sábado, 30 de agosto de 2025

Marcelo Uchôa: 1979 - autoanistia nunca mais

A conversa é repetitiva, mas é necessária. Num 28 de agosto como hoje, em 1979, a Lei de Anistia promulgada no governo do último ditador militar, João Figueiredo, anistiou perseguidos políticos pelo regime brutal iniciado em 1964, mas, astuciosamente, em forma capciosa de autoanistia, estendeu alcance a todos os que realizaram perseguições e cometeram crimes contra os direitos humanos e a humanidade.

Em 8 de janeiro de 2023, uma turba articulada no ínterim de uma trama conspiratória atentou contra os Poderes, buscando romper com o regime democrático, através da deposição de um presidente eleito e instauração de uma nova ditadura.

Hoje se sabe que o autor principal da conspiração, apoiada por setores das forças armadas, foi o ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente cumprindo prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica, cujo filho Eduardo encontra-se foragido nos Estados Unidos tentando, a todo custo, prejudicar o Brasil, via convencimento de autoridades do governo Trump a impor tarifaços contra o comércio brasileiro, revogação de vistos a nacionais, dentre outras retaliações, isto é, agindo abertamente contra a pátria, fazendo as vezes de agente dos Estados Unidos, sabotando o Brasil. Detalhe: em cumplicidade direta com o neto do ditador de 1979. 

Segundo investigações, as ações do traidor da pátria no exterior visam garantir a impunidade do pai, através da ameaça explícita à Justiça brasileira. No planejamento montado, os bandidos massas de manobra do 8 de janeiro estão em segundo plano, o escopo é deliberadamente livrar o chefe do grande conluio da pena que está prestes a ser decidida pelo STF.

A história que agora se renova é que foram as pessoas indevidamente beneficiadas com a impunidade em 1979, os algozes do regime militar, que, em 2023, ousaram ameaçar novamente a democracia brasileira, pior, seguindo, até nos dias correntes, com a tentativa de consumar o golpe. 

Justiça, instituições e sociedade brasileiras não podem esmorecer. Os fatos atuais proporcionam oportunidade única para que não se repitam os erros de 1979. Os que agora pedem anistia querem, na verdade, impunidade para safar-se de crimes que aplicaram contra o Estado, os Poderes, o patrimônio público e, nesse segundo estágio da trama, contra a economia nacional, a Justiça e a soberania do Brasil. 

Não foram perseguidos, ao contrário, tentaram inaugurar um regime de exceção para perseguir. Que paguem pelos graves crimes e prevaleça no tempo a verdade, para que a memória futura não ofusque os riscos que uma democracia pode sofrer. Impunidade nunca para os conspiradores!

<><> Anistia: 46 anos de uma lei de interpretação ardilosa. Por Francisco Calmon

Cansadas da mordaça, as vozes, antes silentes, foram à luta. O grito da Nação foi mais forte, e a ditadura cedeu.

Em 28 de agosto de 1979, a Lei 6683 foi promulgada.

Não era a anistia ampla, geral e irrestrita que a sociedade civil queria, mas foi a que trouxe de volta os nossos irmãos brasileiros banidos da pátria.

Uma lei aprovada em condições precárias, pela óbvia razão de que uma das partes tinha os fuzis e a outra estava sob suas miras; quando o Congresso era composto por senadores "biônicos"; as tesouras da censura continuavam afiadas, bombas armadas em quartéis e colocadas até em bancas de jornais mantinham o clima de terrorismo.

A Lei da Anistia obrigou a União à reparação a todos que foram prejudicados profissionalmente. Contudo, não diferenciou o sofrimento daqueles que, independentemente do prejuízo profissional, sofreram as arbitrariedades do regime. A lei não indeniza pelos tempos de prisão, tortura, humilhação, sevícia e sequelas, mas unicamente pelo dano profissional.

Com a súmula 647 do STJ, de 12/3/21, ficou estabelecido que os crimes cometidos pela ditadura são imprescritíveis.

O Estado ditatorial sequestrou, aprisionou, estuprou, torturou, julgou, condenou, baniu, matou e desapareceu com os brasileiros que se insurgiam – era o terrorismo de Estado.

É imprescindível ir além do drama humanitário das vítimas.

