sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

David MCNally: Donald Trump acabou com o neoliberalismo?

Será que o neoliberalismo acabou nessa semana com as tarifas anunciadas por Donald Trump, perguntou um amigo. Fomos solicitados a responder em cinco sentenças ou menos. Eu escrevi o seguinte:

“Se o neoliberalismo era um programa, institucionalmente incorporado, para restaurar a rentabilidade e a acumulação, então, após um período de sucesso considerável (1982-2007), entrou numa crise massivamente desestabilizadora em 2008-9. Essa crise não era solucionável apenas por meios de mercado, a não ser por meio de uma depressão global.

Mas a “solução” (resgate bancário, taxas de juro extremamente baixas e tentativas contínuas de compressão salarial) inaugurou um regime de baixo crescimento e contradições e antagonismos sociais e geopolíticos intensificados. O trumpismo é uma expressão particular deste último, concebido para deslocar antagonismos para “ameaças estrangeiras”, tanto interna como externamente. Há uma série de mutações no neoliberalismo que profundamente alteraram suas operações principais, mas ainda não produziram uma nova forma estável”.

Deixe-me acrescentar agora que, na biologia evolutiva, alguns dizem que um conjunto de novas formas mutacionais produz “monstros esperançosos”. A maioria das mutações acaba por não ser viável. Acredito que as monstruosas mutações de Donald Trump também se revelarão inviáveis – ou seja, reproduzir-se com sucesso ao longo de um quarto de século ou mais como uma forma social viável.

Donald Trump não tem um programa para desencadear uma nova onda de acumulação global de capital. Ele trata a economia mundial em grande parte como um jogo de soma zero em que maiores parcelas das receitas mundiais deveriam ser transferidas para os capitalistas dos EUA – horizontalmente pelos trabalhadores e verticalmente pelos rivais capitalistas, incluindo a China. Mas esta fórmula é uma fórmula para o estagnacionismo brutal – aumento do conflito intercapitalista no meio de uma economia de baixo crescimento.

O nosso “monstro esperançoso”, claro, é a classe trabalhadora internacional – que necessitará de novas formas mutacionais próprias para estar à altura da tarefa de derrubar o capital global. Essa é outra história e, em última análise, a mais crucial.

 

¨      Primeiras imagens. Por Alexandre Aragão de Albuquerque

A força das imagens e símbolos está na sua capacidade de transmitir ideias, valores e emoções, sendo usados com muita eficácia para captar a atenção de públicos específicos.

Pensadas e planejadas para transmitir uma mensagem, as imagens podem provocar o despertar de sentimentos devido à sua capacidade de ação subliminar e emocional. Estratégias propagandísticas são frequentemente utilizadas para a construção da opinião pública massificada, por meio do poder de persuasão e convencimento que imagens e símbolos exercem na formação da identidade social.

Símbolos e imagens revelam significados da vivência de cada cultura, uma vez que os povos ressignificam no símbolo a realidade vivida, aplicando concepções de mundo e entendimento diversos e que precisam ser constantemente ressignificados.

Imagens e símbolos controlam os meios de comunicação social que interessam ao poder ideológico e à sua manutenção. No mundo contemporâneo, a tecnologia multimidiática é amplamente utilizada como forma de sedução e de domínio ideológico. Não sem intenção uma imagem transmitida em rede global foi a do primeiro pelotão das autoridades presentes na posse presidencial de Donald Trump, no último dia 20 de janeiro, composto pelos donos das quatro maiores big tech da comunicação digital ocidental: Meta, Google, Amazon e X.

No movimento nazista alemão encontra-se historicamente uma estratégia bem definida de atrelar o símbolo da suástica – um dos símbolos presentes em diversas civilizações, considerado inclusive como símbolo religioso – buscando popularizá-lo na fabricação do consenso, por meio de intensiva propaganda repetitiva, limitando e restringindo a suástica ao significado pejorativo que alude ao nazismo. O bolsofascismo brasileiro seguiu a mesma direção ao querer vincular a camisa amarela da seleção brasileira de futebol como símbolo neofascista nacional, como viu-se em diversas manifestações populares ao longo do governo Bolsonaro e no atentado do 8 de janeiro de 2023.

Em sua obra Mein Kampf, Adolf Hitler apregoava que é por meio da propaganda que se estimula os propósitos do coletivo com a veemência da comunicação social publicizada e incorporada em toda a organização corporativa, que não leva em consideração a veracidade, mas a capacidade de convencimento: “A propaganda deve fustigar a alma da multidão, alavancando o fanatismo, visando a desenvolver uma violência histérica, dirigindo-se, não tanto ao cérebro, mas aos sentimentos da massa humana”, afirmava o ditador alemão.

Manter sua base mobilizada, portanto, é um dos objetivos traçados por Donald Trump nestes primeiros dias de governo. Em sua cerimônia de posse, em 20 de janeiro, quando anunciou que iria modificar o nome do Golfo do México para o Golfo da América, o público presente ficou de pé aplaudindo-o demoradamente.

