David MCNally: Donald
Trump acabou com o neoliberalismo?
Será que o
neoliberalismo acabou nessa semana com as tarifas anunciadas por Donald Trump,
perguntou um amigo. Fomos solicitados a responder em cinco sentenças ou menos.
Eu escrevi o seguinte:
“Se o
neoliberalismo era um programa, institucionalmente incorporado, para restaurar
a rentabilidade e a acumulação, então, após um período de sucesso considerável
(1982-2007), entrou numa crise massivamente desestabilizadora em 2008-9. Essa
crise não era solucionável apenas por meios de mercado, a não ser por meio de
uma depressão global.
Mas a “solução”
(resgate bancário, taxas de juro extremamente baixas e tentativas contínuas de
compressão salarial) inaugurou um regime de baixo crescimento e contradições e
antagonismos sociais e geopolíticos intensificados. O trumpismo é uma expressão
particular deste último, concebido para deslocar antagonismos para “ameaças
estrangeiras”, tanto interna como externamente. Há uma série de mutações no
neoliberalismo que profundamente alteraram suas operações principais, mas ainda
não produziram uma nova forma estável”.
Deixe-me
acrescentar agora que, na biologia evolutiva, alguns dizem que um conjunto de
novas formas mutacionais produz “monstros esperançosos”. A maioria das mutações
acaba por não ser viável. Acredito que as monstruosas mutações de Donald Trump
também se revelarão inviáveis – ou seja, reproduzir-se com sucesso ao longo de
um quarto de século ou mais como uma forma social viável.
Donald Trump não
tem um programa para desencadear uma nova onda de acumulação global de capital.
Ele trata a economia mundial em grande parte como um jogo de soma zero em que
maiores parcelas das receitas mundiais deveriam ser transferidas para os
capitalistas dos EUA – horizontalmente pelos trabalhadores e verticalmente
pelos rivais capitalistas, incluindo a China. Mas esta fórmula é uma fórmula
para o estagnacionismo brutal – aumento do conflito intercapitalista no meio de
uma economia de baixo crescimento.
O nosso “monstro
esperançoso”, claro, é a classe trabalhadora internacional – que necessitará de
novas formas mutacionais próprias para estar à altura da tarefa de derrubar o
capital global. Essa é outra história e, em última análise, a mais crucial.
¨ Primeiras imagens. Por Alexandre Aragão de Albuquerque
A força das imagens
e símbolos está na sua capacidade de transmitir ideias, valores e emoções,
sendo usados com muita eficácia para captar a atenção de públicos específicos.
Pensadas e planejadas
para transmitir uma mensagem, as imagens podem provocar o despertar de
sentimentos devido à sua capacidade de ação subliminar e emocional. Estratégias
propagandísticas são frequentemente utilizadas para a construção da opinião
pública massificada, por meio do poder de persuasão e convencimento que imagens
e símbolos exercem na formação da identidade social.
Símbolos e imagens
revelam significados da vivência de cada cultura, uma vez que os povos
ressignificam no símbolo a realidade vivida, aplicando concepções de mundo e
entendimento diversos e que precisam ser constantemente ressignificados.
Imagens e símbolos
controlam os meios de comunicação social que interessam ao poder ideológico e à
sua manutenção. No mundo contemporâneo, a tecnologia multimidiática é
amplamente utilizada como forma de sedução e de domínio ideológico. Não sem
intenção uma imagem transmitida em rede global foi a do primeiro pelotão das
autoridades presentes na posse presidencial de Donald Trump, no último dia 20
de janeiro, composto pelos donos das quatro maiores big tech da comunicação
digital ocidental: Meta, Google, Amazon e X.
