sábado, 30 de agosto de 2025

‘Os bandidos mais perigosos usam terno e gravata’, diz advogado sobre operação contra crime organizado

Uma das maiores operações contra o crime organizado no país, a “Carbono Oculto”, revelou como integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) movimentavam bilhões de reais por meio de postos de combustível, usinas e fundos de investimento. A rede utilizava fintechs e instituições de pagamento que operavam fora do sistema bancário tradicional, o que, para o advogado criminalista José Carlos Portella Júnior, expõe um vazio regulatório no Brasil.

“Essa participação do PCC, usando do sistema financeiro legal para fazer a lavagem de dinheiro, usando dessas chamadas fintechs, [mostra] que operam num vazio legislativo, num vazio regulatório completo. Isso facilita esse tipo de conduta de lavagem de dinheiro”, afirma, em entrevista Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.

O criminalista avalia que a resistência de setores financeiros e políticos a qualquer tentativa de controle dificulta o enfrentamento a esquemas dessa dimensão. “Qualquer tentativa mínima de fazer uma regulação dessas transações de grande valor há um contra-ataque ferrenho de setores ligados ao sistema financeiro”, diz.

Ele cita ainda que propostas como a do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de enquadrar fintechs na cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), enfrentam forte pressão do mercado. “Sempre há um contra-ataque, afirmando muitas vezes que os investidores não vão mais operar no país por causa de excesso de regulação. Foi esse o discurso que nos anos 90 levou ao modelo de privatizações e retirada de marcos regulatórios”, critica.

<><> ‘Não é só prender três ou quatro pessoas’

Para Portella, o combate ao crime organizado não se resolve apenas com ações policiais. Ele defende políticas sociais para reduzir a atratividade das atividades ilícitas. “O combate a esse tipo de mercado vai além de uma mera resposta penal. Prende-se três, quatro, cinco pessoas e acha-se que, com isso, está combatendo o tráfico”, aponta.

“Não é uma vida fácil estar numa vida em que você é explorado por alguém que está acima de você numa organização criminosa, te ameaçando, podendo até te matar. Ofertar a essas pessoas segurança de renda, educação, saúde, segurança social, torna esse mercado não atrativo”, argumenta.

Segundo ele, a estratégia atual só amplia a violência. “Esse combate militar gera outros crimes, que é a violência policial, mortes nas comunidades, pessoas baleadas todos os dias. É uma política desastrosa, porque só traz mais desespero e mais violência”, analisa.

<><> Postos de combustíveis e corrupção fiscal

O advogado destacou ainda que o uso de postos de gasolina para lavagem não é novidade e se relaciona à falta de fiscalização. “É um setor muito cartelizado […] e as agências de fiscalização não autuam. Isso facilita o uso desse tipo de expediente, de usar de um posto de gasolina para lavar o dinheiro”, indica.

Portella lembra episódios como a Operação Publicanos, no Paraná, que revelou corrupção de fiscais da Receita. “No lugar de autuar esses estabelecimentos, deixavam passar em troca de propina. Isso também facilita a lavagem de dinheiro, por óbvio”, ressalta.

<><>‘Bandidos de verdade estão na Faria Lima’

Questionado sobre os impactos da operação, Portella foi cauteloso. Ele lembra que casos como o Banestado, que envolveu remessas ilegais de bilhões de dólares ao exterior, e o escândalo do banqueiro Salvatore Cacciola, ligado a fraudes cambiais nos anos 1990, não resultaram em avanços significativos na regulação. “Sempre há esse debate quando a notícia está quente, mas passam-se anos e vêm novos escândalos. Eu sou pessimista de que isso vá reverter em alguma política mais expressiva”, lamenta.

O advogado acredita que os chefes do crime organizado estão no topo da cadeia econômica. “Os bandidos de verdade, os mais perigosos, usam terno e gravata e estão na Faria Lima, não são aqueles que estão na pista vendendo crack na comunidade. Esses são explorados, a massa desvalida absorvida pelo mercado ilegal”, conclui.

•        Setor de combustíveis quer leis mais duras após megaoperação envolvendo o PCC

Após a força-tarefa nacional que deflagrou, na quinta-feira (28), a maior operação já realizada contra o crime organizado no setor de combustíveis, o segmento clama por leis mais duras para combater esse tipo de esquema envolvendo o crime organizado — neste caso, o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Batizada de Operação Carbono Oculto, a ação contou com cerca de 1.400 agentes em oito estados e revelou uma estrutura criminosa bilionária, que usava empresas do setor para fraudar combustíveis, sonegar tributos e lavar dinheiro.

