Henrique
Rodrigues: E no final, o PCC nunca esteve com o PT, estava na Faria Lima
Não
houve um só dia na última década que integrantes do núcleo duro do
bolsonarismo, ou simpatizantes dessa corrente ideológica autoritária, assim
como os poucos entusiastas endinheirados ou pseudoendinheirados restantes da
quase extinta direita “tradicional”, não saíram por aí, em entrevistas, debates
ou mesas de bar, dizendo que “o PCC está junto com o PT”. Sim, na cabeça
simplista e/ou mal-intencionada dessa gente, a “Geni” da política brasileira, o
Partido dos Trabalhadores, sempre está fantasiosamente imputado nos mais
diversos crimes e esquemas ilegais. É uma verdadeira obsessão por rotular a
sigla do presidente Lula como “uma quadrilha’.
E foi
assim que começou o dia de hoje, com a mesma bobajada, até que vieram os
primeiros raios de sol e a sociedade brasileira ficou sabendo que o PCC estava,
e está na verdade, na “Faria Lima”, queridinha dos bolsonaristas e da “direita
liberal” (leia-se “entreguista”) como um todo. A maior operação policial da
História do Brasil revelou que uma das mais colossais e estruturadas
organizações criminosas do planeta estava praticamente em processo de fusão com
o baronato do capital nacional, que atende por essa metonímia que remete à
pomposa e luxuosa avenida paulistana onde estão instaladas as sedes de nove de
cada dez corporações financeiras e multinacionais.
O
Primeiro Comando da Capital, já previamente conhecido por operar em pelo menos
24 países, é o proprietário de 40 fundos de investimento operados a partir da
Faria Lima, movimentando um patrimônio líquido de R$ 52 bilhões e com parcerias
que proporcionam até negociação de ações na bolsa de valores de São Paulo, a
B3. O PCC possui de inúmeras fintechs. Sim, você não leu errado: o PCC é dono
de bancos, na Faria Lima.
Atuando
em diversas áreas, mas sobretudo no ramo dos combustíveis, a Polícia Federal
descobriu que os criminosos “empreendem” em toda a cadeia, desde a produção no
campo, no caso do etanol, à base de cana, até a venda no bico da bomba de mais
de mil postos de gasolina espalhados por oito estados do Brasil. O arcabouço
que permite tudo isso funcionar é algo inacreditável: 1.600 caminhões, quatro
usinas produtoras de álcool, um terminal portuário, pelo menos 100 imóveis
adquiridos, seis propriedades rurais no interior paulista e uma milionária
mansão numa das áreas turísticas mais valorizadas do país, Trancoso, na Bahia.
Em meio
a isso, é válido lembrar uma coisa. A Faria Lima sempre se gabou de ser uma
espécie de oráculo que tem o direito divino de impor aos eleitores do país quem
é o melhor candidato para assumir a Presidência da República. É desnecessário
dizer que esses maganos têm uma repulsa incontrolável de Lula e de candidatos
de esquerda, sempre dando sua “bênção” aos postulantes da direita. Aliás,
quanto mais reacionário e vendilhão, melhor. E você quer saber quem é o atual
“escolhido” da Faria Lima? Ele mesmo, Tarcísio de Freitas, o governador de São
Paulo.
Tarcísio
não sai dos coffee breaks animados e otimistas patrocinados por esses barões,
já deve estar até com problemas de colesterol de tanto enroladinho de salsicha.
Praticamente duas vezes por semana aparece de microfone na mão, em algum hotel
luxuoso, soltando impropérios contra Lula e o governo federal, sendo
recompensado com salvas de palmas esfuziantes. A imprensa corporativa destaca
nas manchetes e o brinda como o homem que fará o Brasil crescer, até porque o
forasteiro carioca que governa o estado mais rico do país vive combatendo o PCC
com suas operações policiais violentíssimas e muito eficientes, que deixam
sempre algumas dúzias de jovens negros pé-rapados mortos, estirados no chão
sobre uma poça de sangue, tirando de circulação perigosas cinco trouxinhas de
maconha.
Pois
bem. O mais curioso nesse enredo é que o PCC tornou-se uma megapotência
empresarial, com patrimônio maior do que 70% dos nomes de bilionários
norte-americanos da lista da Forbes, operando até na bolsa e com escritórios em
arranha-céus espelhados da Faria Lima, bem debaixo do nariz do governo
Tarcísio, no hipotálamo financeiro nacional. Ou seja, na Faria Lima, coração
das finanças do Brasil e encravada na capital do estado de São Paulo. Claro,
ninguém percebeu. Precisou que a Polícia Federal fizesse uma operação sem
precedentes para que esses bandidos fossem descobertos e localizados.
