Turismo literário é
uma forma de vivenciar a paixão pelos livros de maneira autêntica
O turismo literário é uma modalidade cultural que permite ao
viajante explorar locais diretamente relacionados a obras de ficção, seus
personagens e a vida dos autores. Esse tipo de experiência oferece uma conexão
única entre a literatura e os cenários que inspiraram narrativas memoráveis,
transportando os visitantes para os universos criados pelos escritores.
Conforme Adriana Santos Brito, doutoranda em Turismo pela Escola
de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, mais do que um simples passeio,
o turismo literário é uma forma de vivenciar a literatura de maneira autêntica.
Cidades e paisagens retratadas em romances ganham novos significados para os
viajantes, que podem mergulhar nas histórias enquanto exploram os cenários que
moldaram a criatividade dos autores. Além disso, ela destaca que essa
modalidade é considerada uma ferramenta metodológica que potencializa o turismo
cultural ao transformar obras literárias em atrativos turísticos.
Turismo brasileiro
Conforme a pesquisadora, no Brasil o turismo literário está
ganhando força. O Rio de Janeiro, por exemplo, oferece roteiros que passam pela
Casa de Machado de Assis, pela Biblioteca Nacional e pelo Centro Cultural Banco
do Brasil. Em São Paulo, a Casa das Rosas se destaca como um espaço de
preservação e celebração da literatura. Já em Minas Gerais, as cidades
históricas de Ouro Preto e Mariana conectam os visitantes ao romantismo
brasileiro, com suas paisagens inspiradoras e rica tradição literária.
A especialista destaca também os museus e casas de escritores
brasileiros. “Você pode visitar o Museu Casa de Jorge Amado, localizado na
cidade de Ilhéus, a Casa de Clarice Lispector, em Recife, a Casa Museu de Cora
Coralina, em Goiás, e a Casa Museu de Guimarães Rosa, em Minas Gerais. Também
não podemos esquecer dos eventos e festivais, como a Festa Literária
Internacional de Paraty, a Flip, que é um dos maiores eventos literários do
Brasil, reunindo autores e leitores em um ambiente cultural que vibra as
histórias de ficção”, sugere.
No mundo
O turismo literário, porém, não se limita às fronteiras
brasileiras. De acordo com Adriana, ao redor do mundo há destinos icônicos que
atraem apaixonados pela literatura. Na França, cafés literários, a Casa de
Victor Hugo e o Mont Saint-Michel encantam os visitantes. Nos Estados Unidos,
Salem, em Massachusetts, destaca-se por suas associações com a literatura de
terror e pelo legado do autor Nathaniel Hawthorne.
A pesquisadora afirma que, na Rússia, São Petersburgo é um destino
imperdível para os fãs de Dostoiévski e Tolstói, cujas antigas residências hoje
funcionam como museus. Já no Japão, Tóquio oferece uma imersão na obra de
autores como Haruki Murakami e Yukio Mishima, conectando os leitores ao
universo da literatura japonesa.
“Embora o turismo literário esteja em crescimento, ainda há
desafios para compreender plenamente seu impacto cultural e educacional.
Promover a valorização da literatura, educar os visitantes sobre a importância
da história literária e fortalecer a conexão entre literatura e turismo são
passos essenciais para consolidar essa modalidade como uma experiência
enriquecedora para viajantes de todo o mundo”, enfatiza Adriana.
¨ O importante é que o livro permanece em nós, diz
Josélia Aguiar
Joselia Aguiar é
uma “soteropaulistana” convicta. Nascida em Salvador em 1978, há vinte anos ela
adotou São Paulo como sua cidade, mas nem por isso deixa de apresentar um leve
sotaque, principalmente quando se empolga, mesmo que a fala permaneça suave. E
o que empolga Joselia? Livros, muitos livros.
Dona de uma
biblioteca pessoal de cerca de 3 mil volumes, a jornalista formada pela
Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia e mestre e
doutoranda em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP passa seus dias rodeada por mais volumes ainda. Na verdade,
cerca de 3,3 milhões de títulos cobrindo todas as áreas do conhecimento humano,
entre incunábulos, gravuras, manuscritos e obras raras.
Explica-se: depois
de ser curadora da prestigiada Flip por dois anos, desde fevereiro ela é a
diretora da Biblioteca Mário de Andrade, a mais importante biblioteca pública
do Estado. Mas a relação de Joselia com os livros é uma via com várias faixas,
além daquela na qual ela trafega atualmente na biblioteca.
A primeira, mais
direta, é a de leitora. “Sempre fui rata de biblioteca, desde a adolescência”,
lembra Joselia. Estudei em um colégio religioso em Salvador chamado Santíssimo
Sacramento. E muitos anos depois de sair de lá, quando ia visitar a escola, a
freira que cuidava da biblioteca dizia que a minha ficha continuava sendo a
mais longa, de tantos livros que havia lido. Ela comemorava isso”, diverte-se.
