O poder do
“centrão” está enraizado no nepotismo das oligarquias, diz pesquisador
Em entrevista à
revista Jacobina, o professor Ricardo Costa de Oliveira fala
sobre a conjuntura brasileira à luz de sua pesquisa a respeito da genealogia
das famílias oligárquicas — e do nepotismo — nas esferas de poder do Brasil.
Isso forma um contínuo que vem do período colonial até hoje, atravessando o
período imperial, a república velha, a era Vargas e as experiências
democráticas, interrompidas pela ditadura militar.
Esse problema chega
até nosso momento com o Congresso Nacional e o Judiciário, cada vez mais
poderosos, e hoje como o campo de batalha de inúmeras lutas para a classe
trabalhadora, embora seja controlado pelas velhas e novas oligarquias. Entender
o contexto social e histórico das nossas instituições é um enigma de esfinge,
que exige que nós a desvendemos para não sermos, enquanto país, devorados.
<><> Confira
a entrevista.
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Duas
grandes pautas estão para ser votadas no Congresso: sobre o pacote de cortes,
enviado pelo próprio governo federal, e outra sobre a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) para colocar fim à jornada 6×1. Como você a chegada dessas
medidas à votação diante do contexto histórico do parlamento brasileiro?
Todos os dados
sociais mostram a grande e persistente desigualdade histórica, a grande
concentração de renda no Brasil, muito acima dos outros países capitalistas e
que pioraram nos governos golpistas de Temer e de Bolsonaro.
Existe muito espaço político para as novas lutas sociais e reivindicações na
atual conjuntura, as mobilizações contra a cruel jornada de
6X1 surpreenderam muitos setores pelo grande apoio na sociedade civil,
tanto em setores modernos com muitos jovens precarizados, muitas mulheres
trabalhadoras, bem como nos costumeiros grupos organizados, nos sindicatos e
partidos de esquerda, com toda uma boa adesão em novas bases sociais, o que é
um bom sinal de lutas por pautas e demandas sociais reprimidas.
A maior parte da
sociedade não aceita mais cortes na educação, na saúde, nos benefícios
populares, na previdência dos trabalhadores. As pressões políticas
pela tributação dos super-ricos, a diminuição de vantagens para grupos
empresariais com isenções, créditos e subsídios, a diminuição de privilégios
para elites corporativas, como militares e magistrados, burocratas
com remunerações acima do teto, devem ser lutas amplas pelas mudanças e revisões
nos desastres sociais causados pelas agendas golpistas derrotadas
eleitoralmente em 2022, as reformas
trabalhista e previdenciária são repudiadas, da mesma maneira a
consciência do roubo causado pela privatização de recursos minerais, as
tragédias ambientais causadas pela privatização da Vale do Rio Doce,
também as privatizações bolsonaristas de refinarias e ativos da
Petrobras, com joias suspeitas ainda sendo investigadas, o esbulho do pré-sal,
recursos que seriam originalmente destinados à educação, antes do golpe de 2016
e não ao lucro de grupos estrangeiros, há todo um quadro de políticas que devem
ser criticadas, revistas e modificadas, porque só pioraram a situação social e
econômica do país.
Hoje
o neoliberalismo fracassou internacionalmente em todos países e no
Brasil também começa a alcançar rejeições, depois de décadas de hegemonia
burguesa. As privatizações de setores públicos, como a energia
elétrica e várias infraestruturas de serviços públicos, começam a se tornar
impopulares pelas constantes falhas, apagões, deficiências e custos elevados,
que só beneficiam lucros de poucos interesses, como em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Penso que começamos a virar a página do neoliberalismo do
final do século passado e todo um novo ciclo de lutas sociais e políticas
começará com a nova geração, quando constatarem que tudo piorou no
neoliberalismo, ao invés de melhorar, começa uma forte crítica de um projeto de
nação destinado somente aos mercados privados e rentabilidades excessivas
somente para pequenos grupos capitalistas.
As atuais
contradições já promovem muitas novas lutas sociais em novas formas e novas
mobilizações, as lutas sociais crescerão e terão novos formatos, novos
movimentos sociais, dentro e fora do Congresso.
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Hugo
Motta Wanderley da Nóbrega tem apenas 35 anos e se tornou o presidente da
Câmara dos Deputados, a terceira pessoa mais poderosa na hierarquia da
República. Chega a ser surpreendente pela idade dele, salvo pelas origens e
sobrenome. O que isso nos diz?
