quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

O que é o 'efeito máquina de lavar' que ajuda a explicar por que tarifas de Trump podem prejudicar os EUA

Não é incomum pensar nas tarifas como uma espécie de "punição" para produtos estrangeiros e os países que os fabricam. No entanto, o "efeito máquina de lavar" ajuda a explicar por que as empresas nacionais e os consumidores locais também acabam pagando os custos da aplicação dessas taxas. Donald Trump, oficializou neste sábado (1/2) seu plano de taxar em 25% importações do Canadá e do México e 10% da China. A medida está relacionada à percepção do presidente dos EUA sobre a má gestão dos governos desses países em relação à migração e ao tráfico de drogas.

A ameaça da imposição de tarifas também recaiu sobre a Colômbia, depois que o governo de Gustavo Petro se recusou a autorizar o pouso de dois aviões militares com cidadãos colombianos deportados. Bogotá acabou aceitando todos os voos com imigrantes deportados — e os Estados Unidos anunciaram que não adotariam as sanções. Mas a postura de Trump sobre o tema migratório e a proteção das fronteiras continua bastante clara: "Como todo o mundo sabe, milhares de pessoas estão entrando em massa através do México e do Canadá, levando o crime e as drogas a níveis nunca vistos". E segundo o republicano, a imposição de tarifas contra as economias mexicana, canadense e chinesa continuará até que os países cooperem com os Estados Unidos na luta contra a "grande ameaça de imigrantes ilegais e drogas mortais".

"A tarifa vinculada à migração e ao fentanil é uma espécie de extorsão", disse à BBC Mundo o economista mexicano Luis de la Calle, que participou das negociações com os Estados Unidos e o Canadá sobre o acordo de livre comércio anterior, o NAFTA. "O que eles querem é começar uma negociação com uma vantagem", disse Joan Domene, economista-chefe para a América Latina da Oxford Economics, também à BBC Mundo.

·        Mas o que isso tem a ver com máquinas de lavar?

A retórica de Trump é que as tarifas retiram dinheiro de empresas estrangeiras para "tornar os americanos mais ricos". Porém, quando economistas analisam experiências passadas, esse nem sempre foi cenário alcançado. As tarifas que Trump aplicou em sua primeira administração, além de afetar empresas estrangeiras, também prejudicaram as empresas locais e os próprios consumidores americanos, de acordo com vários estudos acadêmicos. Longe de enriquecê-las, as famílias tiveram que pagar preços mais altos. E a arrecadação de impostos resultante da imposição de tarifas foi muito baixa em comparação com o que o governo arrecada por meio de impostos individuais e corporativos.

Um exemplo que serve para ilustrar isso é o caso do imposto sobre máquinas de lavar estrangeiras que Trump aplicou em 2018 durante seu primeiro mandato. Um estudo realizado por três renomados economistas, Aaron Flaaen, Ali Hortacsu e Felix Tintelnot, concluiu que o preço das máquinas de lavar nos Estados Unidos subiu 12% como efeito direto dessa tarifa. A ideia da tarifa, que é um imposto sobre produtos importados, era proteger os produtores locais contra a entrada massiva de máquinas de lavar muito baratas do exterior, no que é conhecido como um caso de concorrência desleal ou dumping. "Embora alguns empregos tenham sido criados, os consumidores pagaram um custo muito alto", diz Felix Tintelnot, professor da Duke University, nos EUA, e coautor da pesquisa, à BBC Mundo. Os americanos como um todo pagaram cerca de US$ 820 mil a mais pela compra de máquinas de lavar, por cada emprego criado. "Não foi um bom negócio para eles."

Esse é exatamente o que os economistas chamam de "efeito máquina de lavar": o aumento de preços pago pelas famílias americanas. Em última análise, "os consumidores arcam com o custo do conflito comercial", explica Inga Fechner, economista sênior de comércio global da equipe de pesquisa do banco ING na Alemanha. Uma das consequências dessa experiência é que não apenas o preço das máquinas de lavar importadas subiu, mas os produtores locais também aumentaram os preços. É verdade que nem todas as tarifas são iguais. E que as taxas atuais de Trump contra o México e o Canadá não tem nada a ver com acusações de concorrência desleal, dirigidas especialmente contra produtos chineses. No entanto, o caso das máquinas de lavar não é um exemplo isolado.

