Como
PCC usa a Faria Lima para lucrar bilhões, segundo investigações da Receita e a
PF
A
Polícia Federal, a Receita Federal e órgãos como o Ministério Público de São
Paulo (MPSP) deflagraram nesta quinta-feira (28/8) três operações contra um
esquema supostamente utilizado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo
as autoridades, o esquema utilizava fundos de investimentos e empresas
financeiras que operam na avenida Faria Lima, principal centro financeiro de
São Paulo, para gerar, lavar, ocultar e blindar recursos da atuação da facção
no tráfico de drogas e no setor de combustíveis.
De
acordo com reportagem do portal G1, ao menos 42 endereços alvos da megaoperação
ficam na avenida Faria Lima.
O PCC é
considerado uma das maiores organizações criminosas do Brasil com atuação tanto
no tráfico de drogas doméstico e internacional quanto no setor de combustíveis.
Ao
todo, a estimativa da PF é de que o esquema investigado agora tenha movimentado
pelo menos R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024. Foram expedidos 14 mandados de
prisão, mas até agora, apenas seis foram cumpridos.
Segundo
o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, as três
operações, em conjunto, seriam a maior investida das autoridades brasileiras
contra o crime organizado até hoje.
Para a
subsecretária da Receita Federal, Andrea Costa Chaves, as investigações
revelaram o grau de infiltração do crime organizado na sociedade brasileira.
"Percebemos
uma invasão do crime organizado na economia real e no mercado financeiro",
disse Chaves durante uma entrevista coletiva.
As três
operações se chamam: Carbono Oculto, Quasar e Tank. A primeira foi realizada
pelo MPSP em parceria com a PF e com a Receita Federal. As duas últimas foram
realizadas pela PF e pela Receita Federal.
De
acordo com as autoridades, o principal esquema, investigado pela Operação
Carbono Oculto, funcionava em quatro etapas.
Na
primeira, importadoras de combustíveis financiadas com recursos da facção
compravam remessas de combustíveis no exterior.
O
produto então era distribuído a redes de postos controladas pelo PCC em
diversos Estados. Estes postos, por sua vez, sonegavam impostos da venda desses
produtos ao consumidor final.
A
Receita Federal estima que o esquema tenha gerado uma perda de receita de
aproximadamente R$ 8,67 bilhões.
De
acordo com o MPSP, o esquema também envolvia a adulteração de combustíveis
vendidos ao consumidor final, especialmente gasolina.
Na
segunda fase, a facção também usava os postos e outros estabelecimentos
comerciais para lavar dinheiro do tráfico de drogas. Também haveria indícios de
que a facção usava lojas de conveniência e padarias para fazer o esquentamento
do dinheiro ilegal.
O PCC
teria usado uma rede de aproximadamente mil postos de gasolina distribuídos em
10 Estados: São Paulo, Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais,
Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins.
Estima-se
que os postos tenham movimentado R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
De
acordo com as investigações, o papel dos postos e de outros estabelecimentos
vinculados ao esquema era receber dinheiro em espécie ou por meio de máquinas
de recebimento de pagamentos. O recebimento de dinheiro em espécie, segundo os
investigadores, dificulta o rastreio da origem exata dos recursos.
A
terceira fase era a da ocultação dos recursos ilícitos gerados pela facção. É
nesta fase que entraram em cena, segundo a PF, fintechs (empresas autorizadas
pelo Banco Central para atuar no sistema financeiro).
Uma
delas, o BK Bank, é apontado em um documento da investigação ao qual a BBC News
Brasil teve acesso como um "buraco negro" financeiro, uma vez que a
instituição receberia recursos dos estabelecimentos controlados pelo PCC e os
misturaria com dinheiro de outros clientes, tornando o rastreio mais difícil.
Essa
"mistura" se daria por meio de um mecanismo chamado "conta
bolsão", em que a fintech deposita todos os recursos de seus clientes numa
única conta.
A BBC
News Brasil enviou questionamentos à BK Bank, mas não recebeu resposta. De
acordo com o jornal Valor Econômico, a empresa divulgou uma nota sobre o
assunto.
"A
instituição de pagamentos é devidamente autorizada, regulada e fiscalizada pelo
Banco Central do Brasil e conduz todas as suas atividades com total
transparência, observando rigorosos padrões de compliance", diz a nota.
"A
fintech era usada ainda para efetuar pagamentos de colaboradores e de gastos e
investimentos pessoais dos principais operadores do esquema", diz uma nota
da Receita Federal sobre a operação.