No movimento
nazista alemão encontra-se historicamente uma estratégia bem definida de
atrelar o símbolo da suástica – um dos símbolos presentes em diversas
civilizações, considerado inclusive como símbolo religioso – buscando
popularizá-lo na fabricação do consenso, por meio de intensiva propaganda
repetitiva, limitando e restringindo a suástica ao significado pejorativo que
alude ao nazismo. O bolsofascismo brasileiro seguiu a mesma direção ao querer
vincular a camisa amarela da seleção brasileira de futebol como símbolo
neofascista nacional, como viu-se em diversas manifestações populares ao longo
do governo Bolsonaro e no atentado do 8 de janeiro de 2023.
Em sua obra Mein
Kampf, Adolf Hitler apregoava que é por meio da propaganda que se estimula os
propósitos do coletivo com a veemência da comunicação social publicizada e
incorporada em toda a organização corporativa, que não leva em consideração a
veracidade, mas a capacidade de convencimento: “A propaganda deve fustigar a
alma da multidão, alavancando o fanatismo, visando a desenvolver uma violência
histérica, dirigindo-se, não tanto ao cérebro, mas aos sentimentos da massa
humana”, afirmava o ditador alemão.
Manter sua base
mobilizada, portanto, é um dos objetivos traçados por Donald Trump nestes
primeiros dias de governo. Em sua cerimônia de posse, em 20 de janeiro, quando
anunciou que iria modificar o nome do Golfo do México para o Golfo da América, o
público presente ficou de pé aplaudindo-o demoradamente.
Outra imagem
internacional marcante desses primeiros dias do governo de Donald Trump é a de
migrantes latino-americanos sendo aprisionados e algemados nas mãos e nos pés,
colocados feito gado em aviões de volta a seus países de origem. Demonstrando
claramente um dos aspectos da ideologia totalitária para a qual contra o
inimigo tudo é permitido.
Hannah Arendt
explicita em seu livro Origens do totalitarismo que uma das características
fundamentais de um governo totalitário é a instituição de procedimentos nos
quais ocorre a degradação da identidade humana. Um dos fundamentos da ideologia
totalitária é que tudo seja permitido contra o inimigo. Assim, as piores
barbáries são toleradas. Os indivíduos que passaram por alguma experiência
nesses regimes totalitários vivenciaram a aniquilação e a perda de sua
identidade.
As ações do Estado
totalitário são executadas para promover o maior tormento possível, psicológico
e físico. A finalidade dessa ideologia é destruir os direitos civis da
população, que se vê, afinal, tão fora da lei em seu próprio país como os
apátridas e os refugiados. A destruição dos direitos humanos, a morte da sua
pessoa jurídica, é a condição primordial para que seja inteiramente dominado. E
isso não se aplica apenas àquelas categorias especiais, mas a qualquer
habitante.
Em Barbárie e
civilização, Tzvetan Todorov assinala a enfermidade de dogmatismos autoritários
por se convencerem de deter a exclusividade da verdade e da justiça, impondo ao
outro a mudez, a invisibilidade, negando-lhe a plena humanidade, impondo-lhe a
exclusão da vida em civilização. Para conseguirem tal dominação, esses
fascistas atuam considerando os outros como menos humanos.
Ainda é importante
relembrar, neste momento em que um expansionismo nacionalista do império
estadunidense volta com todo furor diante da falência da ordem institucional
internacional instituída no pós-guerra, que tanto Adolf Hitler quanto Benito
Mussolini – expressões máximas do nazifascismo europeu do século XX –
inspiraram-se no genocídio perpetrado pelos EUA contra o povo indígena
originário do continente da América do Norte. Portanto, esse tipo de horror não
é algo que se inicia com Donald Trump.
Estima-se que mais
de 25 milhões de seres humanos indígenas, originários daquele imenso
território, compondo cerca de dois mil idiomas diferentes, foram dizimados
pelos estadunidenses, durante o século XIX, numa verdadeira limpeza étnica.
Para o etnólogo
Ward Churchill, da Universidade do Colorado, caracterizou-se um enorme
genocídio, o mais prolongado que a humanidade registra. Os colonos
estadunidenses costumavam invadir aldeias indígenas a sequestrar crianças e
adolescentes para trabalho escravo. (Killing Native Americans California.
