EUA
subestimam América Latina: atacar Venezuela seria caminho sem volta
Enfim,
parece que os Estados Unidos estão dispostos a atacar militarmente a República
Bolivariana da Venezuela sob o pretexto de enfrentar e combater o narcotráfico,
o mesmo de que se valeram há alguns anos para intervir no Panamá, capturar o
presidente Manuel Antonio Noriega e impor um governo títere a seu serviço.
(“Os
Estados Unidos parecem destinados pela providência a mergulhar a América na
fome e na miséria em nome da liberdade”. Simón Bolívar)
Nessa
circunstância, como se recorda, a maioria dos governos da América Latina
aprovou o ato, uns por sua veneração ao amo do norte, outros, intimidados ante
a eventualidade de se verem comprometidos em “um caso assim” — ou seja,
supostamente protegendo o narcotráfico.
A
pressão imperialista contra governos e povos da América Latina não constitui
nenhuma novidade. Na primeira parte do século 20, o usual era Washington enviar
seus “infantes de marinha” para “pôr ordem” nas republiquetas que se levantavam
ou resistiam ao domínio, fosse das ditaduras habituais ou das camarilhas de
poder então imperantes. Essa “política” rendeu seus frutos, até que apareceu
Sandino, na Segóvia, e o colocou para correr.
A
Revolução Cubana mudou as coisas. A Casa Branca foi se dando conta de que já
não podia intervir diretamente nem atacar governos ou países. Idealizou, então,
outra tática: os golpes de Estado de corte fascista. Para executá-los, valeu-se
das instituições armadas que controlava de maneira permanente.
O
antecedente histórico foi imposto pelos militares brasileiros da Escola
Superior de Guerra, que derrubaram João Goulart, em março de 1964. Depois viria
Hugo Banzer, na Bolívia, em 1971. Em seguida, o Uruguai, em junho de 1973. Mais
adiante, o Chile, com Pinochet. Até quase ser encerrado o ciclo com a ditadura
de Jorge Rafael Videla, na Argentina de 1976. Já nos anos 80, instaurou-se no
Peru um processo de fascistização das Forças Armadas para impedir a reedição de
um fenômeno como o de Velasco Alvarado. De todo modo, foi possível registrar em
nosso continente episódios retomados do passado: Granada, em 1983, e Panamá, em
1989.
<><>
Nova tática para o mesmo objetivo: espólio
Agora,
no século 21, quando os Estados Unidos enfrentam uma séria
crise e desferem golpes por toda parte para manter sua presença dominante,
parecem combinar um e outro elemento, modernizados com a tecnologia de nosso
tempo. Por isso, surgem agora nas águas do Caribe diante das costas da
Venezuela, em poderosos destroieres de combate, submarinos de ataque e aviões
espiões, aos quais adicionam, caso seja necessário, quatro mil fuzileiros
navais habilmente preparados.
Objetivamente,
o que busca o governo ianque com tudo isso é uma incursão militar na Venezuela
para derrubar o governo de Nicolás Maduro.
O
argumento é o mesmo que foi usado contra o Panamá em 1989, mas trata-se de uma
frase atrás da qual se camufla uma clara intenção política e econômica: impor
um governo afim no Palácio de Miraflores e apoderar-se do petróleo, de que
tanto necessita nestes tempos.
<><>
Avanço do narcotráfico é projeto
Antes
de mais nada, cabe lembrar que os Estados Unidos são o primeiro país consumidor
de droga no planeta. Se, hipoteticamente, não se produzisse droga no mundo, ou
se ela não fosse enviada aos Estados Unidos, o governo ianque teria algo como
uma rebelião incontrolável em demanda de acesso às substâncias ilícitas.
Isso
explica um fato adicional: nunca ninguém viu, nos Estados Unidos, a captura de
uma quadrilha de narcotraficantes ou de um cartel da droga, ou mesmo a Administração de
Repressão às Drogas (DEA) fazer algo realmente útil. Além de todas as
ofertas, a verdade é que em todos os países em
que essa entidade “opera”, o narcotráfico cresceu e se desenvolveu. O próprio caso
do Peru é prova disso.
<><>
Fim da hegemonia
Além
disso, os Estados Unidos já perderam a
posição de “primeira potência” em um mundo unipolar. Já não têm o
monopólio das bombas nem dos mísseis, tampouco são a potência econômica capaz
de controlar tudo. Objetivamente, sofrem os efeitos da crise do sistema de
dominação capitalista e veem com angústia e impotência o surgimento de outras
forças que disputam sua posição.
