segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Turismo literário é uma forma de vivenciar a paixão pelos livros de maneira autêntica

O turismo literário é uma modalidade cultural que permite ao viajante explorar locais diretamente relacionados a obras de ficção, seus personagens e a vida dos autores. Esse tipo de experiência oferece uma conexão única entre a literatura e os cenários que inspiraram narrativas memoráveis, transportando os visitantes para os universos criados pelos escritores.

Conforme Adriana Santos Brito, doutoranda em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, mais do que um simples passeio, o turismo literário é uma forma de vivenciar a literatura de maneira autêntica. Cidades e paisagens retratadas em romances ganham novos significados para os viajantes, que podem mergulhar nas histórias enquanto exploram os cenários que moldaram a criatividade dos autores. Além disso, ela destaca que essa modalidade é considerada uma ferramenta metodológica que potencializa o turismo cultural ao transformar obras literárias em atrativos turísticos.

Turismo brasileiro

Conforme a pesquisadora, no Brasil o turismo literário está ganhando força. O Rio de Janeiro, por exemplo, oferece roteiros que passam pela Casa de Machado de Assis, pela Biblioteca Nacional e pelo Centro Cultural Banco do Brasil. Em São Paulo, a Casa das Rosas se destaca como um espaço de preservação e celebração da literatura. Já em Minas Gerais, as cidades históricas de Ouro Preto e Mariana conectam os visitantes ao romantismo brasileiro, com suas paisagens inspiradoras e rica tradição literária.

A especialista destaca também os museus e casas de escritores brasileiros. “Você pode visitar o Museu Casa de Jorge Amado, localizado na cidade de Ilhéus, a Casa de Clarice Lispector, em Recife, a Casa Museu de Cora Coralina, em Goiás, e a Casa Museu de Guimarães Rosa, em Minas Gerais. Também não podemos esquecer dos eventos e festivais, como a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que é um dos maiores eventos literários do Brasil, reunindo autores e leitores em um ambiente cultural que vibra as histórias de ficção”, sugere.

No mundo

O turismo literário, porém, não se limita às fronteiras brasileiras. De acordo com Adriana, ao redor do mundo há destinos icônicos que atraem apaixonados pela literatura. Na França, cafés literários, a Casa de Victor Hugo e o Mont Saint-Michel encantam os visitantes. Nos Estados Unidos, Salem, em Massachusetts, destaca-se por suas associações com a literatura de terror e pelo legado do autor Nathaniel Hawthorne.

A pesquisadora afirma que, na Rússia, São Petersburgo é um destino imperdível para os fãs de Dostoiévski e Tolstói, cujas antigas residências hoje funcionam como museus. Já no Japão, Tóquio oferece uma imersão na obra de autores como Haruki Murakami e Yukio Mishima, conectando os leitores ao universo da literatura japonesa.

“Embora o turismo literário esteja em crescimento, ainda há desafios para compreender plenamente seu impacto cultural e educacional. Promover a valorização da literatura, educar os visitantes sobre a importância da história literária e fortalecer a conexão entre literatura e turismo são passos essenciais para consolidar essa modalidade como uma experiência enriquecedora para viajantes de todo o mundo”, enfatiza Adriana.

 

¨      O importante é que o livro permanece em nós, diz Josélia Aguiar

Joselia Aguiar é uma “soteropaulistana” convicta. Nascida em Salvador em 1978, há vinte anos ela adotou São Paulo como sua cidade, mas nem por isso deixa de apresentar um leve sotaque, principalmente quando se empolga, mesmo que a fala permaneça suave. E o que empolga Joselia? Livros, muitos livros.

Dona de uma biblioteca pessoal de cerca de 3 mil volumes, a jornalista formada pela Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia e mestre e doutoranda em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP passa seus dias rodeada por mais volumes ainda. Na verdade, cerca de 3,3 milhões de títulos cobrindo todas as áreas do conhecimento humano, entre incunábulos, gravuras, manuscritos e obras raras.

Explica-se: depois de ser curadora da prestigiada Flip por dois anos, desde fevereiro ela é a diretora da Biblioteca Mário de Andrade, a mais importante biblioteca pública do Estado. Mas a relação de Joselia com os livros é uma via com várias faixas, além daquela na qual ela trafega atualmente na biblioteca.

A primeira, mais direta, é a de leitora. “Sempre fui rata de biblioteca, desde a adolescência”, lembra Joselia. Estudei em um colégio religioso em Salvador chamado Santíssimo Sacramento. E muitos anos depois de sair de lá, quando ia visitar a escola, a freira que cuidava da biblioteca dizia que a minha ficha continuava sendo a mais longa, de tantos livros que havia lido. Ela comemorava isso”, diverte-se. Entre esses livros estavam daquele autor que ela mais tarde teria como objeto de estudo: Jorge Amado.

