Quatro mudanças no
varejo brasileiro após 6 meses de 'taxa das blusinhas'
Neste início de fevereiro,
completam-se seis meses desde que entrou em vigor a lei que estabeleceu a taxação em 20% para
compras internacionais de até US$ 50 em plataformas internacionais
como Shein, Shopee e
AliExpress, popularmente conhecida como "taxa das blusinhas".
A taxação foi uma
resposta do governo ao pleito de varejistas, após o forte aumento das compras
digitais durante a pandemia, e diante da diferença de carga tributária entre
produtos nacionais e aqueles importados através das plataformas online.
Para compras com
valores entre US$ 50 e US$ 3 mil, a alíquota é de 60%. Além disso, incidem
sobre as encomendas o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
de 17% – patamar que será elevado a 20% em alguns Estados a partir de abril,
conforme anunciado pelo Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados
e do Distrito Federal (Comsefaz) em dezembro.
Mesmo antes de ser
anunciada, a "taxa das blusinhas" gerou forte desgaste para
o governo Lula,
com consumidores insatisfeitos com a perspectiva de pagar mais por itens de
vestuário.
Passados seis meses
da taxação em vigor, já é possível avaliar seus efeitos para a economia
brasileira.
Confira as quatro
principais mudanças provocadas pela "taxa das blusinhas" até agora,
segundo analistas.
<><> 1.
Redução das compras internacionais
Na terça-feira
(28/1), a Receita Federal informou que, em 2024, entraram no país 187 milhões
de remessas internacionais, queda de 11% em relação a 2023, quando foram
importadas 210 milhões de remessas.
Mas dados da
Receita obtidos através da Lei de Acesso à Informação (LAI) permitem uma visão
ainda mais detalhada sobre o efeito da "taxa das blusinhas".
Os números, que
trazem dados separados para compras internacionais acima e abaixo de US$ 50 mês
a mês, revelam uma queda de mais 40% nas importações de produtos até US$ 50 no
primeiro mês de vigência da taxação.
Nos meses
seguintes, as importações se recuperaram ligeiramente, mas seguiram em nível
30% abaixo da média do período anterior à vigência da lei.
"O que
aconteceu é que você nivelou a competição [entre plataformas internacionais e
varejistas tradicionais], tirou uma vantagem competitiva de preço muito
agressiva, e hoje ficou muito mais parelho", observa Alberto Serrentino,
consultor especializado em varejo da Varese Retail.
"Isso fez com
que aquela curva exponencial na qual as vendas [das plataformas digitais]
cresciam de uma maneira muito agressiva – e você tinha
novos players entrando, e isso estava se tornando uma bola de neve –
fosse revertida", completa.
Em julho, antes da
taxação, a Receita Federal registrou a entrada de 17,9 milhões de remessas
internacionais de até US$ 50, com valor declarado de R$ 1,5 bilhão.
Em agosto, quando
passou a ser cobrado o Imposto de Importações de 20% sobre os itens até US$ 50,
as compras nessa faixa de preço despencaram para 10,3 milhões — com valor
aduaneiro de R$ 756 milhões —, numa queda de 43%, conforme os dados divulgados
pelo órgão via LAI e obtidos pela BBC News Brasil por meio do site da
Controladoria-Geral da União (CGU).
Para além desse
efeito pontual no primeiro mês da taxação, comparando-se os quatro meses
anteriores a agosto (abril a julho), com os quatro primeiros meses da
tributação já em vigor (agosto a novembro), observa-se uma queda de 31% nas
compras de até US$ 50.
"Teve um
efeito importante, sim, em termos de mudar a demanda, a forma como os
consumidores passaram a lidar com esse tipo de compra", observa Ruben
Couto, analista-chefe de consumo e varejo do Santander.
Couto estima que,
antes do aumento da taxação, roupas vendidas pelas plataformas internacionais
chegavam a ser em média de 30% a 50% mais baratas do que as vendidas pelo
varejo tradicional, vantagem que diminuiu para faixa de 15% a 30% após a
introdução da "taxa das blusinhas".
<><> 2.
Ganho de mercado das varejistas tradicionais
Um dos resultados
dessa redução das compras internacionais é um aumento da participação de
mercado de varejistas de vestuário tradicionais, observam os analistas.
Para fazer essa
análise, Couto compara o crescimento do mercado de vestuário conforme a
Pesquisa Mensal do Comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(PMC/IBGE), com as vendas de varejistas listadas na bolsa de valores
brasileira, sempre na comparação anual.
"No terceiro
trimestre de 2024, que é quando essa taxação dos 20% de fato começou, o mercado
cresceu 6%, Riachuelo 11%, Renner 12% e C&A 19%", observa Couto.
O analista pondera,
porém, que essas empresas já vinham crescendo acima do mercado desde o quarto
trimestre de 2023, mesmo antes da taxação.
Segundo ele, isso
se deve em parte à criação do Programa Remessa Conforme em 2023.
A Receita Federal
criou o Programa Remessa Conforme para regulamentar a importação de bens
através das plataformas digitais.
Antes do programa,
as plataformas se aproveitavam de uma isenção para remessas entre pessoas
físicas de até US$ 50 para não pagar impostos.
Com a criação do
programa, a alíquota do comércio eletrônico para produtos de até US$ 50 foi
zerada, desde que as empresas passassem a registrar corretamente as
importações. Isso durou até agosto de 2024, quando passou a vigorar a taxação
de 20%, após aprovação de lei pelo Congresso.