A escolha do
presidente da Câmara dos Deputados é a escolha do representante de classe da
maioria dos parlamentares, é uma escolha que passa pelos interesses
corporativos e pelo tipo de organização e formação familiar de boa parte dos
deputados. Uma das maiores bancadas no Congresso é a bancada das famílias
políticas e das formas de nepotismo, são as relações entre estruturas de
parentesco e poder político da classe dominante.
A maioria dos
deputados e senadores pertencem às famílias políticas, temos os dados e
estimativas para várias legislaturas e sempre é superior a 70% na Câmara, de
modo que a indicação de um deputado hereditário, como Hugo Motta Wanderley
da Nóbrega, filho e neto de prefeitos e deputados, de uma família com
genealogia política no senhoriato do interior da Paraíba desde o
Período Colonial, revela o caráter de classe e o tipo de família política que
temos nos poderes do Estado há muito tempo. As famílias políticas dominam o
Estado e o poder legislativo: antes o Arthur Lira, o Rodrigo Maia,
todos com suas famílias políticas, genealogias e grandes redes de interesse. No
Senado o quadro das famílias políticas é ainda maior.
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No
caso do Nordeste, região de onde eu venho, existe a manutenção duradoura de
elites coloniais, numa espécie de transformismo como o que dizia o marxista
italiano Antônio Gramsci?
As pesquisas
mostram a existência das famílias políticas da classe dominante como um
fenômeno nacional, um fato social, genealógico e político observado em todas
regiões brasileiras, do Norte ao Sul, do Leste ao Oeste, em novas e antigas
localidades, em todos os tipos de municípios, grandes e pequenos.
O nepotismo é
a vivência política tanto das elites tradicionais quanto das emergentes no
Brasil, pois elas sempre se aliaram e até se casaram entre si, como verificamos
nas genealogias e pesquisas empíricas de nomes, sobrenomes das famílias
empresariais e políticas. Mais que transformismo é a continuidade e
hereditariedade dos poderes da classe dominante na dinâmica da luta de classes.
Se o poder legislativo é formado por famílias políticas, principalmente na
direita, poucas na esquerda, há um núcleo duro com genealogias que vêm do
Império e do Período Colonial; famílias do antigo latifúndio escravista, sempre
atualizadas e renovadas na República, continuam mandando e casando com novos
imigrantes e emergentes.
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Essa
perseverança das velhas oligarquias no tempo, adaptando-se ao Brasil Colônia,
Império, República e Democracia, passando pela Ditadura Militar coloca qual
tipo de desafio ao nosso regime político, pretensamente uma república
democrática? Ou somos uma simples oligarquia?
Do ponto de vista
sociológico, da formação social dos mais ricos e da elite política, há grandes
continuidades familiares. Hoje temos em Brasília
uma oligarquia financeirizada, muitos orçamentos são capturados e
controlados pelas famílias políticas, as emendas parlamentares, recursos
eleitorais e partidários, abastecem redes de poderes locais com parentes e
aliados nos municípios, tipo o orçamento secreto; escrevi um artigo para a
Revista NEP-UFPR sobre o orçamento secreto como um orçamento do nepotismo de
poucas famílias políticas. Todo Estado Burguês apresenta a dimensão oligárquica
e plutocrática, estruturalmente dominado por poucos grandes grupos familiares
do c…
·
O
sistema judicial, o judiciário e o ministério público também apresentam as
mesmas continuidades familiares ?
Sim, o judiciário e
o ministério público também são controlados por poucas famílias
político-jurídicas, muitas com conexões familiares de longa duração nos poderes
executivo e legislativo, o número de ministros do STF e
do STJ vindos de famílias político-jurídicas é bastante
significativo. Muitos magistrados, promotores, procuradores e desembargadores
são de conhecidas famílias da área jurídica e política, com atuação nas
representações da OAB e nos grandes e lucrativos escritórios
jurídicos das principais capitais. O quinto da magistratura é outra forma de
reprodução de familismos. A lógica do poder familiar atravessa todo sistema
judicial, desde a peneira social na escolarização jurídica de elite, nas
indicações e na formação de magistrados e procuradores, como já demonstramos em
vários artigos sobre a Lava Jato, suas conexões políticas e familiares de
interesses das elites no Paraná. Da mesma maneira os tribunais de contas
são tribunais do nepotismo no mesmo sentido sociológico, são instituições
compostas por ministros e conselheiros vinculados às mesmas famílias políticas
nos outros poderes e esferas da classe dominante, muitos ex-parlamentares com
parentes parlamentares ou nos executivos, as pesquisas genealógicas revelam
todas estas antigas e novas redes de poder e de interesses de classe. A justiça
é da classe dominante empiricamente pesquisada nos seus privilégios.
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Recentemente,
faleceu Antônio de Orleans e Bragança, um membro da família que governou o
Brasil nos tempos do Império. Esse evento foi noticiado pela imprensa
brasileira como a morte de membro da família real, como se ainda tivéssemos uma
efetiva. O que quer dizer esse ato falho antirrepublicano?
O Congresso é
dominado por centenas de famílias políticas de todos os tipos, uma tipologia
mostra das mais antigas, desde o Período Colonial e até mesmo antes
nas monarquias absolutas da Europa do Ancien Régime, como o deputado Luiz
Philippe de Orléans e Bragança, desta “ex-família real”, parente do que
faleceu. Precisamos organizar e atualizar sempre uma base de dados sobre
famílias políticas no Brasil, uma forma de um Atlas de famílias políticas por
municípios e por regiões, um quem é quem, desde as localidades do poder local, desde
alguns herdeiros dos antigos “homens bons” das Ordenanças nas Câmaras, passando
pelos cargos estaduais, até os cargos em Brasília, na capital da República.
Com o regime
político e social existente no Brasil, os novos na política, os emergentes,
tendem a casar com as velhas famílias da classe dominante tradicional do
Período Colonial, o que sempre renova as famílias políticas ou permite que o
nepotismo das novas famílias políticas criem novas famílias no poder, como as
novas famílias Ratinho e Bolsonaro, que defendem a ordem social
do passado, ao lado de muitas famílias com séculos de presença no Congresso,
como os Andrada, de Minas Gerais e muitas outras famílias políticas com
séculos no Estado, encontradas em todas regiões brasileiras.
¨ O que Arthur
Lira e Hugo Motta pensam em comum sobre o governo Lula
Tanto o atual
presidente da Câmara como o ex-mandatário da Casa Baixa avaliam que o governo
precisa definir o caminho que irá tomar na pauta econômica. A interlocutores,
Arthur Lira (PP-AL) tem dito que antes de realizar qualquer mudança na
Esplanada dos Ministérios, Lula e sua equipe precisam colocar a bola no chão e
definir os rumos que querem dar para a economia, uma vez que tem sido essa a
principal agenda no Congresso. A avaliação do ex-presidente da Câmara é fruto
de uma insatisfação entre parlamentares sobre a suposta falta de coerência do
Executivo na pauta econômica e fiscal. Exemplo disso é o esforço de Fernando
Haddad para aprovar o pacote de corte de gastos, no fim do ano passando,
enquanto ao mesmo tempo Lula defendia a aprovação da isenção do Imposto de
Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Sucessor de
Lira, Hugo Motta (Republicanos-PB) tem ido na mesma linha. Tanto em seus
discursos recentes como nas entrevistas. Em conversa com a CNN, o atual presidente
deixou claro que o Congresso não será cúmplice de agenda que gere aumento de
gastos sem elevar receita. Hugo, inclusive, afirmou que a pauta do imposto de
renda só deve ser votada se houver uma medida compensatória.
¨ Lula volta a
acenar a Pacheco e ao PSD, mas despista sobre possível vice em 2026
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta quarta-feira
(5), que ainda não é o momento de definir a chapa presidencial para as eleições
de 2026. Em entrevista a rádios de Minas Gerais, o chefe do Executivo também
enfatizou a aliança com o PSD, partido ao qual o ex-presidente do Senado
Rodrigo Pacheco é filiado.
"Eu não posso definir a chapa de 2026. Eu tenho apenas uma ideia,
não há um prazo fixo, há um tempo: a eleição de 2026", afirmou.
"Acho que o Pacheco tem o direito de tirar férias, descansar, temos
todo o tempo do mundo e, quando voltar, eu gostaria de uma reunião com o PSD,
com a participação dos ministros do PSD e dizer o que a gente vai fazer",
disse o petista.
Lula ainda afirmou que apoiará Pacheco caso ele decida concorrer ao
governo mineiro. Na ocasião, porém, o presidente desconversou sobre a
possibilidade de tornar o parlamentar chefe de um ministério, enfatizando que
não tem “pressa de fazer nenhuma reforma [ministerial]”.
"Olha, o meu sonho com o Pacheco: eu estou tentando há muito tempo
mostrar que ele é a figura pública mais importante de Minas Gerais e que se ele
quiser ser governador, ele poderá, é só ele querer pra gente trabalhar para que
ele possa ser eleito. Ele vai ter que decidir”, ressaltou.
Fonte: Entrevista
com Ricardo Costa de Oliveira, para Hugo Albuquerque, em Jacobin Brasil/Brasil 247
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