sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Trump pode mesmo enviar americanos que cometeram crimes a prisão em El Salvador?

O presidente dos EUADonald Trump, gostou da ideia apresentada pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele, de prender criminosos americanos no seu país em troca de dinheiro.

Trump confirmou que o seu governo está estudando a possibilidade de enviar os condenados nos "casos mais graves" para cumprir pena de prisão no exterior, depois de Bukele ter oferecido seu país para receber tanto imigrantes irregulares que Trump quer deportar, quanto condenados, incluindo cidadãos americanos.

A oferta de Bukele foi feita durante uma visita do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, ao país na segunda-feira (3/2), que descreveu a proposta como "um acordo sem precedentes, o mais extraordinário do mundo".

Mas enviar cidadãos americanos para cumprir pena fora dos EUA levanta questões legais, como o próprio Trump reconheceu implicitamente.

"Só estou dizendo que se tivermos o direito de fazer isso, eu faria num piscar de olhos", declarou o presidente, antes de admitir: "Não sei se temos ou não; estamos analisando isso agora, mas poderíamos chegar a acordos para tirar esses animais dos Estados Unidos".

Durante a visita de Rubio a El Salvador, ficou claro que o governo Trump recebeu bem a oferta. "Podemos enviá-los, e eles os colocam nas prisões", disse Rubio com satisfação, referindo-se aos imigrantes ilegais.

Mas a surpresa veio quando Rubio explicou que Bukele "também se ofereceu para fazer o mesmo com criminosos perigosos atualmente sob custódia e cumprindo pena nos Estados Unidos, mesmo que sejam cidadãos americanos ou residentes legais".

O presidente salvadorenho confirmou que havia "oferecido aos Estados Unidos da América a oportunidade de terceirizar parte do seu sistema penitenciário".

Ele esclareceu que El Salvador estaria "disposto a receber apenas criminosos condenados" — e que seu governo faria isso "em troca de uma taxa".

Bukele também revelou onde abrigaria os deportados dos EUA: "na nossa megaprisão".

A megaprisão, também conhecida como Cecot (abreviação para Centro de Confinamento do Terrorismo), se tornou um ícone da política linha dura de Bukele de combate à criminalidade.

A prisão de segurança máxima, uma das maiores da América Latina, foi inaugurada em janeiro de 2023 — e pode abrigar 40 mil detentos, de acordo com dados do governo.

Os presos são confinados em celas sem janelas, dormem em beliches de metal e são constantemente monitorados por guardas armados.

A jornalista Leire Ventas, da BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, que teve permissão para fazer uma visita oficial às instalações no ano passado, depois de a BBC ter pedido acesso repetidamente, contou como as temperaturas nas celas chegavam a 35ºC.

O acesso à prisão é bastante restrito, e jornalistas são permitidos apenas durante visitas oficiais ocasionais e cuidadosamente coreografadas pelas autoridades.

O número de detentos por cela não é claro. Alguns grupos de direitos humanos estimam em 80 prisioneiros, enquanto outros dizem que pode chegar a mais de 150.

Quando nossa jornalista perguntou qual era a capacidade máxima, o diretor da prisão respondeu: "Onde cabem 10 pessoas, cabem 20".

Os prisioneiros ficam trancados dentro das celas 24 horas por dia — exceto por 30 minutos, em que podem sair para fazer exercícios em grupo em um corredor sem janelas.

O layout da prisão não é por acaso.

Após um fim de semana particularmente sangrento em 2022, quando mais de 70 pessoas foram mortas nas ruas de El Salvador, Bukele escreveu nas redes sociais: "Mensagem para as gangues: por causa das suas ações, seus 'amiguinhos' não vão poder ver um raio de Sol".

A construção da megaprisão começou pouco tempo depois.

As condições da instalação e o tratamento oferecido aos presos foram alvo de duras críticas por parte de grupos de direitos humanos.

Miguel Sarre, ex-membro do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, descreveu o local como um "fosso de concreto e aço".

Mas, afinal, será que o governo Trump poderia enviar cidadãos americanos para lá?

Proteções legais

No entanto, qualquer tentativa de deportar cidadãos americanos ou pessoas que residem legalmente nos EUA para uma prisão estrangeira está fadada a enfrentar desafios legais.