“Foi ali que comecei a ler Jorge Amado, por exemplo. Muitos livros dele eu li nessa biblioteca. Uma coisa engraçada é que uma outra freira, quando me viu certa vez no corredor com um livro dele, falou: “Você está lendo Jorge Amado? Mas ele é tão imoral…” A reprimenda religiosa não afetou a futura biógrafa do pai de Gabriela, Dona Flor e Tieta, e aí está uma outra faixa na qual Joselia Aguiar se movimenta bem: a de autora. 

Seu aplaudido livro Jorge Amado: Uma Biografia (Ed. Todavia), que já teve uma reimpressão e parte para a segunda edição, é fruto de muita pesquisa e interesse. “Queria fazer um trabalho quase científico, que mostrasse o lugar literário e político de Jorge no Brasil e no mundo, com um olhar de historiadora”. Conseguiu (leia a crítica do livro aqui).

Uma outra coisa que diverte Joselia sobre Jorge Amado é mais uma curiosidade, mas que ela não deixou de registrar. Trata-se de seu único encontro com o autor. “Muitos anos depois, o que me impressiona não é tanto o fato de Jorge Amado ter inesperadamente me dado esse livro no nosso único encontro, e sim o de ter escrito meu nome sem acento na dedicatória (acertou sem precisar me perguntar, e o mais natural seria o acento)”, lembrou ela em uma rede social a respeito do autógrafo dado em Bahia de Todos os Santos.” “Para Joselia, com um beijo”, escreveu Jorge.

Uma outra faceta de Joselia Aguiar é a razão de ter recebido o Jornal da USP em sua ampla e despojada sala na Biblioteca Mário de Andrade: o livro como objeto, sua importância histórica, cultural e social.

<><> Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

·         O estudioso da comunicação Marshall McLuhan, tão contestado quanto elogiado, afirmou que a prensa de tipos móveis foi a maior invenção da humanidade. Essa ideia ainda é válida? Você concorda com ela?

Joselia Aguiar – Fico um pouco angustiada em pensar em alguma coisa como a “maior de todas”. Mas com certeza foi uma das maiores invenções da humanidade. Eu colocaria três criações nessa categoria: o uso do fogo, a internet e a prensa.

·        Entre essas três criações, o livro — criado pela prensa — pode ser ameaçado tanto pelo fogo quanto pela internet? O fogo já consumiu muitos livros ao longo da história…

JOSELIA – Eu acho que isso não acontece, por mais que livros já tenham sido destruídos pelo fogo e correm o risco de continuar sendo e que na tecnologia você possa ter algum tipo de sabotagem. Hoje, o nosso maior problema são as fake news. Mas, ao mesmo tempo, com a tecnologia, a gente tem hoje acesso a bibliotecas do mundo inteiro, à comunicação com intelectuais dos mais diferentes países. E tudo isso em uma velocidade imensa. Acho que a gente conseguiu popularizar o conhecimento com a prensa, com a comunicação. A informação antes era fechada, guardada e mantida por eruditos, muitos deles em mosteiros. E com a prensa essa ordem foi subvertida e o conhecimento pode ser mais difundido na forma de livro. Para muitos, em um volume grande, com um baixo custo e que perdure. Eu diria que a internet potencializa essa popularização do conhecimento.

·        Por mais que essa discussão já esteja um tanto ou quanto passada, você acredita que a internet realmente possa acabar com o livro físico? Essa discussão ainda faz sentido?

Joselia – Acho que não. Todos os números mostram que houve uma estabilização na venda e produção de livros digitais, e até mesmo um recuo. Na verdade, eles são complementares. Muitas vezes eu compro livro digital pela praticidade em uma viagem, mas não deixo de comprar o livro físico. Causa até problema em casa pela quantidade de livros que tenho. Só do Jorge Amado ou relacionado a ele, por exemplo, por causa da pesquisa para a biografia, eu tenho uma parede inteira. Precisaria até doar parte dos livros que tenho. Mas não consigo, são coisas muito boas.

·        Dá dor no coração se desfazer de livros? Você é mais uma leitora voraz ou se considera uma bibliófila?

Joselia – Dá uma dorzinha, sim. E acho que sou a combinação das duas coisas, mas estou tentando deixar de ser bibliófila.

·        O bibliófilo José Mindlin dizia que a bibliofilia era uma “loucura mansa” e sem cura…

Joselia – Eu sei, não tem cura mesmo. Mas exige muito investimento, muita procura. Eu nunca tive aquela coisa de buscar apenas primeiras edições, por exemplo. Mas, por causa do Jorge Amado, muitas delas chegaram a mim por meio de colecionadores. E se tornaram muito valiosas para minha pesquisa. Mas não tenho a organização, o método, que caracteriza um bibliófilo. Na verdade, eu sou uma leitora que gosta muito de ter livros, que tem prazer em comprar livros. E que nunca teve resistência ao livro digital, à prática da leitura no digital. Ela só expande minha leitura, meu conhecimento. Mas são formas diferentes de ler.

