Paulo
Kliass: A privatização em Lula 3
As
sucessivas tentativas de promover golpes políticos e militares por parte da
extrema direita e do bolsonarismo é um fator bastante preocupante da conjuntura
atual. Na verdade, o golpismo se colocou em marcha ainda durante o próprio
mandato de Bolsonaro. No entanto, apesar das inúmeras articulações fracassadas,
o espírito da quartelada se mantém presente até os dias de hoje. O que se
espera é que o processo em etapa final de julgamento no Supremo Tribunal
Federal (STF) coloque um freio nesse movimento e puna na forma da lei e da
Constituição todos os envolvidos nos cometimentos de tais crimes. Enfim, que
seja propagado pelo País afora o nosso lema: “Ditadura, nunca mais!”. E que as
condenações dos envolvidos no alto escalão sejam exemplares deste mote.
Ocorre
que a vida segue e o governo federal, infelizmente, se mantém de forma
obstinada em sua trajetória comprometida com a essência da política econômica
neoliberal do Ministro Haddad. Para além da austeridade fiscal extremista, a
Fazenda orienta o governo para dar continuidade ao processo de privatização de
serviços e de patrimônio públicos. As alternativas para favorecer a
participação do capital na apropriação privada de lucros em operações variadas
com o Estado são inúmeras. Cada vez mais serviços públicos e responsabilidades
atribuídas à administração estatal são repassados de bom grado à livre
iniciativa.
Desde o
início do terceiro mandato do Presidente Lula a questão privatizante começou a
retomar corpo e forma. Um dos primeiros escândalos a vir à tona foi uma
orientação geral de ampliar o escopo de serviços públicos que poderiam ser
objeto de apoio financeiro do BNDES, sob a forma perfumada e mal cheirosa
das Parcerias Público Privadas (PPP). Em meio a essa
generalização de setores a serem beneficiados pelo processo de concessão ao
capital privado está a área de defesa e segurança, com destaque especial para o simbolismo
do processo relativo ao presídio de Blumenau (SC). Esta unidade sob a
responsabilidade do governo estadual está sendo transferida à iniciativa
privada sob a forma de uma PPP inspirada no exemplo da unidade de Erechim no
Rio Grande do Sul (RS).
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PPP: privatização mal disfarçada
Ocorre
que, em meio aos ataques que a democracia brasileira vem sofrendo dos golpistas
da extrema direita, o inesperado nos apresentou uma mudança significativa no
plano internacional, em razão da vitória de Trump nas eleições estadunidense no
ano passado. Ao escolher o ataque ao Brasil com a chantagem sobre o processo de
condenação de Bolsonaro no STF, o responsável pela Casa Branca conseguiu um
feito inédito: reacender o verdadeiro espírito de defesa da Pátria frente às
agressões vindas do imperialismo. Além disso, ao se vincular umbilicalmente na
defesa do ex Presidente já condenado e tornado inelegível, Trump conseguiu ter
contra si e seu governo uma ampla frente liderada por Lula e secundado por
setores variados. Assim, neste período de “todos unidos contra o agressor
externo”, deu-se uma espécie de arrefecimento dos debates a respeito dos
equívocos que vêm sendo cometidos ao longo do terceiro mandato do nosso
Presidente, em especial no que se refere à política econômica.
O
problema é que a gravidade dos caminhos adotados não pode nem deve ser
ignorada. Essa verdadeira operação-abafa é buscada a todo custo em função da
melhoria nos índices de aprovação da gestão de Lula e, também, da importante
recuperação das intenções de voto dele mesmo para a disputa de 2026. Mas a
realidade é objetiva e a crítica se faz necessária. A opção preferencial de
Haddad pela via da privatização, por exemplo, é um dos casos mais graves. A
transferência completa do patrimônio por meio da venda de empresas estatais é o
fenômeno mais incorporado no imaginário popular. No entanto, há um conjunto de
outros mecanismos que significam, na prática, processo de privatização. A opção
por uma PPP ou a concessão de serviços públicos por décadas têm, na prática, o
sentido da transferência do recurso público ao capital privado.
