Queda da
popularidade de Lula no Nordeste acende alerta vermelho no governo
A queda da
popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em
janeiro — um "tombo histórico", nas palavras do ex-presidente do PT
José Dirceu — assustou o Palácio do Planalto e o partido.
Um dos pontos que
gera especial preocupação no governo é o impacto da piora da avaliação no
Nordeste, região que se tornou um bastião petista nas disputas
presidenciais desde 2006 — e a única em que Lula derrotou o
ex-presidente Jair
Bolsonaro em
2022.
A vitória larga no
Nordeste, em que Lula recebeu 69,3% dos votos válidos, cerca de 12,5 milhões a
mais do que Bolsonaro, foi determinante para sua eleição apertada nacionalmente
(50,9% contra 49,1%), em que a diferença de votos ficou em apenas 2,1 milhões.
A pesquisa que
acendeu a luz amarela no governo foi um levantamento do instituto Quaest, do
final de janeiro, mostrando que a avaliação negativa do presidente superou a
positiva pela primeira vez desde o início do mandato, em janeiro de 2023.
Segundo essa
pesquisa, que ouviu 4.500 pessoas entre 23 e 26 de janeiro em todo o país, o
percentual dos brasileiros que reprova o trabalho de Lula subiu de 47% para
49%, na comparação com dezembro. Já o dos que aprovam caiu de 52% para 47%.
A maior queda da
avaliação positiva veio do Nordeste, onde o percentual de aprovação recuou de
67% para 60% no mesmo período de comparação.
Nome histórico do
PT e ministro de Lula em seu primeiro mandato, José Dirceu escreveu em artigo
publicado na semana passada no jornal Folha de S.Paulo que "a popularidade
do governo tomou um tombo histórico no meio do terceiro mandato do
presidente", ao citar os dados da Quaest.
"O mais
importante: algumas das maiores perdas de aprovação se deram entre os mais
pobres, os moradores do Nordeste e as mulheres, segmentos que ajudaram Lula a
derrotar Jair Bolsonaro nas urnas em 2022", continuou.
Já a governadora do
Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), disse ao jornal O Globo também na
semana passada que o apoio do Nordeste a Lula não está garantido em 2026. Ela
cobrou mais presença do governo na região e "muita atenção para os
investimentos previstos para corresponder às expectativas da população".
A BBC News Brasil
conversou com analistas políticos nordestinos e eleitores de Lula na região
para entender a piora do humor com o governo.
O principal fator
apontado é a menor capacidade de consumo, com o aumento da inflação, em especial dos
alimentos, e a alta de impostos
pesando no bolso da
população, a exemplo da taxação das importações adotada em julho, conhecida
como "taxa das blusinhas".
Especialistas apontam
também a dificuldade do governo em dialogar com trabalhadores informais e
pequenos profissionais liberais, comuns na região que tem a maior taxa de
desemprego do país — 8,7% no terceiro trimestre de 2024, segundo o dado mais
recente do IBGE, contra 6,4% na média nacional.
A cientista
política Monalisa Torres, professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE),
nota que o eleitor lulista do Nordeste vota no petista, principalmente, por
causa dos bons resultados sociais e econômicos dos seus primeiros governos, e
não pelas ideias progressistas da esquerda.
Hoje, no entanto,
ela vê dificuldade para Lula repetir o desempenho dos primeiros mandatos. Para
Torres, o cenário é mais desafiador agora, citando como exemplo a disputa com o
Congresso pelo controle do Orçamento, após a forte expansão das emendas
parlamentares.
"Havia muita
expectativa num governo que entregou muito em outro momento e, agora, a
despeito das promessas, não consegue entregar os mesmos resultados. Isso gera
frustração e impacta a avaliação", avalia.
Para ela, a forte
polêmica que atingiu o Pix em janeiro também pode ter afetado a popularidade de
Lula.
No início do ano, a
Receita Federal ampliou o monitoramento das transações por Pix e cartão de
crédito, com objetivo de combater transações ilícitas. Com a mudança, todas as
instituições financeiras, inclusive bancos virtuais e aplicativos de
pagamentos, teriam que reportar movimentações que somassem mais de R$ 5 mil no
mês, no caso de pessoas físicas, e mais de R$ 15 mil, no caso de empresas.
Antes, o
monitoramento já ocorria, mas apenas em instituições financeiras tradicionais,
como bancos e cooperativas de crédito.
A medida, porém,
passou a ser vista como uma ameaça à população. Lideranças bolsonaristas, como
o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), espalharam a informação falsa de que o
governo poderia taxar o Pix — meio de pagamento gratuito que se popularizou no
país.