Os cidadãos americanos que nasceram nos Estados Unidos têm proteção legal contra a deportação.

Há alguns casos, no entanto, em que os cidadãos naturalizados — aqueles que não nasceram nos EUA e que obtiveram a cidadania americana após o nascimento por meio de um processo legal — podem ter sua cidadania revogada.

Isso costuma acontecer quando a pessoa em questão cometeu fraude para obter a cidadania.

Alex Cuic, advogado de imigração e professor da Universidade Case Western Reserve , em Ohio, disse à BBC que os cidadãos americanos naturalizados suspeitos de vínculos com gangues criminosas ou organizações classificadas como terroristas pelo governo dos EUA — como a gangue Tren de Aragua ou a Mara Salvatrucha, conhecida como MS-13 —, também poderiam, em teoria, perder a cidadania americana.

"Se eles descobrirem que você é membro de qualquer grupo que perseguiu ou ameaçou perseguir outras pessoas, eles podem tentar te desnaturalizar", acrescentou.

"Portanto, se você teve vínculos com gangues e nunca revelou, eles podem usar isso como motivo para te desnaturalizar."

"A cidadania não é algo definitivo, para todo o sempre, se você for naturalizado", ele adverte.

Uma vez que uma pessoa tenha sido "desnaturalizada", ela corre o risco de ser deportada.

Mas, segundo Cuic, qualquer medida deste tipo teria que ser precedida de um "processo judicial formal" conduzido por um tribunal federal.

Ele enfatizou, no entanto, que "nunca havia ouvido falar" de casos de cidadãos americanos nascidos no país que tenham sido enviados ao exterior para cumprir pena de prisão por crimes cometidos e julgados nos EUA.

Shev Dalal-Dheini, diretora de relações governamentais da Associação Americana de Advogados de Imigração, também disse que "nunca havia ouvido falar de tal sugestão".

Embora reconheça que há vários cenários em que cidadãos americanos naturalizados podem perder sua cidadania, ela disse que "não se pode desnaturalizar um cidadão nascido nos EUA".

A situação dos residentes permanentes legais nos EUA, no entanto, é mais precária do que a dos cidadãos americanos.

Eles podem ser deportados se violarem determinadas disposições da Lei de Imigração e Nacionalidade, que incluem cometer delitos relacionados a drogas, crimes violentos ou crimes como roubo, fraude ou agressão.

Assim como os cidadãos naturalizados, eles também podem ser deportados se obtiveram sua residência por meio de fraude.

Os residentes permanentes legais que estiverem envolvidos em terrorismo, espionagem ou qualquer atividade que ameace o interesse nacional dos EUA também podem ser deportados.

Este último ponto é importante à luz da ordem executiva emitida por Trump no dia da posse, na qual ele designou os cartéis de drogas como "organizações terroristas estrangeiras".

Duas organizações criminosas citadas na ordem executiva, Tren de Aragua e MS-13, também foram mencionadas na semana passada pelo enviado especial de Trump para a América Latina, Mauricio Claver-Carone.

Em entrevista sobre a viagem de Marco Rubio a El Salvador, Claver-Carone não apenas elogiou a forma como Bukele lidou com a MS-13 — uma gangue profundamente enraizada em El Salvador, e que há muito tempo aterroriza seus cidadãos —, como também disse que Bukele poderia oferecer a resposta sobre como lidar com a gangue venezuelana Tren de Aragua.

Claver-Carone também sugeriu que a mera perspectiva de ser enviado para uma prisão salvadorenha poderia levar os membros das gangues venezuelanas de volta à sua terra natal.

"Aposto que eles vão querer voltar para a Venezuela, em vez de lidar com as prisões da Mara em El Salvador", disse ele sobre os membros do Tren de Aragua.

Rubio também pareceu enfatizar que o governo Trump queria enviar, antes de tudo, os membros destas duas conhecidas gangues para as prisões de El Salvador.

"Para qualquer imigrante ilegítimo e imigrante ilegal nos Estados Unidos que seja um criminoso perigoso — MS-13, Tren de Aragua, o que quer que seja —, ele ofereceu suas prisões", disse Rubio após se reunir com Bukele.

