Marcelo
Uchôa: 1979 - autoanistia nunca mais
A
conversa é repetitiva, mas é necessária. Num 28 de agosto como hoje, em 1979, a
Lei de Anistia promulgada no governo do último ditador militar, João
Figueiredo, anistiou perseguidos políticos pelo regime brutal iniciado em 1964,
mas, astuciosamente, em forma capciosa de autoanistia, estendeu alcance a todos
os que realizaram perseguições e cometeram crimes contra os direitos humanos e
a humanidade.
Em 8 de
janeiro de 2023, uma turba articulada no ínterim de uma trama conspiratória
atentou contra os Poderes, buscando romper com o regime democrático, através da
deposição de um presidente eleito e instauração de uma nova ditadura.
Hoje se
sabe que o autor principal da conspiração, apoiada por setores das forças
armadas, foi o ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente cumprindo prisão
domiciliar com tornozeleira eletrônica, cujo filho Eduardo encontra-se foragido
nos Estados Unidos tentando, a todo custo, prejudicar o Brasil, via
convencimento de autoridades do governo Trump a impor tarifaços contra o
comércio brasileiro, revogação de vistos a nacionais, dentre outras
retaliações, isto é, agindo abertamente contra a pátria, fazendo as vezes de
agente dos Estados Unidos, sabotando o Brasil. Detalhe: em cumplicidade direta
com o neto do ditador de 1979.
Segundo
investigações, as ações do traidor da pátria no exterior visam garantir a
impunidade do pai, através da ameaça explícita à Justiça brasileira. No
planejamento montado, os bandidos massas de manobra do 8 de janeiro estão em
segundo plano, o escopo é deliberadamente livrar o chefe do grande conluio da
pena que está prestes a ser decidida pelo STF.
A
história que agora se renova é que foram as pessoas indevidamente beneficiadas
com a impunidade em 1979, os algozes do regime militar, que, em 2023, ousaram
ameaçar novamente a democracia brasileira, pior, seguindo, até nos dias
correntes, com a tentativa de consumar o golpe.
Justiça,
instituições e sociedade brasileiras não podem esmorecer. Os fatos atuais
proporcionam oportunidade única para que não se repitam os erros de 1979. Os
que agora pedem anistia querem, na verdade, impunidade para safar-se de crimes
que aplicaram contra o Estado, os Poderes, o patrimônio público e, nesse
segundo estágio da trama, contra a economia nacional, a Justiça e a soberania
do Brasil.
Não
foram perseguidos, ao contrário, tentaram inaugurar um regime de exceção para
perseguir. Que paguem pelos graves crimes e prevaleça no tempo a verdade, para
que a memória futura não ofusque os riscos que uma democracia pode sofrer.
Impunidade nunca para os conspiradores!
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Anistia: 46 anos de uma lei de interpretação ardilosa. Por Francisco Calmon
Cansadas
da mordaça, as vozes, antes silentes, foram à luta. O grito da Nação foi mais
forte, e a ditadura cedeu.
Em 28
de agosto de 1979, a Lei 6683 foi promulgada.
Não era
a anistia ampla, geral e irrestrita que a sociedade civil queria, mas foi a que
trouxe de volta os nossos irmãos brasileiros banidos da pátria.
Uma lei
aprovada em condições precárias, pela óbvia razão de que uma das partes tinha
os fuzis e a outra estava sob suas miras; quando o Congresso era composto por
senadores "biônicos"; as tesouras da censura continuavam afiadas,
bombas armadas em quartéis e colocadas até em bancas de jornais mantinham o
clima de terrorismo.
A Lei
da Anistia obrigou a União à reparação a todos que foram prejudicados
profissionalmente. Contudo, não diferenciou o sofrimento daqueles que,
independentemente do prejuízo profissional, sofreram as arbitrariedades do
regime. A lei não indeniza pelos tempos de prisão, tortura, humilhação, sevícia
e sequelas, mas unicamente pelo dano profissional.
Com a
súmula 647 do STJ, de 12/3/21, ficou estabelecido que os crimes cometidos pela
ditadura são imprescritíveis.
O
Estado ditatorial sequestrou, aprisionou, estuprou, torturou, julgou, condenou,
baniu, matou e desapareceu com os brasileiros que se insurgiam – era o
terrorismo de Estado.
É
imprescindível ir além do drama humanitário das vítimas.
Bolsonaro,
um terrorista confesso, que ostentou sua expertise na construção de artefatos
explosivos – detalhando técnicas de bombas-relógio – agora ousa pedir por
anistia.
