À
beira do colapso? A falência dos modelos atuais de pesquisa e pós-graduação
O
sistema de pós-graduação no Brasil conheceu um avanço raro em poucas décadas.
Para dar um exemplo, basta dizer que em 2023 a pós-graduação stricto sensu
superou a marca de 350 mil matrículas. O crescimento da produção científica no
Brasil e o incremento na formação de pessoas com mestrado e doutorado é
notável. Segundo o Plano Nacional de Pós-Graduação, temos ainda um número
deficitário de doutores quando comparado a outros países, mas com um esforço
descomunal da comunidade acadêmica estamos equalizando esse quadro. Contudo,
esse crescimento, por um lado, não foi acompanhado de melhores condições de
trabalho, e por outro, foi objeto de uma maior ingerência dos órgãos de
controle sobre a vida universitária. Ou seja, o aumento significativo na
produção científica não teve como contrapartida um aumento do investimento em
ciência que pudesse desonerar o pesquisador de ser um administrador, contador e
expert em prestação de contas de projetos. Ademais, os órgãos de controle
passaram a comportar cada vez mais exigências — todas elas quase kafkianas. Nos
programas de pós-graduação, as secretarias (quando existe secretaria) parecem
abarrotadas de trabalho, porque os sistemas das universidades para
monitoramento da vida acadêmica estão cada vez mais complexos. Para alguns
deles, aliás, é preciso até um tutorial de uso!
Sob o
pretexto de publicizar os atos administrativos, as universidades e agências de
fomento têm sequestrado o tempo de pesquisa em nome de uma burocracia que
aumenta na mesma medida em que o corpo técnico da universidade é diminuído e
precarizado. Igualmente, o aumento de vagas na pós-graduação não é acompanhado
por um crescimento no número de bolsas, e joga estudantes para uma espécie de
concorrência fratricida e exaustiva para garantir um direito básico, qual seja,
cursar uma pós-graduação com alguma renda que lhes permita se dedicar
minimamente à produção acadêmica.
Essa
concorrência se estende ao corpo docente, que muitas vezes, a fim de garantir
mais recursos para os programas de pós-graduação, tem que produzir milhares de
eventos, artigos e preencher não mais apenas o Lattes, mas diversas plataformas
(Orcid, web of science, Scopus, academia.edu etc.) para se habilitar a submeter
projetos que são avaliados considerando os rankings estrangeiros. Para a
avaliação desses projetos, as agências de fomento naturalizaram o caráter
privado dessas plataformas e obrigam o pesquisador a se desdobrar em tarefas
que parecem não ter fim. A representação icônica disso é o nome do programa
para recuperação de citação, “publish or perish” (literalmente, publique ou
pereça), que indica que a morte acadêmica é o destino de quem não se adequa à
compulsão por produzir.
É nesse
contexto que a lembrança de um texto do psicanalista Winnicott parece decisiva
naquilo que, aqui, ele pode nos servir de metáfora. Em “O medo do colapso”, ele
nos mostra que o medo intenso de um colapso frequentemente não é um temor do
desconhecido, mas de reviver o que já experimentamos. Partindo dessa imagem
como metáfora, é preciso afirmar que se sentimos medo do colapso da vida
acadêmica é porque, de algum modo, esse colapso já ocorreu. Acredito que é
precisamente o que estamos vivendo nos programas de pós-graduação quando, para
cada tese escrita, cada projeto aprovado e cada evento feito, é produzida uma
carga muito mais exaustiva de trabalho e, com isso, mais angústia, adoecimento
e insegurança (diante da ameaça constante de perda de bolsas ou necessidade de
devolver o financiamento recebido do próprio bolso por causa de um erro na
prestação de contas).
É
possível dizer que o atual sistema de avaliação, focado, sobretudo, em
resultados — com as suas enormes exigências de produção e de comprovação de
produções — mimetiza tanto a lógica dos órgãos de controle quanto a lógica
capitalista. O atual sistema de avaliação termina por contribuir para empurrar
toda a comunidade acadêmica para um precipício.
Fonte:
Por Érico Andrade, no blog da Boitempo

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