sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Estradiol pode ser o antídoto que ativa a memória na menopausa

Muitas mulheres, que passam pela menopausa, queixam-se de falhas e até perda de memória. Pesquisas científicas mostram que a queda na produção de estradiol, durante este período, influencia na cognição, mas é preciso aprofundar algumas análises para verificar exatamente como são esses impactos. Porém, cientistas se dizem convencidos de que o uso adequado do hormônio em doses específicas independentemente da forma — se via oral ou com aplicação na pele — melhoram a qualidade de vida feminina nesse período.

Com longa experiência clínica, a médica ginecologista Márcia Maria Holanda Rodrigues Vasconcelos, do Hospital Maternidade Brasília, da Rede Américas, ressaltou que vários estudos advertem sobre o desconforto cognitivo que várias mulheres vivem no período da menopausa. "Essa diminuição da produção estrogênica é que leva a uma diminuição, a queda da função cerebral, tendo em vista que é justamente o estrogênio que atua nessa formação neural, na formação de sinapse. E aí com essa diminuição da função cerebral é que vem o quadro que a gente chama de névoa mental, caracterizado pela diminuição da memória, concentração ruim, humor desequilibrado, alteração de distúrbios alimentares também secundárias a essa hipofunção cerebral."

Publicado na revista médica Neurology, esse estudo especificamente constatou que, em comparação com pessoas que não tomam hormônios, aquelas que usam adesivos ou géis hormonais apresentam melhor memória episódica, a capacidade de recordar experiências passadas, e aquelas que tomam pílulas hormonais apresentam melhor memória prospectiva, a capacidade de se lembrar de tarefas futuras.

Mulheres que usaram estradiol transdérmico tiveram melhores resultados em testes de memória episódica — como lembrar de eventos passados — em comparação com aqueles que nunca usaram terapia hormonal. Jás que tomaram pílulas de estradiol tiveram melhores resultados em testes de memória prospectiva — como lembrar de marcar um compromisso ou tomar um medicamento — em comparação com aqueles que nunca usaram terapia hormonal.

<><> Mais testes

O estudo encontrou associações, mas não provou que a terapia hormonal causa alterações na memória. "A terapia hormonal é frequentemente considerada como auxiliar no controle dos sintomas da menopausa, mas decidir se deve ou não usá-la — e qual tipo usar — pode ser uma decisão complexa e pessoal", disse a autora do estudo, Liisa AM Galea, do Centro de Dependência e Saúde Mental em Toronto, Canadá.

Galea explicou que esse estudo mostra que o tipo de terapia com estradiol utilizada pode influenciar o desempenho cognitivo de forma diferente em distintos aspectos da memória. A pesquisa analisou 7.251 — mulheres saudáveis, cuja idade média era de 61 anos, e sem queixas embora na pós-menopausa. Foram utilizados dados do Estudo Longitudinal Canadense do Envelhecimento.

Para os testes, foram feitos diferentes tipos de exames para verificação de habilidades de memória e raciocínio, detalhando lembranças de palavras e eventos. Outra análise foi realizada para observar a memória prospectiva , como agendamentos de compromissos, além de resolução de problemas.

<><> Distinção

No grupo de 7.251 observadas, 4% usava estradiol transdérmico na forma de adesivos ou géis aplicados na pele ou anéis vaginais, cremes ou comprimidos, e 2% tomando pílulas. Já 94% das participantes não usavam terapia hormonal. "Nossas descobertas sugerem que o tipo de terapia com estradiol importa, com diferentes formas associadas a diferentes tipos de memória", disse Galea. "Embora não possamos afirmar que a terapia hormonal causa esses efeitos, ela contribui para a discussão sobre a melhor forma de promover a saúde cerebral após a menopausa."

Uma limitação do estudo foi que a maioria dos participantes era branca e tinha renda mais alta, o que significa que os resultados podem não ser os mesmos para pessoas de outras origens raciais, étnicas ou socioeconômicas. Os dados também não examinaram como a dosagem, a duração ou o momento da terapia hormonal influenciam a cognição.

