionais de fornecer qualquer tipo de ajuda desde 2 de março, bloqueando também entregas de outros fornecedores, enquanto prioriza a militarização da ajuda fornecida pelo GHF e seus mercenários”. 

A GHF (Gaza Humanitarian Foundation) é uma organização não governamental norte-americana criada em fevereiro de 2025 com o objetivo declarado de distribuir ajuda humanitária na Faixa de Gaza. De acordo com o texto, o uso dessa organização “é uma violação aos princípios humanitários da ONU”, e resultou na “morte ou ferimento de milhares de palestinos que buscavam essa assistência”. 

<><> ‘Falta de ação enfraquece UE em outros conflitos’

Os diplomatas também relatam restrições à atuação de jornalistas internacionais e mencionam que pelo menos 200 profissionais foram mortos desde o início do genocídio, em outubro de 2023. 

A carta ainda apresenta dados sobre a situação alimentar em Gaza, indicando que meio milhão de pessoas estão em risco de morte e 132 mil crianças menores de cinco anos enfrentam risco de desnutrição até junho de 2026. 

O documento conclui com um apelo à liderança da União Europeia, e afirma que ações concretas são necessárias para preservar os valores europeus, a credibilidade internacional e o apoio do Sul Global. A falta de ação, segundo os signatários, enfraquece a posição da UE em outros conflitos, como a guerra na Ucrânia.

<><> Além do Brasil, Israel já se desentendeu com outros países

O Ministério do Exterior de Israel anunciou na segunda-feira (25/08) que estava rebaixando os laços diplomáticos do país com o Brasil, após o governo Lula se recusar a aprovar o enviado do governo de Benjamin Netanyahu para a embaixada israelense em Brasília.

Segundo reportagem do jornal Times of Israel, o pedido de credenciamento do diplomata Gali Dagan “foi inexplicavelmente ignorado” pelo Itamaraty.

Dagan nunca chegou a ser formalmente rejeitado, mas também não recebeu o sinal verde do Itamaraty – o que, na linguagem diplomática, equivale a uma recusa. Ao fim, Israel acabou anunciando a retirada da indicação e o “rebaixamento” das relações com o Brasil, que passarão a ser conduzidas “em um patamar inferior”.

Isso já ocorre, por exemplo, no caso dos Estados Unidos, que está sem embaixador no Brasil desde o início do ano, por decisão do governo Donald Trump.

Segundo o assessor do Planalto e ex-chanceler Celso Amorim, a ação contra Dagan foi uma resposta ao tratamento dispensado ao embaixador brasileiro Frederico Meyer, convocado no ano passado a se explicar perante autoridades israelenses após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparar a guerra em Gaza ao Holocausto – fala que lhe rendeu o título de “persona non grata”.

A convocação de Meyer foi considerada humilhante pela diplomacia brasileira, que o chamou de volta e manteve o cargo vago desde então. “Eles humilharam nosso embaixador lá, uma humilhação pública. Depois daquilo, o que eles queriam?”, justificou Amorim.

De lá para cá, a relação bilateral se deteriorou: o Brasil abandonou a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA) e prometeu juntar-se à África do Sul na ação em que o país acusa Israel de genocídio perante a Corte Internacional de Justiça (CIJ).

“Nós queremos ter uma boa relação com Israel. Mas não podemos aceitar um genocídio, que é o que está acontecendo. É uma barbaridade. Nós não somos contra Israel. Somos contra o que o governo Netanyahu está fazendo”, afirma Amorim.

Não é a primeira vez que a diplomacia israelense se desentende com outros países por causa da guerra na Faixa de Gaza.

O massacre de Israel foi deflagrado em 7 de outubro de 2023, após uma ofensiva liderada pelo grupo palestino Hamas deixar cerca de 1,2 mil mortos em Israel.

O próprio Dagan, que deveria assumir a embaixada israelense no Brasil, deixou em 2024 o posto de embaixador na Colômbia após atritos com o presidente Gustavo Petro, crítico da ofensiva israelense.

Veja, abaixo, outros países que têm relações estremecidas com Israel.