Em vídeo que
atingiu mais de 300 milhões de visualizações, Ferreira disse que os mais
afetados seriam trabalhadores informais, como ambulantes, feirantes e
entregadores.
Apesar de a
informação sobre a taxação do Pix ser falsa, o impacto foi tamanho que o
governo recuou da ampliação do monitoramento.
Para Torres, houve
uma falha de comunicação da gestão Lula em explicar melhor a medida. Na sua
leitura, isso foi intensificado porque já havia um aumento do desconforto com o
governo após medidas como a taxação das importações online, em sites como Ali
Express, Shein e Shopee.
Nikolas Ferreira
inclusive associa as duas medidas em seu vídeo sobre o Pix. "O Pix não
será taxado. Mas é bom lembrar que a comprinha da China não seria taxada e
foi", ironizou o deputado.
·
'Nunca
um governo cobrou tanto imposto', reclama paraibano
Morador de Camalaú,
no interior da Paraíba, Marcos Farias, de 21 anos, é um dos eleitores de Lula
que sentiu o peso da "taxa das blusinhas"
Ele contou à BBC
News Brasil que votou no petista em 2022, influenciado por parentes e pela
memória de tempos bons para sua família na sua infância, nos primeiros governos
do atual presidente.
Além disso, diz que
não gostava "das ideias radicais e malucas" de Bolsonaro e queria uma
mudança. Hoje, porém, reclama do impacto em seu bolso.
"Eu votei no
Lula e confesso que estou insatisfeito com o governo, em parte por conta de
impostos altos. Nunca um governo faturou tanto e cobrou tanto da
população", critica.
Estudante do curso
técnico de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Farias era ávido consumidor
de importados da China antes da taxação.
Ele checou seu
registro de compras no Ali Express e contou à reportagem que consumiu 38
produtos entre 2021 e 2023, entre partes de computador, acessórios como
teclados e mouses, e itens para produção musical, um hobby seu. Algumas peças
ele revendia após pouco uso para comprar itens novos. Mas, desde que os
impostos subiram, em julho de 2024, fez duas compras apenas.
A taxação das
importações online atendeu a uma demanda das empresas de varejo brasileiras que
reclamavam de pagar impostos altos no Brasil e competir com produtos que
entravam no país sem tributação.
A proposta partiu
do Congresso Nacional, por pressão desse setor, mas acabou encapada pelo
governo Lula, que sancionou a nova lei.
O governo
argumentou que já havia previsão de taxa sobre as importações de pessoas
físicas, mas, na prática, os sites internacionais driblavam essa cobrança. E,
dado o forte crescimento das compras online, a Receita Federal não conseguia
fiscalizar.
Com as novas
regras, as empresas tiveram que aderir ao sistema de remessa conforme, em que o
imposto é cobrado do contribuinte no momento da venda. Assim, produtos de até
US$ 50 (cerca de R$ 290) passaram a sofrer tributação de 20%, e compras acima
desse valor passaram a ser taxadas em até 60%.
Além disso, o novo
sistema também facilitou a cobrança do ICMS pelos Estados. A alíquota para
importação online está em 17%, mas vai subir para 20% em abril.
Farias diz que
reduziu seu consumo porque não consegue encontrar produtos com a mesma
qualidade num valor atraente no Brasil. Por enquanto, ele adiou a troca do seu
teclado.
"Eu uso um
teclado [modelo] AULA-F75. Antes conseguia comprar por 300 e poucos reais.
Agora, ele fica cerca de R$ 860 em época de alta de preço. Quando tem promoção,
dá para achar por uns R$ 600", compara.
Para o economista
Pedro Menezes, analista político do jornal baiano A Tarde, a taxação das
importações acabou afetando também pequenos negócios e trabalhadores informais,
numerosos no Nordeste, aumentando o mau humor desse segmento com o governo.
Ele nota que,
embora a medida tenha ficado conhecida como "taxa das blusinhas", ela
impactou a compra de itens mais caros, como equipamentos e eletrônicos usados
por esses profissionais, itens que nem sempre têm substituto nacional.
Na sua visão, era
justo instituir alguma taxação sobre essas importações online, devido à
tributação dos produtos nacionais, mas a alíquota deveria ter sido menor.
"Não fazia
sentido que essa importação não fosse taxada, mas o jeito que foi feito tornou
a pequena importação proibitiva", ressalta.