Mas não está claro quem — se é que alguém — vai ser enviado dos EUA para a megaprisão de El Salvador.

O que é certo é que, com sua "oferta de amizade sem precedentes", Bukele caiu fortemente nas graças de Trump em um momento em que as relações entre os EUA e seus vizinhos foram abaladas pelas ameaças do presidente americano de impor tarifas sobre seus produtos.

¨      O acordo entre Bukele e Trump para enviar imigrantes deportados dos EUA para El Salvador

"Um acordo sem precedentes, o mais extraordinário do mundo."

Foi assim que o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, descreveu o acordo migratório alcançado com o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, na segunda-feira (3/2), durante sua visita ao país como parte de sua viagem pela América Central.

El Salvador concordou em aceitar deportados de outras nacionalidades, disse Rubio.

"E também se ofereceu para fazer o mesmo com criminosos perigosos que estão atualmente sob custódia e cumprindo suas penas nos Estados Unidos, sejam cidadãos americanos ou residentes legais", acrescentou o chefe da diplomacia americana após a reunião de três horas com o presidente em sua residência no Lago Coatepeque, nos arredores de San Salvador.

Bukele confirmou a informação em uma mensagem publicada em inglês na rede social X.

"Oferecemos aos Estados Unidos a oportunidade de terceirizar parte de seu sistema prisional", explicou ele na postagem.

"Estamos dispostos a aceitar apenas criminosos encarcerados (incluindo cidadãos americanos condenados) em nossa mega-prisão (Cecot) em troca de uma tarifa", disse ele, referindo-se à prisão que abriu há dois anos para supostos membros da MS-13 e Bairro 18, as duas gangues mais poderosas da região.

Considerada a maior prisão da América Latina, ela foi anunciada com uma capacidade para abrigar 40 mil detentos, mas estima-se que atualmente existam cerca de 15 mil.

"A tarifa seria relativamente baixa para os EUA, mas significativa para nós, tornando todo o nosso sistema prisional sustentável."

Não ficou claro se o governo Trump está considerando enviar cidadãos americanos presos para El Salvador — ou qual mecanismo usaria se quisesse — mas Rubio disse que o país está "incrivelmente grato" pela oferta e que já informou o presidente dos Estados Unidos.

"Nenhum país jamais fez uma oferta de amizade como essa", acrescentou.

Na terça-feira (4/3), na parada seguinte de sua viagem à Costa Rica, em entrevista coletiva ao lado do presidente Rodrigo Chaves, Rubio voltou a insistir na "generosidade" do governo salvadorenho, mas acrescentou: "É claro que há aspectos legais envolvidos. Temos uma Constituição. (...) A administração vai ter que tomar uma decisão."

Quem respondeu imediatamente à mensagem de Bukele no X foi Elon Musk, o bilionário dono da Tesla que está ajudando Trump a reformar o governo federal. "Ótima ideia!", ele exclamou.

A intenção de chegar a um acordo sobre questões migratórias já havia sido anunciada por Mauricio Claver-Carone, enviado especial do Departamento de Estado para a América Latina, em uma chamada com a imprensa na sexta-feira (31/1).

Após descrever Bukele como "o presidente mais consistente da região" e "um aliado fundamental" do governo Trump, Claver-Carone disse que tentariam reavivar um acordo semelhante assinado em 2019. Mas com "maior escopo" e de uma forma que incluiria supostos membros do Tren de Aragua, uma organização criminosa nascida em uma prisão venezuelana.

A porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Tammy Bruce, esclareceu na segunda-feira que El Salvador prometeu aceitar "imigrantes ilegais violentos, incluindo membros da gangue venezuelana Tren de Aragua, mas também imigrantes ilegais criminosos de qualquer país".

Em 2019, pelo Acordo de Cooperação em Matéria de Asilo (ACA), El Salvador concordou em se tornar um "terceiro país seguro" e, assim, receber deportados com processos de asilo pendentes, para que pudessem aguardar a decisão em território salvadorenho.

