sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Florestan Fernandes Jr.: Tarcísio e a farsa da "pacificação"

É afrontoso ver governadores eleitos por um sistema democrático, defenderem golpistas, como testemunhamos nesta pré-campanha eleitoral de 2026. Quarenta anos após o fim do mandato do último ditador, general João Figueiredo, é desanimador constatar que governadores de extrema-direita, eleitos pelo sufrágio popular, prometerem futuro perdão ao líder da tentativa golpista de 2022/23, o mesmo que tentou solapar o sistema democrático que os elegeu.

Foi duro ver Tarcísio, Caiado e Zema subirem em palanques organizados, não para debater os problemas do país, mas para atacar o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo que investiga a conspiração golpista.

Nem mesmo a comprovada articulação contra a soberania nacional, promovida a partir dos Estados Unidos pelo deputado Eduardo Bolsonaro, sensibilizou esses governadores. Seguem firmes na cruzada bolsonarista para garantir a impunidade de um ex-presidente que cometeu o mais grave de todos os crimes contra a Nação: tentar destruir a democracia e impor uma ditadura.

No caso do governador de São Paulo, a lealdade a Bolsonaro fala mais alto que a Constituição. Para Tarcísio, acima da justiça e da democracia está a fidelidade ao seu mentor político. A cada declaração pública, reafirma sua submissão canina ao ex-presidente, trabalhando contra os esforços da imprensa hegemônica que tenta, a todo custo, descolar a criatura do criador.

Em encontro recente com empresários, banqueiros e representantes do mercado financeiro, Tarcísio fez questão de demonstrar sua devoção ao líder golpista: afirmou que, se eleito presidente da República, concederá indulto a Bolsonaro. Para ele, o perdão seria um “preço barato” pela “pacificação” do Brasil. Eis a desculpa.

É esse o valor que o governador paulista dá à democracia: nenhum.

É esse o valor que o governador paulista dá à democracia: nen hum.a “entregar alguma vitória” a Donald Trump para reduzir as tensões comerciais após o tarifaço de 50% imposto pelos EUA. Me ponho a pensar no que mais estaria Tarcísio disposto a entregar, além da democracia? A nossa soberania?

O ditado é certeiro: o fruto não cai longe do pé. Tarcísio é fruto direto de Bolsonaro e aprendeu com ele a subserviência aos Estados Unidos. O mesmo Bolsonaro que bateu continência para a bandeira norte-americana, que foi humilhado ao dizer um “I love you” a Trump, que celebrou a vitória do republicano usando o boné do Make America Great Again. O mesmo que entregou aos EUA a Base de Alcântara, suspendeu a exigência de visto para estadunidenses, abriu mão de taxas sobre o trigo brasileiro e leiloou 75% das reservas do nosso Pré-sal.

Não é difícil perceber quando a campanha eleitoral começa: basta assistir ao jornalismo das empresas do sistema Globo. Lula já é descrito como o “velho” que precisa ser substituído pelo “novo”, ainda que esse “novo” seja apenas o velho fascismo com nova roupagem.

Na democracia, a velha Globo que no passado apoiou desavergonhadamente os presidentes-generais ditadores, os bons candidatos têm sempre o mesmo perfil, são de direita e defendem os interesses do mercado financeiro. Foi assim com o “caçador de marajás”, Fernando Collor e com o candidato fascista que seria um fantoche de Paulo Guedes. Agora temos a versão fake de Juscelino Kubitschek: um falso desenvolvimentista que promete “40 anos em 4”. É muito ilusionismo!

•        Direita racha e acusa Tarcísio de antecipar velório político de Bolsonaro. Por Esmael Morais

A direita racha às vésperas do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF). O bolsonarismo raiz acusa o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de antecipar o velório político do padrinho, enquanto os filhos de Bolsonaro endurecem críticas contra aliados que, segundo eles, fazem o jogo da Faria Lima e da velha mídia.

Não é de somenos o papel de Bolsonaro no surgimento político de Tarcísio e de outros governadores que hoje se apresentam como “direita” anti-Lula e anti-PT. Parlamentares do centrão também surfaram na onda do ex-presidente em 2022, muitos deles prestes a renegar a herança do líder que caminha para o xilindró.

