Campo
Auschwitz-Birkenau, a morte em escala industrial
Com
pouco mais de 10 mil habitantes, a cidade polonesa de Oswiecim não era
especialmente importante, na verdade. Em 1939 a Wehrmacht – as forças armadas
da Alemanha
nazista –
a ocupou, anexou e renomeou. Dois anos mais tarde, o regime instalava na região
o maior campo de extermínio nazista de todos, Auschwitz-Birkenau.
Segundo
dados confirmados, até fins de janeiro de 1945 foram mortos pelo menos
1,1 milhão de detentos: a maioria, judeus, mas também
membros das etnias nômades rom e sinti, assim como de
outras minorias. Por que aqui? Por que em Auschwitz?
"O
local foi escolhido por se encontrar, do ponto de vista técnico dos
transportes, no centro da Europa, e ser acessível com os trens de deportação.
Foram também considerações logísticas", explica Christoph Heubner,
vice-presidente do Comitê Internacional de Auschwitz.
"Considerações
logísticas" significa que o massacre deveria ser veloz e atingir o máximo
de vítimas possível. Os criminosos eram mestres do planejamento, do assassinato
em massa, da contabilidade da morte.
·
Rede
de trilhos da morte confluindo em Auschwitz
A
rigor, o genocídio de diversos grupos demográficos pelos alemães já tinha
começado antes: como está documentado, no início de 1939, pouco após invadirem
a Polônia, os nazistas perpetraram vários fuzilamentos em massa no Leste
Europeu.
Mas
quando a Alemanha de Adolf Hitler assumiu o
domínio de grande parte do continente, estabeleceu a meta de varrer os judeus
da face do planeta. Para implementá-la, realizou-se em 20 de janeiro de 1942,
no bairro de Wannsee, no oeste de Berlim, uma "conferência" numa
hospedagem da polícia e da organização paramilitar SS.
Durante
uma hora e meia, 15 representantes do regime nazista discutiram como otimizar a
organização do transporte e assassinato em massa dos judeus europeus. Na
véspera mesma de viajar para a capital, um dos participantes, o major da SS
Rudolf Lange, mandara executar mais de 900 homens e mulheres judeus nas
proximidades de Riga, na Letônia, então pertencente à União Soviética.
No
fac-símile da única ata existente dessa reunião de 90 minutos, hoje mantido no
memorial Casa da Conferência de Wannsee, não se vê em nenhum lugar as palavras
"assassinato" ou "homicídio". Só há menção a uma
"solução final" (Endlösung).
Porém todos os participantes sabiam do que se estava falando.
Então,
a partir de março de 1942, os trens de deportação passaram a confluir de
diversas partes do continente para os locais de extermínio na Polônia ocupada.
A ordem era fazer os judeus "desaparecerem". Isso lembra que, no fim
das contas, o grande campo de extermínio já começava nas numerosas plataformas
ferroviárias conectadas com a de Auschwitz-Birkenau.
Muitas
vezes em vagões de gado, os presos chegavam de países como França, Bélgica,
Holanda, Itália, Hungria, Grécia, Croácia, Bulgária e Macedônia. Ao
desembarcar, eram logo empurrados por uma rampa que, para muitos, ia dar direto
nas câmaras de gás – enquanto outros iam primeiro ser explorados como mão de
obra.
Em
cidades alemãs como Colônia, Stuttgart, Hamburgo e Wiesbaden, mantém-se a
recordação da macabra deportação. Um dos locais mais célebres é o Memorial
Plataforma 17, na estação ferroviária berlinense Grünewald, visitado com
frequência por políticos e delegações oficiais de Israel, de onde partiu um
total de 35 trens, levando cerca de 17 mil judeus em direção à morte.
·
Anita
Lasker-Wallfisch: salva pela música
Anita
Lasker-Wallfisch,
polonesa de Wrocław, foi levada a Auschwitz-Birkenau num desses trens aos 18
anos, em dezembro de 1943. Em 2018, em uma cerimônia em homenagem às vítimas do
nazismo do Parlamento alemão, ela relatava: "Quem não fosse direto para a
câmara de gás logo na chegada, não sobrevivia muito tempo em Auschwitz, no
máximo três meses."
Os
recém-chegados ao campo de extermínio recebiam um número de identificação
tatuado no braço. E a inconcebível desumanidade desse lugar simplesmente não os
abandonava mais. "Os crimes mais inimagináveis contra seres humanos
inocentes chegaram lentamente ao conhecimento público. A extensão da catástrofe
era impossível de compreender", denunciou Lasker-Wallfisch.
Auschwitz-Birkenau
era uma máquina de morte munida de fornos industriais: "Os transportes
eram muitos, e ocorria de o Crematório V não comportar todos os recém-chegados.
Os que não tinham lugar nas câmaras de gás, eram fuzilados. Em muitos casos, a
gente era atirada viva nos fossos cheios de fogo. Também isso eu vi."