Este
mesmo facínora, que integrou células terroristas da linha dura, que homenageou
um dos planejadores do atentado ao Riocentro com uma coroa de flores, escrita
“Em nome da democracia”; que enalteceu o golpe de 1964 como
"revolução", agora busca refúgio na mesma legislação que tentou
silenciar os crimes da ditadura.
Pleitear
anistia para seus crimes é um escárnio na história das vítimas da tortura.
Foi com
a Lei da Anistia da ditadura que iniciou o descaminho para a aplicação da
justiça de transição. Ela necessita ser reinterpretada!
Não
acolhemos o argumento de que houve um pacto. Não demos procuração a ninguém; é
uma lei produto de uma conjuntura, na qual a ditadura ainda vigia, com as
baionetas ainda engatilhadas.
A
corruptela sobre o conceito de crimes conexos é um atentado ao saber de todo
estudante de direito. Não há conexão entre a vítima e o criminoso.
Ademais,
não estariam recepcionados pela Constituição, que considera a tortura um crime
imprescritível? Mesmo que admitisse tal anomalia, encontraríamos o 2º parágrafo
(Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de
crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal).
Ora, se
é recíproca, os agentes da ditadura cometeram sequestro, terrorismo e atentado
pessoal. Não foram condenados porque não foram julgados, mas as provas são
irrefutáveis.
Manter
a caduca interpretação da Lei da Anistia é eternizar o país escravo daquela
conjuntura.
Advogamos
pela criação de uma Comissão Estatal Permanente de Memória, Reparação e
Reformas, que abranja todos os períodos traumáticos do Brasil – escravidão,
ditaduras e o genocídio bolsonarista.
Em
nítido contraste com a anistia de reparação histórica, os delírios
bolsonaristas pregam uma anistia preventiva de extinção da memória, um perdão
antecipado para seus próprios atos criminosos.
Anistia
não é ferramenta de apagamento!
A
anistia de 1979 foi o início do reconhecimento das arbitrariedades cometidas
aos opositores do regime.
Não foi
para perdoar e esquecer, pelo contrário, foi para rememorar sempre.
As
gerações posteriores são as garantidoras futuras da democracia. Conhecer bem
aquele passado é delegar aos filhos e netos a continuidade da memória.
A
Comissão de Anistia finalizou 97% das 80.357 solicitações recebidas. Essa
corrida à toque de caixa foi ordem do governo que não quer remoer o passado.
A ordem
foi para encerrar as atividades da Comissão em 2026.
Para
tanto, arbitrariamente, limitaram as prestações mensais de reparação a R$
2.000,00, tendo que burlar o artigo 8º das Disposições Transitórias da
Constituição.
Além da
infração explícita à Constituição, tais decisões foram justificadas como
benéficas.
É um
sofisma, um esbulho! Vítimas idosas, após décadas de espera, são cruelmente
submetidas a aceitar migalhas imediatas ou lutar na Justiça por dois a três
anos, sem garantia de sobreviver.
A
estratégia do governo é encerrar todos os processos até 2026, independentemente
da qualidade das análises, mesmo que ao arrepio da lei. Trata-se de um esforço
para "virar a página" da ditadura sem resolver suas feridas.
Será
que somos um estorvo para Lula? Ou teve que novamente ceder aos militares?
A
atrofia da Comissão reflete um projeto de apagamento histórico. Ao negar
reparações conforme as leis, o Estado falha com as vítimas.
As
atuais Comissões, Anistia e CEMDP, sendo órgãos de Estado, são autônomas, não
deveriam estar subordinadas ao governo.
Sem
recursos, essas Comissões vão à cata, de pires na mão, das emendas de
parlamentares.
Memória
é bússola!
Ousar
lutar, ousar vencer, sempre!
¨ Denise Assis: Se
condenados na Justiça comum, expulsão dos militares das fileiras é papel do STM
Tem
causado estranhamento no Superior Tribunal Militar (STM) e sido encarada apenas
como “fofocas” as notícias sobre a possível iniciativa do Supremo Tribunal
Federal (STF) de que, tão logo sejam condenados no processo sobre a tentativa
de golpe de Estado, na Justiça comum, os oficiais das Forças Armadas serão
expulsos automaticamente dos seus postos, por solicitação daquele tribunal.