<><> África do Sul

Em maio de 2018, a África do Sul tirou seu embaixador de Israel após um confronto violento com forças de segurança israelenses deixar dezenas de palestinos mortos. Desde então, o posto segue vago, e a embaixada foi fechada em novembro de 2023, semanas após o início da guerra em Gaza.

Em 2017, parlamentares governistas já haviam adotado uma resolução que pedia o rebaixamento da embaixada em protesto contra a política de assentamentos israelenses no território palestino da Cisjordânia.

O país tem uma tradição histórica de simpatia com a causa palestina, já que, no passado, muitos viram o governo israelense como apoiador do apartheid.

Há anos, o governo sul-africano tem comparado as políticas israelenses em Gaza e na Cisjordânia com o antigo regime de segregação do apartheid na África do Sul. Israel rejeita essas alegações.

<><> Austrália e França

Recentemente, Netanyahu acusou a Austrália de “trair Israel” e “abandonar” a comunidade judaica local após o governo de Anthony Albanese barrar a entrada de um político extremista do gabinete israelense.

“A história vai lembrar Albanese pelo que ele é: um político fraco que traiu Israel e abandonou os judeus da Austrália”, disse o premiê israelense.

Em retaliação, Israel revogou os vistos de representantes da Austrália que atuavam junto à Autoridade Palestina.

O ministro australiano da Imigração, Tony Burke, viu na ação israelense uma resposta à movimentação de seu país para reconhecer um Estado palestino durante a 80ª reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro.

“A força não é medida por quantas pessoas você pode explodir ou deixar famintas”, disse Burke em 20 de agosto.

O governo de Netanyahu está igualmente incomodado com a sinalização da França de que também deve reconhecer um Estado palestino em setembro.

Os líderes de governo de França e Austrália receberam cartas inflamadas de Netanyahu, que os acusa de “jogar gasolina na fogueira antissemita” ao apoiar o pleito dos palestinos, “premiar o terror do Hamas” e atrapalhar os esforços pela soltura dos reféns ainda mantidos em Gaza pelo grupo.

<><> Colômbia e Bolívia

Em maio de 2024, a Colômbia anunciou o rompimento das relações bilaterais com Israel por causa da guerra em Gaza.

O presidente Gustavo Petro acusou Israel de promover um “genocídio” contra o povo palestino, e tem sido desde então um dos mais vocais críticos do governo Netanyahu na América Latina.

Em julho de 2025, o país sediou uma cúpula internacional ao lado de Bolívia, Cuba, Honduras, Senegal, África do Sul, Malásia e Namíbia para coordenar ações concretas contra a ofensiva israelense na Faixa de Gaza.

Já a Bolívia cortou em 2003 relações diplomáticas com Israel por causa da guerra em Gaza, argumentando que Israel estava cometendo crimes contra a humanidade.

<><> Espanha, Irlanda e Noruega

Em 2024, a Espanha, a Irlanda e a Noruega reconheceram a Palestina. À época, Israel reagiu convocando de volta seus embaixadores.

No caso da Espanha, o país é um dos membros da União Europeia mais contundentes em suas críticas à ofensiva israelense na Faixa de Gaza, e tem acusado o governo Netanyahu de promover um “genocídio” no território palestino. O país acabou aderindo à ação que a África do Sul move contra Israel no CIJ.

Em maio deste ano, a Espanha pediu a suspensão da venda de armas ao governo israelense, e tem pressionado a União Europeia por medidas retaliatórias mais duras contra Tel Aviv.

Já a Irlanda, que aderiu em dezembro de 2024 à ação por genocídio na CIJ, foi retaliada com o fechamento permanente da embaixada em Dublin.

A decisão foi criticada à época pelo diplomata israelense Jeremy Issacharoff, que serviu como embaixador em Berlim de 2017 a 2022. “Eu teria encontrado um equilíbrio entre sinalizar a nossa insatisfação e manter o diálogo”, disse ele à DW. “Há uma comunidade judaica na Irlanda, há israelenses que vivem ali e trabalham no setor de alta tecnologia, há comércio entre os dois países, a Irlanda também é membro da UE”, citou.

