sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Seyed Abbas Araghchi: A ilusão do ‘Grande Israel’ é uma ameaça e um perigo à paz e à segurança internacionais

Às vésperas da Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros das Relações Exteriores da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), a mais grave ameaça existencial que paira sobre a região e o mundo islâmico pesa sobre a consciência da humanidade mais do que nunca. É a entidade sionista, que continua sua implacável campanha de terra arrasada em Gaza, cometendo massacres horrendos contra mulheres e crianças, além de deslocar repetidamente a população. Transformou a fome e a inanição em uma nova ferramenta desse genocídio, centros de distribuição de alimentos em armadilhas mortais para mulheres e crianças famintas, sublinhando o fato de que este é um dos episódios mais sombrios da tragédia humanitária da era moderna.

Esta guerra contra a Faixa de Gaza não é apenas um conflito militar passageiro ou uma crise humanitária comum: trata-se de um genocídio sistemático, pleno e explícito, destinado a alcançar a limpeza étnica em meio ao silêncio cúmplice dos Estados Unidos e do Ocidente em geral.

Os crimes da entidade sionista de forma alguma se limitam a Gaza. Sua expansão de assentamentos na Cisjordânia está se acelerando, e o terror de colonos armados contra os palestinos está se intensificando. Paralelamente a essa investida de anexação, Israel intensifica a judaização de Jerusalém, viola constantemente cessar-fogos com o Líbano, ataca a infraestrutura do Iêmen e mina os pilares do Estado sírio ao fomentar conflitos internos para dividir o povo sírio. O Irã tornou-se seu mais novo alvo após a guerra que ceifou a vida de mais de mil dos meus compatriotas. Devemos também mencionar as declarações públicas dos líderes dessa entidade e seus mapas distorcidos do que chamam de “Grande Oriente Médio”. Eles se vangloriam abertamente de suas intenções expansionistas e ameaçam seus vizinhos, não restando dúvida de que esse tumor maligno está se espalhando pelo corpo da região.

Seus planos de ocupar integralmente a Faixa de Gaza e deslocar à força sua população para áreas remotas não passam de mais um elo na cadeia de esforços para exterminar o povo palestino. Essas ações, juntamente com as declarações feitas por criminosos de guerra sionistas (muitos dos quais são procurados por tribunais internacionais), demonstram que essa entidade artificial está determinada a realizar uma limpeza étnica. Seu objetivo é o apagamento total e irreversível de Gaza e de sua identidade política, bem como da causa palestina em sentido mais amplo.

Enquanto engendra tragédias, promove guerras e aventuras temerárias em Gaza, no Líbano e em outras partes da região, a ocupação busca dilacerar a Síria com seus ataques à infraestrutura vital do Estado e com o caos que promove em Sweida.

Isso levanta uma questão essencial e decisiva: depois da Síria, qual país da região será o próximo alvo da agressão ou ocupação militar de Israel? É possível sequer vislumbrar os limites das insaciáveis ambições expansionistas dessa entidade?

As recentes declarações do primeiro-ministro dessa entidade, em meio à sua busca expansionista e beligerante por um “Grande Israel do Nilo ao Eufrates”, não são meras palavras ocas. Elas expõem, de forma explícita e inequívoca, sua estratégia política: violar a soberania nacional, a integridade territorial e a segurança de Estados independentes em toda a região. Suas afirmações incendiárias configuram uma flagrante violação da Carta das Nações Unidas e do direito internacional, revelando os planos dessa entidade de dominar o mundo islâmico como um todo.

Com sua cooperação e apoio a essa entidade criminosa, certas potências ocidentais (particularmente os Estados Unidos) não são apenas cúmplices; estão representando uma ameaça à paz e à estabilidade regionais e globais. Os vetos norte-americanos no Conselho de Segurança o paralisaram, impedindo-o de cumprir seu dever de pôr fim à agressão israelense e responsabilizar os perpetradores.

Esta Reunião Extraordinária da Organização para a Cooperação Islâmica ocorre em um momento em que a situação na Palestina ocupada ultrapassa o nível de catástrofe; não há palavras para descrever uma tragédia humanitária e moral dessa magnitude. As estatísticas são chocantes e vergonhosas: mais de setenta mil pessoas, a maioria mulheres e crianças, perderam a vida ou permanecem soterradas sob os escombros acumulados ao longo dos últimos dois anos, e mais de cento e setenta mil ficaram feridas.

