O
que explica a queda de incêndios florestais no Brasil
O
sistema de monitoramento Pantera, do Instituto Homem Pantaneiro (IHP),
identificou no fim de julho uma linha de fogo de cerca de cinco quilômetros na
Bolívia que avançava em direção ao Pantanal sul-mato-grossense. Até então
dedicados a ações de prevenção, os brigadistas se prepararam para atuar no
combate.
"Mas
uma chuva torrencial caiu bem em cima do fogo e conseguiu extingui-lo",
relatou o biólogo Sergio Barreto.
O
episódio ajuda a entender o cenário dos incêndios florestais no Brasil. Depois
de secas intensas, que criaram o combustível para os recordes de áreas
queimadas em 2024, as condições climáticas mais amenas têm ajudado a evitar os
desastres neste ano. Além disso, avaliaram especialistas, ações de prevenção
avançaram, na esteira da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
De
acordo com os dados no sistema Alarmes, do Laboratório de Aplicações de
Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
2024 foi o ano com a maior área queimada na série histórica iniciada em 2017.
Há cerca de um ano, por exemplo, a fumaça dos incêndios encobria dezenas de
cidades brasileiras, com a situação se agravando nas semanas seguintes.
Em
2025, porém, a situação mudou. Na comparação com o mesmo período dos anos
anteriores, a área queimada é a menor da série histórica. Além do clima mais
ameno e das ações de prevenção, o trauma vivido no ano passado é outro fator
que ajuda a entender a diminuição dos incêndios.
"Há
uma redução dos incêndios nos anos seguintes aos anos que queimam muito. Tem
aquele efeito do medo. Aquela pessoa que perdeu muita coisa, porque o fogo saiu
do controle, vai ficar com mais receio de queimar no ano seguinte. Então, tem
uma redução natural do uso do fogo depois de uma grande catástrofe",
opinou Ane Alencar, diretora de Ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Fogo.
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Risco e avanços
"Até
o momento tem sido um ano relativamente tranquilo. Comparativamente, está muito
melhor do que no ano passado. Mas não há nada garantido em termos
climáticos", alertou Isabel Schmidt, professora do Departamento de
Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Manejo Integrado
do Fogo (MIF).
A maior
parte da área queimada, segundo o Lasa, costuma estar concentrada em três
meses: agosto, setembro e outubro. "O pior do risco de incêndio ainda está
por vir. Não necessariamente virá incêndio, mas o risco é real", explicou
Schmidt.
O aviso
também esteve presente na reunião de impactos do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), realizada em meados de
agosto, quando foi apresentada a previsão de probabilidade de fogo para os três
meses. Há 339 municípios em alerta alto e 510 em alerta no período,
principalmente no Norte, Centro-Oeste e Sudeste.
Um
aspecto positivo é que o Brasil está avançando na forma de lidar com o
fenômeno. Há um ano, entrou em vigor a Política Nacional de Manejo Integrado do
Fogo. Ela estabeleceu coordenação entre governo federal, estados, municípios,
setor privado e sociedade civil para medidas de prevenção, preparação e
controle de incêndios.
Em
fevereiro, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) publicou uma
portaria declarando estado de emergência ambiental devido ao risco de incêndios
florestais em diversas regiões do Brasil. O governo federal também aumentou o
orçamento e o número de brigadistas.
"O
governo federal já estava fazendo o manejo integrado do fogo nas suas áreas
protegidas, e esse ano teve mais recursos. Então já tinha estrutura montada,
planejamento e gente capacitada. Na hora que você coloca dinheiro, as coisas
são executadas imediatamente", observou Schmidt.
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Mudança de paradigma
O
manejo integrado do fogo pode ser considerado uma mudança de paradigma. A
metodologia leva em consideração saberes tradicionais e científicos para
planejar a gestão de um território, com ações de prevenção, educação e, em
alguns casos, queima prescrita – o uso do fogo controlado, realizado em
períodos mais úmidos, para evitar o acúmulo de vegetação seca que poderia
queimar.
O clima
mais ameno ajuda a colocar em prática a política do MIF, mas é difícil mensurar
o quanto o Brasil está preparado. Até porque muitas medidas importantes tomadas
neste ano vão surtir efeito nos anos seguintes.
Schmidt
cita o caso do Distrito Federal, que passou a contratar brigadistas por dois
anos – antes era por seis meses. Como foram chamados recentemente, serão
importantes para atuar no curto prazo, principalmente combatendo o fogo. Mas
após a fase mais crítica, poderão fazer manejo integrado do fogo.
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Amazônia, desmatamento e COP
Em
março, os satélites detectaram um aumento no desmatamento na Amazônia. A partir
de então, o governo federal iniciou uma série de ações de fiscalização e
embargos de área, que ajudaram a diminuir o desflorestamento. Isso também gerou
resultados positivos na redução dos incêndios, explicou Ane Alencar, do Ipam e
do MapBiomas.
