Orlando Calheiros: Por que o governo Lula está cada vez
mais refém da direita?
Diante da queda de popularidade do
governo Lula e da
chamada Crise do Pix, quando uma fake
news de Nikolas Ferreira, impulsionada pelo Instagram da Meta, causou uma queda
do uso da ferramenta bancária, o governo ainda hesita em como reagir. Coube à
Erika Hilton fazer um vídeo viral desmentindo, enquanto o
governo batia cabeça.
O problema não é apenas a comunicação. Antes fosse! A
atuação desastrosa do governo durante a chamada Crise do Pix e sua reiterada
incapacidade de gerir crises são sintomas de um problema que vai além da
comunicação: é a expressão de um problema mais profundo.
O resultado direto da aposta do governo em uma
estratégia repisada, em um modelo desgastado de conciliação entre agendas que,
por definição, são inconciliáveis: uma aliança, por exemplo, entre os
interesses dos trabalhadores e as demandas de setores industriais, entre o
desenvolvimento social e os interesses do mercado, entre a promoção da
diversidade e as pressões de grupos conservadores.
O resultado? Uma espécie de estado contínuo de crise de
identidade que não apenas mina, dia após o outro, a popularidade do governo,
como a sua própria capacidade de governar. Tornando-o um alvo fácil para a
rapinagem do Centrão e campanhas de desinformação da direita.
E escrevo esta coluna no momento em que mais de 100
deputados, inclusive parlamentares que pertencem à base do governo, assinam
um pedido de impeachment, provavelmente,
natimorto.
Aqui, como sempre, é necessário recorrer à história
para entendermos o presente. Como todos sabem, essa aposta na conciliação não é
nenhuma novidade quando se trata das gestões petistas.
Desde o primeiro governo Lula – de fato, desde antes –,
a estratégia sempre foi a de costurar alianças com setores historicamente
antagônicos. Acreditava-se que um projeto desenvolvimentista consistente, o
crescimento da nação, seria suficiente para mediar os conflitos entre os
contrários.
Todos estariam bem enquanto fosse um bom negócio para
todo mundo. Funcionou até deixar de funcionar.
O governo de Dilma Rousseff expôs os limites desse
projeto já em seu primeiro mandato, quando ficou claro que a sanha pelo poder
de alguns destes setores não seria contida por ganhos financeiros. E que quem
me lê tenha em mente que não estou falando de manobras ilegais.
A solução desesperada para frear o avanço golpista foi
convocar Lula, como um Messias político, para salvar o barco à deriva. Não deu
certo. O então ex-presidente foi impedido e o governo de Dilma caiu, vítima de
um golpe promovido e financiado por setores que foram amplamente beneficiados
pelo seu governo, como o agronegócio.De fato, setores que formavam a base de
seu próprio governo.
Desde então, uma pergunta nos persegue: não tivesse
sido impedido em 2016, Lula teria revertido a escalada conservadora? É factível
imaginar que um único homem, por mais carismático e astuto que fosse, seria
capaz de desmantelar o conluio entre militares, judiciário, agro, mercado e
grupos conservadores ávidos pelo poder? A resposta me parece óbvia, inclusive
para o próprio Lula, que afirmou categoricamente que seria incapaz de impedir o
impeachment da ex-presidenta.
Contudo, essa constatação, um tanto óbvia, não impediu
que o seu terceiro governo investisse na mesma estratégia, revisando o tom
messiânico de sua convocação ministerial de outrora. Mais uma vez, repetiu-se a
aposta de que o presidente Lula seria capaz de, sozinho, pela sua mera
presença, carisma e astúcia, desmantelar o conluio de forças conservadores que
tomou conta do país nos últimos anos, de cooptá-las para um novo projeto comum
de desenvolvimento da nação brasileiro.
Não tem funcionado. Em larga medida, pois o Brasil de
2025 não é o mesmo de 2002.
A sociedade mudou. E muito! Os grupos conservadores de
outrora, os mesmos que aceitaram participar dos primeiros governos Lula, que se
beneficiaram de suas políticas desenvolvimentistas, que foram contemplados pela
sua diplomacia conciliatória, muitos deles já não se satisfazem mais com um
papel secundário na política. Querem mais do que apenas serem contemplados pela
política, querem controlá-la. Desejam estar no centro do poder, desejam
propriamente governar!
Um desejo que se ancora na capacidade desse conluio de
manipular e surfar na insatisfação dos “endividados”, os “novos pobres” do
Brasil. Estes que, diferente dos famélicos e pobres do passado, não se sentem contemplados
pelas ações do governo voltadas para, justamente, os mais pobres. As mesmas
que, no passado, garantiram a Lula uma ampla margem de aprovação popular,
especialmente ao fim de seu segundo mandato.