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Lula autoriza privatização em Pernambuco
Os
casos mais recentes que estão recebido maior visibilidade referem-se ao Estado
de Pernambuco. A empresa que faz a gestão e a operação do Metrô de Recife
pertence à empresa federal Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). O tema
da privatização da mesma é antigo, uma vez que o lobby exercido
por setores do capital privado é imenso. Durante a campanha presidencial de
2022, Lula se comprometeu em não avançar no processo da venda do Metrô. No entanto,
todos fomos pegos de surpresa quando o Presidente eleito iniciou tratativas com
as elites políticas e econômicas locais para retomar a privatização. Uma
loucura! No arranjo do processo, Haddad viu a oportunidade de ingresso de
recursos no caixa do Tesouro Nacional para seu sacrossanto superávit primário.
A governadora do Estado (Raquel Lyra – PSD) e o prefeito da capital João Campos
– PSB) viram na medida uma oportunidade para alavancarem suas candidaturas e
pretensões político-eleitorais.
O outro
caso refere-se à Companhia Pernambucana de Saneamento (COMPESA). Trata-se de
uma empresa que pertence ao governo estadual. No entanto, sem a participação e
o apoio do BNDES esta operação dificilmente seria realizada. O banco federal
entra no processo de montagem do modelo a ser adotado para venda da empresa bem
como no financiamento aos futuros compradores. Ou seja, mantém-se a conhecida
estratégia de oferecer recursos públicos e benesses estatais para o capital
privado adquirir patrimônio público praticamente de graça.
Ora, em
ambos os exemplos aqui mencionados, estamos frente a modelos de negócios que
não comportam o discurso tão liberaloide quanto falacioso de que seja possível
aumentar a concorrência para elevar a eficiência e baixar os preços para o
consumidor. Como todo mundo sabe, não existe a menor possibilidade de
competição em um modelo de trens urbanos metropolitanos. Imagine-se o pobre
cidadão usuário (nos manuais neoclássicos de privatização chamado de “cliente”
ou “consumidor”) querendo escolher qual comboio vai usar para pagar uma tarifa
mais baixa ou um serviço de melhor qualidade. Ora, em cada estação só existe um
trilho e é por ele que passam os trens. Trata-se de uma situação em que os
manuais de economia classificam como “monopólio natural”. Sugerir a privatização
deste tipo de serviço público é uma narrativa enganosa que serve apenas para
justificar a negociata.
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Venda das empresas de saneamento
O mesmo
raciocínio pode ser aplicado para o caso do modelo do saneamento. A tubulação
de água e esgoto que passa no subterrâneo do espaço urbano ou rural tampouco
permite a aplicação do modelo idealizado do liberalismo. Imagine-se o
consumidor decidindo por qual empresa vai conectar seus canos de ingresso de
água e depois de saída para o esgoto. Parece claro que também neste caso
estamos frente a um monopólio natural. Certamente o adepto obnubilado do
liberalismo de botequim vai nos assegurar que o morador vai decidir por aquela
empresa que oferecer menores tarifas e melhores condições de acesso ao serviço
de saneamento (sic). Pouco importa que isso seja uma impossibilidade concreta.
O que valem são os princípios doutrinários do livre mercado em sua sanha contra
qualquer traço da presença do setor público na economia.
Esse
foi, também, o caminho adotado pelo governador do estado do Piauí, Rafael
Fonteles do PT. Ele comandou um processo de privatização da empresa
estadual de saneamento, a AGESPISA. Na verdade, um enorme retrocesso que vai
apresentar sua fatura social nos períodos por vir. No estado da Bahia, há
muitos anos que os governadores do PT lutam para conseguir a privatização da
EMBASA, empresa de economia mista estadual responsável pelo saneamento. Em
2022, o então ocupante do executivo estadual, o atual Ministro da Casa
Civil Rui Costa, conseguiu aprovar uma lei
na Assembleia legislativa para obter permissão para iniciar o processo de venda
da empresa.