Enfim,
quem não ficou “surpreso” ao descobrir que uma corja de pilantras gananciosos e
imorais que está se lixando para os pobres resolveu fazer uma parceria
lucrativa com uma das maiores organizações criminosas do mundo? Uma coisa é
certa, ninguém ficou mais “surpreso” que os policiais federais que realizaram a
“Operação Carbono Oculto”. Eles esperavam abrir os escritórios grã-finos e
encontrar algum sem-terra ou ainda um jovem barbudo com a camisa do PT, mas
acharam alguns sujeitos de barba feita, colete de gominhos e com pistolas na
cintura.
• Como PCC usa a Faria Lima para lucrar
bilhões, segundo investigações da Receita e a PF
A
Polícia Federal, a Receita Federal e órgãos como o Ministério Público de São
Paulo (MPSP) deflagraram nesta quinta-feira (28/8) três operações contra um
esquema supostamente utilizado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo
as autoridades, o esquema utilizava fundos de investimentos e empresas
financeiras que operam na avenida Faria Lima (principal centro financeiro de
São Paulo) para gerar, lavar, ocultar e blindar recursos da atuação da facção
no tráfico de drogas e no setor de combustíveis.
De
acordo com reportagem do portal G1, ao menos 42 endereços alvos da megaoperação
ficam na Faria Lima.
O PCC é
considerado uma das maiores organizações criminosas do Brasil com atuação tanto
no tráfico de drogas doméstico e internacional quanto no setor de combustíveis.
Ao
todo, a estimativa da PF é de que o esquema investigado tenha movimentado pelo
menos R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
Fim do
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Foram
expedidos 14 mandados de prisão, mas até o início da tarde, apenas seis pessoas
haviam sido presas.
Em suas
redes sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que a
operação foi a "maior resposta do Estado brasileiro ao crime organizado de
nossa história".
O
ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, também disse
que as três operações, em conjunto, seriam a maior investida das autoridades
brasileiras contra o crime organizado até hoje.
O
governo federal realizou uma entrevista coletiva nesta quinta sobre a operação.
Nela, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a ação foi
"exemplar" pois conseguiu "chegar na cobertura do sistema, no
andar de cima do sistema".
Haddad
também afirmou que o monitoramento de fintechs (empresas de tecnologia que
oferecem serviços financeiros) será ampliado.
"As
fintechs, a partir de amanhã, terão de cumprir rigorosamente as mesmas
obrigações que os grandes bancos. Porque com isso aumenta o potencial de
fiscalização da Receita", afirmou à imprensa na saída da entrevista
coletiva.
Para a
subsecretária da Receita Federal, Andrea Costa Chaves, as investigações
revelaram o grau de infiltração do crime organizado na sociedade brasileira.
"Percebemos
uma invasão do crime organizado na economia real e no mercado financeiro",
disse Chaves durante a entrevista coletiva.
As três
operações se chamam Carbono Oculto, Quasar e Tank.
A
primeira foi realizada pelo MPSP em parceria com a PF e com a Receita Federal.
As duas últimas foram realizadas pela PF e pela Receita Federal.
De
acordo com as autoridades, o principal esquema, investigado pela Operação
Carbono Oculto, funcionava em quatro etapas.
Na
primeira, importadoras de combustíveis financiadas com recursos da facção
compravam remessas de combustíveis no exterior.
O
produto então era distribuído a redes de postos controladas pelo PCC em
diversos Estados. Estes postos, por sua vez, sonegavam impostos da venda desses
produtos ao consumidor final.
A
Receita Federal estima que o esquema tenha gerado uma perda de receita de
aproximadamente R$ 8,67 bilhões.
De
acordo com o MPSP, o esquema também envolvia a adulteração de combustíveis
vendidos ao consumidor final, especialmente gasolina.
Na
segunda fase, a facção também usava os postos e outros estabelecimentos
comerciais para lavar dinheiro do tráfico de drogas. Também haveria indícios de
que a facção usava lojas de conveniência e padarias para "esquentar"
o dinheiro ilegal.
O PCC
teria usado uma rede de aproximadamente mil postos de gasolina distribuídos em
10 Estados: São Paulo, Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais,
Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins.
De
acordo com as investigações, o papel dos postos e de outros estabelecimentos
vinculados ao esquema era receber dinheiro em espécie ou por meio de máquinas.
O
recebimento de dinheiro em espécie, segundo os investigadores, dificulta o
rastreio da origem exata dos recursos.
A
terceira fase era a da ocultação dos recursos ilícitos gerados pela facção. É
nesta fase que entraram em cena, segundo a PF, fintechs.
Uma
delas, o BK Bank, é apontada em um documento da investigação ao qual a BBC News
Brasil teve acesso como um "buraco negro" financeiro, uma vez que a
instituição receberia recursos dos estabelecimentos controlados pelo PCC e os
misturaria com dinheiro de outros clientes, tornando o rastreio mais difícil.
Essa
"mistura" se daria por meio de um mecanismo chamado "conta
bolsão", em que a fintech deposita todos os recursos de seus clientes numa
única conta.