Ela
própria, porém, sobreviveu graças à música: como tocava violoncelo, fez-se
necessária à "Orquestra das Moças" do presídio, até ser transferida
para o campo de concentração Bergen-Belsen, em novembro de 1944. Em 17 de
julho de 2025 Anita Lasker-Wallfisch completa seu centenário, como uma das
últimas testemunhas vivas do Holocausto.
·
Montes
de cabelos humanos, vitrines de próteses
Em
27 de janeiro de 1945, os soldados do Exército Vermelho soviético finalmente
libertaram o campo. Christoph Heubner tem 75 anos, mas em seu longo mandato
como vice-presidente do Comitê de Auschwitz acompanhou numerosos sobreviventes,
e resume as narrativas escutadas.
"Foi
um momento de paralisia absoluta. Os libertadores, jovens soldados da Ucrânia,
da Rússia, de muitas então repúblicas da União Soviética, ficaram parados
diante dos portões de Auschwitz, não acreditando nos próprios olhos. Eles já
haviam visto muita coisa, mas nunca algo assim: mortos sobre duas pernas. Só ao
ver os rostos e os olhos é que eles compreenderam: estes esqueletos estavam
vivos."
"Era
o local de um crime organizado pelo Estado. E esse crime é que se havia
construído um aparato industrial para matar seres humanos", condena
Heubner. Foi preciso décadas até que começasse na Alemanha um processamento
mais amplo dos horrores nazistas.
O
Memorial de Auschwitz mantém hoje testemunhos palpáveis dessa desumanidade: em
diversas barracas, montes de vários metros de altura de cabelos humanos e
óculos, vitrines cheias de próteses e dos últimos bens das vítimas.
¨ O homem que foi voluntariamente para Auschwitz para
revelar atrocidades ao mundo
Em 27 de janeiro de
1945, prisioneiros no campo principal de Auschwitz assistiram os
soldados da Primeira Frente Ucraniana chegarem e abrirem os portões sob as
palavras zombeteiras de Arbeit Macht Frei ("O
trabalho liberta").
Depois de mais de
quatro anos de terror, eles estavam finalmente sendo libertados.
Este ano marca o
80º aniversário da libertação do campo de concentração de guerra mais notório
do mundo, onde mais de 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus, foram
assassinadas.
Auschwitz foi
estabelecido em 1940 quando a Alemanha nazista abriu um novo complexo de campos
em Oświęcim, no sul da Polônia, para manter prisioneiros.
O que começou como
uma prisão política de cidadãos poloneses evoluiu para uma indústria da morte
de judeus da Europa, e o nome Auschwitz logo se tornaria sinônimo de genocídio
e Holocausto.
Durante seu
primeiro ano de operação, pouco se sabia sobre as atividades do campo, até que
um homem decidiu arriscar sua vida para descobrir.
Para os guardas e
outros prisioneiros, esse homem era Tomasz Serafiński, prisioneiro número 4859,
um judeu que por acaso estava no lugar errado na hora errada.
Mas para um pequeno
grupo de resistência clandestina contra a Alemanha nazista, seu nome era Witold
Pilecki, segundo tenente do exército, um agente de inteligência, marido e pai
de dois filhos e católico.
"Witold
Pilecki foi um dos fundadores do movimento de resistência chamado Exército
Secreto Polonês – TAP, para abreviar", diz Piotr Setkiewicz, historiador
do Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau.
"Quando a TAP
teve notícias do novo campo de Auschwitz, começaram as discussões sobre enviar
alguém para lá para descobrir o que estava acontecendo. Pilecki concordou em
assumir essa tarefa."
"Deve ser
enfatizado que naquela época ninguém na TAP sabia o que era Auschwitz",
continuou Setkiewicz.
"Foi só então
que os primeiros telegramas informando sobre as mortes de pessoas deportadas no
primeiro transporte de Varsóvia começaram a chegar."
No entanto, Pilecki
precisava de um plano para entrar. Então, em um dia de setembro de 1940, ele
planejou estar no apartamento de sua cunhada no bairro de Żoliborz, em
Varsóvia, durante uma batida policial e usou a identidade judaica de um soldado
polonês falecido para garantir que fosse preso.
Três dias depois,
Pilecki foi conduzido pelos portões inscritos com o infame Arbeit Macht Frei,
onde passaria os próximos dois anos e meio infiltrado no campo.
Do local, enviou
evidências para alertar o mundo sobre as atividades que se passavam ali,
estando sujeito a trabalho duro, fome e risco de morte como qualquer outro
prisioneiro.
Ele escreveu
relatórios que foram contrabandeados para fora do campo, incluindo informações
sobre condições, torturas e mortes.
