Fim
do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo — e isso pode ser o que
Trump quer
No
primeiro semestre de 2025, o dólar americano teve seu pior
desempenho em mais de cinco décadas no índice usado para medir a força da
moeda dos Estados Unidos. A desvalorização acumulada até junho foi de 11% no
U.S. Dollar Index, criado pelo Federal Reserve (Fed), o banco central
americano, e que compara o dólar a outras seis moedas — o euro, yen
japonês, a libra esterlina, o dólar canadense, o krona sueco e o franco suíço. Quedas
como essa já foram registradas em outros momentos. Mas, desta vez, a
desvalorização acontece ao mesmo tempo que outros eventos que preocupam alguns
economistas, o que tem feito cada vez mais investidores, analistas financeiros
e outras pessoas no ramo bancário questionarem a força do dólar americano, de acordo com
fontes do próprio setor. Um dos pontos de preocupação apontados é a queda
pequena, mas gradual, na participação da moeda nas reservas cambiais dos bancos
centrais ao redor do globo. Somam-se a isso uma fuga de capital estrangeiro no
mercado de títulos do Tesouro dos Estados Unidos e críticas
sobre a forma como o governo americano tem usado a dominância do dólar para
aplicar sanções em temas geopolíticos, segundo especialistas.
A atual política de tarifas do governo
de Donald Trump —
e os rumores no mercado sobre a possibilidade de um enfraquecimento deliberado
da moeda por parte da Casa Branca para impulsionar a indústria americana —
também tem gerado especulações.
Mas
enquanto alguns demonstram preocupação, outros são céticos em relação ao
apetite do mercado em buscar alternativas ou à capacidade de qualquer outra
moeda de alcançar o status atingido pela americana.
O
dólar se consolidou como a moeda
internacional após
a 2ª Guerra Mundial, com o acordo de Bretton Woods. Desde então, tornou-se a
mais usada nas reservas globais e nas transações no sistema Swift, uma rede de pagamentos
globais que
conecta 11 mil instituições financeiras em mais de 200 países.
Então,
afinal, quão profunda é a desconfiança em torno da moeda que domina as
transações comerciais em todo o mundo? E o que dizem aqueles que ainda preveem
uma longa vida de dominância para o dólar?
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Participação nas reservas cambiais
Um relatório elaborado pelo banco
J.P. Morgan no início de julho apontou alguns dos fatores que ameaçam
o domínio da moeda atualmente. O primeiro tem relação com a queda do dólar nas
reservas internacionais — ou o conjunto de ativos externos em moeda estrangeira
mantidos pelos bancos centrais ou autoridades monetárias para garantir sua
estabilidade econômica e financeira. A soma das reservas mundiais em moedas
estrangeiras equivalia a mais de US$ 12 trilhões em março de 2025, segundo o
Fundo Monetário Internacional (FMI). Desse total, mais de 57% estava alocado em
dólar. Ou seja, a moeda americana ainda domina. No entanto, no começo dos anos
2000, essa fatia superava 70%. E enquanto o dólar viu uma diminuição em sua
participação, o total em renminbis chineses dobrou na última década.
Vale
notar, no entanto, que as reservas na moeda chinesa ainda representam apenas 2%
do total, bem atrás de outras mais tradicionais, como o euro e a libra
esterlina.
Segundo
especialistas, no entanto, a principal tendência de "desdolarização"
das reservas cambiais está relacionada à crescente demanda por ouro, que é visto como
uma alternativa às moedas globais. Atualmente, o ouro corresponde a 9% das
reservas de mercados emergentes, mais do que o dobro dos 4% observados há uma
década.