Abordadas,
fontes do STM respondem com espanto e uma pergunta: “Mas o STF pode
retirar/demitir militares das Forças Armadas condenados por crime não
militar?”. A resposta é dada pela mesma fonte, na forma da Lei.
“A
Constituição não confere ao STF competência para decretar a perda do posto e da
patente de oficiais. Essa é uma atribuição exclusiva da Justiça Militar da
União (CF, art. 142, §3º, VI). O STM é que julga se o militar é indigno ou
incompatível com o oficialato, mesmo após condenação em outra jurisdição”,
esclarece uma das fontes.
De
acordo com o que disse um dos membros do STM, “o sistema de integração do
Judiciário garante que o STF condene penalmente, mas a consequência estatutária
para a carreira militar depende do STM”, reivindica. Assim, ainda que o STF
quisesse, não poderia substituir o julgamento do STM. “Tecnicamente, o Poder
Constituinte originário reservou essa competência somente à Justiça Militar,
reforçando o caráter de corte especializada do STM. Logo, não há espaço para
interpretação extensiva pelo STF nesse ponto”, garante.
A
prerrogativa, ainda de acordo com o integrante do STM, é exclusiva da Justiça
Militar da União, única a ter poder para decretar a perda do posto e da patente
de oficiais, por previsão expressa da CF/88. “É um reflexo da especialização
dessa Justiça em preservar hierarquia e disciplina. O STF não é instância
superior do STM nesse aspecto. Ambos estão integrados, mas com competências
próprias: STF responde por crimes constitucionais e o STM por consequências
militares. Essa exclusividade é fruto da vontade constituinte de 1988, que
manteve a tradição histórica de reservar ao STM esse julgamento, reforçando sua
força normativa e autonomia”, esclarece.
Como já
ficou claro ao longo desse tempo em que o processo vem sendo acompanhado pela
sociedade, esse não é um julgamento de crimes militares. Até mesmo o ministro
da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército, Tomás Paiva, já vieram a
público reconhecer que os oficiais estão sendo julgados na Justiça comum por
crimes contra o Estado, contra a democracia e, portanto, encarados como crimes
políticos ou comuns.
“O STF
julga crimes comuns ou políticos atribuídos à sua competência originária, mas
não exerce jurisdição sobre crimes militares típicos. A repartição de
competências impõe: crimes militares = Justiça Militar; crimes contra a
democracia = STF. Portanto, o julgamento atual do STF não é de crime militar,
mas de crimes comuns com repercussão constitucional. O Constituinte originário
separou nitidamente os campos: art. 124 (STM para crimes militares) e art. 102
(STF para crimes constitucionais)”, repisou a fonte ligada ao STM.
Inclusive,
é bom que se diga que, caso o STF declare perda de posto e patente, essa
decisão pode ser contestada pelo Ministério Público Militar (MPM) ou pela
Justiça Militar, pois “como não há previsão constitucional para o STF decretar
essa perda, eventual decisão nesse sentido poderia ser considerada usurpação de
competência do STM”. De acordo com a explicação técnica dessa fonte, “pela
integração do Judiciário, caberia ao MPM provocar o STM para declarar a
incompatibilidade do oficialato. O STM poderia reafirmar sua competência
exclusiva. O Constituinte originário (que concebeu o princípio na Constituição
de 1988) blindou essa prerrogativa da Justiça Militar, de modo que até uma
decisão do STF, nesse ponto, poderia ser revista em sede de controle de competência,
preservando a autoridade normativa do texto constitucional”.
A
interpretação com base na Constituição e no seu enunciado não deixa dúvidas
quanto a quem cabe ou não encerrar o processo de exclusão da vida militar, caso
os oficiais sejam condenados. É preciso ressaltar, no entanto, que a ação do
MPM junto ao STM para pedir a perda do posto e da patente segue a uma
provocação de um ou de outro, não se dando de forma automática, mas sim
indispensável, para que haja o julgamento.
“O STM
não atua de ofício”, explica a fonte. “Em termos de prática, o MPM, em atenção
ao princípio da obrigatoriedade, ingressa com a ação após trânsito em julgado
da condenação penal em outra jurisdição (o STF, por exemplo).
O
Constituinte originário desenhou um sistema em que a perda de posto e patente
só ocorre mediante processo judicial no STM, provocado pelo MPM. “Assim, a
atuação do Ministério Público é condição sine qua non, reforçando o seu papel
de filtro institucional”, concluiu a fonte do STM, para quem nem deveria haver
essa “polêmica”.
Fonte:
Brasil 247

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