Entre esses livros estavam daquele autor que ela mais tarde teria como objeto
de estudo: Jorge Amado.
“Foi ali que
comecei a ler Jorge Amado, por exemplo. Muitos livros dele eu li nessa
biblioteca. Uma coisa engraçada é que uma outra freira, quando me viu certa vez
no corredor com um livro dele, falou: “Você está lendo Jorge Amado? Mas ele é
tão imoral…” A reprimenda religiosa não afetou a futura biógrafa do pai de
Gabriela, Dona Flor e Tieta, e aí está uma outra faixa na qual Joselia Aguiar
se movimenta bem: a de autora.
Seu aplaudido livro Jorge
Amado: Uma Biografia (Ed. Todavia), que já teve uma reimpressão e parte
para a segunda edição, é fruto de muita pesquisa e interesse. “Queria fazer um
trabalho quase científico, que mostrasse o lugar literário e político de Jorge
no Brasil e no mundo, com um olhar de historiadora”. Conseguiu (leia
a crítica do livro aqui).
Uma outra coisa que
diverte Joselia sobre Jorge Amado é mais uma curiosidade, mas que ela não
deixou de registrar. Trata-se de seu único encontro com o autor. “Muitos anos
depois, o que me impressiona não é tanto o fato de Jorge Amado ter
inesperadamente me dado esse livro no nosso único encontro, e sim o de ter
escrito meu nome sem acento na dedicatória (acertou sem precisar me perguntar,
e o mais natural seria o acento)”, lembrou ela em uma rede social a respeito do
autógrafo dado em Bahia de Todos os Santos.” “Para Joselia, com um
beijo”, escreveu Jorge.
Uma outra faceta de
Joselia Aguiar é a razão de ter recebido o Jornal da USP em sua ampla
e despojada sala na Biblioteca Mário de Andrade: o livro como objeto, sua
importância histórica, cultural e social.
<><> Leia
a seguir os principais trechos da entrevista.
·
O estudioso da comunicação Marshall McLuhan,
tão contestado quanto elogiado, afirmou que a prensa de tipos móveis foi a
maior invenção da humanidade. Essa ideia ainda é válida? Você concorda com ela?
Joselia Aguiar – Fico um pouco angustiada em pensar em alguma coisa como a “maior de
todas”. Mas com certeza foi uma das maiores invenções da humanidade. Eu
colocaria três criações nessa categoria: o uso do fogo, a internet e a prensa.
·
Entre essas três criações, o
livro — criado pela prensa — pode ser ameaçado tanto pelo fogo quanto pela
internet? O fogo já consumiu muitos livros ao longo da história…
JOSELIA – Eu acho que isso não acontece, por mais que livros já tenham sido
destruídos pelo fogo e correm o risco de continuar sendo e que na tecnologia você
possa ter algum tipo de sabotagem. Hoje, o nosso maior problema são as fake
news. Mas, ao mesmo tempo, com a tecnologia, a gente tem hoje acesso a
bibliotecas do mundo inteiro, à comunicação com intelectuais dos mais
diferentes países. E tudo isso em uma velocidade imensa. Acho que a gente
conseguiu popularizar o conhecimento com a prensa, com a comunicação. A
informação antes era fechada, guardada e mantida por eruditos, muitos deles em
mosteiros. E com a prensa essa ordem foi subvertida e o conhecimento pode ser
mais difundido na forma de livro. Para muitos, em um volume grande, com um
baixo custo e que perdure. Eu diria que a internet potencializa essa
popularização do conhecimento.
·
Por mais que essa discussão já
esteja um tanto ou quanto passada, você acredita que a internet realmente possa
acabar com o livro físico? Essa discussão ainda faz sentido?
Joselia – Acho que não. Todos os números mostram que houve uma estabilização na
venda e produção de livros digitais, e até mesmo um recuo. Na verdade, eles são
complementares. Muitas vezes eu compro livro digital pela praticidade em uma
viagem, mas não deixo de comprar o livro físico. Causa até problema em casa
pela quantidade de livros que tenho. Só do Jorge Amado ou relacionado a ele,
por exemplo, por causa da pesquisa para a biografia, eu tenho uma parede
inteira. Precisaria até doar parte dos livros que tenho. Mas não consigo, são
coisas muito boas.
·
Dá dor no coração se desfazer
de livros? Você é mais uma leitora voraz ou se considera uma bibliófila?
Joselia – Dá uma dorzinha, sim. E acho que sou a combinação das duas coisas, mas
estou tentando deixar de ser bibliófila.
·
O bibliófilo José Mindlin dizia
que a bibliofilia era uma “loucura mansa” e sem cura…
Joselia – Eu sei, não tem cura mesmo. Mas exige muito investimento, muita procura.
Eu nunca tive aquela coisa de buscar apenas primeiras edições, por exemplo.
