‘Os
bandidos mais perigosos usam terno e gravata’, diz advogado sobre operação
contra crime organizado
Uma das
maiores operações contra o crime organizado no país, a “Carbono Oculto”,
revelou como integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) movimentavam
bilhões de reais por meio de postos de combustível, usinas e fundos de
investimento. A rede utilizava fintechs e instituições de pagamento que
operavam fora do sistema bancário tradicional, o que, para o advogado
criminalista José Carlos Portella Júnior, expõe um vazio regulatório no Brasil.
“Essa
participação do PCC, usando do sistema financeiro legal para fazer a lavagem de
dinheiro, usando dessas chamadas fintechs, [mostra] que operam num vazio
legislativo, num vazio regulatório completo. Isso facilita esse tipo de conduta
de lavagem de dinheiro”, afirma, em entrevista Conexão BdF, da Rádio Brasil de
Fato.
O
criminalista avalia que a resistência de setores financeiros e políticos a
qualquer tentativa de controle dificulta o enfrentamento a esquemas dessa
dimensão. “Qualquer tentativa mínima de fazer uma regulação dessas transações
de grande valor há um contra-ataque ferrenho de setores ligados ao sistema
financeiro”, diz.
Ele
cita ainda que propostas como a do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de
enquadrar fintechs na cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF),
enfrentam forte pressão do mercado. “Sempre há um contra-ataque, afirmando
muitas vezes que os investidores não vão mais operar no país por causa de
excesso de regulação. Foi esse o discurso que nos anos 90 levou ao modelo de
privatizações e retirada de marcos regulatórios”, critica.
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‘Não é só prender três ou quatro pessoas’
Para
Portella, o combate ao crime organizado não se resolve apenas com ações
policiais. Ele defende políticas sociais para reduzir a atratividade das
atividades ilícitas. “O combate a esse tipo de mercado vai além de uma mera
resposta penal. Prende-se três, quatro, cinco pessoas e acha-se que, com isso,
está combatendo o tráfico”, aponta.
“Não é
uma vida fácil estar numa vida em que você é explorado por alguém que está
acima de você numa organização criminosa, te ameaçando, podendo até te matar.
Ofertar a essas pessoas segurança de renda, educação, saúde, segurança social,
torna esse mercado não atrativo”, argumenta.
Segundo
ele, a estratégia atual só amplia a violência. “Esse combate militar gera
outros crimes, que é a violência policial, mortes nas comunidades, pessoas
baleadas todos os dias. É uma política desastrosa, porque só traz mais
desespero e mais violência”, analisa.
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Postos de combustíveis e corrupção fiscal
O
advogado destacou ainda que o uso de postos de gasolina para lavagem não é
novidade e se relaciona à falta de fiscalização. “É um setor muito cartelizado
[…] e as agências de fiscalização não autuam. Isso facilita o uso desse tipo de
expediente, de usar de um posto de gasolina para lavar o dinheiro”, indica.
Portella
lembra episódios como a Operação Publicanos, no Paraná, que revelou corrupção
de fiscais da Receita. “No lugar de autuar esses estabelecimentos, deixavam
passar em troca de propina. Isso também facilita a lavagem de dinheiro, por
óbvio”, ressalta.
<><>‘Bandidos
de verdade estão na Faria Lima’
Questionado
sobre os impactos da operação, Portella foi cauteloso. Ele lembra que casos
como o Banestado, que envolveu remessas ilegais de bilhões de dólares ao
exterior, e o escândalo do banqueiro Salvatore Cacciola, ligado a fraudes
cambiais nos anos 1990, não resultaram em avanços significativos na regulação.
“Sempre há esse debate quando a notícia está quente, mas passam-se anos e vêm
novos escândalos. Eu sou pessimista de que isso vá reverter em alguma política
mais expressiva”, lamenta.
O
advogado acredita que os chefes do crime organizado estão no topo da cadeia
econômica. “Os bandidos de verdade, os mais perigosos, usam terno e gravata e
estão na Faria Lima, não são aqueles que estão na pista vendendo crack na
comunidade. Esses são explorados, a massa desvalida absorvida pelo mercado
ilegal”, conclui.
• Setor de combustíveis quer leis mais
duras após megaoperação envolvendo o PCC
Após a
força-tarefa nacional que deflagrou, na quinta-feira (28), a maior operação já
realizada contra o crime organizado no setor de combustíveis, o segmento clama
por leis mais duras para combater esse tipo de esquema envolvendo o crime
organizado — neste caso, o PCC (Primeiro Comando da Capital).