Bolsonaro, um terrorista confesso, que ostentou sua expertise na construção de artefatos explosivos – detalhando técnicas de bombas-relógio – agora ousa pedir por anistia.

Este mesmo facínora, que integrou células terroristas da linha dura, que homenageou um dos planejadores do atentado ao Riocentro com uma coroa de flores, escrita “Em nome da democracia”; que enalteceu o golpe de 1964 como "revolução", agora busca refúgio na mesma legislação que tentou silenciar os crimes da ditadura.

Pleitear anistia para seus crimes é um escárnio na história das vítimas da tortura.

Foi com a Lei da Anistia da ditadura que iniciou o descaminho para a aplicação da justiça de transição. Ela necessita ser reinterpretada!

Não acolhemos o argumento de que houve um pacto. Não demos procuração a ninguém; é uma lei produto de uma conjuntura, na qual a ditadura ainda vigia, com as baionetas ainda engatilhadas.

A corruptela sobre o conceito de crimes conexos é um atentado ao saber de todo estudante de direito. Não há conexão entre a vítima e o criminoso.

Ademais, não estariam recepcionados pela Constituição, que considera a tortura um crime imprescritível? Mesmo que admitisse tal anomalia, encontraríamos o 2º parágrafo (Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal).

Ora, se é recíproca, os agentes da ditadura cometeram sequestro, terrorismo e atentado pessoal. Não foram condenados porque não foram julgados, mas as provas são irrefutáveis.

Manter a caduca interpretação da Lei da Anistia é eternizar o país escravo daquela conjuntura.

Advogamos pela criação de uma Comissão Estatal Permanente de Memória, Reparação e Reformas, que abranja todos os períodos traumáticos do Brasil – escravidão, ditaduras e o genocídio bolsonarista.

Em nítido contraste com a anistia de reparação histórica, os delírios bolsonaristas pregam uma anistia preventiva de extinção da memória, um perdão antecipado para seus próprios atos criminosos.

Anistia não é ferramenta de apagamento!

A anistia de 1979 foi o início do reconhecimento das arbitrariedades cometidas aos opositores do regime.

Não foi para perdoar e esquecer, pelo contrário, foi para rememorar sempre.

As gerações posteriores são as garantidoras futuras da democracia. Conhecer bem aquele passado é delegar aos filhos e netos a continuidade da memória.

A Comissão de Anistia finalizou 97% das 80.357 solicitações recebidas. Essa corrida à toque de caixa foi ordem do governo que não quer remoer o passado.

A ordem foi para encerrar as atividades da Comissão em 2026.

Para tanto, arbitrariamente, limitaram as prestações mensais de reparação a R$ 2.000,00, tendo que burlar o artigo 8º das Disposições Transitórias da Constituição.

Além da infração explícita à Constituição, tais decisões foram justificadas como benéficas.

É um sofisma, um esbulho! Vítimas idosas, após décadas de espera, são cruelmente submetidas a aceitar migalhas imediatas ou lutar na Justiça por dois a três anos, sem garantia de sobreviver.

A estratégia do governo é encerrar todos os processos até 2026, independentemente da qualidade das análises, mesmo que ao arrepio da lei. Trata-se de um esforço para "virar a página" da ditadura sem resolver suas feridas.

Será que somos um estorvo para Lula? Ou teve que novamente ceder aos militares?

A atrofia da Comissão reflete um projeto de apagamento histórico. Ao negar reparações conforme as leis, o Estado falha com as vítimas.

As atuais Comissões, Anistia e CEMDP, sendo órgãos de Estado, são autônomas, não deveriam estar subordinadas ao governo.

Sem recursos, essas Comissões vão à cata, de pires na mão, das emendas de parlamentares.

Memória é bússola!

Ousar lutar, ousar vencer, sempre!

¨       Denise Assis: Se condenados na Justiça comum, expulsão dos militares das fileiras é papel do STM

Tem causado estranhamento no Superior Tribunal Militar (STM) e sido encarada apenas como “fofocas” as notícias sobre a possível iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF) de que, tão logo sejam condenados no processo sobre a tentativa de golpe de Estado, na Justiça comum, os oficiais das Forças Armadas serão expulsos automaticamente dos seus postos, por solicitação daquele tribunal.

Abordadas, fontes do STM respondem com espanto e uma pergunta: “Mas o STF pode retirar/demitir militares das Forças Armadas condenados por crime não militar?”. A resposta é dada pela mesma fonte, na forma da Lei.