Ao mesmo tempo, ele
inspirou um movimento clandestino que sabotou instalações e assassinou oficiais
da SS, a polícia nazista, enquanto providenciava a entrada de alimentos e
remédios contrabandeados.
Além de sua
cunhada, sua família tinha pouca ideia sobre sua atividade militar.
"Tínhamos uma
ideia bem pálida de que papai estava fazendo algumas tarefas importantes, mas
certamente nós, como crianças, não sabíamos de que tipo. Se mamãe sabia de mais
alguma coisa, não tenho certeza, mas suponho que ela também não sabia dos
detalhes das tarefas de papai", diz a filha de Pilecki, Zofia
Pilecka-Optułowicz.
"Os requisitos
conspiratórios eram que, para a segurança de papai e nossa, quanto menos
soubéssemos, melhor."
Em seus relatórios,
Pilecki destacou a realidade de Auschwitz e solicitou que as Forças Aliadas
atacassem o campo.
Embora os
documentos tenham chegado a alguns dos principais comandantes, eles foram em
grande parte ignorados, já que a Polônia não era uma prioridade militar.
Mesmo no dia da
eventual libertação do campo, o exército ucraniano comandado pelos soviéticos
só tomou conhecimento do local por acaso, após libertar a cidade vizinha de
Cracóvia.
Embora os
testemunhos de Pilecki não tenham levado diretamente à libertação do campo,
eles criaram a primeira ampla conscientização sobre as condições ali.
Ele foi pioneiro em
trazer informações em primeira mão sobre as torturas e as mortes de
prisioneiros para o mundo três anos antes de os comandantes aliados
reconhecerem oficialmente a existência do campo.
Demorou mais dois
anos após sua fuga para que os prisioneiros sobreviventes de Auschwitz fossem
resgatados. Naquela época, de um total de quase 1,1 milhão de pessoas levadas
para o campo, apenas cerca de 7 mil viram a liberdade.
Pilecki ficou
conhecido como "o homem que se voluntariou para Auschwitz", embora
sua história não tenha sido amplamente difundida durante muitos anos.
Após a guerra, a
Polônia ficou sob o domínio soviético e Pilecki e sua unidade clandestina
continuaram a lutar pela independência polonesa na Revolta de Varsóvia. Ele
acabou sendo preso, forçado a assinar uma confissão como traidor e foi
secretamente executado na prisão em 1948. Menções a Witold Pilecki foram
proibidas e os relatórios e documentos de suas ações foram destruídos ou
arquivados.
Enquanto
Pilecka-Optułowicz e seu irmão Andrej ouviam relatos do julgamento e execução
de Pilecki no rádio, eles cresceram ouvindo que seu pai era um traidor e
inimigo do estado.
Foi somente na
década de 1990 que eles descobriram que seu pai sempre foi um herói.
Pilecka-Optułowicz
tem lembranças de seu pai sendo um homem gentil, mas severo. Um homem de
princípios que amava sua família.
"Lembro-me
muito claramente das muitas conversas que tive com meu pai sobre a natureza —
como a cadeia da vida funciona, quão importantes são todas as criaturas nessa
cadeia", disse ela.
"Ele também me
mostrou o mundo de uma forma amigável e amorosa e me disse como me comportar em
diferentes situações... ele nos incutiu que pontualidade e veracidade eram
particularmente importantes. Eu carreguei essas lições por toda a minha
vida."
O comunismo
soviético acabou na Polônia em 1989 e a história real de Pilecki foi finalmente
contada. Livros foram publicados sobre ele, ruas foram nomeadas em sua
homenagem e sua história foi ensinada em escolas polonesas.
Um Instituto
Pilecki foi criado para pesquisar a história política polonesa do século 20 e
homenagear aqueles que deram ajuda aos cidadãos poloneses em tempos difíceis, e
a história de Pilecki faz parte das exibições no Memorial e Museu de
Auschwitz-Birkenau.
Um passeio pelo
museu é uma experiência emocionalmente intensa; um relato cru da crueldade que
os seres humanos são capazes de fazer uns contra os outros.
Dorota Kuczyńska
trabalha no museu como guia e assessora de imprensa há 27 anos e considera seu
papel desafiador e emocionalmente desgastante.
Seu trabalho
envolve não apenas orientar e contar histórias, mas também, às vezes, conhecer
e ouvir amigos e parentes de ex-prisioneiros que perderam familiares aqui.
"Este é um
lugar extraordinário, e o assunto que abordamos durante as visitas é
incrivelmente exigente e sombrio", disse ela.
No entanto, ela
acrescenta que há muitos momentos gratificantes.
"Ver jovens
que não apenas ouvem a história do passado, mas também se envolvem em
discussões sobre o presente e como construir um mundo baseado em respeito,
empatia e verdade nos dá esperança para a humanidade e nos motiva a continuar
este trabalho vital."
Fonte: DW Brasil/BBC
News
Nenhum comentário:
Postar um comentário