Após a oficialização da imposição das taxas pelos EUA - e a resposta de Canadá, México e China à notícia -, a própria Câmara de Comércio dos EUA alertou que as tarifas aumentarão os preços para os americanos. O vice-presidente do órgão, John Murphy, diz que o presidente "está certo em focar em grandes problemas como nossa fronteira quebrada e o flagelo do fentanil", mas alerta que a imposição de tarifas "não resolverá esses problemas e só aumentará os preços para as famílias americanas e prejudicará as cadeias de suprimentos. A Câmara consultará nossos membros, incluindo as principais empresas em todo o país impactadas por essa mudança, para determinar os próximos passos para evitar danos econômicos aos americanos", acrescentou Murphy.

Outros grupos e associações americanas relacionadas ao comércio de bens, agricultura e demais setores também manifestaram preocupações semelhantes. A Associação de Líderes da Indústria de Varejo dos EUA, que inclui grandes nomes como Home Depot, Target e Walgreens, alertou sobre o risco do aumento dos preços para os consumidores americanos nas lojas. "Entendemos que o presidente está trabalhando para chegar a um acordo. Os líderes de todas as quatro nações devem se unir e trabalhar para chegar a um acordo antes de 4 de fevereiro, porque promulgar tarifas de base ampla será prejudicial à economia dos EUA", disse a associação em nota.

A cosultoria TD Economics, do Canadá, sugeriu ainda que os impostos de importação poderiam aumentar o preço médio dos carros nos EUA em cerca de US$ 3.000, enquanto a Associação Nacional de Construtores de Moradias disse que os custos de moradia poderiam aumentar. Nas redes sociais, porém, Trump afirmou que a dor das tarifas "valerá o preço". "Haverá alguma dor? Sim, talvez, e talvez não! Tudo valerá o preço que deve ser pago", escreveu em um post na rede social Truth Social. Ele disse que vários países, incluindo Canadá, México e China, "continuam o roubo de décadas da América, tanto em relação ao comércio, crime e drogas venenosas que são permitidas a fluir tão livremente para a América. Esses dias acabaram", escreveu.

·        Não é um caso isolado

Observando o que aconteceu durante o primeiro governo de Donald Trump, há muitas análises de dados que mostram como a imposição de tarifas também teve efeitos negativos na economia e nos consumidores americanos. "Estudo após estudo mostrou que as tarifas dos EUA desde 2017 foram totalmente repassadas aos compradores americanos", argumentam Kimberly Clausing e Mary Lovely, economistas do Instituto Peterson de Economia Internacional (PIIE), um centro de pesquisa independente com sede em Washington DC.

Outros think tanks, como a conservadora Tax Foundation, publicam pesquisas há anos sobre os danos econômicos causados pelas tarifas nos EUA. "Elas tiveram um impacto líquido negativo na economia dos EUA", diz uma análise recente de Erica York, vice-presidente de Política Tributária Federal da organização. "As tarifas aumentaram os preços e reduziram a produção e o emprego", acrescenta ela.

Essas conclusões são refutadas por aliados do presidente Trump, como Peter Navarro, atual assessor comercial do governo. Seu argumento é que as tarifas não aumentaram nenhum preço durante o primeiro governo do presidente. "Tivemos inflação zero por causa das tarifas", disse ele em declarações à imprensa local, sem dar mais detalhes.

·        Rompimento do acordo comercial?

Embora a tarifa, sem dúvida, cause danos ao país afetado, o primeiro a pagar esse imposto é o importador americano na alfândega ao importar produtos estrangeiros.

Com a nova de tarifa de 25%, o importador americano que importa, por exemplo, abacates, tomates, autopeças, cerveja, aço ou qualquer outro produto mexicano terá que pagar esse valor extra. Como fica mais caro importar o produto, parte do preço extra (ou todo o custo extra) costuma ser repassado ao consumidor final, neste caso o consumidor americano, gerando um aumento na inflação.

No caso dos produtos mexicanos e canadenses, a situação é mais complexa porque os três países norte-americanos mantêm acordos de livre comércio há três décadas. O primeiro foi o NAFTA e o segundo, que ainda está em vigor, é o Tratado entre México, Estados Unidos e Canadá, om USMCA, na sigla em inglês. A aplicação de tarifas "romperia com a ideia de um acordo comercial", explica Valeria Moy, diretora geral do Centro de Pesquisa em Políticas Públicas, IMCO. "É como dizer 'não me interessa'"

Mas os três países precisam uns dos outros porque construíram cadeias de produção que, ao longo dos anos, estiveram intimamente ligadas, com empresas ou fábricas binacionais que dependem de exportações e importações. O principal parceiro comercial dos Estados Unidos é o México, país que envia mais de 80% de suas exportações para o mercado americano. Muitas empresas americanas dependem da fabricação no México e, se não puderem mais importar produtos a um preço competitivo, terão sérios problemas.