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Blindagem
A
suposta participação de fundos de investimento sediados nas imediações da
avenida Faria Lima, em São Paulo faz parte, segundo as investigações, da quarta
etapa do esquema: a blindagem do patrimônio do PCC contra eventuais
investigações.
Um dos
alvos da operação foi a administradora de fundos Reag Investimentos. A empresa
é uma gestora de fundos de investimento que, segundo seu site, é responsável
pela gestão de um patrimônio de R$ 299 bilhões. A BBC News Brasil enviou
questionamentos à Reag, mas não recebeu resposta.
Em
nota, a empresa disse estar colaborando com as investigações.
"Trata-se
de procedimento investigativo em curso. As Companhias esclarecem que estão
colaborando integralmente com as autoridades competentes, fornecendo as
informações e documentos solicitados, e permanecerão à disposição para
quaisquer esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários", afirmou
a empresa.
Essa
blindagem patrimonial ocorreria por meio do investimento em fundos oficialmente
controlados por gestoras situadas no coração financeiro de São Paulo.
De
acordo com os investigadores, a facção teria usado 40 fundos de investimentos
com um patrimônio de R$ 30 bilhões. Esses fundos seriam controlados, na
verdade, pela organização criminosa.
Eles
receberiam receber aportes de dinheiro "lavado" pelo esquema para
fazer aquisição de bens e empresas usados pelo esquema para reinvestir os
recursos.
A
Receita Federal diz ter identificado que os fundos controlados pelo PCC foram
responsáveis pela compra de 1.6 mil caminhões para transporte de combustíveis,
um terminal portuário, quatro usinas de álcool, 100 imóveis, entre eles seis
fazendas no interior de São Paulo e uma mansão em Trancoso, no litoral da
Bahia.
Ainda
de acordo com a Receita Federal, os administradores dos fundos estariam cientes
da vinculação com o PCC e teriam contribuído para o esquema.
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Brechas e fake news
Andrea
Costa Chaves, da Receita Federal, disse que o esquema usado pelo PCC usou uma
brecha legal sobre o funcionamento de fintechs que foi alvo de críticas da
oposição no início do ano durante o que ficou conhecido como "crise do
Pix".
Uma
série de vídeos, entre eles um divulgado pelo deputado federal Nikolas Ferreira
(PL-MG), levantaram suspeitas sobre uma instrução normativa da Receita Federal
que aumentava a fiscalização de operações realizadas por fintechs.
Nos
vídeos, as críticas apontavam que a mudança nas regras teriam o objetivo de
aumentar o monitoramento da Receita sobre os gastos de cidadãos e aumentar a
arrecadação.
O
governo, na época, tentou se defender afirmando que o objetivo era combater
crimes financeiros, mas acabou recuado em meio à pressão da opinião pública e
revogou as medidas.
Para
Andre Costa Chaves, a megaoperação desta quinta-feira mostra que é preciso
aumentar o controle sobre as movimentações destas empresas.
"O
aprimoramento dela (da instrução normativa) incluía as fintechs. Ele foi alvo
de muitas fake news e a consequência disso, com essa operação, fica claro. A
gente acaba perdendo poder de fazer análise de risco para identificar com mais
rapidez e eficiência esquemas como esse que nós identificamos", disse.
Chaves
afirmou também que, apesar de parte da megaoperação se concentrar em endereços
localizados na avenida Faria Lima, a maior parte dos fundos estabelecidos no
mercado financeiro brasileiro seriam "legítimos".
"Na
Faria Lima, tem fundos legítimos que não têm nenhuma ligação com isso. É o
normal e é o que se espera. Mas dentro deste arcabouço, identificamos 40 fundos
que, sim, estavam ligados e eram utilizados para a blindagem patrimonial do
crime organizado", afirmou a subsecretária da Receita Federal.
• Fundos imobiliários são proprietários de
imóveis do crime organizado, diz Receita Federal
A
subsecretária de Fiscalização da Receita Federal, Andrea Costa Chaves, informou
nesta quinta-feira, 28, durante coletiva sobre a operação que desmantelou um
esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis, que pelo
menos 40 fundos multimercado e imobiliários são proprietários de imóveis do
crime organizado.
Os
indícios apontam que esses fundos são utilizados como um mercado de ocultação e
blindagem patrimonial e sugerem que as administradoras dos fundos estavam
cientes e contribuíram para o esquema, inclusive não cumprindo obrigações com a
Receita Federal, de forma que sua movimentação e a de seus cotistas fossem
ocultadas da fiscalização.