Mesmo antes da
entrada em vigor da taxação, a incerteza gerada nos consumidores pelo maior
controle da Receita e pela perspectiva de alta dos impostos já contribuiu para
o ganho de mercado das varejistas tradicionais, acredita o economista do
Santander.
Alberto Serrentino,
da Varese Retail, pondera, porém, que não é possível atribuir todo o bom
desempenho das varejistas tradicionais ao Remessa Conforme e ao aumento da
taxação.
"Há um mercado
de trabalho que reagiu muito bem no ano passado no Brasil. O desemprego caiu, a
renda cresceu, a confiança voltou e isso ajuda muito o consumo de moda",
observa Serrentino.
"Então a queda
nas compras internacionais certamente ajudou a aumentar a demanda por compras
no Brasil, mas não é o único motivo pelo qual o varejo de moda foi bem no ano
passado."
Daniel Arruda,
analista de varejo da LCA 4intelligence, estima que, somente no mês de agosto
de 2024, quando começou a valer a taxação de 20% para compras de até US$ 50, o Brasil
deixou de importar R$ 750 milhões em itens de pequeno valor.
"Comparado com
o faturamento do setor, segundo dados do IBGE, isso teria um potencial de
impactar as vendas domésticas em 3,8%", calcula o economista.
"E lembrando
que, em abril, teremos a majoração do ICMS sobre encomendas internacionais de
17% para 20%. Então, é mais um estímulo para esse setor."
<><> 3.
Avanço da nacionalização nas plataformas digitais
Um terceiro efeito
da "taxa das blusinhas" foi acelerar mudanças nas plataformas digitais,
que ampliaram a nacionalização de seus portfólios, na busca por minimizar a
perda de vendas.
A Shein, por
exemplo, afirma que o marketplace local já representa 55% das vendas da empresa
no Brasil. Nessa modalidade, vendedores brasileiros utilizam a plataforma da
Shein para vender seus produtos aos consumidores.
A empresa
reconhece, porém, que nem tudo que esses vendedores oferecem através da
plataforma é produzido necessariamente no Brasil.
Questionada pela
BBC News Brasil, a Shein estimou que "aproximadamente 75%" dos
produtos vendidos por terceiros através da plataforma são produzidos
localmente; patamar que chega a 85% para produtos de vestuário feminino,
masculino e calçados, segundo a empresa.
Para além dos 55%
de marketplace local, a Shein tem ainda 45% de vendas divididas entre produtos
importados e a linha Shein Brasil, produzida em parceria com cerca de 300
fábricas brasileiras registradas junto à empresa.
A Shein não revela,
porém, quanto a produção em parceria com fabricantes nacionais representa do
seu negócio atualmente. Mas diz ter como meta chegar a 85% de vendas nacionais
até 2026, somando nessa conta o marketplace local e as vendas da linha Shein
Brasil.
Uma proposta de
parceria entre Shein e Coteminas segue sem avanços, após a indústria têxtil
brasileira entrar em recuperação judicial em meados de 2024.
A colaboração entre
as empresas havia sido anunciada em abril de 2023, após reunião entre a chinesa
e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – a Coteminas é presidida por
Josué Gomes da Silva, filho de José Alencar, que foi vice-presidente do Brasil
durante os dois primeiros mandatos de Lula (2003-2011).
"Desde a
introdução do Remessa Conforme, todas as plataformas começaram a se adaptar e
repensar um pouco o modelo no Brasil", observa Ruben Couto, do Santander.
"Então,
acredito que elas sentem o efeito do aumento da taxação, mas todas já vinham
readequando seu modelo de negócios para essa mudança", completa.
A Shopee afirma que
atualmente 90% de suas vendas são de vendedores brasileiros.
"Acreditamos
que a isonomia tributária e o fortalecimento do mercado interno são essenciais
para o crescimento sustentável do e-commerce no Brasil", disse a empresa,
em nota.
A AliExpress, por
sua vez, ressalta que aderiu voluntariamente ao Programa Remessa Conforme, mas
critica a elevação das alíquotas.
"Essas
mudanças não só alteraram a carga tributária, mas também restringiram o acesso
a produtos internacionais, afetando especialmente as classes mais baixas",
disse a companhia, também em nota.
Procurada pela BBC,
a Temu não respondeu
a pedido de posicionamento.
<><> 4.
Arrecadação recorde
Por fim, uma última
mudança resultante da "taxa das blusinhas" é um aumento da
arrecadação do governo federal.
A arrecadação do
imposto de importação sobre remessas internacionais foi recorde em 2024,
atingindo R$ 2,8 bilhões, alta de 40,7% em relação a 2023, quando foi de R$
1,98 bilhão.
Segundo a Receita
Federal, o aumento da arrecadação se deve à criação do Programa Remessa
Conforme e ao estabelecimento, pelo Congresso Nacional, da tributação sobre
todas as remessas, independentemente do valor da importação.
Para o Instituto
para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), entidade que representa os varejistas
tradicionais, mesmo com a "taxa das blusinhas" e o aumento do ICMS
para 20% que deve entrar em vigor em abril, os produtos nacionais seguem em
desvantagem em relação aos importados.
"O país ainda
está em uma condição bastante favorável à importação", afirma Jorge
Gonçalves Filho, presidente do IDV.
"Fazendo a
composição do Imposto de Importação de 20%, com o ICMS de 17%, a carga
tributária do importado é de 44,6%", calcula o representante do varejo.
"Com o ICMS
passando a 20%, a carga tributária dos importados será de 50%. Se compararmos
com a carga tributária interna, que é perto de 90%, ainda tem muito caminho
pela frente."
Fonte: BBC News
Brasil
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