·        O que aconteceu no primeiro governo Trump?

"Isso já aconteceu antes", disse Xóchitl Pimienta, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Ciência Política do Instituto de Tecnologia de Monterrey, na Cidade do México, à BBC Mundo.

Durante seu primeiro governo, em 2018, Trump impôs temporariamente tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio, uma medida que causou alarme entre empresas mexicanas e americanas, mas que também acabou tornando os produtos comprados por famílias americanas mais caros. Pimienta explica que muitos estudos foram realizados sobre o efeito nos preços que o consumidor final acabou pagando nos EUA. Um deles mostrou que alguns produtos, como carros, máquinas de lavar, liquidificadores e muitos outros, aumentaram de preço entre 8% e 20% nos EUA, após a imposição de tarifas sobre esses produtos de metal. Outro estudo determinou que o aumento da tarifa custou às famílias americanas cerca de US$ 1.200 por ano em suas compras.

Desta vez, as tarifas contra o México tendem a afetar mais o setor automotivo, o setor agrícola, produtos alimentícios (como abacate, tomate, morango, pimentão), cerveja e tequila, o setor de eletrônicos (como telas de telefones celulares) e manufatura, bem como o setor de petróleo. Mais uma vez, diz Pimienta, "o consumidor final nos Estados Unidos será afetado." Nesse cenário, Trump teria que lidar com as pressões inflacionárias que ele prometeu reduzir durante sua campanha, uma promessa eleitoral que o ajudou a retornar à Casa Branca em meio a um clima de insatisfação com o alto custo de vida.

 

¨      E se a guerra de tarifas de Trump sair pela culatra? Por Armando Alvares Garcia Júnior

A recente crise comercial entre Colômbia e Estados Unidos, desencadeada pela recusa do governo colombiano em receber voos com deportados e a consequente imposição de tarifas de 25% por parte da administração Trump, evidencia o uso de barreiras comerciais como instrumentos de pressão política. Trata-se de um precedente perigoso. Este artigo analisa as repercussões dessa estratégia em outros países latino-americanos, especialmente México, Brasil e América Central, e explora possíveis respostas governamentais diante de futuras coerções econômicas similares.

Em 26 de janeiro de 2025, o presidente Gustavo Petro anunciou que a Colômbia não aceitaria voos com deportados colombianos devido às condições desumanas em que eram transportados. Como resposta, Donald Trump impôs imediatamente tarifas de 25% sobre as importações colombianas e ameaçou aumentá-las para 50% caso a decisão não fosse revertida. Após negociações, em 28 de janeiro, o governo aceitou a chegada dos deportados sob a condição de que fossem transportados em aviões colombianos, o que permitiu a suspensão das tarifas antes de sua implementação.

<><> Tarifas como instrumento de coerção política

Historicamente, as tarifas alfandegárias têm sido utilizadas como ferramentas de proteção econômica, regulando o comércio e protegendo indústrias nacionais da concorrência estrangeira. Entretanto, sua aplicação como instrumento de coerção política representa um desvio significativo dessa função tradicional. Em vez de servirem como mecanismo de equilíbrio comercial, passam a ser empregados para pressionar decisões políticas e diplomáticas, ampliando a instabilidade global.

A dependência econômica do México em relação aos Estados Unidos é significativa, com mais de 75% das exportações mexicanas destinadas ao mercado norte-americano. Em 2024, essas exportações somaram mais de US$ 466 bilhões, consolidando o México como o principal fornecedor de produtos para os EUA. Com a efetivação das tarifas de 25% sobre as importações mexicanas, iniciadas em 1º de fevereiro de 2025, a presidente Claudia Sheinbaum afirmou que seu governo possui planos de contingência e enfatizou a importância de manter um diálogo equilibrado com Washington. O secretário de Economia, Marcelo Ebrard, destacou que tais tarifas podem prejudicar os consumidores americanos, elevando os preços de diversos produtos. Sheinbaum também rejeitou as acusações da Casa Branca sobre supostos vínculos de seu governo com o narcotráfico, reforçando a necessidade de cooperação entre os países. De momento, o governo declarou que implementará medidas tarifárias e não tarifárias sobre diversos produtos norte-americanos. Previsivelmente imporá tarifas de até 25% sobre o milho, a carne suína, o queijo, as batatas e as bebidas alcoólicas, além de restrições para algumas empresas dos EUA que operam no país. Paralelamente, o governo mexicano começou a intensificar contatos diplomáticos com outras potências (como China), para reduzir sua dependência econômica dos EUA.

