Desmatamento
tropical causa cerca de 28 mil mortes anuais por calor
Publicado
na revista científica Nature Climate Change (27/8), um estudo internacional
avaliou o impacto do desmatamento de florestas tropicais sobre a saúde humana.
A pesquisa utilizou, de forma inédita, uma escala pantropical, que inclui todas
as regiões tropicais do mundo: nas Américas, na África e na Ásia. Apesar das
variações regionais, os resultados apontaram que em todas as regiões tropicais
há uma ligação direta entre perda de floresta, aumento de temperatura local e
elevação de mortalidade: ao todo, são aproximadamente 28 mil mortes por ano. E
a pesquisa alerta: quase todas essas mortes são evitáveis.
Liderada
pelo Instituto de Ciência do Clima e Atmosfera da Universidade de Leeds (Reino
Unido), em colaboração com a Fiocruz e a Universidade Kwame Nkrumah de Ciência
e Tecnologia (Gana), a investigação indica que, em quase 20 anos (entre 2001 e
2020), 345 milhões de pessoas foram expostas ao aquecimento local resultante do
desmatamento em regiões tropicais. Em média, essas populações experimentaram um
aumento de 0,27 °C na temperatura da superfície terrestre durante o dia.
Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, esse valor pode parecer
modesto, mas tem efeitos diretos sobre a mortalidade.
As
consequências se concentram especialmente no Sudeste Asiático, onde foram
estimadas entre 8 e 11 mortes por 100 mil habitantes expostos em áreas
desmatadas. África e Américas tropicais também apresentam números
significativos. Em algumas regiões, o desmatamento foi responsável por mais de
um terço de mortes relacionadas ao calor atribuída às mudanças climáticas,
reforçando o papel decisivo dessa prática na carga de mortalidade e nos riscos
à saúde pública.
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A floresta cai, a temperatura sobe e as doenças se espalham
A perda
de cobertura florestal no período analisado foi de cerca de 1,6 milhão de km²,
sendo 760 mil km² nas Américas Central e do Sul tropical, 490 mil km² no
Sudeste Asiático e 340 mil km² na África. Esse desmatamento coincidiu com
aumentos significativos de temperatura. Regiões que mantiveram cobertura
florestal preservada apresentaram aquecimento médio de +0,20 °C, enquanto áreas
desmatadas chegaram a aquecer +0,70 °C — mais de três vezes acima da média.
Entre as áreas de 1 km² que registraram os maiores aumentos de temperatura
(acima de quatro desvios padrão da média), 60% sofreram desmatamento no período
analisado.
Os
autores destacam que o aquecimento induzido pelo desmatamento reduz a
produtividade laboral e expõe milhões de pessoas a condições perigosas de
trabalho ao ar livre. Estima-se que, apenas entre 2003 e 2018, 2,8 milhões de
trabalhadores tropicais foram expostos a níveis de calor que ultrapassam os
limites térmicos seguros para o trabalho ao ar livre. Além do desempenho físico
e cognitivo comprometido, a exposição ao calor extremo está ligada a doenças
cardiovasculares e aumento de mortalidade por causas diversas.
Esses
efeitos são ainda mais graves em países de baixa renda, onde o acesso a
tecnologias adaptativas como ar-condicionado é limitado. A população mais
pobre, frequentemente vivendo em regiões tropicais, enfrenta dupla
vulnerabilidade: aos efeitos diretos do calor e à precariedade dos sistemas de
saúde e infraestrutura para redução dos impactos.
“Além
da regulação climática, os serviços ecossistêmicos florestais são essenciais
para o bem viver e a qualidade de vida das populações locais. Assim, a redução
do desmatamento também é uma questão de saúde pública, pois evitamos mortes por
calor e garantimos condições climáticas mais favoráveis para populações em
situação de vulnerabilidade que dependem diretamente desses ecossistemas”,
destaca a pesquisadora da Fiocruz Piauí, Beatriz Oliveira, coautora do estudo.
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Aquecimento desproporcional nas áreas desmatadas
O
estudo revelou que o aquecimento nas áreas tropicais desmatadas entre 2001 e
2020 foi significativamente maior do que em regiões que mantiveram a cobertura
florestal. Em termos regionais, o aumento médio da temperatura nas áreas
desmatadas foi de +0,73 °C nas Américas Central e do Sul tropical, +0,75 °C na
África tropical e +0,61 °C no Sudeste Asiático — valores de duas a nove vezes
superiores aos observados em áreas preservadas.
Esse
aquecimento foi estimado com base em dados de temperatura da superfície
terrestre, obtidos via satélite, já que dados de temperatura do ar com alta
resolução espacial não estão disponíveis para os trópicos. A equipe comparou
esses dados com as estimativas do modelo climático ERA5, do Centro Europeu de
Previsões Meteorológicas, e identificou uma diferença inferior a 2%, reforçando
a robustez da metodologia utilizada. Para isolar o efeito direto do
desmatamento, os pesquisadores compararam a temperatura em áreas desmatadas com
áreas vizinhas que permaneceram florestadas. O resultado foi um aquecimento
médio de +0,45 °C exclusivamente atribuído ao desmatamento, com destaque para
as Américas Central e do Sul tropical (+0,53 °C), seguida da África tropical
(+0,39 °C) e do Sudeste Asiático (+0,37 °C).
As
regiões com maior aquecimento coincidem com as áreas de maior perda florestal:
o Arco do Desmatamento no Sul da Amazônia, Sumatra e Bornéu, na Indonésia,
Guatemala e Nicarágua na América Central, Gana, Nigéria e Costa do Marfim, na
África Ocidental, além de Camboja, Vietnã e Uganda.
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Quem mais sofre com o calor?
O
impacto humano é massivo. Dos mais de 3,5 bilhões de habitantes da zona
tropical, 452 milhões vivem em áreas que sofreram desmatamento entre 2001 e
2020. Estima-se que 345 milhões de pessoas foram expostas ao aquecimento
diretamente causado pelo desmatamento nesse período, incluindo 33 milhões
expostos a aumentos superiores a +1 °C; 8 milhões a aumentos superiores a +2 °C
e 2,6 milhões a aumentos superiores a +3 °C.
A
África tropical lidera em número de pessoas expostas (148 milhões), seguida
pelo Sudeste Asiático (122 milhões) e pelas Américas Central e do Sul tropical
(67 milhões). Embora a Amazônia sofra grandes perdas florestais, sua baixa
densidade populacional reduz a exposição relativa.
Em
termos de impacto na saúde, a consequência mais grave revelada pelo estudo é a
estimativa de 28.330 mortes não acidentais por ano atribuídas ao calor induzido
pelo desmatamento, com intervalo de confiança de 23.610 a 33.560 mortes anuais.
O Sudeste Asiático lidera esse impacto com 15.680 mortes por ano, impulsionado
principalmente pela vulnerabilidade da população da indonésia ao calor. A
África tropical, embora com maior número de pessoas expostas e taxas de
mortalidade geral mais altas, apresenta menor vulnerabilidade térmica,
totalizando 9.890 mortes por ano. As Américas Central e do Sul tropical, com
forte aquecimento, mas menor densidade populacional nas áreas afetadas, somam
2.520 mortes anuais.
Fonte:
Regina Castro e Rhyan de Meira, na Agência Fiocruz de Notícias

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