Há uma
relação direta entre desmatamento e incêndios, porque, normalmente, o fogo é
usado para queimar a vegetação cortada. "A outra questão é que quando há
operação para reduzir o desmatamento, embargar área, tem uma maior presença de
fiscalização no local, então as pessoas também queimam menos", disse
Alencar.
De
acordo com a pesquisadora, no início do ano a chuva não caiu tanto quanto se
esperava na Amazônia, até porque o fenômeno La Niña, que causa precipitações na
região, foi fraco. Depois, no entanto, tem chovido com uma certa frequência,
ajudando a diminuir os incêndios.
Um dos
pontos de observação é se ocorrerão incêndios expressivos durante a Conferência
da ONU sobre o Clima (COP30), em Belém (PA), que será realizada de 10 a 21 de
novembro.
Segundo
o MapBiomas, o Pará foi o estado que mais queimou no ano passado, com 7,3
milhões de hectares, com a fumaça atingindo Belém em alguns momentos. "Se
continuar assim, eu acredito que, provavelmente, quando tiver COP, já vai estar
chovendo em uma grande parte da Amazônia. E, portanto, vamos ter menos
queimadas", avalia Alencar.
Mesmo
assim, o governo do Pará decretou situação de emergência ambiental e climática
por 180 dias. O objetivo é reforçar o combate ao desmatamento, queimadas e
eventos climáticos extremos.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva também convocou uma reunião com
governadores que abrigam Amazônia, Cerrado e Pantanal para esta quinta-feira
(28/08). O objetivo é discutir uma mobilização conjunta para evitar incêndios
florestais, o que poderia afetar a COP.
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Monitoramento e brigadas permanentes
O
Pantanal foi o bioma com maior diminuição da área queimada em relação a 2024:
quase 99%. Saiu de cerca de 1,6 milhões de hectares para aproximadamente 20 mil
hectares. "Se as previsões se confirmarem, e a chuva realmente vier, temos
boas perspectivas de manter o Pantanal sem fogo", avaliou o biólogo Sergio
Barreto, do Instituto Homem Pantaneiro.
O
instituto monitora cerca de 1,3 milhão de hectares, principalmente na Serra do
Amolar, na fronteira com a Bolívia. No ano passado, os brigadistas conseguiram
manter o fogo longe até novembro, no fim da época seca, mas um incêndio entrou
na região vindo do Mato Grosso. Cerca de 20% da área acabou queimando,
incluindo 30 mil mudas que seriam usadas para recuperação.
O
cenário poderia ter sido pior, avaliou Barreto. No entanto, desde os grandes
incêndios de 2019 e 2020 o instituto, junto com outros parceiros, passaram a
tomar uma série de medidas. Uma delas foi a criação, em 2021, da Brigada Alto
Pantanal – que atua de forma permanente, não só quando é necessário combater o
fogo.
"A
brigada está em campo todos os meses realizando o trabalho preventivo com
aceiros, educação ambiental, trabalho com as comunidades. A gente costuma dizer
que essa forma de trabalho preventivo é mais barata, mais eficaz. E quando o
fogo vem a gente está preparado para tentar minimizar os impactos",
explicou.
Os
aceiros, que são cortes na vegetação em áreas estratégicas para evitar que o
fogo se propague, também foram planejados para salvar os animais, contou
Barreto. "A gente fez a criação desses aceiros justamente em áreas
prioritárias de biodiversidade, fazendo com que essas áreas servissem de
corredores de fuga para os animais."
• Corrida do ouro na Amazônia faz disparar
tráfico de mercúrio
De
abril de 2019 a junho de 2025, foram traficadas aproximadamente 200 toneladas
de mercúrio na América Latina, segundo a ONG internacional Agência de
Investigação Ambiental (EIA). Trata-se do maior fluxo de mercúrio ilegal já
reportado a nível mundial, suficiente para produzir o equivalente a 8 bilhões
de dólares (cerca de R$ 43,9 bilhões) em ouro.
O dado
consta do relatório "Traffickers Leave No Stone Unturned"
("Traficantes não deixam pedra sobre pedra", em tradução livre), que
denuncia a produção de mercúrio em minas dentro da área protegida de Sierra
Gorda, no estado mexicano de Querétaro. Reconhecido como reserva da biosfera
pela Unesco, o local é associado pela ONG ao tráfico de ouro e ao crime
organizado no México e na Colômbia.
"O
México é um dos poucos lugares no mundo que continua produzindo mercúrio. Desde
as minas começamos a seguir a cadeia de produção, o transporte, o tráfico do
México à Bolívia, Colômbia e Peru, o uso nesses países", explica à DW
Julia Urrunaga, diretora da EIA no Peru.
Os
dados compilados pela ONG apontam que algumas das minas são controladas pelo
cartel Jalisco Nueva Generación, e que o mercúrio extraído do México abastece
garimpos de ouro controlados por cartéis na Bolívia, Colômbia e Peru. A
mercadoria escoa em pequenas remessas, por rotas que chegam a incluir até mesmo
os Estados Unidos; na Colômbia, parte importante dessas rotas é controlada
pelos cartéis de droga.