<><> Brasil diz que haverá reciprocidade

No caso do Brasil, maior exportador mundial de soja e carne bovina (commodities), o impacto das novas tarifas também está sendo avaliado. Em 2023, o país exportou 2,26 milhões de toneladas de carne para mais de 150 mercados, com a China sendo o principal destino. Diante da possibilidade de tarifas impostas pelos EUA, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, caso isso ocorra, haverá reciprocidade por parte do Brasil, indicando uma postura firme na defesa dos interesses comerciais brasileiros e uma busca por diversificação de mercados.

A situação no Canadá escalou após a entrada em vigor das tarifas de 25% sobre produtos canadenses e de 10% sobre os produtos energéticos do país no dia 1º de fevereiro. O primeiro-ministro Justin Trudeau assegurou que seu país responderia de forma decidida e enérgica, implementando contramedidas imediatas. O governo canadense anunciou tarifas de retaliação de 25% sobre produtos americanos no valor de US$ 107 bilhões, com US$ 30 bilhões entrando em vigor imediatamente e os 77 bilhões restantes sendo aplicados em três semanas. Os produtos americanos afetados incluem cerveja, vinho, bourbon, frutas, sucos (como o suco de laranja da Flórida), roupas, equipamentos esportivos, eletrodomésticos, uísque (do Tennessee) e manteiga de amendoim (do Kentucky). Além disso, o Canadá estuda a imposição de tarifas de 100% sobre veículos Tesla, como forma de pressionar um dos aliados mais influentes de Trump, Elon Musk. Especialistas estimam que essas tarifas podem reduzir o PIB canadense em até 2,4% no primeiro ano.

<><> China vai levar o caso à OMC

A China respondeu às tarifas adicionais de 10% impostas pelo governo Trump, justificadas como uma forma de conter o fluxo de fentanil, a imigração ilegal e reduzir o déficit comercial, impondo restrições sobre produtos agrícolas dos EUA, como milho, soja e carne bovina, além de tarifas sobre semicondutores e componentes eletrônicos. Paralelamente, está intensificando contatos diplomáticos para fortalecer sua cooperação econômica com a América Latina. Em resposta à nova ofensiva tarifária de Washington, Pequim anunciou que levará a questão à Organização Mundial do Comércio (OMC) e ampliará, sendo o caso, as contramedidas para proteger seus interesses.

O problema é que a OMC está em crise desde 2019, quando o primeiro governo Trump bloqueou a nomeação de juízes para o órgão de apelação, alegando “ativismo judicial”, o que inviabilizou o sistema de solução de controvérsias da instituição. Diante desse impasse, a China tem duas opções: recorrer ao Acordo Interino de Apelação (MPIA), mecanismo alternativo reconhecido por mais de 20 países, mas não pelos EUA, ou buscar uma decisão em primeira instância na OMC, que, sem possibilidade de apelação, se tornaria automaticamente válida após 60 dias, embora possa ser ignorada por Washington.

<><> Novas tarifas podem impulsionar a demanda por produtos latino-americanos no mercado chinês

Sendo otimistas, a curto prazo, as novas tarifas podem impulsionar a demanda por produtos latino-americanos no mercado chinês, uma vez que as exportações dos Estados Unidos para a China se tornam menos competitivas. No entanto, há riscos de que a guerra comercial entre Washington e Pequim gere instabilidade econômica e prejudique o comércio global, afetando os países da América Latina que dependem da demanda chinesa por commodities (como cobre, soja e petróleo) e tecnologia. No que concerne à América Central, a região depende significativamente das remessas enviadas por imigrantes nos Estados Unidos, que em 2023 atingiram níveis recordes, representando aproximadamente 25% do PIB de alguns países. O comércio bilateral com os EUA também é vital para essas economias, especialmente no contexto do Tratado de Livre Comércio entre República Dominicana, América Central e Estados Unidos (CAFTA-DR), em vigor desde 2004. Por outro lado, Trump declarou que pretende expulsar a Nicarágua do tratado com América Central porque não lhe interessa como sócio. Com a implementação das novas tarifas, os governos locais estão avaliando estratégias para diversificar seus parceiros comerciais e reduzir sua vulnerabilidade econômica, reconhecendo a necessidade de maior coordenação regional para enfrentar as políticas protecionistas dos EUA.

