sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Orlando Calheiros: Por que o governo Lula está cada vez mais refém da direita?

Diante da queda de popularidade do governo Lula e da chamada Crise do Pix, quando uma fake news de Nikolas Ferreira, impulsionada pelo Instagram da Meta, causou uma queda do uso da ferramenta bancária, o governo ainda hesita em como reagir. Coube à Erika Hilton fazer um vídeo viral desmentindo, enquanto o governo batia cabeça.

O problema não é apenas a comunicação. Antes fosse! A atuação desastrosa do governo durante a chamada Crise do Pix e sua reiterada incapacidade de gerir crises são sintomas de um problema que vai além da comunicação: é a expressão de um problema mais profundo.

O resultado direto da aposta do governo em uma estratégia repisada, em um modelo desgastado de conciliação entre agendas que, por definição, são inconciliáveis: uma aliança, por exemplo, entre os interesses dos trabalhadores e as demandas de setores industriais, entre o desenvolvimento social e os interesses do mercado, entre a promoção da diversidade e as pressões de grupos conservadores.

O resultado? Uma espécie de estado contínuo de crise de identidade que não apenas mina, dia após o outro, a popularidade do governo, como a sua própria capacidade de governar. Tornando-o um alvo fácil para a rapinagem do Centrão e campanhas de desinformação da direita.

E escrevo esta coluna no momento em que mais de 100 deputados, inclusive parlamentares que pertencem à base do governo, assinam um pedido de impeachment, provavelmente, natimorto.

Aqui, como sempre, é necessário recorrer à história para entendermos o presente. Como todos sabem, essa aposta na conciliação não é nenhuma novidade quando se trata das gestões petistas.

Desde o primeiro governo Lula – de fato, desde antes –, a estratégia sempre foi a de costurar alianças com setores historicamente antagônicos. Acreditava-se que um projeto desenvolvimentista consistente, o crescimento da nação, seria suficiente para mediar os conflitos entre os contrários.

Todos estariam bem enquanto fosse um bom negócio para todo mundo. Funcionou até deixar de funcionar.

O governo de Dilma Rousseff expôs os limites desse projeto já em seu primeiro mandato, quando ficou claro que a sanha pelo poder de alguns destes setores não seria contida por ganhos financeiros. E que quem me lê tenha em mente que não estou falando de manobras ilegais.

A solução desesperada para frear o avanço golpista foi convocar Lula, como um Messias político, para salvar o barco à deriva. Não deu certo. O então ex-presidente foi impedido e o governo de Dilma caiu, vítima de um golpe promovido e financiado por setores que foram amplamente beneficiados pelo seu governo, como o agronegócio.De fato, setores que formavam a base de seu próprio governo.

Desde então, uma pergunta nos persegue: não tivesse sido impedido em 2016, Lula teria revertido a escalada conservadora? É factível imaginar que um único homem, por mais carismático e astuto que fosse, seria capaz de desmantelar o conluio entre militares, judiciário, agro, mercado e grupos conservadores ávidos pelo poder? A resposta me parece óbvia, inclusive para o próprio Lula, que afirmou categoricamente que seria incapaz de impedir o impeachment da ex-presidenta.

Contudo, essa constatação, um tanto óbvia, não impediu que o seu terceiro governo investisse na mesma estratégia, revisando o tom messiânico de sua convocação ministerial de outrora. Mais uma vez, repetiu-se a aposta de que o presidente Lula seria capaz de, sozinho, pela sua mera presença, carisma e astúcia, desmantelar o conluio de forças conservadores que tomou conta do país nos últimos anos, de cooptá-las para um novo projeto comum de desenvolvimento da nação brasileiro.

Não tem funcionado. Em larga medida, pois o Brasil de 2025 não é o mesmo de 2002.

A sociedade mudou. E muito! Os grupos conservadores de outrora, os mesmos que aceitaram participar dos primeiros governos Lula, que se beneficiaram de suas políticas desenvolvimentistas, que foram contemplados pela sua diplomacia conciliatória, muitos deles já não se satisfazem mais com um papel secundário na política. Querem mais do que apenas serem contemplados pela política, querem controlá-la. Desejam estar no centro do poder, desejam propriamente governar!

Um desejo que se ancora na capacidade desse conluio de manipular e surfar na insatisfação dos “endividados”, os “novos pobres” do Brasil. Estes que, diferente dos famélicos e pobres do passado, não se sentem contemplados pelas ações do governo voltadas para, justamente, os mais pobres. As mesmas que, no passado, garantiram a Lula uma ampla margem de aprovação popular, especialmente ao fim de seu segundo mandato.