·
Dúvidas
sobre novo voto em Lula
Mas o paraibano
Marcos Farias diz que a redução das compras não é o único motivo da sua
insatisfação com o governo. Ele também reclama da qualidade do curso de Análise
e Desenvolvimento de Sistemas, que frequenta no Instituto Federal Paraíba, no
campus Monteiro, cidade vizinha a sua.
Esse campus foi
inaugurado por Lula, em 2009, no último ano de seu segundo mandato. Foi nas
gestões dele e de Dilma Rousseff que ocorreu a maior expansão de universidades
e institutos federais pelo interior do país.
Uma greve de professores
dessas instituições, no ano passado, acabou atrasando o curso de Farias, que já
devia estar no quarto semestre, mas vai concluir o terceiro em março.
Ele entende que os
problemas de agora refletem cortes no orçamento da Educação no governo Bolsonaro,
mas diz que esperava uma recuperação mais rápida no governo Lula.
"Alunos de
anos anteriores me falaram que o curso era bem mais estruturado. Nos últimos
anos, o campus de Monteiro perdeu bons professores que saíram para ganhar mais
em cidades maiores. Isso piorou o curso", constata.
"A gente sabe
que teve bastante corte de verbas no governo anterior. Porém, o governo novo
prometeu trazer de volta essa verba e até agora a gente não está vendo",
reclama ainda.
Apesar da
insatisfação, Farias diz que um novo voto em Lula em 2026, caso ele tente a
reeleição, não está descartado. Por outro lado, ele tem certeza de que não
votaria em alguém alinhado a Bolsonaro.
"O meu
sentimento ainda anda muito ambíguo. Eu estou passando por uma gestão ruim de
Lula agora, porém eu tive uma gestão muito boa dele na infância. Acho que [meu
voto em 2026] dependeria de quem seria o concorrente dele", afirma.
O sentimento de
Farias é similar ao do advogado Yago Pereira da Silva, que mora em São Lourenço
da Mata, na região metropolitana de Recife.
Ele contou à
reportagem que também votou em Lula em 2022 pelo desempenho dele nos primeiros
mandatos e as políticas públicas focadas nos mais pobres, além da rejeição a
Bolsonaro.
"Muitos amigos
meus se formaram pelo Fies", exemplifica, citando o programa que financia
faculdade particular para estudantes de baixa renda criado pelo governo
Fernando Henrique Cardoso, mas expandido nos primeiros governos do petista.
Agora, porém, ele
reclama da inflação alta, e diz que não garante voto em Lula em 2026.
"Principalmente
na questão alimentação, a alta de preços gerou um desconforto aqui na família.
O café subiu muito, arroz e feijão também", se queixa.
"Eu torço,
sinceramente, para que esses dois últimos anos de governo sejam excelentes.
Hoje eu não votaria nele [Lula], esperaria mais um pouco para tirar minha
conclusão", pondera.
·
A
reação do governo
O governo Lula
começou o ano prometendo conter a inflação de alimentos, mas medidas ainda
estão sendo estudadas.
Especialistas dizem
que a questão é desafiadora porque os preços sofrem o impacto de crises
climáticas, como secas mais severas, e da variação de preços no mercado
internacional.
Uma das medidas já
adotadas para tentar melhorar a popularidade de Lula foi mudar a estratégia de
comunicação.
O publicitário
Sidônio Palmeira assumiu a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República (Secom) no lugar do deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
O novo ministro
colocou Mariah Queiroz para liderar a estratégia de redes sociais. Ela atuou na
comunicação do governador de Pernambuco, João Campos (PSB), que obteve bons
resultados como uma linguagem descontraída e criativa.
Dentro da nova
estratégia de comunicação, as contas oficiais do presidente compartilharam na
terça-feira (4/2) um vídeo de Lula vestindo um boné azul com a frase "O
Brasil é dos Brasileiros", acompanhado de efeitos sonoros similares a de
um vídeo game.
Segundo o ministro
de Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que primeiro
apareceu com o boné no sábado (1/2), durante a eleição do novo comando do
Congresso, a ideia foi elaborada junto com Sidônio Palmeira como resposta aos
bolsonaristas que têm usado bonés vermelhos da campanha do presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, com a frase "Make America Great Again"
[faça os EUA grandiosos de novo].
A oposição, porém,
também reagiu rápido. Na segunda-feira (3/2), parlamentares bolsonaristas
usaram bonés verde-amarelos durante sessão de abertura do Congresso, com a
mensagem "Comida barata novamente, Bolsonaro 2026". Eles também
ergueram pacotes de café e peças de picanha.
Fonte: BBC News
Brasil
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