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Mercado de commodities e títulos do Tesouro
Outros
fatores que, segundo a análise do JP Morgan, indicariam uma tendência de
"desdolarização" são o uso de outras moedas no comércio internacional
e a queda das participações estrangeiras nos títulos de renda fixa de dívida
pública do governo norte-americano. Quando o assunto é a moeda usada nas
transações internacionais, há várias formas de medir qual é a mais influente. E
o dólar ainda domina em termos de volumes de câmbio, faturamento comercial,
denominação de passivos transfronteiriços (dívidas ou obrigações financeiras de
um país, empresa ou banco perante credores estrangeiros) e emissão de dívida em
moeda estrangeira. Mas, segundo analistas, a moeda americana vem perdendo
espaço como referência nos mercados de commodities, especialmente
no setor de energia.
Por
conta das sanções internacionais aplicadas contra a Rússia, o país tem usado
moedas locais para as exportações de petróleo e derivados. Com isso, nações
como Índia, China, Brasil, Tailândia e Indonésia podem comprar petróleo a
preços mais baixos e pagar com suas próprias moedas. Já as posições
estrangeiras em títulos americanos vêm sendo reduzidas há 15 anos.
Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos — assim como os
de outros países com economia forte — costumam ser vistos como investimentos de
refúgio, para onde muitos direcionam seu dinheiro em momentos de crise nos
mercados, como quedas nas bolsas de valores. E, embora os investidores
estrangeiros continuem sendo o maior componente do mercado de títulos do
Tesouro americano, sua participação vem caindo.
Antes
da grande crise financeira global de 2008, mais de 50% dos títulos estavam na
mão de compradores de fora dos EUA. Agora, caiu para 30%, segundo o JP Morgan. "Em
termos de transações internacionais, há um declínio muito modesto na
porcentagem do que ocorre em dólar", diz Luis Oganes, chefe de Pesquisa
Macro Global no J.P. Morgan, à BBC News Brasil. "Onde estamos observando a
desdolarização, e certamente um grande afastamento do dólar, é nas reservas
cambiais dos bancos centrais e na denominação monetária das transações de
commodities."
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Desvalorização e queda das bolsas
Para
além do relatório, outros fatores que chamam a atenção são a desvalorização do dólar e as quedas
no mercado de ações americano. Após acumular no primeiro semestre de 2024 a
maior desvalorização registrada até aquele momento desde 1973, os índices que
medem o valor do dólar ensaiaram uma recuperação em meados de julho, mas
voltaram a cair em agosto.
Segundo
relatório do banco Morgan Stanley, embora a moeda tenha se fortalecido 3,2% em
julho, o declínio deve continuar, possivelmente adicionando outros 10% em
perdas até o final de 2026. Além disso, no início de abril deste ano, as bolsas
dos Estados Unidos tiveram a sua pior semana desde a pandemia de covid-19, com o índice
S&P 500 de Wall Street, que inclui as maiores empresas americanas, com uma
queda de 10%. Em seguida, bolsas de todo o mundo despencaram. No Brasil, o
dólar caiu mais de 12%. Tudo aconteceu diante de anúncios do presidente Donald
Trump sobre a adoção de uma onda sem precedentes de tarifas de importação.
Em
abril, o republicano divulgou sua intenção de adotar uma tarifa básica
universal de 10% sobre todas as importações para os EUA. O prazo para entrada
em vigor da medida foi adiado algumas vezes depois disso, e novas alíquotas
foram anunciadas para alguns países específicos. Entre eles o Brasil, que em 6
de agosto passou a enfrentar tarifa de 50%
sobre alguns produtos.
Desde
que foi anunciado, o tarifaço de Trump preocupa investidores, que temem seu
efeito sobre os lucros corporativos e a desaceleração em massa do crescimento
econômico. Isso faz com que alguns tentem se proteger de novas quedas do dólar
e diminui a confiança na economia americana e em sua moeda, dizem
especialistas. Como resultado, investidores estrangeiros venderam US$ 63
bilhões em ações de empresas listadas em bolsas dos EUA entre março e abril de
2025, segundo o banco Goldman Sachs. O mesmo vale para o mercado de títulos,
que serve como um termômetro da confiança na economia de um país.
