Um
café para a história: 181 anos do encontro de Marx e Engels
No dia
28 de agosto de 1844, em Paris, no Café de la Régence, dois jovens se
encontraram e mudaram o curso da história. Marx e Engels já haviam se cruzado
antes, mas foi ali, entre o burburinho dos jogadores de xadrez e o rumor da
capital francesa, que reconheceram um no outro não apenas afinidades
intelectuais, mas uma chama comum, feita de indignação e esperança.
Marx
trazia nas mãos os manuscritos de sua crítica à alienação, ainda impregnado das
batalhas contra a censura prussiana. Engels chegava de Manchester, trazendo no
olhar a fuligem das fábricas, o testemunho da miséria operária inglesa e um
esboço de crítica a economia política. O filósofo e o cronista do trabalho
encontraram-se como dois rios que, depois de correrem separados, decidem
compartilhar o mesmo leito
Engels
recordaria décadas mais tarde que, naquele dia, a plena concordância em todos
os campos teóricos se tornou evidente, datando dali seu trabalho conjunto. Não
era apenas o início de uma amizade: era a formação de uma comunidade de
pensamento e de luta, que transformaria a crítica em arma, e a reflexão em
prática revolucionária.
O Café
de la Régence, célebre reduto de enciclopedistas e enxadristas, viu naquele dia
uma partida diferente ser iniciada. Enquanto uns moviam peças em sessenta e
quatro casas, Marx e Engels pressentiam que o tabuleiro verdadeiro era o da
história, e que nele as classes sociais eram os verdadeiros contendores. O
lirismo desse encontro está justamente no fato de que não se deu em um
congresso nem em uma assembleia, muito menos numa reunião de cúpula: foi uma
conversa entre dois jovens que, ao se reconhecerem, acenderam uma centelha que
atravessaria gerações.
Daquela
mesa nasceriam textos como A Sagrada Família, A ideologia alemã e, alguns anos
depois, o Manifesto Comunista. Mas mais importante do que as obras foi o gesto
inaugural: a decisão de pensar juntos, de unir filosofia e experiência
concreta, de recusar a contemplação e se lançar à práxis. Ali, Marx encontrou
no olhar de Engels o testemunho vivo de que o proletariado não era apenas uma
categoria conceitual, mas uma força histórica em movimento. E Engels encontrou
em Marx a arma teórica capaz de traduzir em teoria a revolta que já fervia nas
fábricas.
Celebrar
hoje os 181 anos desse encontro não é um exercício de nostalgia, mas um
chamado. A amizade de Marx e Engels foi também um gesto político: mostrou que a
crítica radical precisa do diálogo, que a solidariedade intelectual pode ser
tão revolucionária quanto uma greve ou uma barricada. A centelha daquele café
arde ainda em cada movimento que ousa desafiar o mundo tal como ele é,
lembrando-nos de que não há destino imutável, mas campos de batalha.
Podemos
imaginar, por um instante, aquela mesa do Café de la Régence ainda posta, em
alguma dobra da memória coletiva. Sobre ela repousam as anotações dispersas, os
olhares cúmplices, a convicção silenciosa de que o mundo podia (e pode) ser
transformado. Sentar-se novamente a essa mesa é a tarefa de cada geração. Pois
se os filósofos, até então, haviam apenas interpretado o mundo de maneiras
diversas, foi ali, há 181 anos, que dois pensadores decidiram transformá-lo —
juntos.
E é
essa mesa que nos convoca no presente: diante da barbárie neoliberal, da
destruição ecológica e da precarização do trabalho, retomar o gesto de Marx e
Engels significa renovar a aliança entre teoria e prática, entre amizade e
revolução. Pois só o encontro — no café, na fábrica, na rua — pode fazer nascer
o fogo que há de incendiar novamente o mundo.
Fonte:
Por Gabriel Teles, no Blog da Boitempo

Nenhum comentário:
Postar um comentário