Mas houve muita resistência desde então e as iniciativas para implementar a
privatização foram relegadas momentaneamente a um segundo plano pelo atual
governador Jerônimo Rodrigues.
Assim,
talvez o que mais entristeça alguns e frustre outros seja o abandono de Lula em
relação às expectativas todas geradas para este terceiro mandato. Ele havia
prometido que faria mais e melhor do que havia realizado durante os 2 primeiros
entre 2003 e 2010. Além disso, em 2022 lançou mão do mote de Juscelino
Kubitschek – fazer 40 anos em 4. Mas até o momento ele realizou tão pouco que
terminou por abrir espaço para que o governador de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas,
possa recuperar o slogan para sua campanha em 2026.
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E segue a privatização trilionária por meio das PPI
Em
resumo, o fato é que o atual governo segue demonstrando profundo orgulho por
iniciativas no campo da privatização. A principal vitrine talvez seja composta
pelos projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) que foi criado
por ninguém mais nem menos que Michel Temer, ligo depois do golpeachment contra
Dilma Rousseff. O programa está previsto na Lei nº 13.334/16 e fica ancorado
em uma Secretaria Especial na Presidência da República. Ali pode-se
perceber que já foram concluídos 280 projetos de concessão para o capital,
enquanto ainda estão em andamento outros 227 arranjos entre o setor público e o
setor privado. Os setores beneficiados são muitos e variados; i) agricultura e
abastecimento; ii) defesa e segurança; iii) energia; iv) infraestrutura
hídrica; v) infraestrutura social; vi) infraestrutura urbana; vii) meio
ambiente; viii) mineração; ix) saneamento; x) transportes; xi) turismo.
Ainda
que os números ainda não estejam consolidados, trata-se com toda a certeza do
maior processo de privatização de nossa História. Algumas previsões apontam
para um total já aprovado próximo a R$ 1,5
trilhão já concedidos ao capital. A maioria das experiências de processos
privatizantes nos chamados países desenvolvidos têm sido objeto de polêmica e
mesmo de recuo. Várias empresas na área de serviços públicos foram
reestatizadas, uma vez que os objetivos não teriam sido alcançados. Esse é o
caso dos EUA, França, Reino Unido e Alemanha e
a reviravolta na privatização de suas empresas de água, esgoto
e mesmo de energia.
Torna-se
urgente um amplo debate respeito dos rumos do processo atual de avalanche de
parcerias e concessões privatizantes. Lula não pode deixar uma marca tão
negativa como a privatização em sua passagem pelo Palácio do Planalto. É
preciso dar um basta a esse processo.
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Luís Nassif: A burrice nacional a serviço da cupidez
A maior
falha estratégica do Brasil é não saber distinguir entre estatais que são
essenciais à soberania nacional e aquelas que podem ser privatizadas sem
prejuízo ao interesse público.
Empresas
estratégicas são aquelas que:
• Garantem a segurança nacional e a
capacidade de enfrentar crises.
• Promovem inovação e planejamento de
longo prazo.
• Asseguram um ambiente competitivo
saudável.
Privatizar
insumos essenciais — como energia e combustíveis — significa entregar o
controle a poucos grupos, eliminando a concorrência e aumentando os preços.
No
Brasil há um quadro típico de países politicamente pouco desenvolvidos: os
interesses particulares (dos que ambicionam a privatização) se sobrepõem aos
interesses gerais dos consumidores, mesmo estes sendo de setores economicamente
fortes.
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O caso do setor elétrico
Tome-se
o caso do setor elétrico nacional.