Vídeo).
Por fim, ao
anunciar uma nova etapa indiscriminada da guerra de sanções econômicas, Trump
resgata a política de Woodrow Wilson (1856-1924), 28º. Presidente dos EUA, para
quem as sanções eram uma ferramenta poderosa de sufocar um Estado, causando
escassez de alimentos e medicamentos, entre outros males, para a população
civil dos países sancionados, sem precisar recorrer a gastos militares nem
mortes desnecessárias de soldados norte-americanos em campos de batalha.
A ciência política
tem Maquiavel como uma referência de observador arguto da dinâmica do poder. Ao
defender que as emoções humanas são volúveis, pois as lealdades construídas nos
ambientes políticos podem ser facilmente abaladas por diversas dificuldades e
ameaças, o florentino defende a tese de que o Príncipe deve desejar ser amado,
mas não podendo sê-lo, é preferível ser temido.
Tudo leva a crer
que os primeiros movimentos de Donald Trump – nessa guerra internacional de
construção de uma nova ordem hegemônica estadunidense – farão uso da tese
maquiaveliana a qualquer custo.
¨ O mundo
precisa parar Trump. Por Oliveiros Marques
Nada mais emblemático do que estar ao lado do primeiro-ministro de
Israel, Benjamin Netanyahu, para que Trump comprove sua determinação em
patrocinar uma limpeza étnica no mundo. A afirmação de que os palestinos
deveriam ser retirados à força da Faixa de Gaza é de uma violência extrema. Em
rede mundial, Trump defende um crime contra a humanidade.
O bilionário norte-americano quer expulsar um povo inteiro, obviamente
contra sua vontade, para outros 12 países da região. Nunca é demais lembrar que
os palestinos estão na Faixa de Gaza porque foram expulsos das terras onde
viviam, hoje parte do Estado de Israel. Curioso que, entre os 12 países que
supostamente receberiam a diáspora palestina, Trump não inclua o território
governado por Bibi — que, aliás, se formou em escolas norte-americanas e sabe
muito bem o que está fazendo.
Trump é de um cinismo indescritível ao tentar pintar sua proposta como
uma ação humanitária. Esqueceu apenas de dizer que Gaza está destruída porque é
atacada, de forma igualmente criminosa, pelo exército comandado por Netanyahu,
que não poupa hospitais, escolas, crianças, idosos. Porque, para eles, os
palestinos são um povo inferior. E Trump demonstra concordar. Os extremistas
israelenses, com o apoio dos extremistas americanos, pensam sobre os palestinos
exatamente o que Hitler e seus seguidores pensavam sobre os judeus. E o
resultado, bem, o resultado é história.
Primeiro foi a anistia aos extremistas supremacistas que invadiram o
Capitólio. Depois, a perseguição e expulsão de migrantes latinos dos EUA. A
tentativa de tomar a Groelândia na mão grande, a ideia de anexar o Canadá, o
plano de tungar o Canal do Panamá. E o mundo achando normal. Agora, são os
palestinos. Daqui a pouco, pode ser a vez dos irlandeses ou dos italianos que
vivem nos EUA. Os escoceses, por sua vez, ele deve deixar por último — em
respeito à sua mãe.
Se o mundo não percebeu o embrião do nazismo no “Putsch da Cervejaria”
em Munique, quando Hitler e membros do Partido Nazista tentaram derrubar o
governo da Baviera, hoje não nos é permitido ignorar para onde Trump quer e
pode levar essa escalada de ódio. Se esse homem não for parado, ele não terá
limites. E não há como esperar que a Europa branca seja alvo. Não há tempo.