Dito de outra forma, o PT e Lula, que nos anos 1990 e 2000 souberam canalizar tão bem a fome literal do povo, transformando-a em revolta política, hoje não conseguem dialogar com a fome simbólica de uma classe trabalhadora endividada, asfixiada pela diminuição de seu poder de compra e consumo.

E é aqui, justamente, que aparecem os problemas de comunicação do governo. As estratégias adotadas até o momento não tem se mostrado capazes de angariar e manter o apoio da população, especialmente dos “endividados”.

Não há grandes esforços na segmentação da mensagem, na consolidação de novos interlocutores capazes de alcançar públicos distintos, em novas linguagens e mídias. Há, apenas – e quando há – uma aposta na palavra e na imagem do presidente Lula, na esperança de que, mais uma vez, ele sozinho seja capaz de fazer algo acontecer, de mobilizar a população contra o conluio conservador.

O governo se percebe encurralado no Planalto. Incapaz de reverter o jogo por meio da pressão popular, se vê, mais uma vez, obrigado a negociar com aqueles que “representam” a insatisfação da população. Justamente com os políticos que representam o conluio conservador.

Percebem o tamanho do problema? Se antes o governo negociava com esses setores conservadores tendo a pressão popular ao seu favor, agora o faz em termos cada vez mais desiguais. Lula, sozinho, não será capaz de reverter esse quadro, como nunca foi.

Ao contrário do que se imagina, Lula não governou sozinho. O sucesso de seus governos anteriores, inclusive do seu projeto de conciliação, foi, em larga medida, o resultado de um esforço coletivo, do trabalho de pessoas que iam de José Dirceu a anônimos que atuavam na base.

O campo progressista atuava em uma espécie de – com o perdão do oxímoro – consonância dissonante que lhe garantia um poder de barganha diante dos setores conservadores.

Uma consonância dissonante que se dissolveu ao longo dos últimos anos, seja pelo abandono do “trabalho de base”, e aqui se inclui a renovação das estratégias de comunicação, por parte dos setores progressistas, seja pela ossificação partidária que impede a renovação dos quadros políticos, tornando-os mais alinhados com a população, e pelo fortalecimento da tendência autofágica do próprio campo, cada vez mais comprometido com disputas internas do que com a construção de um projeto verdadeiramente coletivo.

O descompasso do nosso campo explica as crises recentes do governo, mas também o fracasso retumbante da esquerda nas eleições municipais. E isso só irá mudar quando ocorrer uma mudança estrutural na própria forma como as esquerdas se organizam. Uma mudança que passa pela compreensão de que Lula é apenas um homem e não um messias reencarnado capaz de continuamente redimir a esquerda de seus pecados.

 

¨      Se é para a felicidade geral, Lula diz ao povo quem fica. Por Denise Assis

Sabedor do seu destino na terra, (veio, segundo a bíblia, apenas para cumprir o que o pai havia designado), Jesus deixou por aqui o apóstolo Pedro, como seu substituto, incumbido de erigir a sua Igreja. Calma! Não entrei para uma igreja neopentecostal, tampouco estou ministrando o catecismo. A introdução é para concluir: ninguém é insubstituível. Nem Cristo. Porém, aqui é preciso uma ressalva: só o ministro José Múcio. 

Explico. Há cerca de seis meses – e nessa trajetória muitas falas e atitudes suas foram, no mínimo, controversas -, José Múcio anunciava que iria embora. Mas, em ritmo de bolero de Paulo Diniz (“Como vou deixar você, seu eu te amo”), Múcio foi ficando. A cada marola na área militar, lá vinha ele, para a mídia, com a mesma cantilena. A família, os netinhos, todos pediam que fosse para casa, mas por imensa gratidão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que atravessou o campo ideológico e foi buscá-lo lá na “direitona” (José Múcio apoiou a ditadura), foi ficando. 

Ora, todos nós sabemos que quem quer sair pega o boné (estão em alta) e vai embora. Não tem gratidão, choramingos e pedidos presidenciais que impeça.  A menos que o sujeito seja adepto, como é o caso, do ritmo: “são dois para lá, dois para cá”.