Na
ponta geradora, tinham-se as hidrelétricas estatais. Na ponta consumidora,
todos os grandes setores industriais, da indústria automobilística à de
máquinas e equipamentos, a indústria de base, o setor têxtil, a indústria
siderúrgica etc.
Na
década de 1990, o governo Fernando Henrique Cardoso iniciou a privatização do
setor elétrico nacional – até então nas mãos de grandes geradores estaduais
coordenados pela Eletrobras. Até então, a energia brasileira era das mais
baratas do mundo, e um dos grandes fatores de competitividade da economia
brasileira, prestes a se integrar à economia mundial.
O
resultado foi o desastre do apagão, obrigando o governo seguinte, através da
Ministra das Minas e Energia Dilma Rousseff, a montar um modelo alternativo.
Anos
depois, através da Lei 12.783/2013, a então presidente Dilma Rousseff tentou a
maior sacada para manter os preços reduzidos. Determinou que as concessões de
usinas, com contratos vencendo entre 2015 a 2017, conseguissem a renovação
antecipada, mas com tarifas reduzidas. Anualmente, as empresas incorporavam nas
tarifas um percentual dos investimentos, a chamada depreciação. Com o fim das
concessões, não haveria mais razão para depreciação. Oferecia-se, então, além
da indenização da União, a possibilidade de cobrar tarifas resultantes apenas
do custo operacional, mais uma margem de lucros.
Houve o
bloqueio dos governos dos principais estados produtores, São Paulo, Minas
Gerais e Paraná, todos em mãos de partidos da oposição. Depois, uma crise
pluvial pressionou a oferta de energia. A partir daí, matava-se a ideia
original do sistema hidrelétrico interligado, oferecendo energia barata.
Já no
governo Temer, em 2017, houve o leilão das usinas da Cemig, de Minas Gerais.
Foram vendidas as hidrelétricas São Simão, Miranda, Jaguara e Volta Grande,
para compradores privados, inclusive grupos chineses. A velha justificativa era
a necessidade do ajuste fiscal. Em 2022, já no governo Bolsonaro, houve a
privatização escandalosa da Eletrobras, através de um modelo de emissão de
ações, diluindo a participação da União. Players estrangeiros, da China,
Canadá, mais fundos de investimento, passaram a controlar ativos estratégicos.
O breve
interregno do governo Dilma permitiu a redução temporária das tarifas em cerca
de 20%. Mas, passado esse período, o setor já experimentava um aumento
estrutural no preço da energia.
A
privatização da Eletrobras foi a peça final. De R$ 40,00 o MWh, o preço saltou
para R$ 150-200. Isso gerou um efeito cascata. Segundo estudos da ABRACE
(associação que representa os grandes consumidores), o custo adicional poderá
chegar até R$ 400 bilhões até 2040.
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As refinarias
O mesmo
ocorreu com a privatização das refinarias. Em 2021 foi vendida a RLAM
(Refinaria Landulpho Alves), da Bahia. Em 2022, a REMAN (Refinaria Isaac
Sabbá), do Amazonas. Em 2022, a SIX (Unidade de Industrialização de Xisto), no
Paraná. E também a Lubnor (Lubrificantes e Derivados de Petróleo no Nordeste),
no Ceará.
Na
Bahia, a compradora, Acelen (fundo soberano de Midabala) passou a cobrar preços
independentemente da Petrobras. Gasolina e diesel chegaram a ficar 15% mais
cara que a média nacional. O diesel S-10 ficou 36% mais caro.
A REMAN
tem monopólio natural em toda a Amazônia, já que a logística fluvial é
limitada. O diesel é 25% mais caro que a média nacional; o GLP, mais de 70%
Em
nenhum desses estados há competição. Houve a fragilização da integração
logística, já que, antes, a Petrobras poderia deslocar derivados entre
refinarias para equilibrar a oferta. E maiores dificuldades ainda para
implementar uma política nacional de transição energética.
Fonte:
Outras Palavras/Jornal GGN

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