Quando
há muitas compras, isso é um sinal de confiança. Mas, se os investidores
começam a vender — como aconteceu nos Estados Unidos após os anúncios de Trump
sobre as tarifas — é porque algo não vai tão bem. "Existe um movimento de
desvalorização e de aumento da desconfiança no dólar que foi agravado pelo
presidente Donald Trump e as suas políticas erráticas e imprevisíveis em
relação à política comercial americana", avalia Fernanda Brandão, coordenadora
do curso de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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Por que a confiança no dólar está caindo?
Mas a
aplicação de novas tarifas pelo governo americano não é o único fator que,
segundo os especialistas, vem erodindo a segurança no dólar. A forma como o
governo americano usa a moeda como um instrumento para
punição de transgressões na área geopolítica, por meio de sanções econômicas, é um dos
principais motivos para a queda de confiança entre investidores, diz Robert
McCauley, pesquisador sênior da Universidade de Boston que passou a maior parte
de sua carreira no Banco de Compensações Internacionais e no Fed de Nova York. Países,
empresas, bancos ou indivíduos sancionados pelos EUA podem ser totalmente
excluídos do sistema monetário financeiro internacional e do sistema de
pagamentos global, a depender do nível das sanções. Foi o que aconteceu com a
Rússia, por exemplo, após a invasão da Ucrânia. Ou o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, enquadrado na Lei Magnitsky, de
violações de direitos humanos e práticas de corrupção, em meio a uma disputa
política com os Estados Unidos. "As tarifas foram um choque adicional
que se se somam ao congelamento dos ativos russos e da exclusão de alguns
bancos russos da parcela do dólar do sistema financeiro internacional",
diz McCauley. Segundo o pesquisador da Universidade de Boston, essas práticas
podem estar encorajando alguns atores a tentar contornar o dólar para evitar,
eventualmente, serem colocados em uma situação semelhante.
Os
títulos do Tesouro americano ocupam há décadas "a base da pirâmide da
estrutura das finanças internacionais" como os ativos mais seguros, afirma
o especialista. Mas quando detentores importantes, como bancos ou investidores
russos, passam a ter seus ativos congelados, essa ideia fica ameaçada. "A
presunção é que os títulos do Tesouro dos EUA são o lugar certo para se
recorrer quando as coisas ficam difíceis", diz McCauley. "Mas o fato
de que o ativo de refúgio pode repentinamente se tornar ativo nenhum para um
grande detentor é um choque. Faz os investidores pensarem melhor." Outro
ponto levantado é o aumento dos déficits fiscais dos países desenvolvidos nos
últimos anos. No caso dos Estados Unidos, o país terminou 2024 com US$ 35,46
trilhões em dívida federal, uma quantia que equivale a 123% do seu PIB, de
acordo com o Tesouro americano.
Segundo
Luis Oganes, há um temor entre investidores de que, no futuro, possa haver
pressão sobre a moeda para que ela se desvalorize, a fim de reduzir ou liquidar
os déficits comerciais — para alguns economistas, isso tornaria as exportações
americanas mais competitivas, porque ficam mais baratas para os compradores
estrangeiros. "Há uma sensação de que há necessidade de diversificar as
moedas, especialmente em países de mercados emergentes. No passado, vimos
países encontrarem dificuldades quando sua relação dívida/PIB aumentou muito, o
que poderia eventualmente levar à pressão sobre suas moedas para se depreciarem
a fim de reduzir ou liquidar o ônus da dívida", diz Oganes. "Isso
está se combinando com razões geopolíticas para fazer os investidores de longo
prazo questionarem a sensatez de manter a alocação ao dólar ou se deve haver
uma mudança estrutural ou uma maior diversificação." O pesquisador do
J.P.Morgan afirma ainda que há a expectativa de que o Fed anuncie novos cortes
nas taxas de juros nos próximos meses, o que pode reduzir o apelo do dólar para
os investidores.
