quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Consumo de anabolizantes sem indicação médica é prejudicial à saúde

Se o uso de esteroides anabolizantes sem real necessidade médica é prejudicial à saúde, o consumo dessas substâncias torna-se ainda mais nocivo se tiverem sido produzidas de forma clandestina. O alerta é de especialistas e autoridades de saúde, na esteira de uma operação policial no Rio de Janeiro e em Brasília, que desarticulou uma quadrilha especializada na fabricação e venda desses produtos em todo o Brasil.

A ação terminou com 15 pessoas presas e mais de 2 mil frascos de anabolizantes apreendidos na última terça-feira (14). Os criminosos comercializavam os produtos pela internet. Segundo a investigação, o processo de fabricação não passava por fiscalização e continha até uma substância utilizada para matar piolhos, o benzoato de metila.

O diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Clayton Dornelles, lamenta que o uso dessas substâncias ilícitas tenha se tornado muito comum. “Tem um mercado clandestino”, constata.

“Essas substâncias podem ter doses erradas, ingredientes não declarados, contaminantes. Tudo isso pode potencializar os efeitos colaterais que já são próprios dos esteroides anabolizantes”, destaca o médico, em entrevista à Agência Brasil. Entre os principais efeitos nocivos, ele cita a toxicidade desconhecida. “Esses produtos podem ter substâncias altamente tóxicas para fígado, rim, coração… a gente já viu até tempero de cozinha, óleos absurdos na manufatura desses compostos.”

Segundo Dornelles, a produção desses medicamentos falsos é feita sem controle de qualidade, em local insalubre – muitas vezes em garagem ou fundo de quintal – e com perigo de contaminação. “Isso pode trazer infecção grave”, afirma.

O médico acrescenta que o usuário de substâncias clandestinas está submetido a falha terapêutica, ou seja, que o paciente que tenha indicação médica para usar o produto não terá o benefício proposto. O consumo desses esteroides pode deixar o paciente sujeito a efeitos adversos imprevisíveis, como, por exemplo, reações alérgicas. “Ali tem uma mistura de várias substâncias, aditivos, compostos químicos.”

Dornelles ressalta que boa parte de tais medicamentos é de origem veterinária, literalmente doses cavalares, o que “potencializa bastante” o risco.

·        Indicação restrita

Medicamentos classificados como de uso controlado, os esteroides androgênicos anabolizantes são substâncias sintéticas (fabricadas) derivadas do hormônio testosterona, o chamado “hormônio masculino”, que dá características como barba, cabelo e pelos. Também se caracteriza pela capacidade anabólica. “Estímulo da síntese de qualquer proteína, principalmente a proteína muscular, por isso é que crescem os músculos”, explica Dornelles. Popularmente, essas substâncias também são chamadas de “bombas”.

A lei determina que apenas médico ou dentista pode receitar anabolizante.

A indicação médica de consumo de anabolizantes é bastante específica. A principal é no caso de homem que tem deficiência de testosterona (hipogonadismo). Há ainda indicações para casos de queimaduras severas e alguns tipos de câncer.

“Uma indicação de exceção, não de rotina”, enfatiza o médico. Outro uso especifico é em pessoas com incongruência de gênero.

“As indicações aprovadas para os medicamentos anabolizantes são aquelas que constam nas bulas. Outras indicações não foram analisadas e não estão autorizadas”, reforça a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão ligado ao Ministério da Saúde, em comunicado enviado à Agência Brasil.

·        Venda clandestina

De acordo com a Anvisa, a venda de anabolizantes é permitida somente em farmácias e drogarias devidamente regularizadas e mediante apresentação de receita especial. Qualquer medicamento anabolizante que não esteja autorizado pela Anvisa é um produto ilegal. Quadrilhas tentam burlar a proibição de venda livre de esteroides. Em 2023, uma operação da Polícia Federal percorreu seis estados.