Porém, a ginecologista Márcia Vasconcelos ressalta o que a experiência tem mostrado: mulheres que fazem uso de tratamento hormonal da menopausa, observam melhora dos fogajos e na qualidade de sono, "consequentemente existe uma melhora cognitiva, uma melhora de memória, uma melhora do humor, uma estabilização do humor".

A médica reitera que há medidas paralelas que contribuem para a qualidade de vida feminina. "A prática de atividade física, manter uma constância semanal de prática de atividade treino de força e exercícios aeróbicos. Esse tipo de atividade leva um aumento da circulação cerebral e consequentemente a uma melhora da função cognitiva e de memória", disse.

Segundo a ginecologista, é importante "malhar" o cérebro: desenvolver atividades de memória, como montagem de quebra-cabeça, jogo da memória ou aquisição de novas habilidades. "Esse tipo de atividade leva a neuroplasticidade cerebral, que é a formação de novas conexões neurais. E novas sinapses. E, por último, não menos importante, manter uma boa qualidade de sono, pois é por meio de uma boa qualidade de sono que a gente consegue fazer a higiene mental, que é a eliminação das toxinas cerebrais."

>>> Duas perguntas para Bruna Heinen, médica ginecologista e endocrinologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília

<><> Como acontece esse processo no organismo feminino, durante a menopausa, que acaba afetando a atividade cerebral?

A menopausa é marcada por uma redução natural na produção de estrogênio pelos ovários, é sabido que esse hormônio tem papel no tecido cerebral, mas o impacto real da menopausa nas funções cognitivas e na memória ainda é bastante incerto. Vários estudos foram realizados até o momento para avaliar esse impacto, entre eles o SWAN (SWAN Study: Menopause and Midlife Healt), um estudo longitudinal realizado no EUA com um número grande de mulheres, observando ao longo dos anos os impactos do climatério e da menopausa em vários aspectos da vida das mulheres. Esse estudo mostrou uma redução transitória na memória e na cognição (medidos por testes cognitivos) durante o período do climatério e menopausa inicial. Portanto, apesar de ser uma queixa comum da menopausa, não se sabe ao certo se essas alterações são relacionadas apenas a redução do estrogênio, se tem relação com outros sintomas da menopausa (fogachos, mudanças de humor, distúrbios do sono) ou o avançar da idade cronológica.

<><> A senhora defende a terapia hormonal como solução para essas queixas?

A terapia hormonal não deve ser indicada apenas para melhora da memória e cognição em mulheres no climatério. Mas mulheres que têm outras indicações de uso da terapia hormonal (fogachos, alterações de humor, distúrbios de sono, alterações ósseas) e estão na janela de oportunidade de uso (os primeiros 10 anos da menopausa), a reposição pode ter algum benefício na memória. Importante lembrarmos que os estudos até o momento ainda são muito controversos sobre o real efeito da TH na memória e na cognição e essa informação deve ser repassada para as pacientes de forma clara. É importante na consulta de uma mulher com queixa de falhas de memória entender o contexto, avaliando se ela se beneficiaria de uma consulta com neurologista para avaliar mais a fundo essa falha de memória e se a terapia de reposição hormonal seria uma boa indicação. 

>>> Avaliação ampla e com respeito

A menopausa marca uma queda significativa dos níveis de estrogênio, hormônio que tem papel fundamental na modulação de neurotransmissores e na plasticidade sináptica em áreas como hipocampo e córtex pré-frontal. Essa redução pode impactar circuitos cerebrais ligados à memória e à atenção, levando a queixas frequentes de lapsos de memória, dificuldade de concentração e menor velocidade de raciocínio. Para o tratamento, faço uma avaliação ampla para excluir causas comuns e reversíveis, como distúrbios do sono, depressão, ansiedade, alterações da tireoide ou deficiência de vitamina B12. Em seguida, analiso a possibilidade de terapia hormonal, sempre considerando critérios de segurança e perfil clínico da paciente. Recomendo, ainda, medidas não farmacológicas que comprovadamente ajudam na saúde cerebral, como prática regular de atividade física, alimentação balanceada, estímulo cognitivo e controle rigoroso de fatores de risco cardiovascular.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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