Hoje,
parodiando Ciro Alegría, poderíamos dizer que o mundo é grande, mas não é
alheio. A multipolaridade transformou-se na realidade de nosso tempo.
Diz-se
– e é verdade – que o desespero cega as pessoas. E é curioso: quanto mais
elevado for o posto em que se encontram, maior será sua cegueira. Donald Trump
é hoje a viva encarnação desse drama. Está convencido de um “Poder” que já não
tem. Acredita ser o “rei do mundo”, mas o mundo não é uma monarquia.
Os
Estados Unidos tiveram o Poder em suas mãos quando convenceram boa parte do
planeta de que o Iraque possuía “armas de destruição em massa”. E por isso
invadiram o país do Oriente Médio. Por isso, também, seu próprio secretário de
Estado naquele momento teve de admitir nas Nações Unidas que o Iraque nunca
teve tais armas. Embora tenham continuado invadindo, o país do norte foi
ficando cada vez mais isolado. Hoje, na Organização nas Nações Unidas (ONU),
seu único aliado “até a morte” é Israel. Ambos, como dois rufiões, se dão as
mãos e se ajudam, mas não convencem ninguém. Poderiam ser condecorados, sem
dúvida, com o Prêmio Nobel da Guerra. Não teriam concorrência.
<><>
Império brinca com fogo
Os
Estados Unidos se equivocam se acreditam que invadir a Venezuela é dar um
passeio pelo bosque. É enfrentar um país. E ainda mais, um continente. No
hemisfério sul da América, apenas poderão contar com o apoio de Milei e de
Noboa. Nem mesmo da Argentina e do Equador. Porque, acima desses governantes,
os povos desses países combaterão nas ruas contra a prepotência do Império.
Atacar
a Venezuela é gerar na América Latina uma guerra de vastas proporções. A Casa
Branca saberá onde e quando começa esse fato desastre, mas nunca saberá onde
nem quando terminará. Por ora, Caracas já mobilizou seus primeiros efetivos:
quatro milhões e meio de combatentes “com fuzis e mísseis”. E todo o povo virá
depois, se for necessário.
A
América Latina é um continente de paz, mas seu povo sabe defender essa paz
inclusive com as armas. E agora, em diversos países, há governos dispostos a
não abaixar a cabeça. As primeiras palavras de Claudia Sheinbaum, de Gustavo
Petro e de Luiz Inácio Lula da Silva confirmaram isso. E claro que Cuba e
Nicarágua também o disseram em voz alta. O continente arderá como uma chama
viva se o Império nos atacar.
A
“Grande Imprensa”, sempre a serviço das piores causas, há muito tempo iniciou
uma campanha destinada a desprestigiar o governo da Venezuela. Hoje continua
nesse trabalho, mas agora convence menos.
Objetivamente,
a Venezuela resistiu a todos os ataques das oligarquias locais e do Império.
Conseguiu sair da crise que enfrentou anos atrás e vive um claro e rotundo
processo de recuperação. Conseguiu equilibrar sua economia, conter a inflação,
recuperar a capacidade aquisitiva de sua moeda, incrementar sua produtividade e
garantir a tranquilidade cidadã. Hoje, Caracas é, objetivamente, uma das
cidades mais seguras da América Latina. E nada disso pode ser ocultado com
falácias e mentiras.
Faz mal
o Império ao promover incursões ou incentivar ataques. Nenhum país da América
Latina está disposto a permitir que se toque um centímetro de seu solo. E, como
dizem os cubanos, quem o tentar, morderá o pó de sua terra encharcada de
sangue, se não perecer na tentativa.
¨
A cultura que assusta o poder. Por Walter Veltroni
Mariam Abu Dagga, repórter vítima
do ataque ao hospital
de Gaza,
ciente do risco associado ao seu trabalho, deixou ao filho uma belíssima carta
na qual escreve: "Quero que você mantenha a cabeça erguida, que estude,
que seja brilhante e distinto, que se torne um homem de valor, capaz de
enfrentar a vida, meu amor." Essa mulher, acostumada a observar o mundo
através das lentes de uma câmera, aproxima, assim, dois princípios para
transmitir ao filho, tornando-os consequências um do outro: "Estude, para
se tornar um homem de valor, capaz de enfrentar a vida".
Essa
mulher, juntamente com outros colegas, foi morta pelo bombardeio ordenado
por Israel, um Estado que
pertence àqueles onde vigora um sistema democrático.
Há
episódios de noticiário que muitas vezes assumem um valor simbólico,
descrevendo as tendências de um espírito do tempo.
Como se
pode continuar a ignorar o fato de que jornalistas, escritores, arte,
literatura, teatro, cinema e até mesmo universidades tenham se tornado
alvos dessa temporada política global?