Dito de outra forma, o PT e Lula, que nos anos 1990 e
2000 souberam canalizar tão bem a fome literal do povo, transformando-a em
revolta política, hoje não conseguem dialogar com a fome simbólica de uma
classe trabalhadora endividada, asfixiada pela diminuição de seu poder de
compra e consumo.
E é aqui, justamente, que aparecem os problemas de
comunicação do governo. As estratégias adotadas até o momento não tem se
mostrado capazes de angariar e manter o apoio da população, especialmente dos
“endividados”.
Não há grandes esforços na segmentação da mensagem, na
consolidação de novos interlocutores capazes de alcançar públicos distintos, em
novas linguagens e mídias. Há, apenas – e quando há – uma aposta na palavra e
na imagem do presidente Lula, na esperança de que, mais uma vez, ele sozinho
seja capaz de fazer algo acontecer, de mobilizar a população contra o conluio
conservador.
O governo se percebe encurralado no Planalto. Incapaz
de reverter o jogo por meio da pressão popular, se vê, mais uma vez, obrigado a
negociar com aqueles que “representam” a insatisfação da população. Justamente
com os políticos que representam o conluio conservador.
Percebem o tamanho do problema? Se antes o governo
negociava com esses setores conservadores tendo a pressão popular ao seu favor,
agora o faz em termos cada vez mais desiguais. Lula, sozinho, não será capaz de
reverter esse quadro, como nunca foi.
Ao contrário do que se imagina, Lula não governou
sozinho. O sucesso de seus governos anteriores, inclusive do seu projeto de
conciliação, foi, em larga medida, o resultado de um esforço coletivo, do
trabalho de pessoas que iam de José Dirceu a anônimos que atuavam na base.
O campo progressista atuava em uma espécie de – com o
perdão do oxímoro – consonância dissonante que lhe garantia um poder de
barganha diante dos setores conservadores.
Uma consonância dissonante que se dissolveu ao longo
dos últimos anos, seja pelo abandono do “trabalho de base”, e aqui se inclui a
renovação das estratégias de comunicação, por parte dos setores progressistas,
seja pela ossificação partidária que impede a renovação dos quadros políticos,
tornando-os mais alinhados com a população, e pelo fortalecimento da tendência
autofágica do próprio campo, cada vez mais comprometido com disputas internas
do que com a construção de um projeto verdadeiramente coletivo.
O descompasso do nosso campo explica as crises recentes
do governo, mas também o fracasso retumbante da esquerda nas eleições
municipais. E isso só irá mudar quando ocorrer uma mudança estrutural na
própria forma como as esquerdas se organizam. Uma mudança que passa pela
compreensão de que Lula é apenas um homem e não um messias reencarnado capaz de
continuamente redimir a esquerda de seus pecados.
¨ Se é para a
felicidade geral, Lula diz ao povo quem fica. Por Denise Assis
Sabedor do seu destino na
terra, (veio, segundo a bíblia, apenas para cumprir o que o pai havia
designado), Jesus deixou por aqui o apóstolo Pedro, como seu substituto,
incumbido de erigir a sua Igreja. Calma! Não entrei para uma igreja
neopentecostal, tampouco estou ministrando o catecismo. A introdução é para
concluir: ninguém é insubstituível. Nem Cristo. Porém, aqui é preciso uma
ressalva: só o ministro José Múcio.
Explico. Há cerca de seis
meses – e nessa trajetória muitas falas e atitudes suas foram, no mínimo,
controversas -, José Múcio anunciava que iria embora. Mas, em ritmo de bolero
de Paulo Diniz (“Como vou deixar você, seu eu te amo”), Múcio foi ficando. A
cada marola na área militar, lá vinha ele, para a mídia, com a mesma cantilena.
A família, os netinhos, todos pediam que fosse para casa, mas por imensa
gratidão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que atravessou o campo
ideológico e foi buscá-lo lá na “direitona” (José Múcio apoiou a ditadura), foi
ficando.
Ora, todos nós sabemos que
quem quer sair pega o boné (estão em alta) e vai embora. Não tem gratidão,
choramingos e pedidos presidenciais que impeça. A menos que o sujeito
seja adepto, como é o caso, do ritmo: “são dois para lá, dois para cá”.