Com
juros menores nos EUA, os rendimentos de títulos americanos caem, e os
investidores podem buscar países com juros maiores, o que aumenta a oferta de
dólar no mercado e faz seu valor cair. O Fed normalmente reduz a taxa de juros
quando a economia está em dificuldades e a aumenta se o ritmo de alta dos
preços começar a acelerar demais. As autoridades do banco central americano há
muito tempo indicam que esperam reduzi-las em algum momento deste ano, seguindo
os passos de outros bancos centrais, incluindo o do Reino Unido. Mas eles têm
adiado a redução por muito mais tempo do que o previsto, preocupados com o
impacto das tarifas e outras novas políticas do governo Trump, incluindo cortes
de impostos, na economia. Há ainda cada vez mais setores acusando o presidente
americano de interferência no banco central americano, algo que também pode
afastar investidores.
O
presidente americano chegou a ameaçar demitir o chefe do Fed, Jerome Powell
embora tenha dito recentemente que não considerava mais tal medida necessária. Nesta
semana, Trump anunciou que demitiria Lisa Cook, uma das diretoras do Fed e
membro do comitê de 12 membros responsável por definir as taxas de juros nos
EUA. Ele a acusa de fraude em um contrato imobiliário pessoal. Cook, que tem
mandato previsto para durar até 2038, contesta a ordem de Trump, dizendo que
ele não tem autoridade para isso, e se nega a pedir demissão. Seu advogado
anunciou na terça-feira (26/08) um processo na Justiça contra a ordem do
republicano, indicando uma longa disputa judicial sobre a questão. Trump também
atacou o Fed por demorar muito para cortar as taxas de juros, afirmando que a
medida ajudaria o governo a economizar dinheiro no pagamento da dívida pública
e impulsionariam o mercado imobiliário. O presidente minimizou ainda nos
últimos meses as preocupações de que suas tarifas pudessem elevar os preços ou
prejudicar o crescimento do país.
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Brics e desdolarização
Há
ainda quem considere que a desconfiança em relação ao dólar data de antes da
maior parte das sanções ou do tarifaço e suas consequências.
"Começa
nos anos de 2008 e 2009, quando uma crise financeira tem origem no
mercado americano e leva a economia internacional a uma pequena recessão e, desde então,
os países desenvolvidos a uma certa estagnação econômica", aponta Fernanda
Brandão, do Mackenzie.
"Essa
crise é simbólica e importante porque apontou ou mostrou as vulnerabilidades em
se depender do dólar como a moeda global."
Segundo
Brandão, depois desse momento, o mundo passou a ter mais clareza sobre o fato
de que qualquer perturbação na economia americana que altere as políticas
monetárias colocadas em práticas pelo Fed e pela Casa Branca pode gerar
"consequências que vão afetar outras economias".
E,
segundo a especialista, é a partir daí que surgem os primeiros movimentos
políticos encabeçados por nações em desenvolvimento em prol da desdolarização.
Atualmente, o bloco Brics é visto como a
principal força dessa corrente. O grupo era até pouco tempo formado por
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas se expandiu com a entrada de
10 novos membros desde 2024.
Para
Fernanda Brandão, o fato de muitos países emergentes terem sofrido as
consequências da crise financeira de 2008, apesar da crise ter começado nos
EUA, fez com que o Brics adotasse uma política de desdolarização desde sua
criação.
"A
partir dali ficou muito claro que existe uma vulnerabilidade causada pela
dependência em relação ao dólar", diz Brandão.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou seus desejos de desdolarização
do comércio global durante a última cúpula do Brics, em julho no Rio de
Janeiro.
"Acho
que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não
precise passar pelo dólar. Quando for com os EUA, ela passa pelo dólar. Quando
for com a Argentina ou China, não precisa. Ninguém determinou que o dólar é a
moeda padrão. Em que fórum foi determinado?', disse Lula.
Na
ocasião, o presidente brasileiro afirmou ainda que a substituição de dólar no
comércio internacional é "uma coisa que não tem volta, vai acontecer até
que seja consolidada".