¨      Ofensiva israelense escala na Cisjordânia ocupada e deixa dezenas de feridos em Nablus

Um ataque israelense em Nablus, na Cisjordânia ocupada, deixou ao menos 80 palestinos feridos nesta quarta-feira (27/08), segundo relatos de fontes médicas locais à agência catari Al Jazeera. Tropas israelenses lançaram bombas de gás lacrimogêneo contra a população local. Um palestino foi atingido por disparos durante a operação que já dura mais de nove horas.

A escalada de violência na Cisjordânia ocupada foi denunciada por organismos internacionais. De acordo com o Escritório de Direitos Humanos da ONU, ao menos 982 palestinos foram mortos por forças israelenses e colonos desde outubro de 2023. “E mais de 42.000 foram deslocados à força por operações, demolições de casas e ataques de colonos”, afirmou a agência em comunicado nesta manhã.

A ONU citou como exemplo da escalada o ataque à vila de al-Mughayyir, na semana passada, quando cerca de 3 mil oliveiras foram destruídas por colonos. “A violência deste fim de semana em Al Mughayyir é mais um exemplo da opressão e coerção contínuas contra os palestinos. Toda essa violência deve cessar e a responsabilização imparcial deve ser garantida”, afirmou no X.

<><> Ramallah

Ramallah, sede administrativa da Autoridade Palestina, no centro da Cisjordânia, também foi alvo de incursões israelenses. Nesta terça-feira (26/08), durante a repressão de um ato que reivindicava a devolução dos corpos de palestinos mortos e retidos, 19 pessoas ficaram feridas, segundo a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino.

Entre os feridos está uma criança de 12 anos, baleada nas costas com munição real, além de idosos e mulheres grávidas afetados por gás lacrimogêneo, informou a agência WAFA.

As tropas israelenses também invadiram uma casa de câmbio entre Ramallah e al-Bireh, detendo três palestinos. Houve disparos contra um veículo de jornalistas. Os soldados confiscaram cerca de US$ 447 mil de uma casa de câmbio, sob a alegação de que os valores seriam enviados ao Hamas. Nove pessoas foram presas e as forças israelenses apreenderam diferentes moedas, entre elas dólares, euros e dinares jordanianos.

A Autoridade Palestina classificou a ação como uma “escalada perigosa” e denunciou a frequência crescente de ataques em áreas densamente povoadas.

<><> Ataques em Gaza

Enquanto a Cisjordânia ocupada enfrenta a escalada da repressão, a Faixa de Gaza segue sob ofensiva de larga escala. Fontes médicas informaram que pelo menos 76 pessoas foram mortas e 268 estão feridas nas últimas 24 horas. Entre eles estavam 18 pessoas mortas enquanto buscavam ajuda.

Nesta manhã, 23 palestinos foram por bombardeios israelenses, incluindo quatro pessoas que aguardavam ajuda humanitária.

O Ministério da Saúde de Gaza também registrou dez mortes por fome e desnutrição nas últimas 24 horas, entre elas duas crianças. No total, 313 pessoas morreram em consequência da fome desde o início da guerra, sendo 119 delas crianças.

Correspondentes da Al Jazeera relataram que Israel está empregando força “esmagadora” em sua investida para ocupar a Cidade de Gaza. Tanques e aviões de guerra estão destruindo bairros inteiros e deixando milhares de famílias sem refúgio. No distrito de Sheikh Radwan, duas casas foram totalmente demolidas em ataques aéreos contra a área de Abu Iskandar.

¨      Um terço dos pacientes ambulatoriais tratados nos hospitais de MSF em Gaza em 2024 eram crianças, mostram os números

Crianças menores de 15 anos representaram quase um terço dos pacientes ambulatoriais tratados por ferimentos em hospitais de campanha administrados pela Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Gaza no ano passado, revelam estatísticas publicadas na The Lancet.

Os números foram divulgados pela MSF em correspondência com a respeitada revista médica e são provenientes de seis unidades de saúde em Gaza apoiadas pela ONG médica internacional. As unidades estão localizadas predominantemente no sul e no centro do território devastado.