Segundo as Nações Unidas, Israel mata em média trinta e oito crianças palestinas por dia. Noventa por cento de Gaza tornou-se inabitável, e Israel iniciou oficialmente sua campanha para ocupar militarmente a cidade e deslocar sua população desabrigada para o sul da Faixa.

Fortalecido pelo apoio maciço do Ocidente, o primeiro-ministro dessa entidade criminosa fala abertamente de um mandato para estabelecer o “Grande Israel” — um projeto sinistro que implica a ocupação e anexação de terras árabes e islâmicas.

Diante desse cenário, ilusões e complacência não são admissíveis. A Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros das Relações Exteriores da OCI deve tornar-se um ponto de inflexão. Deve refletir e reforçar a determinação comum das nações islâmicas de enfrentar as ambições insaciáveis de Netanyahu e de seu círculo, e de pôr fim ao massacre de inocentes, aos ataques contra países islâmicos e à busca pela anexação. Não podemos apenas declarar nossa solidariedade ao povo palestino ou expressar preocupações. Esta reunião constitui um verdadeiro teste histórico para a Ummah islâmica; pode ser uma rara oportunidade de construir uma frente regional e global capaz de resistir à agressão israelense.

Para além de declarações e condenações, a reunião deve gerar um impulso político e diplomático sério, forjando uma forte coalizão global que obrigue a entidade sionista a encerrar imediatamente sua campanha genocida e abandonar seus projetos expansionistas, separatistas e coloniais.

A busca por responsabilização jurídica é igualmente essencial. Os processos devem ser acompanhados em instituições internacionais, incluindo a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional, para julgar os líderes dessa entidade criminosa e impor sanções militares e econômicas abrangentes contra ela.

Paralelamente a essas medidas, deve-se estabelecer um corredor humanitário seguro, supervisionado pelas Nações Unidas e pela Organização para a Cooperação Islâmica, a fim de garantir a provisão imediata e incondicional de alimentos, remédios e combustível à população sitiada — trata-se de uma obrigação moral e legal urgente.

A República Islâmica do Irã considera esta reunião um passo necessário para um esforço coletivo destinado a desenvolver e implementar medidas eficazes, urgentes e dissuasivas. Como representantes das nações islâmicas, temos uma responsabilidade religiosa e humanitária (bem como nossas obrigações legais, nos termos da Carta das Nações Unidas, da Convenção para a Prevenção do Genocídio e das quatro Convenções de Genebra de 1949) de apoiar medidas decisivas e sérias em favor de nossos irmãos e irmãs em Gaza e na Cisjordânia, interromper o genocídio em curso, responsabilizar os criminosos e erguer uma barreira contra as ambições expansionistas dessa entidade fora-da-lei que ameaça o mundo islâmico.

Hesitação ou negligência terão um custo devastador para a Ummah islâmica, assim como cair nas promessas vazias de iniciativas como os chamados “Acordos de Abraão”. Silêncio e inação diante das atrocidades e crimes cometidos pela entidade sionista — postergar o enfrentamento das políticas e ações de cunho nazista do Hitler de hoje — não constituem apenas uma traição ao povo palestino oprimido, mas também aos próprios alicerces da moralidade, da civilização humana e da segurança regional.

A era dos slogans, declarações, condenações e preocupações acabou. Agora é tempo de unidade e solidariedade, em palavra e ação. O mundo islâmico deve agir com decisão e fortalecer a cooperação e a coordenação integrais. Devemos salvar vidas inocentes em Gaza e proteger o mundo islâmico, pois a história nos julgará.

Provemos que a Ummah islâmica, em um dos momentos mais dolorosos e decisivos de sua história, conseguiu defender os oprimidos e conter seu opressor.

A preservação do mundo islâmico, da segurança nacional e da soberania dos Estados da região, bem como nossa sagrada busca por um Estado palestino independente com Jerusalém como sua capital, depende das decisões firmes e resolutas que a Organização para a Cooperação Islâmica deve tomar diante da ameaça existencial representada por esse poder ocupante genocida.