Mas, por causa do Jorge Amado, muitas delas chegaram a mim por meio de
colecionadores. E se tornaram muito valiosas para minha pesquisa. Mas não tenho
a organização, o método, que caracteriza um bibliófilo. Na verdade, eu sou uma
leitora que gosta muito de ter livros, que tem prazer em comprar livros. E que
nunca teve resistência ao livro digital, à prática da leitura no digital. Ela
só expande minha leitura, meu conhecimento. Mas são formas diferentes de ler.
·
Para você, qual é a principal
diferença em ler nesses dois suportes? O estudioso inglês Holbroock Jackson
falava nos “cinco sentidos “ da leitura. Isso se perde no digital, não é?
Joselia – Não sei se porque estou acostumada a ler no impresso, a leitura no
digital não é a mesma coisa. A relação é outra. Inclusive há um consenso de
que, na alfabetização e nas primeiras leituras, a criança deve aprender a ler
primeiro no livro físico, sentindo esse livro, para só depois, se for o caso,
passar para o livro digital. O contato com o livro físico é muito importante,
até – ou principalmente – na formação do leitor. Tenho dois
sobrinhos, um de 12 anos e outro de 7. Cada um tem seu IPad, mas eles gostam de
ler no livro físico, eles têm uma relação especial com o livro em papel. Na
minha experiência pessoal eu tenho encontrado pessoas de todas as idades que
conseguem conciliar muito bem esses dois tipos de leitura.
·
Você acha que o segredo é
justamente essa conciliação?
Joselia – Acho que sim. Você aproveita todas as facilidades que o livro digital
pode oferecer, mas não perde a riqueza do livro físico. Porque, na verdade, o
importante é ler, é ter acesso ao conhecimento. E, se possível, de maneira que
não seja cara. A alfabetização nos Estados Unidos e Europa, por exemplo, se deu
em grande escala no final do século 19 graças a edições baratas, coisa que
demorou muito a acontecer no Brasil. Tivemos que vencer o preconceito com
relação a edições mais populares, ao chamado livro de bolso. Hoje já temos
várias opções de edição para um mesmo livro. Porque dentro de cada leitor há
vários leitores – o leitor que quer uma edição mais luxuosa para colocar em sua
biblioteca, mas que também pode comprar esse mesmo livro em formato de bolso
para ler no avião, por exemplo. Ou tê-lo em um tablet.
·
Nossa história, nossa
civilização, está ligada diretamente à história do livro?
Joselia – Sem dúvida. Podemos pensar em um mundo antes e depois do livro,
principalmente em termos de cidadania. Com o passar do tempo, com as leituras
feitas, com a aquisição de conhecimento, aumenta nossa consciência história e a
criação de sentido, aumenta a participação das pessoas como cidadãs.
·
Nesse quadro, qual é o papel das bibliotecas?
Elas devem ser um espaço multicultural?
Joselia
– A Biblioteca Mário de Andrade, por exemplo, tem uma
relação com a cidade, com a sociedade. As bibliotecas hoje são vistas, cada vez
mais, como um grande espaço de convivência multicultural, de aceitação, com
convívio, diálogo e cidadania. Um lugar de acolhimento de leitores os mais
diversos, sem importar seu background cultural. E nessa
convivência são exercitados o diálogo, o respeito à diferença e a tolerância.
Quase como um antídoto a tudo o que estamos vendo hoje no mundo. E estamos
unidos pelo gosto e pelo interesse pela leitura.
·
Mas a biblioteca pode ir além da leitura,
além do livro? A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da USP, é espaço
também para performances e concertos de música de câmara, apresentando outras
formas de manifestação cultural para o público. No seu entender isso é válido?
JOSELIA
– É válido, sim, mas temos que pensar inicialmente
qual é a nossa finalidade e de que forma nós a atendemos. Se atendemos bem a
essa finalidade, e podemos ir além, isso é ótimo. O que não pode acontecer é
esquecermos da finalidade original da biblioteca e focarmos outras atividades
artísticas que já têm seu espaço original para acontecer, atropelando as
coisas. O meu pensamento, na Mário de Andrade, é dar conta da leitura e da
leitura, mas com a possibilidade de outras manifestações artísticas conviverem
no mesmo espaço. Nos saraus que vamos organizar aqui, por exemplo, haverá
leituras de textos e música. A biblioteca, como dizia a ex-diretora de
bibliotecas públicas de São Paulo May Negrão, deve ser uma “casa viva”.
·
Se a biblioteca deve ser uma casa viva, será
que nós, leitores, poderíamos ser “livros vivos”, tomando emprestado o conceito
de living books de Ray Bradbury em Fahrenheit 451?
JOSELIA
– Nós somos livros vivos. Por nossa memória, por
nossa cultura, por levarmos adiante e contarmos o que lemos. Muitas vezes, um
leitor prefere não ouvir determinado autor ler trechos de sua obra porque quer
ele mesmo ler o livro e “ouvir” a história, construir seu próprio universo. Mas
o importante é que o livro permanece em nós.
Fonte: Jornal da
USP
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