"Esses
fundos de investimento são fundos imobiliários e fundos multimercados, com
patrimônio de R$ 30 bilhões. E esses fundos são proprietários de bens do crime
organizado", disse a subsecretária.
Dennis
Cali, diretor de investigação e combate ao crime organizado da PF, acrescentou
que três gestoras administram os fundos imobiliários. Em sua maioria, são fundos fechados com um
único cotista, geralmente outro fundo de investimento, criando camadas de
ocultação.
"Os
fundos são fechados, alguns deles com cotista único. O cotista pode ser tanto
um outro fundo como também empresas. Mais de uma empresa, mais de uma
intermediária, onde o ativo desse fundo é imobiliário e dívida ativa".
Entre
os bens adquiridos por esses fundos estão um terminal portuário, quatro usinas
produtoras de álcool (mais duas usinas em parceria ou em processo de
aquisição), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100
imóveis, dentre os quais seis fazendas no interior do estado de São Paulo,
avaliadas em R$ 31 milhões, e uma residência em Trancoso/BA, adquirida por R$
13 milhões.
Durante
a coletiva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ainda que os fundos
de investimento movimentaram R$ 52 bilhões em quatro anos. O ministro também
afirmou que o setor foi escolhido por ser o que estava "mais à
vista".
“O
crime se sofistica e o Estado tem que sofisticar a sua ação contra o crime. A
sofisticação do crime organizado exige que nós consigamos decifrar o caminho do
dinheiro”, acrescentou Haddad.
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Operação
Foram
cumpridos 200 mandados de busca e apreensão contra 350 alvos em dez Estados
contra envolvidos no domínio de toda a cadeia produtiva da área de
combustíveis, parte da qual foi capturada pelo Primeiro Comando da Capital
(PCC).
A
Avenida Faria Lima, principal centro financeiro do País, concentra 42 dos alvos
da operação - empresas, corretoras e fundos de investimentos - em cinco
endereços, incluindo alguns edifícios icônicos da região.
As
investigações apontam para uma dezena de práticas criminosas, desde crimes
contra a ordem econômica, passando por adulteração de combustíveis, crimes
ambientais, lavagem de dinheiro - inclusive do tráfico de drogas -, além de
fraude fiscal e estelionato.
• 'Beto Louco' e 'Primo': quem comandava
esquema bilionário do PCC no setor de combustíveis
O
esquema bilionário de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) no setor
de combustíveis, alvo de megaoperação em 8 estados nesta quinta-feira (28), era
comandado por Mohamad Hussein Mourad, conhecido como "Primo" ou
"João", e Roberto Augusto Leme da Silva, o "Beto Louco".
Segundo
as investigações, a organização criminosa atuava em toda a cadeia produtiva de
combustíveis e de açúcar e álcool, incluindo usinas, distribuidoras,
transportadoras, fabricação e refino, armazenagem, redes de postos de
combustíveis e conveniências.
Mohamad
é apontado como o "epicentro das operações" e chefe da organização
que utilizava empresas em todo o setor de combustíveis — desde usinas até
postos — para realizar fraudes fiscais massivas, ocultar patrimônio e lavar
bilhões de reais. A extensa rede criminosa era formada por familiares, sócios,
administradores e profissionais cooptados por ele.
No
LinkedIn, Mohamad se apresentava como CEO da empresa G8LOG, especializada em
transporte rodoviário de cargas perigosas como combustível, e consultor do
grupo Copape — responsável pela formulação de gasolina a partir de derivados de
petróleo.
"Sou
um empresário e investidor que acredita na potência do trabalho, da disciplina
e do comprometimento como caminho para o alcance de resultados sólidos",
escreveu ele em seu perfil nas redes sociais.
As
investigações também apontam que a Copape e a Aster (distribuidora de
combustíveis) foram adquiridas por Mohamad e usadas como instrumento na para as
fraudes fiscais e lavagem de dinheiro.
O grupo
liderado por ele “inflava” artificialmente os preços dos insumos nas transações
entre a Copape e a Aster com o objetivo de sonegar impostos e obter créditos
tributários indevidos.
Roberto
também é apontado como co-líder da organização criminosa. Ele era responsável
pela gestão das empresas Copape e Aster, que foram instrumentalizadas para a
prática de fraudes fiscais e contábeis, falsificação de documentos e lavagem de
capitais.
Fonte:
BBC News Brasil/Terra/g1

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