¨ Donald Trump e a hipermilitarização do espaço. Por
Andrew Korybko
Donald Trump
assinou uma Ordem Executiva para construir um Iron Dome para a
América, que visa defender a pátria “contra mísseis de cruzeiro balísticos,
hipersônicos, avançados e outros ataques aéreos de última geração”. Também
incluirá, de forma importante, sistemas de monitoramento e interceptação
baseados no espaço. Alguns destes terão também “capacidades não cinéticas”,
provavelmente se referindo a armas de energia direcionada (directed-energy
weapons – DEWs), mas não está claro se elas serão implantadas no solo e/ou no
espaço. Aqui estão cinco conclusões dessa mudança monumental.
A retirada
unilateral de G. W. Bush Jr. do Tratado de Mísseis Antibalísticos em 2002 levou
a Rússia a desenvolver tecnologia hipersônica para evitar que os EUA se
sentissem confortáveis o suficiente com seu escudo de defesa antimísseis a ponto
de um dia planejar um primeiro ataque após pensar que poderia interceptar o
segundo – em resposta – da Rússia. Os planos do Iron Dome de Trump
significam que não há como voltar à era de restrições mútuas à defesa
antimísseis, o que já era duvidoso depois do que Bush Jr. fez, piorando assim o
dilema de segurança russo-americano.
Os EUA acabaram de
acelerar a segunda corrida espacial
A segunda Corrida
Espacial já está em andamento desde que Donald Trump criou a Força Espacial em
2019, mas sua última Ordem Executiva a acelerou ainda mais ao obrigar a Rússia
e a China a priorizarem seus planos de defesa baseados no espaço, o que
inevitavelmente resultará na hipermilitarização do espaço. Não há como esses
dois não se adequarem por meio da implantação de seus próprios sistemas
defensivos, que também poderiam disfarçar armas ofensivas, assim como os EUA
podem estar secretamente planejando fazer usando esse pretexto defensivo.
Qualquer país que
for o primeiro a se posicionar para realizar bombardeios cinéticos contra
outros, o que se refere a lançar projéteis espaciais sobre seu oponente, obterá
domínio. Essas armas são popularmente conhecidas como “varas de Deus” e estão
prestes a se tornar a próxima superarma, pois podem ser impossíveis de
interceptar e podem atacar prontamente os oponentes devido à órbita ameaçadora
acima de seus alvos ou em proximidade suficiente deles o tempo todo. Isso os
torna um divisor de águas militar.
Os pontos
anteriores provam que os planos do Domo de Ferro de Trump são um jogo de poder sem
precedentes contra a Rússia e a China. O elemento ofensivo não oficial “varas
de Deus” aumenta as chances de que os EUA possam destruir a capacidade de
resposta terrestre do inimigo após um primeiro ataque, enquanto a defesa
oficial de mísseis visa neutralizar suas capacidades restantes (baseadas em
submarinos). O efeito combinado visa colocar seus inimigos sob chantagem
nuclear, das quais concessões podem ser conseguidas perpetuamente.
O controle de armas
baseado no espaço deve ser uma prioridade
Rússia e China
trabalharão para neutralizar o jogo de poder supracitado dos EUA e então
revelarão seus próprios sistemas para tentar colocar os EUA sob a mesma posição
de chantagem nuclear. Esta é uma dinâmica perigosa, pois um destes três pode
sentir que o tempo está se esgotando antes de serem colocados em tal posição e
que eles devem, portanto, lançar um primeiro ataque sem demora. A única maneira
de reduzir este risco é por meio de um pacto de controle de armas baseado no
espaço com mecanismos confiáveis de monitoramento e execução.
Os planos de Donald
Trump de construir um Domo de Ferro para a América são um divisor de águas na
Nova Guerra Fria, pois levarão a rivalidade dos EUA com Rússia e China a um
nível qualitativamente mais perigoso. A consequente hipermilitarização do
espaço, que ocorrerá como resultado da implantação de interceptores por Trump –
que poderiam disfarçar armas ofensivas tais como “varas de Deus” – aumenta o
risco de guerra por erro de cálculo. Um pacto de controle de armas baseado no espaço
entre eles é improvável em breve, mas é a única maneira de reduzir esse risco.
Fonte: A Terra é
Redonda/Brasil 247
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