Para evitar que o paciente seja enganado na hora de comprar esteroide devidamente receitado, a Anvisa faz as seguintes recomendações:

  • Suspeite de produtos recebidos fora da embalagem original. Todos os medicamentos são fornecidos dentro de caixinhas de papel;
  • Suspeite de produtos que são comercializados em sites que não sejam de farmácias e drogarias regularizadas. Evite sites em geral e marketplaces, vendedores ambulantes, carros de som ou outros estabelecimentos que não podem comercializar medicamentos. É que os produtos vendidos nesses locais têm procedência incerta e podem ser falsificados;
  • Fique atento a indicativos de falsificação, como erros de português na embalagem; falhas na impressão das informações; diferenças nas datas de fabricação e de validade e no número do lote entre a embalagem primária (ampola, blister, frasco) e a embalagem secundária (caixinha de papel); raspadinha que não aparece a logo da empresa; e ausência de lacre de segurança ou falha na colagem da embalagem secundária.

·        Uso indevido e danos

O médico Clayton Dornelles ressalta que mesmo o produto legalmente fabricado deve ser usado apenas nas condições especificadas por médicos. “Nunca para fins estéticos, ganho de performance, uso recreativo, melhora da performance sexual, crescimento de massa muscular, antienvelhecimento, nada disso.” Para ele, os riscos são maiores que qualquer benefício.

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbe a prescrição médica de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes para fins de estética, ganho de massa muscular ou melhora do desempenho esportivo.

Segundo Dornelles, os riscos causados pelo uso sem indicação são tantos que “dão um livro”. Ele cita males como infarto, arritmia, insuficiência cardíaca, alteração da resistência insulínica, que favorece a diabetes, trombose, embolia, hepatite medicamentosa, tumores de fígado, infertilidade, impotência e redução de libido, masculinização em mulheres, engrossamento de voz feminina (irreversível), irregularidade menstrual e malformação fetal.

Homens e mulheres podem ter acne severa, pele oleosa, crescimento de pelos e queda de cabelo. Indivíduos predispostos têm mais risco de tumores de mama e de próstata.

Há ainda questões cerebrais psicológicas como irritabilidade, ansiedade, depressão e agressividade. “A gente vê casos até de feminicídio, violência doméstica pelas doses muito altas de testosterona no cérebro”, conclui Dornelles.

¨      Uso de anabolizantes aumenta em quase três vezes o risco de morte, diz estudo

Há um ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu o uso de esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) com finalidade estética, de desempenho ou para ganho de massa muscular no Brasil. Considerado um problema de saúde pública, o uso indiscriminado dessas substâncias sintéticas derivadas da testosterona aumenta os riscos à saúde, principalmente à saúde cardiovascular.

Agora, uma carta científica publicada no Jama – uma das revistas médicas mais importantes do mundo – traz dados de um estudo observacional dinamarquês que apontam que o uso de anabolizantes aumenta em 2,8 vezes o risco de morte.

A Dinamarca tem um registro médico de todos os seus habitantes e, durante cerca de 11 anos, foram feitas inspeções esporádicas com testes antidoping em academias de ginástica do país. Para cada indivíduo identificado como usuário de anabolizantes, foram incluídos 50 controles da população em geral. Ao todo, o estudo monitorou 1.189 homens usuários de esteroides anabolizantes e 59.450 homens controle, com a idade média de 27 anos.

Durante o período de acompanhamento, 33 usuários de anabolizantes morreram, em comparação com 578 no grupo controle (lembrando que o grupo controle tinha 50 indivíduos para cada usuário de anabolizante). Isso significa que a taxa de mortalidade entre os usuários de anabolizantes foi 2,81 vezes maior do que entre os não-usuários.

Quando foram analisadas as mortes não naturais, como acidentes, crimes violentos e suicídios, a diferença foi ainda mais acentuada, alcançando uma taxa de mortalidade 3,64 vezes maior entre os usuários de esteroides em comparação com quem não usava.

 “Esses resultados levantam sérias preocupações sobre o risco de morrer associado ao uso de esteroides anabolizantes e destacam a necessidade urgente de conscientização sobre os seus efeitos”, alerta o endocrinologista Clayton Luiz Dornelles Macedo, que coordena o Núcleo de Endocrinologia do Exercício e do Esporte do Hospital Israelita Albert Einstein e o ambulatório de Endocrinologia do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Nesse ambulatório, é desenvolvido um programa chamado Bomba Tô Fora, que faz um trabalho preventivo e atendimento gratuito para usuários de anabolizantes no Sistema Único de Saúde (SUS).