"Nossa
investigação comprova que a cada ano toneladas de mercúrio são extraídas do
México e logo traficadas para fora do país, para serem utilizadas no garimpo
artesanal em toda a Amazônia", afirma Urrunaga. "Levamos cerca de
quatro anos para poder revelar o modus operandi de uma das redes transnacionais
criminais que operam nesse setor."
Em
junho, autoridades aduaneiras no Peru apreenderam aproximadamente 4 toneladas
de mercúrio mexicano – a maior quantidade de que se tem notícia em um país
amazônico.
"O
tráfico de mercúrio está associado a atores ilegais sobre os quais os países
não têm o controle que deveriam ter. Esse tráfico tem muito a ver com a
mineração ilegal na Bolívia, na Colômbia e no Peru, e que é abastecido
ilegalmente com mercúrio", explica à DW Jimena Nieto, professora de
tratados ambientais e ex-negociadora do governo colombiano.
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"Não tem ouro sem mercúrio"
Segundo
o relatório da EIA, desde maio há uma "febre do mercúrio" na região,
com o insumo sendo vendido pelos traficantes a um valor recorde de 330 dólares
por quilo (cerca de R$ 1,8 mil) devido ao aumento do preço do ouro.
"Em
média, no contexto amazônico, estima-se que sejam necessárias entre 1,5 e 2,5
gramas de mercúrio para a produção de um grama de ouro", explica Urrunaga.
Por
esse cálculo, segundo ela, as 200 toneladas de mercúrio traficado foram usadas
para produzir o equivalente a 8 bilhões de dólares (cerca de R$ 43,9 bilhões)
em ouro, em valores atuais.
O
mercúrio é essencial para o garimpo ilegal de ouro na Amazônia, apesar de ser
altamente poluente.
"O
mercúrio usado na mineração de ouro penetra nos corpos d'água quando chove – e,
uma vez ali, entra facilmente no ecossistema", afirma a Aliança Amazônica
para a Redução dos Impactos de Mineração do Ouro (Aarimo). "Dado que o
mercúrio se une às moléculas orgânicas, acumulando-se nos organismos e se
biomagnificando [ampliando sua presença] cada vez que sobe na cadeia alimentar,
esse poluente está colocando em risco a sobrevivência de centenas de povos
únicos."
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Tráfico corre solto
"O
comércio ilegal de mercúrio na América Latina é uma prática que se acentuou nos
últimos anos, particularmente desde a adoção da Convenção de Minamata sobre
Mercúrio, pois este acordo internacional proíbe ou restringe o comércio entre
determinadas fontes e usos de mercúrio, e estabelece rígidos protocolos sobre
isso", pontua Jordi Pon, coordenador regional de contaminação e produtos
químicos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) na América
Latina e no Caribe.
O
tratado internacional citado por Pon visa proteger o meio ambiente e a saúde
humana das emissões e liberações do metal tóxico. Em vigor desde agosto de
2016, ele regulamenta o fornecimento, comércio, uso, emissões, liberações e
armazenamento de mercúrio, bem como a gestão de resíduos e locais contaminados
pelo metal pesado.
O
tratado foi ratificado pelo México em setembro de 2015 e em 2018 pela Colômbia.
Ainda assim, a Aarimo afirma que o mercúrio "é traficado por nossas
fronteiras sem muitas dificuldades devido aos grandes desafios de segurança
territorial que a governança enfrenta, especialmente nas paisagens
amazônicas".
"A
eficácia dessas medidas depende da vontade política dos países e dos recursos
que destinam para implementar suas leis nacionais em matéria de uso do
mercúrio", ressalta Nieto. A especialista é também membro do Comitê de
Implementação e Cumprimento da Convenção de Minamata para o período de
2022-2025, um dos poucos existentes em tratados ambientais.
Em
março deste ano, o Pnuma lançou uma iniciativa para "acelerar o
cumprimento da Convenção de Minamata" mediante "melhor compreensão e
controle do comércio de mercúrio na América Latina". A ação, segundo Pon,
visa fortalecer a troca de informações e a cooperação regional entre os países
mais afetados pelo comércio e uso do mercúrio.
Entre
as primeiras ações do projeto, que será realizado ao longo de três anos em
Bolívia, Colômbia, Equador, Honduras, México e Peru, estão a análise das fontes
de suprimento de mercúrio, principalmente no México.
Mas
para solucionar mesmo o problema, segundo Urrunaga, é preciso erradicar a
produção contínua de mercúrio no México. "São necessárias ações urgentes
para fechar essas minas e garantir uma transição justa para as comunidades
mineiras, que na realidade são as primeiras vítimas desse metal tóxico",
aponta.
Posição
semelhante é adotada pela Aarimo – que, apesar de reconhecer a Convenção de
Minamata com "um grande passo para agir globalmente frente às
consequências do mercúrio", reclama que "diante dos grandes impactos
à saúde e à biodiversidade, as ações deveriam ser mais contundentes e rápidas,
já que, devido aos preços e à crescente demanda por ouro, é mais difícil
controlar o aumento do uso do mercúrio".
Fonte:
DW Brasil

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