José Múcio, a cada tropeço
ao atravessar do Planalto para o forte Apache e vice-versa, fazia dengo. Vou
deixar o cargo! E não saía. A impressão que se tinha era a de que cavava o
pênalti, depois valorizava o passe. As notícias davam conta de que não havia
substituto para deixar no lugar. A cada semana, a mídia desfiava nomes
possíveis, e nenhum era visto como aprovável. E José Múcio ia ficando.
Na madrugada de segunda para
terça-feira, fiquei sabendo da decisão presidencial. Múcio Fica! E, de novo, o
argumento foi: não há quem o possa substituir, nesse momento. Ah! Bom! O “nesse
momento” aqui é fundamental.
E por que José Múcio não
pode sair nesse momento? Como sabemos, o PGR Paulo Gonet, está a um passo do
fecho nas intermináveis investigações da Polícia Federal (PF), para, enfim, se
pronunciar sobre os 40 envolvidos no golpe de 8 de janeiro. Entre eles, há dois
ex-comandantes do Exército Brasileiro, generais de quatro estrelas, e de três
oficiais com patentes de coronel – quase atingindo o generalato -, e
queridinhos do comando. Além de um almirante com posto de comando.
A situação é inédita. Nunca
antes na história desse país..., generais desse calão tiveram de acertar contas
com a Justiça comum. Para a sociedade, o discurso do Alto Comando é o de que
paguem por seus crimes. E haja crime! Tentativa de golpe de Estado, abolição
violenta do estado de direito, tentativa de homicídio contra o presidente da
República, seu vice, de um ministro do Supremo – e o sequestro de mais um -,
enfim, a folha corrida dos militares envolvidos é extensa.
E o que a ficada de José
Múcio tem a ver com isso? Muito. Como sabemos, Múcio chegou à esplanada a bordo
de 12 itens de exigências das Forças Armadas. A Defesa foi a única pasta a nem
sequer participar da transição. Não precisou. Seu nome foi imposto pelos
comandos militares para cumprir uma pauta determinada. Entre os itens, impedir
a reforma dos currículos das escolas militares, proteger e impedir mudanças na
previdência especial das três Forças, a manutenção do critério de antiguidade
para as promoções nas carreiras militares e outros.
Nas condições que o governo
Lula iniciou – sobrevivendo a uma tentativa de golpe -, não havia o que
discutir. Não se sabia, àquela altura, quem havia ou não aderido à conspiração.
Portanto, o melhor era acatar e negociar o dia a dia. Conhecido do presidente
de longa data – Múcio deve a ele ter a indicação para o TCU -, melhor era se
ajeitar com ele e confiar em suas “costuras”, à base de muito cafezinho e
posteriores almoços, quando o clima já estava mais ameno, pós o 8 de janeiro.
Nesse meio tempo, Múcio foi
mais porta-voz dos militares do que ministro do presidente Lula. A ponto de não
se sentir atingido, quando o embaixador de Israel considerou Lula “persona non
grata” ao seu país. Para José Múcio, as relações não rompidas permitiam a
liberalidade de prosseguir com a compra de obuses para as Forças Armadas
brasileiras, daqueles que haviam ofendido o seu presidente. Não era com ele.
Isso, do ponto de vista do
governo. Na perspectiva dos militares, derrapou quando não conseguiu demover o
ministro Fernando Haddad e tampouco o presidente Lula, de impor aos militares
alterações no tempo das aposentadorias, com o fim de alcançar a meta fiscal.
Não se conformaram em ter uma das cláusulas do cardápio apresentado a Lula, na
nomeação de José Múcio, rompida num acordo que desceu grosso na caserna.
Tromba daqui, cambaleia de
lá, o ministro via o calo doer e anunciava: “vou sair!” E ficava... No popular,
“fazia doce”. Mostrava-se “insubstituível”. Até que, às vésperas da resolução
de Gonet sobre Bolsonaro, Lula anunciou o “fico”.
O recado chegou. José Múcio
vai precisar transitar muito entre o forte apache, o Planalto e o judiciário,
levando as negociações do “estica e puxa” que envolverá o julgamento de
generais como Walter Braga Netto e Paulo Sergio Oliveira, por exemplo. A
condenação de um Mauro Cid, do seu pai, Mauro Cesar Lourena Cid, e dos dois já
citados, vai abalar o Alto Comando. Será mesmo necessário um plástico bolha
para amaciar os abalos que tudo isso irá provocar. Daí, José Múcio fica.
Outro confirmado hoje, por
Lula, foi o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energias. Esse, sim,
surpreendeu. Começou cercado de desconfiança do PT, mas conseguiu apaziguar a
área – principalmente a relação com a Petrobras -, e segue firme. Mas há nomes
na fila de saída. Aguardemos.
Fonte: The
Intercept/Brasil 247
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