O país fez isso depois que autoridades do primeiro governo Trump cortaram parte da ajuda ao país da América Central, acusando-o de não fazer o suficiente para conter a migração ilegal. Mas o acordo nunca entrou em vigor e foi rescindido pelo governo Biden em 2021.

<><> Impulso para a energia nuclear

Os governos de El Salvador e dos Estados Unidos não chegaram apenas a um entendimento sobre questões de imigração nesta segunda-feira.

Washington também prometeu incentivar El Salvador a desenvolver energia nuclear.

A gestão Trump fez isso por meio do Memorando de Entendimento sobre Cooperação Nuclear Civil Estratégica (NCMOU). Um acordo que busca, segundo Rubio, fazer de El Salvador um país "onde todas as tecnologias, indústrias, todas as promessas deste novo século possam ser encontradas."

O documento afirma que ambas as nações "reafirmaram seu compromisso com o Tratado de Não Proliferação Nuclear e com a promoção da cooperação nuclear civil pacífica e responsável".

O acordo também inclui, além do apoio ao desenvolvimento da infraestrutura nuclear, "o fortalecimento das capacidades regulatórias e científicas" e a promoção de projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento.

Trata-se de "um avanço significativo nas relações bilaterais, além da promoção de novas oportunidades no setor energético para ambas as nações", conclui o documento.

A ministra das Relações Exteriores de El Salvador, Alexandra Hill Tinoco, encarregada de assinar o memorando de entendimento, descreveu-o como "mais uma estratégia" do presidente Bukele para "fornecer energia 24 horas por dia a um preço competitivo, sem depender da geopolítica nem dos preços do petróleo."

<><> Relação estreita

Mesmo antes da visita de Rubio, El Salvador já havia estabelecido uma relação bastante próxima com o governo dos Estados Unidos.

Bukele há muito tempo desfruta da admiração da comitiva de Trump e de figuras com ideias semelhantes. Não é à toa que ele foi, junto com o presidente argentino Javier Milei, um dos convidados especiais da última edição da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), realizada em fevereiro de 2024.

E em um telefonema na mesma semana em que assumiu o cargo, Trump elogiou a liderança de Bukele, antes de abordar a necessidade de "deter a imigração ilegal e reprimir gangues transnacionais como o Tren de Aragua".

Rubio chegou a El Salvador vindo do Panamá, sua primeira parada na turnê que começou no sábado pela América Central.

Ele foi recebido no aeroporto pela ministra das Relações Exteriores, Alexandra Hill Tinoco, pela embaixadora de El Salvador em Washington, Milena Mayorga, e pelo embaixador dos EUA em El Salvador, William H. Duncan, entre outros funcionários diplomáticos.

E, antes de se encontrar com o presidente salvadorenho, Rubio participou de um tour por um centro de manutenção e montagem de aviões Aeroman.

"A Aeroman é um exemplo do impacto positivo do investimento privado e da criação de oportunidades locais", diz a mensagem sobre a visita compartilhada pela Embaixada dos EUA em El Salvador.

Bukele prometeu que seu segundo mandato se concentraria em melhorar a economia, em lento crescimento no país, e que faria isso em parte atraindo investimentos estrangeiros, algo que ainda não aconteceu.

Esta não é a primeira vez que Rubio viaja para El Salvador para se encontrar com Bukele. Ele já fez isso em 2023, quando o atual chefe da diplomacia dos EUA era senador pela Flórida.

Na época, ele o elogiou por "trouzer liberdade" ao país centro-americano.

Ele se referia a como o presidente salvadorenho conseguiu reduzir drasticamente a taxa de homicídios no país, ao mesmo tempo em que impôs um estado de emergência que já dura mais de dois anos e levou o país a ter a maior taxa carcerária do mundo.

O chefe da diplomacia norte-americana dará continuidade à sua primeira viagem oficial com uma visita à Costa Rica, Guatemala e República Dominicana. Países onde os encontros deverão continuar centrados na migração, na contenção da influência da China na região e no combate ao tráfico de drogas, especialmente de fentanil, para os Estados Unidos.

A visita acontece em um período tenso para a região, que vem lidando com as potenciais consequências econômicas das políticas de Trump, incluindo deportações em massa e a interrupção da ajuda externa.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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