<><> Clã Bolsonaro contra Tarcísio

Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) atacaram a movimentação de parlamentares e dirigentes do centrão que defendem Tarcísio como candidato à Presidência em 2026. Para os filhos do ex-presidente, trata-se de oportunismo em plena “situação vexatória” vivida pelo pai, que pode pegar até 40 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado.

Carlos publicou nas redes que há “falta de humanidade” diante do que ocorre com Bolsonaro. Já Eduardo, refugiado nos Estados Unidos, acusou aliados de chantagem e reclamou de ter sido excluído de pesquisas eleitorais, insinuando que há um esforço para apagá-lo da cena política.

<><> Preferência por um nome “puro-sangue”

Nos bastidores, o clã Bolsonaro trabalha para manter vivo o espólio eleitoral do pai e insiste em uma candidatura “puro-sangue”, como a do pastor Silas Malafaia, em vez de governadores que desejam herdar a base eleitoral mas se distanciam do ex-presidente. O vereador Jair Renan Bolsonaro (Balneário Camboriú, PL-SC) engrossou o coro, dizendo que Eduardo seria a “opção natural da direita”.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), por sua vez, adota postura mais discreta e evita embates públicos com Tarcísio, mantendo-se como principal porta-voz do pai em Brasília.

Já a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro prefere relatar a rotina do marido em prisão domiciliar, que ela classifica como cenário de “perseguições” e “humilhações” impostas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

Ex-ministro Fabio Wajngarten anuncia pastor Silas Malafaia como representante do bolsonarismo em 2026. Foto: Matheus Veloso/Metrópoles

Ex-ministro Fabio Wajngarten anuncia pastor Silas Malafaia como representante do bolsonarismo em 2026. Foto: Matheus Veloso/Metrópoles

<><> Movimentos de bastidor

Apesar de negar publicamente, Tarcísio já circula em eventos como presidenciável. No aniversário de 20 anos do Republicanos, foi tratado como estrela pelo presidente da sigla, Marcos Pereira (SP), e como peça-chave por Valdemar Costa Neto (PL), que revelou conversas sobre sua migração ao PL em caso de candidatura ao Planalto.

Ciro Nogueira (PP) e Antonio Rueda (União Brasil) também aparecem como entusiastas da eventual candidatura do governador paulista, numa articulação que pode se consolidar após a provável condenação de Bolsonaro.

O julgamento do ex-presidente começará no dia 2 de setembro.

<><> Racha e implosão

O racha expõe a implosão do projeto político da extrema-direita brasileira. Enquanto Tarcísio tenta se viabilizar como “herdeiro responsável” para o mercado e a velha mídia, os filhos de Bolsonaro defendem um legado personalista, isolado e radicalizado. O julgamento no STF será um divisor de águas: ou a direita se reinventa sem Bolsonaro, ou se arrasta num velório político interminável.

•        Tarcísio e a tentação autoritária: Brasil entre dois projetos. Por Maria Luiza Falcão Silva

A estratégia de Donald Trump de capturar estruturas de poder em benefício pessoal não se limita aos Estados Unidos. Seus efeitos irradiam, servindo de referência para outros líderes autoritários. No Brasil, o bolsonarismo segue vivo, mesmo que Jair Bolsonaro, desgastado, acuado e juridicamente fragilizado, aguardando ser preso a qualquer momento, já não ocupe o centro da cena. O risco está em sua metamorfose: um bolsonarismo sem Bolsonaro, mais sofisticado, disciplinado e com maior aceitação entre elites econômicas. É nesse contexto que Tarcísio de Freitas desponta como alternativa.

<><> O bolsonarismo sem Bolsonaro

Entre 2019 e 2022, Jair Bolsonaro deixou cicatrizes profundas: ataques às instituições, negação da ciência, desmonte de políticas sociais, incentivo à violência política e corrosão da confiança no processo eleitoral. Sua derrota não extinguiu essa agenda. Pelo contrário: abriu caminho para um herdeiro mais “palatável” ao establishment.

Tarcísio, engenheiro formado no ITA, ex-ministro da Infraestrutura e atual governador de São Paulo, encarna esse papel. Mantém as pontes com o eleitorado conservador, mas sem as bravatas golpistas. Para muitos, representa o “bolsonarismo de terno e gravata”: mais técnico no discurso, igualmente autoritário no conteúdo.