Mais de 90.000 consultas ambulatoriais envolvendo ferimentos foram realizadas nas instalações em 2024. Bombas, bombardeios ou tiroteios estiveram envolvidos em pouco menos da metade delas, disse a MSF.

O número de mortos na ofensiva israelense lançada após o ataque do Hamas a Israel em outubro de 2023 subiu para mais de 62.000, de acordo com uma contagem do Ministério da Saúde de Gaza, utilizada por grande parte da ONU, e que o governo britânico considera um "número razoável". Destes, mais da metade são mulheres ou crianças.

A proporção pode ser maior. Dados de um banco de dados confidencial da inteligência militar israelense indicam que cinco em cada seis palestinos mortos pelas forças israelenses em Gaza eram civis, revelou o Guardian na semana passada .

Autoridades israelenses dizem que tomam todas as precauções "viáveis" para evitar baixas civis e acusam o Hamas de usar civis como escudos humanos.

Na segunda-feira, Israel atacou duas vezes o Hospital Nasser, o último hospital público em funcionamento no sul de Gaza , matando 20 pessoas, entre elas cinco jornalistas. Testemunhas disseram que o segundo ataque ocorreu no momento em que a imprensa e as equipes de resgate chegaram, 15 minutos após o primeiro bombardeio.

As estatísticas de feridos durante a ofensiva israelense receberam menos atenção. Mais de 150.000 ficaram feridos, segundo as autoridades de saúde de Gaza .

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“Armas explosivas são projetadas para uso em campos de batalha abertos, mas estão sendo cada vez mais utilizadas em áreas urbanas”, afirmou MSF. “Os abrigos improvisados ​​onde as pessoas vivem após deslocamentos frequentes oferecem quase nenhuma proteção contra armas explosivas, especialmente seus efeitos secundários, como explosões, estilhaços e impactos incendiários.

Em dois hospitais da MSF, quase 60% dos ferimentos nos membros inferiores estavam relacionados a armas explosivas, muitas vezes com ferimentos abertos nos ossos, músculos ou pele, observou a organização.

A MSF afirmou: “A maioria das mortes imediatas ocorre no local do impacto e, portanto, não é registrada em nossos dados. A subnotificação de feridos e mortos pode ser prevalente em populações vulneráveis ​​que muitas vezes não conseguem se deslocar dos locais de impacto, como bebês, crianças, pessoas com deficiência e idosos.

As duras condições de vida em Gaza, onde grande parte da população vive em tendas improvisadas e a infraestrutura básica, como sistemas de saneamento ou estradas, foi destruída, contribuem para a sobrecarga das poucas unidades de saúde em funcionamento no território.

Pouco mais da metade das condições relacionadas ao tratamento de feridas registradas pela MSF foram ferimentos devido a condições de vida inseguras, acidentes domésticos e acidentes de trânsito.

A MSF afirmou que estava enfrentando escassez crítica de suprimentos essenciais e estava racionando a comida dos pacientes atendidos em suas instalações para apenas uma ou duas refeições diárias.

“É provável que não possamos oferecer comida aos nossos pacientes nas próximas semanas. A MSF reitera nosso apelo por um cessar-fogo imediato e permanente... Instamos o governo israelense a permitir e proteger diretamente a entrada de ajuda médica imparcial e irrestrita em Gaza”, afirmou a organização.

As autoridades israelenses afirmaram ter facilitado a entrada de suprimentos médicos em Gaza. No início deste mês, um porta-voz da Cogat, agência do Ministério da Defesa responsável por administrar as restrições israelenses, disse ao Guardian que, desde o início da guerra, mais de 45.000 toneladas de equipamentos médicos foram transferidas para a Faixa de Gaza por 3.000 caminhões. Agências da ONU e médicos que trabalharam em Gaza afirmaram que há uma escassez crítica de suprimentos médicos, o que a ONG Médicos pelos Direitos Humanos atribuiu ao "fluxo limitado e atrasado de ajuda humanitária permitido pelas autoridades israelenses".

O ataque do Hamas a Israel, que desencadeou o conflito, matou 1.200 pessoas, a maioria civis. Cerca de 250 pessoas foram sequestradas.

 

Fonte: The Guardian

 

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