¨      Israel matou mais jornalistas em Gaza que qualquer guerra da história mundial

As Forças de Defesa de Israel (FDI) assassinaram, em menos de dois anos, mais jornalistas e profissionais de mídia do que qualquer guerra da história mundial. O Sindicato de Jornalistas Palestinos estima que 246 profissionais foram assassinados desde o dia 7 de outubro de 2023. 

Esse número representa mais mortes que a soma de outros sete importantes conflitos: as 1ª e 2ª guerras mundiais, a Guerra Civil Americana, a da Síria, do Vietnã (incluindo os conflitos no Camboja e no Laos), além das guerras na Iugoslávia e na Ucrânia.

Os dados dos jornalistas mortos nos demais conflitos são do Memorial Freedom Forum que reúne os nomes dos profissionais assassinados em guerras ao longo da história, com exceção do conflito da Ucrânia, que foi calculado pelo Comitê de Proteção dos Jornalistas (CPJ). 

Uma pesquisa da Universidade de Brown, nos Estados Unidos (EUA), concluiu que o genocídio em Gaza “é, simplesmente, o pior conflito de todos os tempos para repórteres”. 

Para entidades de classe que representam os jornalistas ao redor do mundo, Israel promove ataques deliberados para impedir a cobertura do massacre na Faixa de Gaza, o que o governo de Benjamin Netanyahu nega.

“Israel está se engajando no esforço mais mortal e deliberado para matar e silenciar jornalistas, já documentado pelo CPJ. Jornalistas palestinos estão sendo ameaçados, diretamente alvejados e assassinados pelas forças israelenses, além de serem arbitrariamente detidos e torturados em retaliação ao seu trabalho”, diz o CPJ.

Israel ainda proíbe a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza sem escolta e controle dos militares do país, o que dificulta ainda mais o acesso à informação, pela população global, sobre o que acontece no território palestino ocupado.

Imprensa palestina

Apenas no segundo mês do genocídio, ainda em 2023, 37 jornalistas foram assassinados na Faixa de Gaza. “O Exército israelense matou mais jornalistas em dez semanas do que qualquer outro Exército em um único ano”, disse Sherif Mansour, coordenador do CPJ.

O Sindicato dos Jornalistas Palestinos informou ainda que 520 jornalistas foram feridos por balas ou mísseis israelenses e 800 familiares de profissionais de mídia foram mortos. Outros 206 jornalistas palestinos foram presos por Israel desde outubro de 2023, sendo que 55 continuam nas prisões – 23 em prisão administrativa, modalidade de detenção que pode ser realizada sem acusação formal.

“Ataques aéreos e ataques com tanques destruíram 115 veículos de comunicação na Faixa de Gaza, abrangendo todos os tipos de veículos. Na Cisjordânia e em Jerusalém, fecharam cinco veículos de comunicação e destruíram ou fecharam 12 gráficas”, acrescentou o sindicato local de jornalistas.

Israel nega que ataque deliberadamente civis no conflito, o que inclui os jornalistas, além de justificar alguns assassinatos ao vincular os profissionais ao Hamas, acusações questionadas por entidades profissionais e de direitos humanos.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil em fevereiro de 2024, o então chefe local da Al Jazeera em Gaza, Wael Al-Dahdouh, que perdeu a esposa, três filhos e um neto em bombardeios israelenses, descreveu o trabalho jornalístico na região como o mais mortal para a profissão de que se tem registro na história humana.

<><> Ataque ao Hospital Nasser

Em episódio recorrente do genocídio em Gaza, o vídeo do segundo bombardeio, no mesmo dia, ao Hospital Nasser chocou o mundo na última segunda-feira (25/08). Dessa vez, Israel bombardeou o hospital na cidade de Khan Yunes enquanto jornalistas registravam o resultado de um ataque feito minutos antes. 

O ataque matou também a equipe de socorristas, chegando a 20 pessoas mortas, incluindo cinco jornalistas, sendo eles: um contratado da Reuters, Hussam Al-Masri; o operador de câmera da Al Jazeera, Mohammed Salama; a fotojornalista freelancer do Independent Arabia e da Associated Press, Mariam Abu Dagga; e os jornalistas freelancers Ahmed Abu Aziz e Moaz Abu Taha, segundo informou a CPJ.

