sexta-feira, 29 de agosto de 2025

O que explica a queda de incêndios florestais no Brasil

O sistema de monitoramento Pantera, do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), identificou no fim de julho uma linha de fogo de cerca de cinco quilômetros na Bolívia que avançava em direção ao Pantanal sul-mato-grossense. Até então dedicados a ações de prevenção, os brigadistas se prepararam para atuar no combate.

"Mas uma chuva torrencial caiu bem em cima do fogo e conseguiu extingui-lo", relatou o biólogo Sergio Barreto.

O episódio ajuda a entender o cenário dos incêndios florestais no Brasil. Depois de secas intensas, que criaram o combustível para os recordes de áreas queimadas em 2024, as condições climáticas mais amenas têm ajudado a evitar os desastres neste ano. Além disso, avaliaram especialistas, ações de prevenção avançaram, na esteira da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.

De acordo com os dados no sistema Alarmes, do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2024 foi o ano com a maior área queimada na série histórica iniciada em 2017. Há cerca de um ano, por exemplo, a fumaça dos incêndios encobria dezenas de cidades brasileiras, com a situação se agravando nas semanas seguintes.

Em 2025, porém, a situação mudou. Na comparação com o mesmo período dos anos anteriores, a área queimada é a menor da série histórica. Além do clima mais ameno e das ações de prevenção, o trauma vivido no ano passado é outro fator que ajuda a entender a diminuição dos incêndios.

"Há uma redução dos incêndios nos anos seguintes aos anos que queimam muito. Tem aquele efeito do medo. Aquela pessoa que perdeu muita coisa, porque o fogo saiu do controle, vai ficar com mais receio de queimar no ano seguinte. Então, tem uma redução natural do uso do fogo depois de uma grande catástrofe", opinou Ane Alencar, diretora de Ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Fogo.

<><> Risco e avanços

"Até o momento tem sido um ano relativamente tranquilo. Comparativamente, está muito melhor do que no ano passado. Mas não há nada garantido em termos climáticos", alertou Isabel Schmidt, professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Manejo Integrado do Fogo (MIF).

A maior parte da área queimada, segundo o Lasa, costuma estar concentrada em três meses: agosto, setembro e outubro. "O pior do risco de incêndio ainda está por vir. Não necessariamente virá incêndio, mas o risco é real", explicou Schmidt.

O aviso também esteve presente na reunião de impactos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), realizada em meados de agosto, quando foi apresentada a previsão de probabilidade de fogo para os três meses. Há 339 municípios em alerta alto e 510 em alerta no período, principalmente no Norte, Centro-Oeste e Sudeste.

Um aspecto positivo é que o Brasil está avançando na forma de lidar com o fenômeno. Há um ano, entrou em vigor a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. Ela estabeleceu coordenação entre governo federal, estados, municípios, setor privado e sociedade civil para medidas de prevenção, preparação e controle de incêndios.

Em fevereiro, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) publicou uma portaria declarando estado de emergência ambiental devido ao risco de incêndios florestais em diversas regiões do Brasil. O governo federal também aumentou o orçamento e o número de brigadistas.

"O governo federal já estava fazendo o manejo integrado do fogo nas suas áreas protegidas, e esse ano teve mais recursos. Então já tinha estrutura montada, planejamento e gente capacitada. Na hora que você coloca dinheiro, as coisas são executadas imediatamente", observou Schmidt.

<><> Mudança de paradigma

O manejo integrado do fogo pode ser considerado uma mudança de paradigma. A metodologia leva em consideração saberes tradicionais e científicos para planejar a gestão de um território, com ações de prevenção, educação e, em alguns casos, queima prescrita – o uso do fogo controlado, realizado em períodos mais úmidos, para evitar o acúmulo de vegetação seca que poderia queimar.

O clima mais ameno ajuda a colocar em prática a política do MIF, mas é difícil mensurar o quanto o Brasil está preparado. Até porque muitas medidas importantes tomadas neste ano vão surtir efeito nos anos seguintes.

Schmidt cita o caso do Distrito Federal, que passou a contratar brigadistas por dois anos – antes era por seis meses. Como foram chamados recentemente, serão importantes para atuar no curto prazo, principalmente combatendo o fogo. Mas após a fase mais crítica, poderão fazer manejo integrado do fogo.

<><> Amazônia, desmatamento e COP

Em março, os satélites detectaram um aumento no desmatamento na Amazônia. A partir de então, o governo federal iniciou uma série de ações de fiscalização e embargos de área, que ajudaram a diminuir o desflorestamento. Isso também gerou resultados positivos na redução dos incêndios, explicou Ane Alencar, do Ipam e do MapBiomas.

Há uma relação direta entre desmatamento e incêndios, porque, normalmente, o fogo é usado para queimar a vegetação cortada. "A outra questão é que quando há operação para reduzir o desmatamento, embargar área, tem uma maior presença de fiscalização no local, então as pessoas também queimam menos", disse Alencar.