Batizada
de Operação Carbono Oculto, a ação contou com cerca de 1.400 agentes em oito
estados e revelou uma estrutura criminosa bilionária, que usava empresas do
setor para fraudar combustíveis, sonegar tributos e lavar dinheiro.
O
esquema teria causado um rombo de R$ 7,6 bilhões em impostos federais,
estaduais e municipais. Entre os principais alvos estão as empresas Copape
(produtora) e Aster Petróleo (distribuidora), ligadas ao empresário Mohamad
Hussein Mourad, apontado como o “epicentro” da operação, e ao grupo criminoso
PCC.
Em
entrevista ao site g1, o diretor da Ubrabio (União Brasileira de Biodiesel e
Bioquerosene), Donizete Tokarski, disse que as fraudes “minam” a credibilidade
da política de mistura obrigatória de combustíveis. “Quando se adultera ou se
burla a mistura, perde-se arrecadação, compromete-se a qualidade do combustível
e enfraquece-se uma política estratégica para o país”, afirmou.
A Lei
do Combustível do Futuro, segundo ele, trouxe avanços importantes para a
transição energética, mas de nada adianta se a execução das regras for
“sabotada por práticas criminosas”.
O
esquema envolvia diversas etapas da cadeia de combustíveis:
• Importação irregular de produtos
químicos, como metanol, via empresas como a Terra Nova Trading, com atuação no
Tocantins para se beneficiar de alíquotas mais baixas.
• Produção de combustíveis a partir desses
produtos na refinaria da Copape, em Guarulhos, com misturas adulteradas e mais
baratas.
• Distribuição via Aster Petróleo a uma
rede de mais de mil postos, alguns de bandeiras conhecidas.
• Ameaças a donos de postos independentes,
forçando a venda de estabelecimentos ao grupo, segundo o Ministério Público.
O
metanol, proibido em concentrações superiores a 0,5%, chegou a representar até
90% da composição em alguns combustíveis vendidos pelos postos do esquema.
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Fraude dos combustíveis: impactos econômicos e riscos ao consumidor
O
Instituto Combustível Legal destacou que a infiltração do crime organizado
prejudica a concorrência, enfraquece políticas públicas e causa prejuízos
sociais e fiscais. Já o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás alertou que o
caso vai além da concorrência desleal: trata-se de uma ameaça sistêmica à
economia formal e à segurança nacional.
As
principais entidades do setor pediram avaliação urgente de projetos de lei no
Congresso para conter o mercado irregular de combustíveis. Entre as
iniciativas, estão:
• Controle de devedores contumazes –
Identificação e monitoramento de empresas que sistematicamente sonegam
tributos.
• Compartilhamento de dados fiscais –
Permitir que a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) acesse
informações da Receita Federal para cruzamento de dados.
• Tipificação do roubo e furto de
combustíveis – Incluir na legislação penal ações como desvio em dutos e
receptação de combustíveis roubados.
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Governo e ANP reagem com medidas de reforço
O
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que a pasta tem
fortalecido a fiscalização e estruturado uma rede nacional de combate às
fraudes, com integração entre ANP, Receita Federal, MP (Ministério Público) e
forças policiais.
O
pacote de ações inclui:
• Regras mais rígidas para distribuidoras
inadimplentes;
• Criminalização da inadimplência
ambiental;
• Integração de dados fiscais;
• Reforço da atuação da ANP com
tecnologia;
• Apoio a projetos legislativos para
endurecer penas contra crimes no setor;
• Combate ao devedor contumaz e à
pirataria em hidrovias.
A ANP,
por sua vez, informou que já intensificou o uso de ferramentas de inteligência
e atua diretamente em operações como a Carbono Oculto, com análises
laboratoriais, apoio técnico e cooperação com o MP.
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Empresas envolvidas e recuperação judicial
As
empresas Copape e Aster Petróleo, ligadas a Mohamad Mourad, haviam entrado em
recuperação judicial em 2023, alegando R$ 830 milhões em dívidas. As licenças
de operação de ambas foram cassadas pela ANP após investigação da Receita
Federal e denúncia do Fantástico, que revelou o uso de laranjas para registrar
mais de 50 postos e empresas.
As
autoridades descobriram, posteriormente, que a estrutura era ainda mais ampla,
com atuação nacional e envolvimento direto do PCC em fraudes, ameaças e lavagem
de dinheiro.
• PF investiga vazamento de informações
após fuga de líderes do PCC em megaoperação
A
Polícia Federal (PF) abriu uma nova frente de investigação para esclarecer
falhas na megaoperação contra o crime organizado realizada na última
quinta-feira (28). O alvo agora não é apenas o Primeiro Comando da Capital
(PCC), mas também a suspeita de que informações tenham sido repassadas
antecipadamente aos investigados, permitindo que parte deles escapasse. O
episódio acendeu um alerta na cúpula da corporação.