Em nota, a FDI destacou que não alveja civis intencionalmente. O porta-voz do Exército acusou o Hamas de usar o Hospital Nasser para suas operações, o que é negado pela organização palestina, e disse que uma investigação foi aberta para apurar o ocorrido.

“O Chefe do Estado-Maior Geral instruiu que um inquérito seja conduzido imediatamente — para entender as circunstâncias do que aconteceu e como ocorreu. Reportar de uma zona de guerra ativa traz imenso risco. Como sempre, apresentaremos nossas descobertas com a maior transparência possível”, disse o porta-voz da FDI Effie Defrin.

A organização Monitor Euro-Mediterrâneo de Direitos Humanos, com sede em Genebra, na Suíça, sugere que os ataques de “tiro duplo”, como esse ao hospital de Khan Yunes, são praticados para atingir paramédicos, defesa civil e jornalistas.

“Essa prática transforma locais de resgate e a cobertura da mídia em armadilhas mortais, refletindo claramente a intenção premeditada de paralisar os esforços de socorro, silenciar testemunhas, destruir provas e privar civis de proteção”, destacou a organização. 

Anas al-Sharif

Em outros casos, Israel acusa jornalistas de trabalharem para o Hamas, justificando os assassinatos de profissionais ligados a grandes veículos de comunicação. Em outubro de 2024, seis profissionais da rede Al Jazeera, do Catar, foram acusados de serem do Hamas e da Jihad Islâmica.

No dia 10 de agosto, o correspondente dessa TV árabe Anas al-Sharif foi assassinado em uma tenda com outros colegas em frente ao Hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza.

Em mensagem escrita em abril para quando fosse morto, al-Sharif disse que “viveu a dor em seus detalhes”. 

“Apesar disso, nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou deturpação, esperando que Deus testemunhasse aqueles que permaneceram em silêncio, aqueles que aceitaram nossa matança e aqueles que sufocaram nossas próprias respirações”, disse ele na mensagem divulgada após a morte.

Em comunicado, o Exército israelense disse que o profissional “era chefe de uma célula terrorista na organização Hamas e responsável por lançar ataques com foguetes”.

Al Jazeera repudiou a acusação e destacou que Israel tenta impedir a divulgação dos acontecimentos do conflito. “Anas e seus colegas estavam entre as últimas vozes remanescentes de Gaza, oferecendo ao mundo cobertura in loco e sem filtros das realidades devastadoras sofridas por seu povo”, disse a emissora em comunicado institucional.

A organização Monitor Euro-Mediterrâneo de Direitos Humanos questionou a justificativa de que o profissional integrava o Hamas, uma vez que todos conheciam seu trabalho na imprensa.

“Atacar jornalistas nessas circunstâncias, com pleno conhecimento de seu papel e identificação clara, reflete um esforço sistemático para remover todos os meios de expor crimes, abrindo caminho para massacres mais amplos, isolados do escrutínio global”, disse a organização. 

Fome

Outro desafio vivido pelos jornalistas que tentam cobrir a guerra em Gaza é a dificuldade para acessar alimentos, devido ao bloqueio israelense do território e a distribuição de comida limitada por organizações controladas pelos Estados Unidos e por Israel.

Em julho deste ano, algumas das maiores agências de notícias do mundo, como a France-Presse (AFP), a Associated Press, a BBC News e a Reuters, disseram estar “desesperadamente preocupadas” com os jornalistas em Gaza após alertas de fome generalizada.

“[Nossos jornalistas] estão cada vez mais incapazes de alimentar a si mesmos e suas famílias”, disseram os meios de comunicação em rara declaração conjunta.

A Sociedade de Jornalistas da AFP destacou que, desde que a agência foi fundada, em 1994, perdeu jornalistas em conflitos. “Alguns ficaram feridos, outros foram feitos prisioneiros. Mas nenhum de nós se lembra de ter visto colegas morrerem de fome”.

O governo de Israel tem, repetidamente, negado que haja fome na Faixa de Gaza e alega que a Fundação Humanitária tem distribuído alimentos à população. A informação de Tel Aviv contraria diversas evidências que mostram o contrário, como as imagens de homens, mulheres e crianças famélicas e os relatos e relatórios de organizações que ainda atuam no enclave palestino, incluindo representantes das Nações Unidas.

 

Fonte: Opera Mundi

 

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