De acordo com a pesquisadora, no início do ano a chuva não caiu tanto quanto se esperava na Amazônia, até porque o fenômeno La Niña, que causa precipitações na região, foi fraco. Depois, no entanto, tem chovido com uma certa frequência, ajudando a diminuir os incêndios.

Um dos pontos de observação é se ocorrerão incêndios expressivos durante a Conferência da ONU sobre o Clima (COP30), em Belém (PA), que será realizada de 10 a 21 de novembro.

Segundo o MapBiomas, o Pará foi o estado que mais queimou no ano passado, com 7,3 milhões de hectares, com a fumaça atingindo Belém em alguns momentos. "Se continuar assim, eu acredito que, provavelmente, quando tiver COP, já vai estar chovendo em uma grande parte da Amazônia. E, portanto, vamos ter menos queimadas", avalia Alencar.

Mesmo assim, o governo do Pará decretou situação de emergência ambiental e climática por 180 dias. O objetivo é reforçar o combate ao desmatamento, queimadas e eventos climáticos extremos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também convocou uma reunião com governadores que abrigam Amazônia, Cerrado e Pantanal para esta quinta-feira (28/08). O objetivo é discutir uma mobilização conjunta para evitar incêndios florestais, o que poderia afetar a COP.

<><> Monitoramento e brigadas permanentes

O Pantanal foi o bioma com maior diminuição da área queimada em relação a 2024: quase 99%. Saiu de cerca de 1,6 milhões de hectares para aproximadamente 20 mil hectares. "Se as previsões se confirmarem, e a chuva realmente vier, temos boas perspectivas de manter o Pantanal sem fogo", avaliou o biólogo Sergio Barreto, do Instituto Homem Pantaneiro.

O instituto monitora cerca de 1,3 milhão de hectares, principalmente na Serra do Amolar, na fronteira com a Bolívia. No ano passado, os brigadistas conseguiram manter o fogo longe até novembro, no fim da época seca, mas um incêndio entrou na região vindo do Mato Grosso. Cerca de 20% da área acabou queimando, incluindo 30 mil mudas que seriam usadas para recuperação.

O cenário poderia ter sido pior, avaliou Barreto. No entanto, desde os grandes incêndios de 2019 e 2020 o instituto, junto com outros parceiros, passaram a tomar uma série de medidas. Uma delas foi a criação, em 2021, da Brigada Alto Pantanal – que atua de forma permanente, não só quando é necessário combater o fogo.

"A brigada está em campo todos os meses realizando o trabalho preventivo com aceiros, educação ambiental, trabalho com as comunidades. A gente costuma dizer que essa forma de trabalho preventivo é mais barata, mais eficaz. E quando o fogo vem a gente está preparado para tentar minimizar os impactos", explicou.

Os aceiros, que são cortes na vegetação em áreas estratégicas para evitar que o fogo se propague, também foram planejados para salvar os animais, contou Barreto. "A gente fez a criação desses aceiros justamente em áreas prioritárias de biodiversidade, fazendo com que essas áreas servissem de corredores de fuga para os animais."

•        Corrida do ouro na Amazônia faz disparar tráfico de mercúrio

De abril de 2019 a junho de 2025, foram traficadas aproximadamente 200 toneladas de mercúrio na América Latina, segundo a ONG internacional Agência de Investigação Ambiental (EIA). Trata-se do maior fluxo de mercúrio ilegal já reportado a nível mundial, suficiente para produzir o equivalente a 8 bilhões de dólares (cerca de R$ 43,9 bilhões) em ouro.

O dado consta do relatório "Traffickers Leave No Stone Unturned" ("Traficantes não deixam pedra sobre pedra", em tradução livre), que denuncia a produção de mercúrio em minas dentro da área protegida de Sierra Gorda, no estado mexicano de Querétaro. Reconhecido como reserva da biosfera pela Unesco, o local é associado pela ONG ao tráfico de ouro e ao crime organizado no México e na Colômbia.

"O México é um dos poucos lugares no mundo que continua produzindo mercúrio. Desde as minas começamos a seguir a cadeia de produção, o transporte, o tráfico do México à Bolívia, Colômbia e Peru, o uso nesses países", explica à DW Julia Urrunaga, diretora da EIA no Peru.

Os dados compilados pela ONG apontam que algumas das minas são controladas pelo cartel Jalisco Nueva Generación, e que o mercúrio extraído do México abastece garimpos de ouro controlados por cartéis na Bolívia, Colômbia e Peru. A mercadoria escoa em pequenas remessas, por rotas que chegam a incluir até mesmo os Estados Unidos; na Colômbia, parte importante dessas rotas é controlada pelos cartéis de droga.