Dos 14
mandados de prisão preventiva expedidos pela Justiça Federal, oito não foram
cumpridos. Entre os foragidos estão os principais nomes do esquema de
adulteração e sonegação no setor de combustíveis: Mohamad Hussein Mourad e
Roberto Augusto Leme da Silva, conhecido como “Beto Louco”. Ambos são apontados
como chefes da engrenagem financeira e operacional que teria movimentado
bilhões de reais.
Delegados
e agentes que atuaram no caso relataram estranheza com o fato de que
investigados monitorados durante semanas desapareceram justamente na véspera da
deflagração. Agora, a investigação interna busca descobrir se houve vazamento
de dados sensíveis ou até mesmo facilitação por parte de algum agente público.
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Investigações
Segundo
investigadores da Diretoria de Combate ao Crime Organizado e à Corrupção
(DICOR), a prioridade é identificar a origem da informação que teria chegado
aos criminosos. “Temos indícios de que alguns alvos saíram de casa um ou dois
dias antes da operação. Já estamos levantando pistas para esclarecer o que
ocorreu”, afirmou um dos responsáveis.
A
complexidade do caso envolveu uma ampla rede de cooperação entre órgãos: além
da PF, participaram procuradores de diferentes regiões, fiscais estaduais e
federais, agentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e forças policiais
locais. A dimensão da operação exigiu integração máxima justamente porque os
investigados apareciam em diversas frentes de apuração.
Apesar
das fugas, a corporação considera relevante o material apreendido, que deve
revelar novos grupos ligados ao esquema criminoso. Para os investigadores, as
provas recolhidas — documentos, registros financeiros e equipamentos — podem
abrir caminhos para identificar outros núcleos que abasteciam a rede de
fraudes.
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Pronunciamento de Haddad
O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou que a ofensiva também evidenciou
como o PCC vinha utilizando fintechs e fundos de investimento para lavar
dinheiro e ocultar patrimônio. Ele anunciou que o governo intensificará a
fiscalização sobre esse setor, utilizando inteligência artificial para rastrear
movimentações suspeitas.
O
ministro também destacou que movimentações atípicas, entradas e saídas sem
identificação clara serão detectadas pela tecnologia. “Tudo isso a nossa IA vai
pegar e vamos para cima de quem estiver fazendo coisa errada. Vamos seguir o
dinheiro do criminoso”, disse Haddad, ao assegurar que fintechs passarão a ter
o mesmo rigor regulatório que bancos tradicionais.
• Dois empresários são presos suspeitos de
integrar plano do PCC para matar promotor
Dois
empresários foram presos na manhã desta sexta-feira (29) suspeitos de fazerem
parte de um plano para matar um promotor de Justiça do Gaeco em conluio com o
PCC (Primeiro Comando da Capital).
Os
empresários atuam no ramo de comércio de veículos e de transportes e foram
presos em Campinas, interior de São Paulo.
As
prisões ocorreram na operação chamada de Pronta Resposta, do Gaeco (Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e o 1° Baep (Batalhão de Ações
Especiais de Polícia).
Há
meses, os promotores vêm conduzindo a Operação Linha Vermelha, que apura os
crimes de organização criminosa armada, tráfico de drogas e lavagem de
dinheiro.
“Há
poucos dias, foram coletadas informações que indicavam que um dos investigados
estaria associado à liderança do PCC e, com o objetivo de prejudicar as
investigações, teriam arquitetado e colocado em prática um plano para matar o
promotor Amauri Silveira Filho”, afirmou o Ministério Público.
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Plano dos empresários
Os
envolvidos, segundo a investigação, teriam financiado e providenciado a
aquisição de veículos e de armamento e a contratação de operadores para a
execução de uma emboscada ao promotor. Contudo, o plano foi descoberto pelo
Ministério Público, que identificou os articuladores e financiadores.
O Juiz
da 4ª Vara Criminal da Comarca de Campinas, Caio Ventosa Chaves, acolheu os
pedidos do Gaeco e expediu três mandados de prisão temporária e quatro mandados
de busca e apreensão, que foram cumpridos por equipes do Baep e do Ministério
Público.
Um dos
principais envolvidos é apontado como integrante da sintonia final do PCC e um
dos grandes operadores do tráfico de drogas no Brasil. Há anos está foragido e,
possivelmente, escondido na Bolívia, de onde continua controlando esquemas de
tráfico e lavagem de dinheiro.
As
investigações continuam para a identificação de outras pessoas envolvidas no
plano que vinha sendo articulado.
Fonte:
Brasil de Fato/Fórum

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