O Brics
já ampliou o uso das moedas nacionais de seus membros no comércio interno, em
especial da chinesa. E a Rússia vem impulsionando o estabelecimento de uma
plataforma digital própria para pagamentos, em uma tentativa de minimizar os
impactos das sanções internacionais.
O bloco
também discute a criação de uma moeda própria. Nada oficial foi anunciado até
agora, mas as tratativas já foram vistas como uma ameaça pelo governo
americano.
Trump
já afirmou que o grupo é "um ataque ao dólar" e usou a participação
da Índia no bloco como um agravante para a imposição de tarifas mais altas às
exportações do país no Estados Unidos.
"Eles
têm o Brics, que é basicamente um grupo de países que são anti-Estados
Unidos", disse o presidente americano no final de julho. "É um ataque
ao dólar, e não vamos deixar ninguém atacar o dólar."
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Qual o plano de Trump?
Dentro
do governo Trump, parece haver perspectivas conflitantes e por vezes
contraditórias sobre o que o domínio do dólar significa para os interesses
políticos dos EUA, dizem analistas.
Por um
lado, com suas declarações sobre os Brics e alternativas de pagamentos globais,
Trump trata o papel internacional da moeda como um símbolo do nacionalismo
americano e de sua estratégia de "America first" (América em primeiro
lugar, em português).
Uma lei
aprovada em julho nos Estados Unidos, que regulamenta as
"stablecoins" com valor fixo em relação ao dólar, parece servir esse
plano.
Essas
criptomoedas são projetadas para manter paridade com o valor do dólar e
oferecer mais estabilidade dentro do ecossistema cripto. Por isso, dizem alguns
economistas, elas podem ampliar ainda mais a preponderância da moeda americana
no sistema financeiro mundial.
Por
outro lado, com sua política tarifária, Trump arrisca minar o domínio do dólar,
segundo Fernanda Brandão, do Mackenzie.
Especula-se
na imprensa e no mercado que esse pode ser exatamente seu objetivo, seguindo
uma corrente dentro da Casa Branca que prega que a força da moeda americana
pode estar impedindo o avanço da indústria americana, como aponta em um artigo
recente o centro de estudos de relações internacionais Atlantic Council.
Essa
ideia é defendida principalmente por Stephen Miran, ex-presidente do Conselho
de Assessores Econômicos do governo americano que foi recentemente nomeado por
Trump para o Conselho de Governadores do Fed.
Em um
artigo publicado em 2024, Miran afirma que por conta de sua posição como
reserva mundial, o dólar "está persistentemente supervalorizado",
levando a desequilíbrios comerciais e prejudicando os próprios cidadãos dos
EUA.
A
demanda global por dólares, segundo este argumento, aumenta seu valor,
encarecendo os produtos fabricados nos EUA — o que, por sua vez, gera déficits
comerciais persistentes, e incentiva os fabricantes americanos a transferir a
produção para o exterior, destruindo empregos locais.
Outros
assessores de Trump também já defenderam a ideia de que um enfraquecimento do
dólar poderia tornar as exportações americanas mais competitivas no mercado
internacional, uma vez que ficam mais baratas para os compradores estrangeiros.
Ao mesmo tempo, os produtos importados que entram nos EUA aumentariam de preço.
"Trump
não quer um dólar forte porque isso aumenta as importações", afirmou
Gabriela Siller, diretora de análise econômica do grupo financeiro BASE, com
sede no México, em junho à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da
BBC.
Uma
teoria é que Trump tem um plano com vários de seus principais conselheiros — o
chamado "Acordo Mar-a-Lago", que teria sido proposto por Miran, com o
objetivo final de obrigar os parceiros comerciais dos EUA a desvalorizar o
dólar americano no mercado internacional, aponta Anthony Zurcher,
correspondente da BBC na América do Norte.