A BBC
News Brasil enviou questionamentos à BK Bank, mas não recebeu resposta.
De
acordo com o jornal Valor Econômico, a empresa divulgou uma nota sobre o
assunto.
"A
instituição de pagamentos é devidamente autorizada, regulada e fiscalizada pelo
Banco Central do Brasil e conduz todas as suas atividades com total
transparência, observando rigorosos padrões de compliance", diz a nota.
"A
fintech era usada ainda para efetuar pagamentos de colaboradores e de gastos e
investimentos pessoais dos principais operadores do esquema", diz uma nota
da Receita Federal sobre a operação.
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Blindagem
A
suposta participação de fundos de investimento sediados nas imediações da Faria
Lima faz parte, segundo as investigações, da quarta etapa do esquema: a
blindagem do patrimônio do PCC contra eventuais investigações.
Um dos
alvos da operação foi a gestora de fundos Reag Investimentos.
Segundo
o site da empresa, ela é responsável pela gestão de um patrimônio de R$ 299
bilhões.
Em
nota, a Reag Investimentos disse estar colaborando com as investigações.
"Trata-se
de procedimento investigativo em curso. As Companhias esclarecem que estão
colaborando integralmente com as autoridades competentes, fornecendo as
informações e documentos solicitados, e permanecerão à disposição para
quaisquer esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários", afirmou
a empresa.
A
blindagem patrimonial ocorreria por meio do investimento em fundos oficialmente
controlados por gestoras situadas no coração financeiro de São Paulo.
De
acordo com os investigadores, a facção teria usado 40 fundos de investimentos
com um patrimônio de R$ 30 bilhões ligados ao esquema.
Mas
esses fundos seriam controlados, na verdade, pela organização criminosa.
Eles
receberiam aportes de dinheiro "lavado" para fazer aquisição de bens
e empresas usados pelo esquema.
A
Receita Federal diz ter identificado que os fundos controlados pelo PCC foram
responsáveis pela compra de 1,6 mil caminhões para transporte de combustíveis,
um terminal portuário, quatro usinas de álcool, 100 imóveis — entre eles, seis
fazendas no interior de São Paulo — e uma mansão em Trancoso, no litoral da
Bahia.
Ainda
de acordo com a Receita Federal, os administradores dos fundos estariam cientes
da vinculação com o PCC e teriam contribuído para o esquema.
Após a
publicação original desta reportagem, a Reag enviou esclarecimentos adicionais
à BBC News Brasil.
"Sobre
os fatos objeto de apuração, [a Reag] esclarece que diversos Fundos de
Investimentos mencionados na Operação nunca estiveram sob sua administração ou
gestão."
"Quanto
aos Fundos de Investimento apurados em que a empresa atuou como prestadora de
serviço, informa que agiu de forma regular e diligente. Cumpre registrar que
tais fundos foram, há meses, objeto de renúncia ou liquidação."
"Reforça,
ainda, que não possui nem nunca possuiu qualquer envolvimento com as atividades
econômicas ou empresariais conduzidas por esses clientes."
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Brechas e fake news
Andrea
Costa Chaves, da Receita Federal, disse que o esquema usado pelo PCC usou uma
brecha legal sobre o funcionamento de fintechs que foi alvo de críticas da
oposição no início do ano, durante a chamada "crise do Pix".
Uma
série de vídeos, entre eles um divulgado pelo deputado federal Nikolas Ferreira
(PL-MG), levantaram suspeitas sobre uma instrução normativa da Receita que
aumentava a fiscalização de operações realizadas por fintechs.
Nesses
vídeos, uma das críticas era a de que a mudança nas regras teria o objetivo de
aumentar o monitoramento da Receita sobre os gastos de cidadãos e aumentar a
arrecadação.
O
governo, na época, tentou se defender afirmando que o objetivo era combater
crimes financeiros, mas acabou recuado em meio à pressão da opinião pública e
revogou as medidas.
Para
Andrea Costa Chaves, a megaoperação desta quinta-feira mostra que é preciso
aumentar o controle sobre as movimentações destas empresas.
"O
aprimoramento dela [da instrução normativa] incluía as fintechs. Ela foi alvo
de muitas fake news e a consequência disso, com essa operação, fica claro. A
gente acaba perdendo poder de fazer análise de risco para identificar com mais
rapidez e eficiência esquemas como esse", disse.
Chaves
afirmou também que, apesar de parte da megaoperação se concentrar em endereços
na avenida Faria Lima, a maior parte dos fundos estabelecidos no mercado
financeiro brasileiro seriam "legítimos".
"Na
Faria Lima, tem fundos legítimos que não têm nenhuma ligação com isso. É o
normal e é o que se espera. Mas dentro deste arcabouço, identificamos 40 fundos
que, sim, estavam ligados e eram utilizados para a blindagem patrimonial do
crime organizado", afirmou a subsecretária da Receita Federal.
Fonte:
Fórum/BBC News Brasil

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