"Nossa investigação comprova que a cada ano toneladas de mercúrio são extraídas do México e logo traficadas para fora do país, para serem utilizadas no garimpo artesanal em toda a Amazônia", afirma Urrunaga. "Levamos cerca de quatro anos para poder revelar o modus operandi de uma das redes transnacionais criminais que operam nesse setor."

Em junho, autoridades aduaneiras no Peru apreenderam aproximadamente 4 toneladas de mercúrio mexicano – a maior quantidade de que se tem notícia em um país amazônico.

"O tráfico de mercúrio está associado a atores ilegais sobre os quais os países não têm o controle que deveriam ter. Esse tráfico tem muito a ver com a mineração ilegal na Bolívia, na Colômbia e no Peru, e que é abastecido ilegalmente com mercúrio", explica à DW Jimena Nieto, professora de tratados ambientais e ex-negociadora do governo colombiano.

<><> "Não tem ouro sem mercúrio"

Segundo o relatório da EIA, desde maio há uma "febre do mercúrio" na região, com o insumo sendo vendido pelos traficantes a um valor recorde de 330 dólares por quilo (cerca de R$ 1,8 mil) devido ao aumento do preço do ouro.

"Em média, no contexto amazônico, estima-se que sejam necessárias entre 1,5 e 2,5 gramas de mercúrio para a produção de um grama de ouro", explica Urrunaga.

Por esse cálculo, segundo ela, as 200 toneladas de mercúrio traficado foram usadas para produzir o equivalente a 8 bilhões de dólares (cerca de R$ 43,9 bilhões) em ouro, em valores atuais.

O mercúrio é essencial para o garimpo ilegal de ouro na Amazônia, apesar de ser altamente poluente.

"O mercúrio usado na mineração de ouro penetra nos corpos d'água quando chove – e, uma vez ali, entra facilmente no ecossistema", afirma a Aliança Amazônica para a Redução dos Impactos de Mineração do Ouro (Aarimo). "Dado que o mercúrio se une às moléculas orgânicas, acumulando-se nos organismos e se biomagnificando [ampliando sua presença] cada vez que sobe na cadeia alimentar, esse poluente está colocando em risco a sobrevivência de centenas de povos únicos."

<><> Tráfico corre solto

"O comércio ilegal de mercúrio na América Latina é uma prática que se acentuou nos últimos anos, particularmente desde a adoção da Convenção de Minamata sobre Mercúrio, pois este acordo internacional proíbe ou restringe o comércio entre determinadas fontes e usos de mercúrio, e estabelece rígidos protocolos sobre isso", pontua Jordi Pon, coordenador regional de contaminação e produtos químicos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) na América Latina e no Caribe.

O tratado internacional citado por Pon visa proteger o meio ambiente e a saúde humana das emissões e liberações do metal tóxico. Em vigor desde agosto de 2016, ele regulamenta o fornecimento, comércio, uso, emissões, liberações e armazenamento de mercúrio, bem como a gestão de resíduos e locais contaminados pelo metal pesado.

O tratado foi ratificado pelo México em setembro de 2015 e em 2018 pela Colômbia. Ainda assim, a Aarimo afirma que o mercúrio "é traficado por nossas fronteiras sem muitas dificuldades devido aos grandes desafios de segurança territorial que a governança enfrenta, especialmente nas paisagens amazônicas".

"A eficácia dessas medidas depende da vontade política dos países e dos recursos que destinam para implementar suas leis nacionais em matéria de uso do mercúrio", ressalta Nieto. A especialista é também membro do Comitê de Implementação e Cumprimento da Convenção de Minamata para o período de 2022-2025, um dos poucos existentes em tratados ambientais.

Em março deste ano, o Pnuma lançou uma iniciativa para "acelerar o cumprimento da Convenção de Minamata" mediante "melhor compreensão e controle do comércio de mercúrio na América Latina". A ação, segundo Pon, visa fortalecer a troca de informações e a cooperação regional entre os países mais afetados pelo comércio e uso do mercúrio.

Entre as primeiras ações do projeto, que será realizado ao longo de três anos em Bolívia, Colômbia, Equador, Honduras, México e Peru, estão a análise das fontes de suprimento de mercúrio, principalmente no México.

Mas para solucionar mesmo o problema, segundo Urrunaga, é preciso erradicar a produção contínua de mercúrio no México. "São necessárias ações urgentes para fechar essas minas e garantir uma transição justa para as comunidades mineiras, que na realidade são as primeiras vítimas desse metal tóxico", aponta.

Posição semelhante é adotada pela Aarimo – que, apesar de reconhecer a Convenção de Minamata com "um grande passo para agir globalmente frente às consequências do mercúrio", reclama que "diante dos grandes impactos à saúde e à biodiversidade, as ações deveriam ser mais contundentes e rápidas, já que, devido aos preços e à crescente demanda por ouro, é mais difícil controlar o aumento do uso do mercúrio".

 

Fonte: DW Brasil

 

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