<><> Por que Tarcísio agrada à Faria Lima?

1.       Perfil “técnico” e confiabilidade econômica: Apresenta-se como gestor eficiente, pragmático, que entrega obras. Essa imagem atrai o mercado financeiro, sedento por previsibilidade em política fiscal, privatizações e concessões.

2.       Continuidade da agenda liberal: Ao contrário de outros nomes da extrema-direita, Tarcísio não rejeita a cartilha neoliberal. Defende teto de gastos, disciplina fiscal e abertura ao capital internacional. Bolsonaro ameaçava a ordem com discursos golpistas; Tarcísio mantém a prática conservadora, mas com retórica “responsável”.

Bolsonarismo sem custo Bolsonaro: Para a Faria Lima, o cálculo é perfeito: obter milhões de votos fiéis ao bolsonarismo sem carregar a figura tóxica de Bolsonaro. Autoritário na prática, palatável no discurso.

<><> O contraste com Lula e o campo progressista

É aqui que a diferença se torna clara. Sob Lula, o Brasil retoma investimentos sociais, fortalece estatais estratégicas, impulsiona a indústria nacional e prioriza a agenda ambiental. O governo aposta em crescimento com inclusão, integração internacional mais autônoma e políticas que reduzem desigualdades históricas.

Para o mercado financeiro, isso soa como ameaça: mais gasto social, juros em queda, maior presença do Estado. É justamente o oposto do receituário preferido pela Faria Lima. Tarcísio aparece, assim, como o antídoto conservador: contenção do gasto público, continuidade da financeirização e redução do Estado a mero garantidor do capital.

<><> Trump e a convergência autoritária

A hipótese de convergência entre Trump e um eventual governo Tarcísio é mais que plausível. O alinhamento seria imediato: aceitação do tarifaço contra o Brasil, indiferença a retaliações comerciais, apoio ao enfraquecimento das instituições democráticas em nome da “eficiência”.

Trata-se de um autoritarismo repaginado, com aparência de modernização, mas que na prática mina direitos sociais, flexibiliza regulações ambientais e reduz a democracia a um ritual eleitoral vazio.

<><> No cenário internacional

Na arena da geopolítica mundial, a diferença entre Lula e Tarcísio é abissal. Lula se consolidou como uma liderança global, capaz de articular consensos em fóruns multilaterais, projetar o Brasil como potência ambiental e construir pontes com África, Ásia e América Latina. É ouvido no G20, no BRICS e na ONU porque combina legitimidade democrática com visão estratégica de um mundo multipolar, projetando o Brasil como voz do Sul Global capaz de negociar em todos os polos de poder.

Já Tarcísio de Freitas, sem trajetória internacional, seria um governante provinciano diante de disputas cada vez mais complexas. Herdeiro da lógica bolsonarista, tende a repetir o desprezo de seu antecessor pela China, maior parceiro comercial do Brasil, não se interessa pelas relações do Brasil com a América Latina e compactua com líderes como Donald Trump e Netanyahu, com os quais partilha afinidade ideológica. Esse alinhamento automático reduziria o Brasil a coadjuvante de uma agenda conservadora, quando o mundo clama por líderes como Lula, capazes de mediar conflitos, defender o clima e afirmar a soberania nacional sem se curvar a nenhuma potência.

Num mundo em que soberania exige presença ativa e capacidade de negociação, Tarcísio representaria a volta do Brasil à irrelevância, enquanto Lula projeta protagonismo.

<><> A responsabilidade democrática

Frente a esse cenário, a resistência não pode ficar apenas nas mãos de Lula e do governo federal. É tarefa coletiva: partidos, movimentos sociais, universidades, imprensa e sociedade civil precisam reforçar a vigilância democrática.

O exemplo norte-americano é um alerta: Trump transformou o aparato estatal em arma política. No Brasil, a ameaça é real: um bolsonarismo reorganizado, sem o fardo Bolsonaro, mas com sua mesma lógica corrosiva.

Não basta resistir ao passado caricato. É preciso preparar-se para não permitir que o herdeiro disciplinado, respaldado pelo capital financeiro e, possivelmente, pela Casa Branca cheguem ao poder. O futuro democrático do Brasil depende da capacidade de reconhecer esses sinais e combatê-los. A luta é agora.

 

Fonte: Brasil 247

 

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