“A Constituição não confere ao STF competência para decretar a perda do posto e da patente de oficiais. Essa é uma atribuição exclusiva da Justiça Militar da União (CF, art. 142, §3º, VI). O STM é que julga se o militar é indigno ou incompatível com o oficialato, mesmo após condenação em outra jurisdição”, esclarece uma das fontes.

De acordo com o que disse um dos membros do STM, “o sistema de integração do Judiciário garante que o STF condene penalmente, mas a consequência estatutária para a carreira militar depende do STM”, reivindica. Assim, ainda que o STF quisesse, não poderia substituir o julgamento do STM. “Tecnicamente, o Poder Constituinte originário reservou essa competência somente à Justiça Militar, reforçando o caráter de corte especializada do STM. Logo, não há espaço para interpretação extensiva pelo STF nesse ponto”, garante.

A prerrogativa, ainda de acordo com o integrante do STM, é exclusiva da Justiça Militar da União, única a ter poder para decretar a perda do posto e da patente de oficiais, por previsão expressa da CF/88. “É um reflexo da especialização dessa Justiça em preservar hierarquia e disciplina. O STF não é instância superior do STM nesse aspecto. Ambos estão integrados, mas com competências próprias: STF responde por crimes constitucionais e o STM por consequências militares. Essa exclusividade é fruto da vontade constituinte de 1988, que manteve a tradição histórica de reservar ao STM esse julgamento, reforçando sua força normativa e autonomia”, esclarece.

Como já ficou claro ao longo desse tempo em que o processo vem sendo acompanhado pela sociedade, esse não é um julgamento de crimes militares. Até mesmo o ministro da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército, Tomás Paiva, já vieram a público reconhecer que os oficiais estão sendo julgados na Justiça comum por crimes contra o Estado, contra a democracia e, portanto, encarados como crimes políticos ou comuns.

“O STF julga crimes comuns ou políticos atribuídos à sua competência originária, mas não exerce jurisdição sobre crimes militares típicos. A repartição de competências impõe: crimes militares = Justiça Militar; crimes contra a democracia = STF. Portanto, o julgamento atual do STF não é de crime militar, mas de crimes comuns com repercussão constitucional. O Constituinte originário separou nitidamente os campos: art. 124 (STM para crimes militares) e art. 102 (STF para crimes constitucionais)”, repisou a fonte ligada ao STM.

Inclusive, é bom que se diga que, caso o STF declare perda de posto e patente, essa decisão pode ser contestada pelo Ministério Público Militar (MPM) ou pela Justiça Militar, pois “como não há previsão constitucional para o STF decretar essa perda, eventual decisão nesse sentido poderia ser considerada usurpação de competência do STM”. De acordo com a explicação técnica dessa fonte, “pela integração do Judiciário, caberia ao MPM provocar o STM para declarar a incompatibilidade do oficialato. O STM poderia reafirmar sua competência exclusiva. O Constituinte originário (que concebeu o princípio na Constituição de 1988) blindou essa prerrogativa da Justiça Militar, de modo que até uma decisão do STF, nesse ponto, poderia ser revista em sede de controle de competência, preservando a autoridade normativa do texto constitucional”.

A interpretação com base na Constituição e no seu enunciado não deixa dúvidas quanto a quem cabe ou não encerrar o processo de exclusão da vida militar, caso os oficiais sejam condenados. É preciso ressaltar, no entanto, que a ação do MPM junto ao STM para pedir a perda do posto e da patente segue a uma provocação de um ou de outro, não se dando de forma automática, mas sim indispensável, para que haja o julgamento.

“O STM não atua de ofício”, explica a fonte. “Em termos de prática, o MPM, em atenção ao princípio da obrigatoriedade, ingressa com a ação após trânsito em julgado da condenação penal em outra jurisdição (o STF, por exemplo).

O Constituinte originário desenhou um sistema em que a perda de posto e patente só ocorre mediante processo judicial no STM, provocado pelo MPM. “Assim, a atuação do Ministério Público é condição sine qua non, reforçando o seu papel de filtro institucional”, concluiu a fonte do STM, para quem nem deveria haver essa “polêmica”.

 

Fonte: Brasil 247

 

Nenhum comentário: