Acordo entre
EUA e Venezuela indica reconhecimento sobre eleição de Maduro, dizem analistas
Na última semana, o governo de Donald Trump
enviou Richard Grenell para uma reunião privada com o presidente da Venezuela,
Nicolás Maduro. A conversa teve como objetivo discutir uma saída
para os deportados venezuelanos que estão nos Estados Unidos. Em entrevista
nesta terça-feira (04/02) à TV estadunidense, o enviado especial disse que,
além de aceitar receber os deportados, Caracas concordou em enviar aviões
comerciais para buscar os venezuelanos.
O acordo entre as partes ainda envolveu a liberação de seis
cidadãos estadunidenses presos em território venezuelano por participarem de
planos para matar tanto o presidente quanto a vice, Delcy Rodriguez. Em comunicado, o governo venezuelano afirmou que os dois estabeleceram
o compromisso de fazer uma “agenda zero” para as relações bilaterais entre os
dois países.
Para analistas ouvidos pelo Brasil
de Fato, a retomada das relações
entre Washington e Caracas é possível, mas depende de
uma predisposição principalmente dos estadunidenses para isso. A ex-embaixadora
e deputada da Assembleia Nacional, Ilenia Medina, afirma que há a possibilidade
de que essa “agenda zero” envolva um recrudescimento das sanções,
principalmente aquelas que estão ligadas ao setor petroleiro.
Para ela, esse movimento não significa que a Casa Branca vai propor a
retomada das relações diplomáticas entre os dois países.
“É possível porque Trump envia
sinais trocados e sabe que tem uma grande dificuldade que é o tema energético.
Ele vai ter que se desdobrar para resolver a questão envolvendo o petróleo. Ele
quis mostrar uma liderança com ameaças, mas enfrenta uma oposição dos latinos,
o próprio Petro já demarcou terreno nesse sentido”, disse ao Brasil de Fato.
Durante seu primeiro mandato, Trump foi responsável por aumentar as
sanções contra a economia venezuelana. Em 2017, o republicano começou a aplicar
um bloqueio mais duro contra o setor petroleiro e impediu que Caracas vendesse
petróleo no mercado internacional.
Dois anos depois, a Casa Branca não reconheceu a eleição de Maduro para
o segundo mandato e passou a administração dos bens venezuelanos nos Estados
Unidos para o ex-deputado Juan Guaidó, que havia se autoproclamado presidente
venezuelano, mesmo sem ter participado das eleições presidenciais. Para
Reinaldo Tamaris, professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da
Venezuela, a atual negociação indica uma mudança na postura da Casa Branca para
a Venezuela, já que é uma forma de reconhecer o governo de Maduro.
“A política norte-americana sempre foi caracterizada pela pressão, tanto
diplomática como midiática. Isto faz parte do legado de Henry Kissinger
(ex-secretário de Estado norte-americano) e se baseia no pragmatismo
estadunidense. Trump sempre desempenhará seu papel de vilão para aparecer na
opinião pública como aquele que força os outros. No entanto, eles podem dizer
que não reconhecem Maduro, mas as ações dizem o contrário”, afirmou.
Medina concorda com essa leitura. Para ela, o primeiro movimento de
Trump é de reconhecimento do governo de Maduro, mas as medidas de Washington a
partir disso são imprevisíveis.
“Trump reconheceu um personagem como Guaidó que não poderia sequer ser
eleito deputado. Com base nisso, ele tomou medidas ilegais e o governo
venezuelano conseguiu superar as dificuldades econômicas dessa pressão. Depois
de construir uma série de ferramentas para seguir resistindo, Maduro pode atuar
nesse mesmo sentido, o que por si só coloca outras condições para a Casa
Branca. Mas Trump é difícil de prever e vai estudar outros fatores, como a
dependência do petróleo venezuelano”, disse.
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Negociação e ataques
Richard Grenell disse que, além dos seis cidadãos que foram liberados
pelo governo venezuelano, ainda há outros seis estadunidenses presos na
Venezuela. Segundo o enviado especial da Casa Branca, se Caracas tem provas de
que os planos seriam executados, é preciso investigar e abrir um processo em
todos os casos. Ele disse, no entanto, que as informações apresentadas pela
inteligência dos Estados Unidos indicam que não há qualquer participação em
planos terroristas.
Nove dias depois de assumir o mandato, o presidente dos Estados Unidos
derrubou o Status de Proteção Temporal (TPS, na sigla em inglês) para
venezuelanos. A medida garantia que os migrantes venezuelanos poderiam morar e
trabalhar no país até outubro de 2026. A decisão do republicano deve atingir
mais de 600 mil pessoas, que poderão ser deportadas.
Mesmo que veículos internacionais tratem a volta de venezuelanos
deportados como uma imposição dos Estados Unidos, Medina afirma que o governo
venezuelano já tem feito um esforço de acolher venezuelanos que querem voltar
ao país. Em 2023, Maduro lançou o programa Retorno à Pátria, que tem como
objetivo oferecer apoio logístico aos venezuelanos que estão fora do país em
situação de vulnerabilidade e desejam voltar.
Para ter acesso ao programa, os venezuelanos só precisam se inscrever
para receber orientações de como proceder. A ideia é disponibilizar inclusive
passagens aéreas para os venezuelanos, além de apoio diplomático para esse
retorno.
Segundo Maduro, mais de um milhão de venezuelanos voltaram ao país nos
últimos anos, em uma onda de retorno que reflete não só o esforço do governo
para acolher os migrantes, como também a melhora das condições do próprio país.
Medina afirma que, mesmo que grande parte dos venezuelanos que vivem fora sejam
opositores, isso não tem impactos políticos significativos. No entanto, haverá
um esforço econômico para isso.
“O governo fez esforço para buscar os venezuelanos que não eram
chavistas. Mesmo assim, eles precisam respeitar as instituições e não embarcar
em planos de desestabilização. Os que cometeram crimes fora do país voltam e se
aplicam às normas daqui. Um desafio são os salários e o uso dos recursos, dos
serviços públicos. Vai precisar de um investimento maior, mas é parte da nossa
realidade, das medidas coercitivas. O governo terá que lidar com essa
situação”, afirmou.
Para Tamaris, há uma grande dificuldade que as negociações sejam
retomadas de uma “agenda zero”, já que as relações entre o governo Trump e
Maduro estão sendo iniciadas já com uma pauta importante para os Estados
Unidos: a migração.
“Uma agenda zero tentaria iniciar uma negociação sem pontos previamente
estabelecidos. Neste caso, houve um ponto em cima da mesa que é resultado da
retórica de Trump sobre os migrantes. Consequentemente, é óbvio que os Estados
Unidos, cada vez que negociarem com a Venezuela, terão uma agenda diferente e a
Venezuela responderá de acordo com os interesses nacionais. A agenda já está
demarcada e é a migração e o petróleo”, afirmou.
Para Medina, no entanto, há uma postura diferente em relação ao governo
de Joe Biden e da própria relação que Trump tem adotado com países parceiros,
como México, Canadá e o bloco da União Europeia. Enquanto ameaça impor tarifas
mais altas para produtos desses países, os Estados Unidos estão negociando com
os venezuelanos.
A decisão inclusive movimentou a oposição do país. Se o grupo de extrema
direita venezuelano contou com o apoio estadunidense antes, agora, as
lideranças publicaram uma carta criticando a decisão de enviar venezuelanos de
volta para a Venezuela. Em nota, a coalizão Plataforma Unitária chegou a
afirmar que apoia o governo de Donald Trump, mas pede que sejam mantidos o
Status de Proteção Temporal (TPS, na sigla em inglês) para os venezuelanos que
precisam estar nos Estados Unidos em “caráter temporário”.
Os analistas ouvidos pelo Brasil
de Fato afirmam que essa postura da extrema direita já
demonstra, por si só, uma conduta diferente da Casa Branca para a oposição.
Para tentar manter a narrativa de que ainda tem apoio internacional, o
ex-candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, disse que
acompanhou a reunião entre Grenell e Maduro e que mantém comunicação com o
enviado especial e o secretário de Estado, Marco Rubio.
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Sinais trocados
Enquanto afirmam construir uma relação nova com os venezuelanos, o
próprio governo de Trump mantém um discurso de ataque ao governo de Nicolás
Maduro. Nesta terça-feira, Rubio disse que Venezuela, Nicarágua e Cuba são
“regimes inimigos da humanidade”. A declaração foi dada em uma entrevista
coletiva ao lado do presidente da Costa Rica, Rodrigo Chaves. A agenda foi a
primeira viagem internacional do secretário de Estado dos Estados Unidos, que
incluiu visitas ao Panamá e El Salvador.
Segundo ele, se não fossem esses três países, “não haveria uma crise
migratória” no continente.
O ministro das Relações Exteriores venezuelano, Yván Gil, respondeu. Em
nota, disse que Rubio “não consegue dormir sem pensar em Nicarágua, Cuba e
Venezuela” e que ele alimenta um “ódio e ressentimento de um burocrata
frustrado”. Ele reforçou que os Estados Unidos impõem “caos e miséria” no
mundo.
“Os únicos inimigos da humanidade são aqueles que, com a sua máquina de
guerra e de abuso, têm semeado o caos e a miséria em meio mundo durante
décadas. Mas Cuba, Nicarágua e Venezuela mostraram que não cedem, que não se
vendem, que não desistem. E isso é algo que o porta-voz dos fracassados e dos lacaios não pode suportar, porque eles se chocam continuamente
contra a dignidade do povo. Você pode continuar com sua obsessão doentia,
senhor Rubio. Continuem latindo, continuaremos aqui, de pé, derrotando suas
fantasias como sempre”, disse.
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Brasil anuncia acordo com EUA por ‘dignidade’ e ‘tempo reduzido’ em
voos de deportados
O governo do Brasil anunciou nesta quinta-feira (06/02) que o
próximo voo com cidadãos deportados dos Estados Unidos, previsto para esta
sexta-feira (07/02), terá tempo reduzido, conforme um acordo alcançado entre as
autoridades dos dois países.
“A iniciativa visa oferecer suporte imediato aos cidadãos que
retornam ao território nacional em condições de vulnerabilidade, assegurando
dignidade e assistência integral”, diz uma nota conjunta dos ministérios das
Relações Exteriores, da Justiça, dos Direitos Humanos e da Defesa.
Segundo o comunicado, por determinação do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, “o embarque dos brasileiros em Alexandria, no estado
norte-americano da Louisiana, será acompanhado, na madrugada de sexta-feira,
por diplomata do Consulado-Geral em Houston”, antes de fazer uma “breve escala
em Porto Rico e seguir até Fortaleza”.
Em território nacional, um avião da Força Aérea Brasileira (FAB)
disponibilizará o deslocamento até Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Em todas as paradas no Brasil, “o governo federal montará um
esquema de recepção e apoio, com base na experiência
acumulada nas operações de repatriação anteriores“. Nos dois aeroportos nacionais, a Polícia Federal fará “operação
especial para a realização de procedimentos migratórios e de segurança
aeroportuária”. Órgãos ligados aos direitos humanos também prestarão auxílio
aos migrantes.
Os deportados terão ainda direito a internet gratuita e outros
canais, de forma que possam “entrar em contato com familiares e obter
orientações sobre serviços públicos de saúde, assistência social e trabalho”.
A nota ainda pontua que “a dignidade da pessoa humana é um
princípio basilar da Constituição Federal e um dos pilares do Estado
Democrático de Direito, configurando valor inegociável”.
Os cuidados redobrados no processo de deportação dos EUA são
tomados após a gestão de Donald Trump ter cometido, conforme o Ministério da
Justiça do Brasil, um “flagrante desrespeito aos direitos fundamentais” em 24
de janeiro, quando manteve brasileiros algemados e acorrentados na escala
técnica em Manaus, no Amazonas, em um voo de repatriação que vinha dos EUA.
Na ocasião, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ordenou a Polícia Federal e as autoridades norte-americanas a
retirarem as algemas dos 158 passageiros deportados enquanto aguardavam o
segundo trecho da viagem. A pasta argumentou que se tratava de uma questão de
soberania nacional.
O Itamaraty também exigiu explicações ao governo norte-americano a
respeito do tratamento que classificou como “degradante” aos brasileiros
deportados.
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EUA enviam primeiro voo militar com deportados para Guantánamo
O governo dos Estados Unidos enviou nesta quarta-feira (05/01) o
primeiro voo com deportados para a prisão de Guantánamo.
A previsão é que nas próximas semanas outros 5 mil imigrantes em
situação ilegal detidos pelas autoridades de El Paso (Texas) e San Diego
(Califórnia) cheguem à prisão, informa a agência Reuters.
Donald Trump, presidente norte-americano, pretende deportar até 30 mil
pessoas para a prisão instalada em sua base naval na baía de Guantánamo, em
Cuba. O plano foi anunciado há uma semana quando ele ordenou ao Departamento de
Segurança Interna que ampliasse as instalações.
“O presidente Donald Trump não está brincando e não permitirá mais que
os Estados Unidos sejam um depósito de criminosos ilegais de todas as nações do
mundo”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt.
A desumanização
dos imigrantes
Atualmente, a base naval de Guantánamo abriga cerca de 6 mil pessoas,
entre militares e civis. O local foi arrendado aos Estados Unidos em 1903, em
um contrato sem prazo para terminar. Depois da Revolução Cubana, o governo
conduzido por Fidel Castro solicitou por diversas vezes a devolução do local
sem sucesso.
Após os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York, o governo de
George W. Bush construiu uma prisão e instalou tribunais militares lá para
julgar suspeitos de terrorismo. Entretanto, centenas de inocentes foram
detidos, enfrentando tortura e anos de prisão sem sequer haver um processo
formal. Escândalos desses abusos consolidaram a fama nefasta do local.
Ao lado da prisão original foi instalada outra, menor, para abrigar
imigrantes em status ilegal recolhidos no mar.
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Temor pelas condições desumanas
Em entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia, a advogada Alka
Pradhan, que trabalha nas comissões militares de
Guantánamo, manifestou preocupação com a decisão.
Levando em conta o histórico do local, ela teme que os detidos possam
ficar lá “em condições desumanas” por “tempo indeterminado”.
Ela lembrou que em Guantánamo a Constituição não é aplicada
integralmente e a Lei de Imigração e Nacionalidade não está em vigor. “Por isso
não há como saber se os casos desses imigrantes serão processados de forma
justa”.
A preocupação aumenta quando se lembra que o chefe do Departamento de
Segurança Interna dos Estados Unidos se recusou, no domingo, a informar se
mulheres e crianças também poderiam ser mantidas na prisão de Guantánamo.
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Guantánamo, a prisão da vergonha. Por Rita Coitinho
O jornal português Público traz hoje matéria em que informa que na última terça-feira (4), a Casa Branca
confirmou o envio dos primeiros voos com imigrantes ilegais detidos nos EUA
para a prisão de Guantánamo, enclave colonial dos EUA na ilha de Cuba.
Sob o controle dos EUA desde o fim da guerra hispano-americana, o
território abriga uma base militar e também três prisões, desde 2002 (uma delas
foi fechada no governo de Barack Obama). As prisões foram usadas para torturar
(e assassinar) prisioneiros da guerra de invasão ao Afeganistão, iniciada em
2001; denúncias que vieram a público após publicações pelo Wikileaks que
revelaram o tratamento brutal e degradante aplicados aos prisioneiros na prisão
de Abu Ghraib, no Iraque, fartamente documentados, e que depois reverberaram
também em investigações e denúncias acerca dos mais de 700 presos levados para
Guantánamo no mesmo contexto da “guerra ao terror” de George W. Bush Jr.
A ONU, em 2006, apresentou um relatório sobre as violações de
direitos humanos na prisão de Guantánamo e solicitou seu fechamento. Na época,
o secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, refutou as afirmações das
Nações Unidas. Após casos de suicídio e de pessoas “suicidadas” pelos soldados
dos EUA, a própria Suprema Corte do país reconhece que o sistema a que estão
submetidos os presos de Guantánamo viola as convenções de direitos humanos e as
próprias leis dos EUA. A CIA também reconheceu, publicamente, que manteve
prisioneiros secretos no local, submetidos a condições degradantes como
humilhações, calor extremo e outros tipos de tortura.
Em 2009, Barack Obama chegou a assinar um decreto para o
fechamento das prisões, sendo impedido pelo Congresso dos EUA. Apenas um dos
prédios chegou a ser desativado. Nos governos posteriores, de Trump e Biden,
não houve avanços no tema do fechamento das prisões.
O governo cubano promove campanhas sistemáticas em que exige tanto
o fechamento da prisão quanto a devolução do território ao povo cubano, com o
fim das bases militares dos EUA no local. Com razão, os cubanos enxergam a
presença militar estadunidense como um desafio à soberania territorial de seu
povo. No entanto, os EUA recusam-se a discutir o fechamento da base militar.
Donald Trump, que para seu segundo mandato escolheu uma retórica
de corte neofascista, retoma o uso vergonhoso da prisão em solo cubano. Ao
enviar para fora de seu próprio território nacional os imigrantes
indocumentados que estão detidos, o governo dos EUA faz mais do que ameaçar os
futuros imigrantes ilegais, como meio de criar pânico e assegurar a dissuasão:
assume diante do mundo que não tem qualquer compromisso com a Carta das Nações
Unidas. Nas masmorras de Guantánamo, tudo pode acontecer.
Fonte: Brasil de
Fato/Opera Mundi
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