O esquema teria causado um rombo de R$ 7,6 bilhões em impostos federais, estaduais e municipais. Entre os principais alvos estão as empresas Copape (produtora) e Aster Petróleo (distribuidora), ligadas ao empresário Mohamad Hussein Mourad, apontado como o “epicentro” da operação, e ao grupo criminoso PCC.

Em entrevista ao site g1, o diretor da Ubrabio (União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene), Donizete Tokarski, disse que as fraudes “minam” a credibilidade da política de mistura obrigatória de combustíveis. “Quando se adultera ou se burla a mistura, perde-se arrecadação, compromete-se a qualidade do combustível e enfraquece-se uma política estratégica para o país”, afirmou.

A Lei do Combustível do Futuro, segundo ele, trouxe avanços importantes para a transição energética, mas de nada adianta se a execução das regras for “sabotada por práticas criminosas”.

O esquema envolvia diversas etapas da cadeia de combustíveis:

•        Importação irregular de produtos químicos, como metanol, via empresas como a Terra Nova Trading, com atuação no Tocantins para se beneficiar de alíquotas mais baixas.

•        Produção de combustíveis a partir desses produtos na refinaria da Copape, em Guarulhos, com misturas adulteradas e mais baratas.

•        Distribuição via Aster Petróleo a uma rede de mais de mil postos, alguns de bandeiras conhecidas.

•        Ameaças a donos de postos independentes, forçando a venda de estabelecimentos ao grupo, segundo o Ministério Público.

O metanol, proibido em concentrações superiores a 0,5%, chegou a representar até 90% da composição em alguns combustíveis vendidos pelos postos do esquema.

<><> Fraude dos combustíveis: impactos econômicos e riscos ao consumidor

O Instituto Combustível Legal destacou que a infiltração do crime organizado prejudica a concorrência, enfraquece políticas públicas e causa prejuízos sociais e fiscais. Já o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás alertou que o caso vai além da concorrência desleal: trata-se de uma ameaça sistêmica à economia formal e à segurança nacional.

As principais entidades do setor pediram avaliação urgente de projetos de lei no Congresso para conter o mercado irregular de combustíveis. Entre as iniciativas, estão:

•        Controle de devedores contumazes – Identificação e monitoramento de empresas que sistematicamente sonegam tributos.

•        Compartilhamento de dados fiscais – Permitir que a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) acesse informações da Receita Federal para cruzamento de dados.

•        Tipificação do roubo e furto de combustíveis – Incluir na legislação penal ações como desvio em dutos e receptação de combustíveis roubados.

<><> Governo e ANP reagem com medidas de reforço

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que a pasta tem fortalecido a fiscalização e estruturado uma rede nacional de combate às fraudes, com integração entre ANP, Receita Federal, MP (Ministério Público) e forças policiais.

O pacote de ações inclui:

•        Regras mais rígidas para distribuidoras inadimplentes;

•        Criminalização da inadimplência ambiental;

•        Integração de dados fiscais;

•        Reforço da atuação da ANP com tecnologia;

•        Apoio a projetos legislativos para endurecer penas contra crimes no setor;

•        Combate ao devedor contumaz e à pirataria em hidrovias.

A ANP, por sua vez, informou que já intensificou o uso de ferramentas de inteligência e atua diretamente em operações como a Carbono Oculto, com análises laboratoriais, apoio técnico e cooperação com o MP.

<><> Empresas envolvidas e recuperação judicial

As empresas Copape e Aster Petróleo, ligadas a Mohamad Mourad, haviam entrado em recuperação judicial em 2023, alegando R$ 830 milhões em dívidas. As licenças de operação de ambas foram cassadas pela ANP após investigação da Receita Federal e denúncia do Fantástico, que revelou o uso de laranjas para registrar mais de 50 postos e empresas.

As autoridades descobriram, posteriormente, que a estrutura era ainda mais ampla, com atuação nacional e envolvimento direto do PCC em fraudes, ameaças e lavagem de dinheiro.

•        PF investiga vazamento de informações após fuga de líderes do PCC em megaoperação

A Polícia Federal (PF) abriu uma nova frente de investigação para esclarecer falhas na megaoperação contra o crime organizado realizada na última quinta-feira (28). O alvo agora não é apenas o Primeiro Comando da Capital (PCC), mas também a suspeita de que informações tenham sido repassadas antecipadamente aos investigados, permitindo que parte deles escapasse. O episódio acendeu um alerta na cúpula da corporação.