Outra imagem internacional marcante desses primeiros dias do governo de Donald Trump é a de migrantes latino-americanos sendo aprisionados e algemados nas mãos e nos pés, colocados feito gado em aviões de volta a seus países de origem. Demonstrando claramente um dos aspectos da ideologia totalitária para a qual contra o inimigo tudo é permitido.

Hannah Arendt explicita em seu livro Origens do totalitarismo que uma das características fundamentais de um governo totalitário é a instituição de procedimentos nos quais ocorre a degradação da identidade humana. Um dos fundamentos da ideologia totalitária é que tudo seja permitido contra o inimigo. Assim, as piores barbáries são toleradas. Os indivíduos que passaram por alguma experiência nesses regimes totalitários vivenciaram a aniquilação e a perda de sua identidade.

As ações do Estado totalitário são executadas para promover o maior tormento possível, psicológico e físico. A finalidade dessa ideologia é destruir os direitos civis da população, que se vê, afinal, tão fora da lei em seu próprio país como os apátridas e os refugiados. A destruição dos direitos humanos, a morte da sua pessoa jurídica, é a condição primordial para que seja inteiramente dominado. E isso não se aplica apenas àquelas categorias especiais, mas a qualquer habitante.

Em Barbárie e civilização, Tzvetan Todorov assinala a enfermidade de dogmatismos autoritários por se convencerem de deter a exclusividade da verdade e da justiça, impondo ao outro a mudez, a invisibilidade, negando-lhe a plena humanidade, impondo-lhe a exclusão da vida em civilização. Para conseguirem tal dominação, esses fascistas atuam considerando os outros como menos humanos.

Ainda é importante relembrar, neste momento em que um expansionismo nacionalista do império estadunidense volta com todo furor diante da falência da ordem institucional internacional instituída no pós-guerra, que tanto Adolf Hitler quanto Benito Mussolini – expressões máximas do nazifascismo europeu do século XX – inspiraram-se no genocídio perpetrado pelos EUA contra o povo indígena originário do continente da América do Norte. Portanto, esse tipo de horror não é algo que se inicia com Donald Trump.

Estima-se que mais de 25 milhões de seres humanos indígenas, originários daquele imenso território, compondo cerca de dois mil idiomas diferentes, foram dizimados pelos estadunidenses, durante o século XIX, numa verdadeira limpeza étnica.

Para o etnólogo Ward Churchill, da Universidade do Colorado, caracterizou-se um enorme genocídio, o mais prolongado que a humanidade registra. Os colonos estadunidenses costumavam invadir aldeias indígenas a sequestrar crianças e adolescentes para trabalho escravo. (Killing Native Americans California. Vídeo).

Por fim, ao anunciar uma nova etapa indiscriminada da guerra de sanções econômicas, Trump resgata a política de Woodrow Wilson (1856-1924), 28º. Presidente dos EUA, para quem as sanções eram uma ferramenta poderosa de sufocar um Estado, causando escassez de alimentos e medicamentos, entre outros males, para a população civil dos países sancionados, sem precisar recorrer a gastos militares nem mortes desnecessárias de soldados norte-americanos em campos de batalha.

A ciência política tem Maquiavel como uma referência de observador arguto da dinâmica do poder. Ao defender que as emoções humanas são volúveis, pois as lealdades construídas nos ambientes políticos podem ser facilmente abaladas por diversas dificuldades e ameaças, o florentino defende a tese de que o Príncipe deve desejar ser amado, mas não podendo sê-lo, é preferível ser temido.

Tudo leva a crer que os primeiros movimentos de Donald Trump – nessa guerra internacional de construção de uma nova ordem hegemônica estadunidense – farão uso da tese maquiaveliana a qualquer custo.

 

¨      O mundo precisa parar Trump. Por Oliveiros Marques

Nada mais emblemático do que estar ao lado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para que Trump comprove sua determinação em patrocinar uma limpeza étnica no mundo. A afirmação de que os palestinos deveriam ser retirados à força da Faixa de Gaza é de uma violência extrema. Em rede mundial, Trump defende um crime contra a humanidade.

O bilionário norte-americano quer expulsar um povo inteiro, obviamente contra sua vontade, para outros 12 países da região. Nunca é demais lembrar que os palestinos estão na Faixa de Gaza porque foram expulsos das terras onde viviam, hoje parte do Estado de Israel. Curioso que, entre os 12 países que supostamente receberiam a diáspora palestina, Trump não inclua o território governado por Bibi — que, aliás, se formou em escolas norte-americanas e sabe muito bem o que está fazendo.

Trump é de um cinismo indescritível ao tentar pintar sua proposta como uma ação humanitária. Esqueceu apenas de dizer que Gaza está destruída porque é atacada, de forma igualmente criminosa, pelo exército comandado por Netanyahu, que não poupa hospitais, escolas, crianças, idosos. Porque, para eles, os palestinos são um povo inferior. E Trump demonstra concordar. Os extremistas israelenses, com o apoio dos extremistas americanos, pensam sobre os palestinos exatamente o que Hitler e seus seguidores pensavam sobre os judeus. E o resultado, bem, o resultado é história.

