Renda
Básica: o que Maricá e Niterói nos ensinam?
Duas
cidades do Estado do Rio sediam esta semana o 24º Congresso BIEN
Renda Básica e Economia Solidária: Novos Horizontes para a Proteção Social. Maricá e Niterói
foram escolhidas pelas suas experiências únicas de transferências de renda
pagas por meio de suas moedas sociais. Os programas fazem parte de uma
estratégia de desenvolvimento local que tem sido adotada por outras cidades do
estado, atraindo atenção a nível internacional de entusiastas da Renda Básica
Universal.
Fiz
parte da equipe de pesquisa internacional que analisou o programa de Maricá e
relato aqui alguns de seus resultados.
Maricá
faz parte da região metropolitana do Rio de Janeiro. Devido à proximidade com
cidades mais populosas, muitos de seus habitantes trabalham nas cidades
vizinhas. Em 2013, a Prefeitura queria criar um programa de transferência de
renda para movimentar a economia local. Porém, temia que o dinheiro do
benefício pudesse acabar sendo gasto fora do território. A solução encontrada
foi a criação da moeda Mumbuca, que só pode ser utilizada em comércios
credenciados do município.
Durante
a pandemia de Covid-19, quando se intensificou a vulnerabilidade econômica, a
prefeitura de Niterói, vizinha de Maricá, criou um programa emergencial de
transferência de renda. O benefício era pago aos estudantes da rede pública e
certas categorias profissionais. Após alguns meses, foi decidido que o programa
passaria a ser permanente e passaria a ser pago na moeda Arariboia, com o mesmo
intuito de manter a renda dentro do município.
Atualmente,
Maricá paga a Renda Básica de Cidadania para 71 mil pessoas. Cada indivíduo
recebe 230 mumbucas, equivalente a R$ 230, que podem ser gastos em mais de 10
mil estabelecimentos comerciais. Em Niterói, o programa beneficia 45 mil
famílias com no mínimo 308 arariboias (equivalente a R$ 308 reais) por
domicílio, com 112 adicionais por pessoa.
Existem 182 moedas sociais
comunitárias no Brasil. Países como Alemanha, Estados Unidos, Suécia e Japão
também contam com moedas sociais. Diferente das experiências internacionais, as
cidades fluminenses são as únicas a utilizá-las no pagamento de programas de
transferência de renda municipais, fortalecendo seu uso com o apoio
institucional.
A
discussão sobre a Renda Básica Universal costuma ser pautada como uma das
soluções para um futuro com menos empregos, ou ainda associada com experimentos
temporários de garantia de renda para poucas centenas de pessoas. O acadêmico
mais reconhecido da área, Philippe Van Parijs (que está no Brasil para o
congresso!), defende em livros e entrevistas que a Renda
Básica Universal ideal deveria beneficiar a todos os habitantes, não ter
condicionalidades, e ser paga em dinheiro para assegurar liberdade de uso.
O
Brasil se destaca pela tentativa de tornar a ideia mais concreta. Foi o
primeiro país a instituir a Renda Básica de Cidadania, através da lei nº
10.835/04, de autoria do Senador Suplicy. Os programas de Maricá e Niterói não
tem condicionalidades, são pagos na moeda local com liberdade de uso, e
beneficiam maior proporção da população local em relação a programas
comparáveis. A Renda Básica de Maricá beneficia cerca de 35% dos habitantes,
enquanto o Bolsa Família beneficia 20%. Em Niterói, a moeda Arariboia alcança
45 mil famílias, número três vezes maior que o das 15 mil contempladas pelo
programa federal.
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Pesquisas mostram resultados positivos e potencial futuro
De 2020
a 2024, fiz parte da equipe de avaliação do programa de Maricá, em uma parceria
entre a Universidade Federal Fluminense e o Jain Family Institute, instituto de
pesquisa estadunidense. Um estudo que integra a pesquisa identificou que famílias
chefiadas por mulheres e aquelas com crianças foram as mais beneficiadas, mesmo
que o programa seja direcionado para todo o público do Cadastro Único de
políticas sociais.