·        Para você, qual é a principal diferença em ler nesses dois suportes? O estudioso inglês Holbroock Jackson falava nos “cinco sentidos “ da leitura. Isso se perde no digital, não é?

Joselia – Não sei se porque estou acostumada a ler no impresso, a leitura no digital não é a mesma coisa. A relação é outra. Inclusive há um consenso de que, na alfabetização e nas primeiras leituras, a criança deve aprender a ler primeiro no livro físico, sentindo esse livro, para só depois, se for o caso, passar para o livro digital. O contato com o livro físico é muito importante, até – ou principalmente – na formação do leitor. Tenho dois sobrinhos, um de 12 anos e outro de 7. Cada um tem seu IPad, mas eles gostam de ler no livro físico, eles têm uma relação especial com o livro em papel. Na minha experiência pessoal eu tenho encontrado pessoas de todas as idades que conseguem conciliar muito bem esses dois tipos de leitura.

·        Você acha que o segredo é justamente essa conciliação?

Joselia – Acho que sim. Você aproveita todas as facilidades que o livro digital pode oferecer, mas não perde a riqueza do livro físico. Porque, na verdade, o importante é ler, é ter acesso ao conhecimento. E, se possível, de maneira que não seja cara. A alfabetização nos Estados Unidos e Europa, por exemplo, se deu em grande escala no final do século 19 graças a edições baratas, coisa que demorou muito a acontecer no Brasil. Tivemos que vencer o preconceito com relação a edições mais populares, ao chamado livro de bolso. Hoje já temos várias opções de edição para um mesmo livro. Porque dentro de cada leitor há vários leitores – o leitor que quer uma edição mais luxuosa para colocar em sua biblioteca, mas que também pode comprar esse mesmo livro em formato de bolso para ler no avião, por exemplo. Ou tê-lo em um tablet.

·        Nossa história, nossa civilização, está ligada diretamente à história do livro?

Joselia – Sem dúvida. Podemos pensar em um mundo antes e depois do livro, principalmente em termos de cidadania. Com o passar do tempo, com as leituras feitas, com a aquisição de conhecimento, aumenta nossa consciência história e a criação de sentido, aumenta a participação das pessoas como cidadãs.

·        Nesse quadro, qual é o papel das bibliotecas? Elas devem ser um espaço multicultural?

Joselia – A Biblioteca Mário de Andrade, por exemplo, tem uma relação com a cidade, com a sociedade. As bibliotecas hoje são vistas, cada vez mais, como um grande espaço de convivência multicultural, de aceitação, com convívio, diálogo e cidadania. Um lugar de acolhimento de leitores os mais diversos, sem importar seu background cultural. E nessa convivência são exercitados o diálogo, o respeito à diferença e a tolerância. Quase como um antídoto a tudo o que estamos vendo hoje no mundo. E estamos unidos pelo gosto e pelo interesse pela leitura.

·        Mas a biblioteca pode ir além da leitura, além do livro? A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da USP, é espaço também para performances e concertos de música de câmara, apresentando outras formas de manifestação cultural para o público. No seu entender isso é válido?

JOSELIA – É válido, sim, mas temos que pensar inicialmente qual é a nossa finalidade e de que forma nós a atendemos. Se atendemos bem a essa finalidade, e podemos ir além, isso é ótimo. O que não pode acontecer é esquecermos da finalidade original da biblioteca e focarmos outras atividades artísticas que já têm seu espaço original para acontecer, atropelando as coisas. O meu pensamento, na Mário de Andrade, é dar conta da leitura e da leitura, mas com a possibilidade de outras manifestações artísticas conviverem no mesmo espaço. Nos saraus que vamos organizar aqui, por exemplo, haverá leituras de textos e música. A biblioteca, como dizia a ex-diretora de bibliotecas públicas de São Paulo May Negrão, deve ser uma “casa viva”.

·        Se a biblioteca deve ser uma casa viva, será que nós, leitores, poderíamos ser “livros vivos”, tomando emprestado o conceito de living books de Ray Bradbury em Fahrenheit 451?

JOSELIA – Nós somos livros vivos. Por nossa memória, por nossa cultura, por levarmos adiante e contarmos o que lemos. Muitas vezes, um leitor prefere não ouvir determinado autor ler trechos de sua obra porque quer ele mesmo ler o livro e “ouvir” a história, construir seu próprio universo. Mas o importante é que o livro permanece em nós. 

 

Fonte: Jornal da USP

 

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