<><> Estratégia de Trump deve potencializar presença chinesa na AL

A curto prazo, a estratégia de Trump pode até fortalecer sua posição de poder. Contudo, a médio e longo prazo, essa política terá um efeito contrário, potencializando a presença chinesa na América Latina. A China tem ampliado significativamente seus investimentos na região, especialmente em setores como infraestrutura, energia e tecnologia. Um exemplo é o megaprojeto portuário de Chancay, no Peru, desenvolvido em parceria entre a estatal chinesa COSCO Shipping Ports e a empresa peruana Volcan Compañía Minera, com um investimento estimado em US$ 3,6 bilhões. Este porto visa facilitar o comércio entre a América do Sul e a Ásia, consolidando o Peru como um centro portuário no Pacífico sul. Na área energética, a China tem impulsionado projetos de energia renovável, com investimentos importantes em energia solar e eólica, contribuindo para a transição energética da região. No âmbito tecnológico, empresas chinesas estão ativamente envolvidas na implementação da tecnologia 5G. A Huawei, por exemplo, tem colaborado com diversos países latino-americanos para desenvolver a infraestrutura necessária para esta rede, fortalecendo a conectividade e impulsionando a inovação tecnológica. Vários países latino-americanos, incluindo México, Brasil e, de forma pragmáticaArgentina, estão fortalecendo suas relações comerciais com a China e a Índia, buscando diversificar seus parceiros econômicos e reduzir a dependência dos Estados Unidos. Apesar da rivalidade entre China e Índia, ambas compartilham o interesse em ampliar os laços comerciais com a América Latina, desafiando a hegemonia dos EUA.

<><> Índia mantém posição ambígua

No entanto, a posição da Índia nesse novo tabuleiro geopolítico é mais ambígua. Embora tenha se aproximado dos Estados Unidos por meio de acordos estratégicos e da participação no grupo Quad (juntamente com Austrália e Japão), o país continua buscando preservar sua autonomia diplomática. Ao mesmo tempo, mantêm relações sólidas com outras potências, como a Rússia, e fortalece suas parcerias com países em desenvolvimento, o que a coloca em uma posição independente no cenário internacional. Sua colaboração comercial com a América Latina, especialmente em setores tecnológicos (ciência, tecnologia e inovação, com ênfase em biotecnologia, nanotecnologia e tecnologia da informação, no Brasil) e energéticos (como o lítio na Argentina), reforça sua estratégia de diversificação econômica sem se alinhar totalmente a nenhum dos grandes blocos geopolíticos.

O fortalecimento do Brics+ é outro fator que indica a reconfiguração das relações internacionais. Liderado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o bloco se consolida como uma plataforma reivindicativa dos países em desenvolvimento, promovendo uma alternativa ao domínio econômico do Ocidente. A inclusão de novos membros no ano passado (Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã) e em janeiro deste ano (Indonésia), além das recentes negociações para a suposta criação de uma moeda comum para transações comerciais entre seus membros (desmentido por Rússia, que afirmou tratar-se de uma mera plataforma de investimentos conjuntos entre os países membros, ante a ameaça de Trump por impor barreiras tarifárias de 100% ao grupo) demonstram que um novo cenário global está emergindo, impulsionado, ironicamente, pelo protecionismo e isolacionismo autoimposto da administração Trump. A longo prazo, as medidas tarifárias de Trump estão desmantelando o T-MEC (antes conhecido como Tratado de Livre Comércio da América do Norte: Estados Unidos, México e Canadá), provocando um realinhamento geopolítico e geoeconômico que afetará profundamente a América Latina. Neste sentido, o próprio fortalecimento do Brics+ tem ganhado espaço, contando com novos membros. Em 2024, ingressaram Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Em 2025, a Indonésia se aderiu ao bloco. Essa reconfiguração pode acelerar a diversificação dos mercados latino-americanos e reduzir sua dependência econômica de Washington, impulsionando novas alianças comerciais globais.

A crise entre Colômbia e EUA estabeleceu um precedente na utilização de tarifas como instrumento de pressão política. No entanto, a consequência inesperada pode ser o fortalecimento de um novo eixo geopolítico liderado pela China e sustentado pelo Brics+. A América Latina, longe de ser apenas vítima dessas políticas, encontra oportunidades para redefinir seu posicionamento no comércio global, diversificando parceiros e diminuindo sua dependência de Washington. O futuro do continente dependerá de sua capacidade de articular alianças estratégicas e fortalecer sua presença nos novos blocos econômicos emergentes.

 

Fonte: BBC News Mundo/The Conversation

 

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