Primeiro foi a anistia aos extremistas supremacistas que invadiram o Capitólio. Depois, a perseguição e expulsão de migrantes latinos dos EUA. A tentativa de tomar a Groelândia na mão grande, a ideia de anexar o Canadá, o plano de tungar o Canal do Panamá. E o mundo achando normal. Agora, são os palestinos. Daqui a pouco, pode ser a vez dos irlandeses ou dos italianos que vivem nos EUA. Os escoceses, por sua vez, ele deve deixar por último — em respeito à sua mãe.

Se o mundo não percebeu o embrião do nazismo no “Putsch da Cervejaria” em Munique, quando Hitler e membros do Partido Nazista tentaram derrubar o governo da Baviera, hoje não nos é permitido ignorar para onde Trump quer e pode levar essa escalada de ódio. Se esse homem não for parado, ele não terá limites. E não há como esperar que a Europa branca seja alvo. Não há tempo.

 

¨      Donald Trump e a hipermilitarização do espaço. Por Andrew Korybko

Donald Trump assinou uma Ordem Executiva para construir um Iron Dome para a América, que visa defender a pátria “contra mísseis de cruzeiro balísticos, hipersônicos, avançados e outros ataques aéreos de última geração”. Também incluirá, de forma importante, sistemas de monitoramento e interceptação baseados no espaço. Alguns destes terão também “capacidades não cinéticas”, provavelmente se referindo a armas de energia direcionada (directed-energy weapons – DEWs), mas não está claro se elas serão implantadas no solo e/ou no espaço. Aqui estão cinco conclusões dessa mudança monumental.

A retirada unilateral de G. W. Bush Jr. do Tratado de Mísseis Antibalísticos em 2002 levou a Rússia a desenvolver tecnologia hipersônica para evitar que os EUA se sentissem confortáveis o suficiente com seu escudo de defesa antimísseis a ponto de um dia planejar um primeiro ataque após pensar que poderia interceptar o segundo – em resposta – da Rússia. Os planos do Iron Dome de Trump significam que não há como voltar à era de restrições mútuas à defesa antimísseis, o que já era duvidoso depois do que Bush Jr. fez, piorando assim o dilema de segurança russo-americano.

Os EUA acabaram de acelerar a segunda corrida espacial

A segunda Corrida Espacial já está em andamento desde que Donald Trump criou a Força Espacial em 2019, mas sua última Ordem Executiva a acelerou ainda mais ao obrigar a Rússia e a China a priorizarem seus planos de defesa baseados no espaço, o que inevitavelmente resultará na hipermilitarização do espaço. Não há como esses dois não se adequarem por meio da implantação de seus próprios sistemas defensivos, que também poderiam disfarçar armas ofensivas, assim como os EUA podem estar secretamente planejando fazer usando esse pretexto defensivo.

Qualquer país que for o primeiro a se posicionar para realizar bombardeios cinéticos contra outros, o que se refere a lançar projéteis espaciais sobre seu oponente, obterá domínio. Essas armas são popularmente conhecidas como “varas de Deus” e estão prestes a se tornar a próxima superarma, pois podem ser impossíveis de interceptar e podem atacar prontamente os oponentes devido à órbita ameaçadora acima de seus alvos ou em proximidade suficiente deles o tempo todo. Isso os torna um divisor de águas militar.

Os pontos anteriores provam que os planos do Domo de Ferro de Trump são um jogo de poder sem precedentes contra a Rússia e a China. O elemento ofensivo não oficial “varas de Deus” aumenta as chances de que os EUA possam destruir a capacidade de resposta terrestre do inimigo após um primeiro ataque, enquanto a defesa oficial de mísseis visa neutralizar suas capacidades restantes (baseadas em submarinos). O efeito combinado visa colocar seus inimigos sob chantagem nuclear, das quais concessões podem ser conseguidas perpetuamente.

O controle de armas baseado no espaço deve ser uma prioridade

Rússia e China trabalharão para neutralizar o jogo de poder supracitado dos EUA e então revelarão seus próprios sistemas para tentar colocar os EUA sob a mesma posição de chantagem nuclear. Esta é uma dinâmica perigosa, pois um destes três pode sentir que o tempo está se esgotando antes de serem colocados em tal posição e que eles devem, portanto, lançar um primeiro ataque sem demora. A única maneira de reduzir este risco é por meio de um pacto de controle de armas baseado no espaço com mecanismos confiáveis de monitoramento e execução.

Os planos de Donald Trump de construir um Domo de Ferro para a América são um divisor de águas na Nova Guerra Fria, pois levarão a rivalidade dos EUA com Rússia e China a um nível qualitativamente mais perigoso. A consequente hipermilitarização do espaço, que ocorrerá como resultado da implantação de interceptores por Trump – que poderiam disfarçar armas ofensivas tais como “varas de Deus” – aumenta o risco de guerra por erro de cálculo. Um pacto de controle de armas baseado no espaço entre eles é improvável em breve, mas é a única maneira de reduzir esse risco.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Brasil 247

 

Nenhum comentário: