Saúde
mental: Saídas ao “infarto psíquico”
A saúde
mental tornou-se uma questão de interesse, influência e impacto coletivo
direto. O mundo como vem se organizando e transformando (sem ainda uma
estrutura clara), evidentemente requer que a dinâmica na qual este tema está
envolvido seja reconhecida de forma interdependente, ou seja, dentro do ponto
de vista individual e, ao mesmo tempo, no campo coletivo.
Um é o
outro, ao mesmo tempo. Hoje observamos que a sustentabilidade da vida, da
vivência no mundo e a viabilidade do existir, incluindo a saúde ecológica,
social, cultural, econômica e tecnológica dependem de uma raiz comum: o mínimo
equilíbrio em saúde mental. Este equilíbrio não significa um ganho individual
ou uma meta/objetivo a ser construído de forma individualista. Não se trata de
um projeto consumista de bem-estar, uma conquista do indivíduo no sentido de
garantir sua auto sustentabilidade para então agir no mundo e sobre relações
humanas. Nem mesmo é um processo linear/cronológico pois, nesse ponto de vista,
o campo individual somente se equilibra de forma completa desde que a saúde
mental coletiva também esteja regulada, que a vida coletiva, as buscas
coletivas e os propósitos coletivos estejam também operando, minimamente, numa
dinâmica sustentável – onde há uma partilha nutritiva entre o meio e o
indivíduo, em uma dinâmica estável.
O
dinamismo estável é aquele no qual tudo é observado com uma determinada
distância – os pensamentos, as emoções, as ações, as relações e os efeitos
desses elementos na vida e no mundo. Assim, um primeiro estágio do equilíbrio
mental é ser capaz de observar. O segundo seria a capacidade de compreender que
muito do que é observado não pode ser controlado – está submetido a leis que
extrapolam o campo cognitivo ou da razão. Em seguida, que essas forças
naturais, não controláveis pelo desejo individual humano e, sendo anteriores ao
querer egoístico, regem a vitalidade do que é coletivo. A partir da noção de
coletividade, as ações não são provocadas pelo projeto descontrolado do humano
em evolução, mas pela coesão com o grupo.
Aqui
estamos em face de uma infinidade de dúvidas, novos conceitos sobre a realidade
humana, transformações exponenciais e contínuas e a mudança de paradigmas em
todas as áreas da vida e do conhecimento. Por esse motivo, o estado mental
humano, de modo geral, está comprometido, em primeiro lugar, pois vivencia um
processo de desestabilização e reestruturação e, em segundo, pois não
experimenta na mesma medida o incentivo para refletir sobre este processo. A
vida claramente não é capaz de ser sustentada dentro de uma ótica
materializada, puramente sistemática, causal e mecânica. Neste sentido, a saúde
mental ultrapassa o campo da patologia biofísica, extrapola a dimensão pessoal
estendendo-se a um projeto comunitário.
A
fragmentação de grupos e coletivos representam a própria fragmentação da mente
humana diante de incertezas que pouco fomos ensinados a enfrentar e a
inabilidade do cérebro humano em reconhecer velocidade das transformações e
adaptar-se à quantidade de informação a que está submetido. Dessa forma, perde
a capacidade de autorregulação a nível neural, mental e física. Exatamente como
verificamos no cenário coletivo. Na obra “A sociedade do cansaço”, o filósofo
Byung-Chul Han nomeia essa perda de capacidade como “infarto psíquico”.
A dor
de não mais se reconhecer associada a aparente necessidade de sempre ser algo
novo com o fim de acompanhar a atualização que o mundo proclama passa a
fragmentar ainda mais a mente, criando camadas e camadas de buscas que nunca
são sanadas, uma vez que fomos ensinados que o resumo da vida pauta-se na ideia
dopaminérgica de que o vir a ser e o vir a ter não somente soa mais prazeroso
(para mentes condicionadas a fugir de si mesmas) como também faz do viver um
processo puramente lucrativo ao invés de criativo, produtivo no lugar de fértil
e, portanto, movendo um cenário irreal e ilusório no qual a consequência
primária é a perda das raízes psicoemocionais, culturais e artísticas.
Deste
modelo, cada vez menos humano, o próprio cérebro é mais demandado do que o seu
próprio tempo evolutivo, tornando a cognição, o senso de eu, o estado mental e
o sentido de comunidade aparentemente inadequados e sempre insuficientes. A
mente é então convidada a movimentar-se sempre de forma compulsiva, ensimesmada
e individualista, sempre tão ocupada que se torna incapaz de enxergar o todo, a
si mesma e ao outro. E assim a perda de si, a perda da mente, segue um fluxo no
qual emoções passam a ser sistematizadas em sintomas a serem regulados e
suprimidos, a razão confundida com maturidade, a criatividade submetida ao
utilitarismo. E o sonho, a intuição, a partilha e a leveza, natos à natureza
humana, subjugados e condenados à inexistência, à ideia de precariedade, atraso
e impotência. É como se de fato nossas mentes estivessem sendo colonizadas.
O
desequilíbrio do sistema de saúde se traduz quando este passa a gerar
necessidades infinitas em seus usuários – é mantê-los sob sua dependência
(embora sem intenção, uma vez que faz parte de toda uma premissa
cultural-industrial). Assim se reproduz um modo de pensar e fazer saúde voltado
para a geração de necessidades ininterruptas. Estabelece-se a cultura do
precisar – uma sociedade que não sabe reconhecer que os recursos que tem são
plenamente suficientes é o reflexo de indivíduos que desaprenderam a identificar
os seus pontos de suficiência como base para corrigir as arestas – e explora o
meio externo na tentativa de encontrar um equilíbrio interno.
Se o
avanço e o crescimento não caminham proporcionando maior clareza e
discernimento do que já somos, não é avanço nem crescimento – é fuga. Se esses
processos facilitam um lado da vida mas continuam gerando necessidades
internas, ele não é bem sucedido (e em nenhum ponto de vista).
Mas
esta não é somente uma história trágica. É também um chamado – a considerar a
real profundidade do que devemos entender por saúde mental, a posição que essa
pauta representa para o mundo e o coletivo, a compreensão de que a necessidade
não mais é a de acumular conceitos ou centralizar a atenção na patologização,
nas respostas prontas e a clareza de que tratar e curar uma mente tem impacto
no restabelecimento de todo um coletivo, na descolonização comunitária e no
cultivo do pensar a partir da sabedoria do que já somos e do que a natureza
reflete sobre nós.
O
equilíbrio, neste sentido, parte de um continuum de envolvimento sem apego com
todas as formas que tomamos ao longo da vida (no ponto de vista individual) e
ao longo da história (na ótica do coletivo), proporcionando o discernimento
entre quais desses inúmeros elementos cabem reproduzir ao agora que se
apresenta, quais podem ser adaptados, quais outros eliminados ao mesmo tempo
que preservamos um espaço vazio para que um genuinamente novo seja originado.
Fonte:
Por Caio Akaki, em Outras Palavras

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