As
transferências resultaram em acréscimo da renda dos beneficiários, com parte
significativa direcionada ao consumo. Há impactos positivos na educação e na
saúde de jovens e crianças beneficiadas, com aumento das consultas médicas
realizadas. É interessante notar que esses resultados foram obtidos mesmo sem o
programa exigir qualquer condicionalidade comportamental. A segurança do
acréscimo de renda pode ter melhorado o bem-estar geral das famílias
beneficiadas, o que contribuiu para manter a regularidade escolar e os cuidados
com a saúde.
Críticas
frequentes apontam que transferências de renda gerariam preguiça e estimulariam
o desemprego, como argumentado por um empresário
crítico do Bolsa Família recentemente. Mas todas as evidências apontam na direção
contrária, a Renda Básica de Cidadania em Maricá teve papel central para que o
município criasse mais empregos formais do que
outras cidades comparáveis.
O
resultado do pagamento das transferências de renda não ficou restrito aos
beneficiários, tendo impactos no desenvolvimento econômico local. A renda
adicional dos beneficiários é gasta no comércio da cidade, aumentando o
faturamento, e contribuindo para induzir ciclo econômico positivo com expansões
e contratações.
O acréscimo de renda das famílias beneficiadas pela Renda
Básica não causou redução significativa nas horas trabalhadas. Simultaneamente, os
autores observam que a renda obtida no mercado de trabalho diminuiu. Isso pode
ser um reflexo de maior liberdade na escolha por ofícios mais desejáveis,
embora menos remunerados. Por exemplo, com a segurança econômica assegurada pela
renda do benefício, uma mãe solo tem maiores possibilidade de sair de um
emprego precarizado em escala 6×1 para ganhar renda em um ofício mais flexível.
Os
resultados da Renda Básica de Cidadania de Maricá inspiraram outras cidades a
criarem seus próprios programas de transferência de renda pagos em moeda
social. Além de Maricá e Niterói, ao menos outras seis cidades do estado do Rio
de Janeiro seguiram esse caminho: Cabo Frio, Campos dos Goytacazes, Iguaba
Grande, Itaboraí, Macaé e Saquarema. Embora todos paguem transferência de renda
em moedas sociais, cada município teve escolhas próprias quanto aos valores
pagos e o número de habitantes que seriam beneficiados.
Em artigo que sou coautor
analisamos as características dos programas e os resultados de circulação da
moeda no território, concluindo que os programas que beneficiam mais habitantes
(como no caso de Maricá e Niterói) tendem a ter maior aceitação no comércio e
na cidade, sendo mais efetivos para promover o desenvolvimento local do que os
outros mais focalizados.
Sugerimos
a adoção de medidas para estimular a circulação da moeda em
maior intensidade nos territórios e potencializar os impactos. Um
mecanismo de cashback para compras na moeda local poderia
incentivar mais habitantes a usarem. Estimular o uso em comércios de menor
porte com descontos na moeda local também seria positivo, pela tendência dos
empreendimentos de comprar seus produtos na cidade com a moeda, mantendo a
renda circulando no território por mais tempo. Também acreditamos ser
importante que todos os municípios criem uma instituição gestora para lidar com
as demandas cotidianas da moeda e planejar a circulação no longo prazo.
Transferências
em moeda social melhoram a vida dos beneficiários em múltiplas frentes e
dinamizam o desenvolvimento local. Os resultados sugerem que os programas
funcionam tanto para fomentar o crescimento quanto para reduzir a pobreza
simultaneamente, o que abre um caminho promissor para que outros municípios se
inspirem no exemplo das cidades fluminenses.
Fonte: Por
Fernando Freitas, no The Conversation Brasil

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