Tal
medida tornaria as exportações americanas mais acessíveis aos mercados
estrangeiros e diminuiria o valor das grandes reservas de moeda americana da
China.
Mas
ideias defendidas por Miran e outros assessores de Trump não são bem aceitas
por uma parcela dos economistas.
"O
plano de Miran, por mais astuto que pareça, se baseia em um diagnóstico
equivocado", escreveu Kenneth Rogoff, professor de economia e políticas
públicas da Universidade de Harvard, nos EUA, e ex-economista-chefe do Fundo
Monetário Internacional (FMI).
Embora
a função do dólar como principal moeda de reserva do mundo tenha um papel
importante, o economista observa que "este é apenas um dos muitos fatores
que contribuem para os persistentes déficits comerciais dos EUA".
E, se o
déficit comercial tem várias causas, "a ideia de que as tarifas podem ser
uma panaceia é, na melhor das hipóteses, duvidosa", acrescenta.
É
importante ressaltar que, a rigor, o presidente não controla diretamente o
valor do dólar em relação a outras moedas porque a taxa de câmbio flutua
livremente.
Washington
não pode intervir diretamente para fazer a moeda subir ou descer, já que seu
valor é determinado por um vasto mercado global de divisas, e são os grandes
investidores que compram ou vendem dólares de acordo com suas expectativas.
No
entanto, a política econômica do governo dos EUA envia sinais ao mercado, e
isso influencia a evolução do valor do dólar e outros fatores importantes, como
as taxas de juros.
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Dólar ainda 'é rei'
Mas os
últimos acontecimentos não são um sinal do fim da hegemonia da moeda americana
na visão de parte dos analistas.
Para
alguns dos especialistas consultados pela BBC News Brasil, o início do fim do
dólar ainda não chegou. "A afirmação de que estamos vivendo o começo do
fim do dólar é prematura", diz Robert McCauley, da Universidade de Boston.
Apesar
de uma retração em alguns setores, a moeda ainda impera quando falamos de
transações em comércio internacional. E segundo a grande maioria dos analistas,
não há no momento nenhuma outra capaz de substituí-la.
"A
dolarização provavelmente continuará, mas o que vai limitá-la, a velocidade com
que ela pode se desenvolver, é o fato de que 'para onde ir em vez disso',
certo? Não há muitas outras moedas líquidas ou países nos quais você pode
investir facilmente ou com um mercado de liquidez profunda", afirma Luis
Oganes.
Mesmo a
moeda chinesa, que tem crescido e sendo usada por muitos bancos centrais para
reservas, não tem ainda força suficiente ainda para substituir o dólar, segundo
os especialistas.
Além
disso, os depósitos bancários em dólar americano cresceram em muitos países
emergentes na última década, indicando uma tendência de busca pela moeda
americana em momentos de estresse econômico.
Há
ainda quem argumente que mesmo países como Rússia e China, que promovem a
discussão sobre a desdolarização, tem dificuldade de se desvincular totalmente
do dólar americano.
"Me
impressiona o quão lenta a desdolarização foi na Rússia, apesar da clara
intenção do governo de reduzir sua exposição ao dólar americano", diz
Robert McCauley.
"Acredito
que isso se deve ao fato de o setor privado não ser facilmente persuadido a
abandonar o uso do dólar como forma de empréstimo e transação, mesmo em
detrimento da moeda nacional."
O
especialista afirma ainda que a China não tem usado todo o potencial de seus
empréstimos ou projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento em meio
à Iniciativa Cinturão e Rota para impulsionar alternativas à moeda americana.
"As
autoridades chinesas parecem estar satisfeitas em conceder empréstimos pelo
Banco de Exportação-Importação da China [China Eximbank] e pelo Banco de
Desenvolvimento da China (CDB) a países africanos e asiáticos em dólar",
diz McCauley. "Há uma excelente oportunidade para desdolarizar as contas
externas da China, mas que não tem sido aproveitada."
Fonte:
BBC News Mundo

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