José Múcio, a cada tropeço ao atravessar do Planalto para o forte Apache e vice-versa, fazia dengo. Vou deixar o cargo! E não saía. A impressão que se tinha era a de que cavava o pênalti, depois valorizava o passe. As notícias davam conta de que não havia substituto para deixar no lugar. A cada semana, a mídia desfiava nomes possíveis, e nenhum era visto como aprovável. E José Múcio ia ficando.

Na madrugada de segunda para terça-feira, fiquei sabendo da decisão presidencial. Múcio Fica! E, de novo, o argumento foi: não há quem o possa substituir, nesse momento. Ah! Bom! O “nesse momento” aqui é fundamental. 

E por que José Múcio não pode sair nesse momento? Como sabemos, o PGR Paulo Gonet, está a um passo do fecho nas intermináveis investigações da Polícia Federal (PF), para, enfim, se pronunciar sobre os 40 envolvidos no golpe de 8 de janeiro. Entre eles, há dois ex-comandantes do Exército Brasileiro, generais de quatro estrelas, e de três oficiais com patentes de coronel – quase atingindo o generalato -, e queridinhos do comando. Além de um almirante com posto de comando.

A situação é inédita. Nunca antes na história desse país..., generais desse calão tiveram de acertar contas com a Justiça comum. Para a sociedade, o discurso do Alto Comando é o de que paguem por seus crimes. E haja crime! Tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado de direito, tentativa de homicídio contra o presidente da República, seu vice, de um ministro do Supremo – e o sequestro de mais um -, enfim, a folha corrida dos militares envolvidos é extensa. 

E o que a ficada de José Múcio tem a ver com isso? Muito. Como sabemos, Múcio chegou à esplanada a bordo de 12 itens de exigências das Forças Armadas. A Defesa foi a única pasta a nem sequer participar da transição. Não precisou. Seu nome foi imposto pelos comandos militares para cumprir uma pauta determinada. Entre os itens, impedir a reforma dos currículos das escolas militares, proteger e impedir mudanças na previdência especial das três Forças, a manutenção do critério de antiguidade para as promoções nas carreiras militares e outros.

Nas condições que o governo Lula iniciou – sobrevivendo a uma tentativa de golpe -, não havia o que discutir. Não se sabia, àquela altura, quem havia ou não aderido à conspiração. Portanto, o melhor era acatar e negociar o dia a dia. Conhecido do presidente de longa data – Múcio deve a ele ter a indicação para o TCU -, melhor era se ajeitar com ele e confiar em suas “costuras”, à base de muito cafezinho e posteriores almoços, quando o clima já estava mais ameno, pós o 8 de janeiro.

Nesse meio tempo, Múcio foi mais porta-voz dos militares do que ministro do presidente Lula. A ponto de não se sentir atingido, quando o embaixador de Israel considerou Lula “persona non grata” ao seu país. Para José Múcio, as relações não rompidas permitiam a liberalidade de prosseguir com a compra de obuses para as Forças Armadas brasileiras, daqueles que haviam ofendido o seu presidente. Não era com ele.

Isso, do ponto de vista do governo. Na perspectiva dos militares, derrapou quando não conseguiu demover o ministro Fernando Haddad e tampouco o presidente Lula, de impor aos militares alterações no tempo das aposentadorias, com o fim de alcançar a meta fiscal. Não se conformaram em ter uma das cláusulas do cardápio apresentado a Lula, na nomeação de José Múcio, rompida num acordo que desceu grosso na caserna. 

Tromba daqui, cambaleia de lá, o ministro via o calo doer e anunciava: “vou sair!” E ficava... No popular, “fazia doce”. Mostrava-se “insubstituível”. Até que, às vésperas da resolução de Gonet sobre Bolsonaro, Lula anunciou o “fico”. 

O recado chegou. José Múcio vai precisar transitar muito entre o forte apache, o Planalto e o judiciário, levando as negociações do “estica e puxa” que envolverá o julgamento de generais como Walter Braga Netto e Paulo Sergio Oliveira, por exemplo. A condenação de um Mauro Cid, do seu pai, Mauro Cesar Lourena Cid, e dos dois já citados, vai abalar o Alto Comando. Será mesmo necessário um plástico bolha para amaciar os abalos que tudo isso irá provocar. Daí, José Múcio fica. 

Outro confirmado hoje, por Lula, foi o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energias. Esse, sim, surpreendeu. Começou cercado de desconfiança do PT, mas conseguiu apaziguar a área – principalmente a relação com a Petrobras -, e segue firme. Mas há nomes na fila de saída. Aguardemos.

 

Fonte: The Intercept/Brasil 247

 

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