Na Flórida,
escreveu o Guardian, o estado liderado pelos republicanos decidiu proibir
centenas de livros e retirá-los das bibliotecas escolares. Obviamente, são
livros que tratam das temáticas da sexualidade — de fato, está em andamento uma
nova campanha homofóbica —, mas até mesmo títulos como "O Diário de Anne
Frank"...
Há
alguns dias, Trump acusou o
Smithsonian, uma prestigiosa instituição museológica, de privilegiar temas como
escravidão e
as diferenças sexuais, e chegou a indicar diversas obras de arte para remoção
por estarem em desacordo com o
espírito estadunidense estabelecido por decisão do Estado, ou melhor, do
governo.
O
presidente depois criticou duramente as emissoras de televisão, que, segundo
ele, não estão celebrando suficientemente "os melhores oito meses da
história", chamando as redes ABC e NBC de "duas
das piores e mais tendenciosas da história" e dando a entender que seria
bom que suas licenças fossem revogadas. Além disso, jornalistas não alinhados
foram expulsos de coletivas de imprensa porque, para quem hoje senta
no Salão Oval, a liberdade dos jornais de expressar críticas: "Tem
que acabar. Tem que ser ilegal". Da mesma forma, cortam-se financiamentos
para aqueles que desobedecem, como aconteceu com a emissora pública de
rádio CPB e com universidades de prestígio.
Lembrei-me
das palavras proferidas pelo presidente Kennedy no Ahmerst
College, poucos dias antes de ser assassinado. Ele falava de seu poeta
favorito, Robert Frost, e disse: "Os homens que criam o poder dão uma
contribuição indispensável para a grandeza da nação, mas os homens que
questionam o poder dão uma contribuição igualmente indispensável, especialmente
quando esse questionamento é desinteressado, porque são eles que determinam se
somos nós que usamos o poder ou se o poder que nos usa. Quando o poder leva os
homens à arrogância, a poesia os lembra de seus limites. Quando o poder
restringe os âmbitos de interesse do homem, a poesia o lembra da riqueza e da
diversidade de sua existência. O artista, por mais fiel que seja à sua visão
pessoal da realidade, torna-se o último paladino da mente e da sensibilidade
individuais contra uma sociedade intrusiva e um Estado intrusivo."
Para o
novo poder intrusivo, a livre informação e a livre cultura são um problema. O
mundo que se quer é um lugar onde existam apenas dois protagonistas: quem
comanda e um povo reduzido a consumidor passivo de fake news, se
possível orientadas a favor do governo. O poderoso e seus followers,
isto é, os seguidores. Nada mais.
Essa
não é uma história de hoje: toda ditadura, de todas as orientações,
na URSS, como na Alemanha na década de 1930 ou na Itália
fascista, censurou, impediu de trabalhar e aprisionou aquele que, na cultura ou
na informação, não se resignava a abaixar a cabeça. O fascismo dizia aos
italianos que tinham que fazer apenas três coisas: "Acreditar, obedecer e
lutar". A democracia nasceu para celebrar o oposto: "Estudar, pensar,
participar".
Mas o
mundo não está indo na direção de favorecer essas três virtudes, que só podem
ser exercidas se for garantida a total e absoluta liberdade.
Também
por essa razão, pessoalmente, nunca gostei da cultura do cancelamento, mas
preferi a integridade da história, com seus espinhos e farpas. A cultura do
cancelamento não
é boa, seja de esquerda ou de direita.
Mas
hoje o problema corre o risco de ser ainda mais radical. Porque não é apenas a
pressão de cima que limita o acesso à cultura e ao conhecimento ou condiciona
sua direção, mas a própria estrutura cognitiva da sociedade que transferiu
grande parte do uso do tempo de aprendizado para os smartphones em
vez de livros ou jornais.
O Washington
Post noticiou que a porcentagem de estadunidenses que leem um livro por
prazer caiu 40% em vinte anos, e o Guardian, falando da Inglaterra,
revelou que o número de pais que leem em voz alta para seus filhos caiu 25%.
Iludidos de que somos donos do mundo, estamos nos tornando meros seguidores. O
novo poder e o novo espírito dos tempos estão trabalhando para nem mesmo
precisar restringir a informação e a livre cultura.
Querem
fazer pior: tirar de nós até mesmo a necessidade de ler, saber e compreender.
Querem, para usar as belas palavras de Mariam, que não sejamos mais
capazes de "enfrentar a vida".
Fonte: Diálogos
do Sul Global/Corriero della Sera

Nenhum comentário:
Postar um comentário