Dos 14 mandados de prisão preventiva expedidos pela Justiça Federal, oito não foram cumpridos. Entre os foragidos estão os principais nomes do esquema de adulteração e sonegação no setor de combustíveis: Mohamad Hussein Mourad e Roberto Augusto Leme da Silva, conhecido como “Beto Louco”. Ambos são apontados como chefes da engrenagem financeira e operacional que teria movimentado bilhões de reais.

Delegados e agentes que atuaram no caso relataram estranheza com o fato de que investigados monitorados durante semanas desapareceram justamente na véspera da deflagração. Agora, a investigação interna busca descobrir se houve vazamento de dados sensíveis ou até mesmo facilitação por parte de algum agente público.

<><<> Investigações

Segundo investigadores da Diretoria de Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (DICOR), a prioridade é identificar a origem da informação que teria chegado aos criminosos. “Temos indícios de que alguns alvos saíram de casa um ou dois dias antes da operação. Já estamos levantando pistas para esclarecer o que ocorreu”, afirmou um dos responsáveis.

A complexidade do caso envolveu uma ampla rede de cooperação entre órgãos: além da PF, participaram procuradores de diferentes regiões, fiscais estaduais e federais, agentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e forças policiais locais. A dimensão da operação exigiu integração máxima justamente porque os investigados apareciam em diversas frentes de apuração.

Apesar das fugas, a corporação considera relevante o material apreendido, que deve revelar novos grupos ligados ao esquema criminoso. Para os investigadores, as provas recolhidas — documentos, registros financeiros e equipamentos — podem abrir caminhos para identificar outros núcleos que abasteciam a rede de fraudes.

<><> Pronunciamento de Haddad

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou que a ofensiva também evidenciou como o PCC vinha utilizando fintechs e fundos de investimento para lavar dinheiro e ocultar patrimônio. Ele anunciou que o governo intensificará a fiscalização sobre esse setor, utilizando inteligência artificial para rastrear movimentações suspeitas.

O ministro também destacou que movimentações atípicas, entradas e saídas sem identificação clara serão detectadas pela tecnologia. “Tudo isso a nossa IA vai pegar e vamos para cima de quem estiver fazendo coisa errada. Vamos seguir o dinheiro do criminoso”, disse Haddad, ao assegurar que fintechs passarão a ter o mesmo rigor regulatório que bancos tradicionais.

•        Dois empresários são presos suspeitos de integrar plano do PCC para matar promotor

Dois empresários foram presos na manhã desta sexta-feira (29) suspeitos de fazerem parte de um plano para matar um promotor de Justiça do Gaeco em conluio com o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Os empresários atuam no ramo de comércio de veículos e de transportes e foram presos em Campinas, interior de São Paulo.

As prisões ocorreram na operação chamada de Pronta Resposta, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e o 1° Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia).

Há meses, os promotores vêm conduzindo a Operação Linha Vermelha, que apura os crimes de organização criminosa armada, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

“Há poucos dias, foram coletadas informações que indicavam que um dos investigados estaria associado à liderança do PCC e, com o objetivo de prejudicar as investigações, teriam arquitetado e colocado em prática um plano para matar o promotor Amauri Silveira Filho”, afirmou o Ministério Público.

<><> Plano dos empresários

Os envolvidos, segundo a investigação, teriam financiado e providenciado a aquisição de veículos e de armamento e a contratação de operadores para a execução de uma emboscada ao promotor. Contudo, o plano foi descoberto pelo Ministério Público, que identificou os articuladores e financiadores.

O Juiz da 4ª Vara Criminal da Comarca de Campinas, Caio Ventosa Chaves, acolheu os pedidos do Gaeco e expediu três mandados de prisão temporária e quatro mandados de busca e apreensão, que foram cumpridos por equipes do Baep e do Ministério Público.

Um dos principais envolvidos é apontado como integrante da sintonia final do PCC e um dos grandes operadores do tráfico de drogas no Brasil. Há anos está foragido e, possivelmente, escondido na Bolívia, de onde continua controlando esquemas de tráfico e lavagem de dinheiro.

As investigações continuam para a identificação de outras pessoas envolvidas no plano que vinha sendo articulado.

 

Fonte: Brasil de Fato/Fórum

 

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