É importante destacar as limitações do estudo – trata-se de uma pesquisa observacional, ou seja, não houve ajustes para variáveis que podem influenciar a saúde dos participantes e não é possível identificar as causas das mortes. Ainda assim, os especialistas afirmam que o estudo foi muito bem conduzido e se soma às evidências já existentes de riscos à saúde.

“Mesmo que a gente não saiba detalhes do que causou a morte, se havia casos de obesidade, ou de doenças associadas, ou o uso de medicações concomitantes, esse achado é estatisticamente importante. É importante para direcionar nossa visão e orientar nossos pacientes sobre como o uso de anabolizantes aumenta o risco de morrer”, frisa o endocrinologista.

Macedo ressaltou ainda que dificilmente algum pesquisador faria um estudo clínico randomizado, com uso de placebo, por causa das altas doses de esteroides usados pela maioria das pessoas que utilizam essas substâncias sem controle. “O desenho ideal de um estudo seria submeter o paciente ao uso de esteroides de forma randomizada e comparar com placebo, mas provavelmente nenhum comitê de ética do mundo aprovaria estudos desse tipo. Apesar dessas críticas, o grupo dinamarquês detectou a positividade para esteroides anabolizantes e essas pessoas foram seguidas por muitos anos”, afirma.

<><> É possível suspender o uso

Mais do que realizar campanhas de orientação sobre o risco do uso de anabolizantes, Macedo diz que é preciso acolher e orientar, por meio de um atendimento interdisciplinar e individualizado, o paciente que decide interromper o uso. “Se o paciente suspender abruptamente o uso da substância, o organismo vai sentir como se fosse uma síndrome de abstinência semelhante à do uso de opioides. Ele se sente cansado, fraco, agitado, e isso o faz querer voltar a usar”, diz.

Outro problema da interrupção abrupta do uso é que o organismo precisa se reorganizar para produzir de novo testosterona e isso leva tempo – em média 52 meses para que tudo se normalize. Com o excesso do hormônio vindo de fora, o sistema interno bloqueia a produção natural e, quando precisa voltar a produzir, demora um tempo.

“Quando o paciente para de usar a testosterona externa, o organismo fica confuso com a falta do hormônio. Isso reduz a potência, diminui a libido, deixa o paciente mais cansado. Se não for bem orientado, ele talvez queira voltar a usar. Existe um protocolo de retirada da droga e isso depende de cada caso. Por isso é papel do médico não fazer julgamentos, não ter preconceito e acolher o paciente usuário. Uma coisa é trabalhar com uma campanha educativa para a pessoa não usar anabolizantes e outra é tratar o indivíduo que está usando a medicação”, frisa.

Macedo explica que é preciso dar alternativas ao indivíduo que utilizava esteroides e decidiu parar. “Quando suspende o uso, ele perde os ganhos (a hipertrofia muscular, por exemplo) porque ele vivia em um corpo emprestado, num estado metabólico falso. Precisamos dar alternativas a esse indivíduo, que deve ser acompanhado por um profissional de educação física para ter um treinamento adequado, que vise a hipertrofia. Ele precisa de uma nutrição adequada e suplementação, se necessário, com aporte energético de carboidratos e proteínas para a produção de músculo. Além disso, muitas vezes existe um distúrbio psiquiátrico de base, com uma autoimagem corporal deturpada, por isso pode ser necessário o acompanhamento psiquiátrico e psicológico”, elencou.

Na opinião de Macedo, um ano após a resolução do CFM proibir o uso de anabolizantes com fins estéticos e de performance, melhorou o nível de educação do potencial usuário. “A impressão que eu tenho é que muitas pessoas que pretendiam usar pensaram duas vezes e acabaram deixando de lado esse desejo. Mas no Brasil o uso de anabolizantes ainda é um problema. Os riscos são muito maiores do que qualquer benefício em potencial. Não existe uma dose segura, pois mesmo doses pequenas ou poucas doses podem apresentar um efeito colateral grave”, conclui o especialista.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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