Angioedema
hereditário é uma doença pouco conhecida. "É fundamental que profissionais
de saúde reconheçam os sinais"
Os sintomas começam
a manifestar-se, geralmente, na infância e agravam-se na puberdade, embora
possam iniciar-se mais tarde, já na idade adulta, em alguns doentes.
Liliana Monteiro
foi diagnosticada com angioedema hereditário aos 14 anos. Mas os primeiros
sintomas começaram quando tinha seis anos. Dores abdominais e edemas nos olhos
e na face eram frequentemente desvalorizados por familiares e médicos, que
associavam os sinais da doença a alergias, ansiedade e outras causas.
"As crises de
angioedema podem ser desencadeadas por traumatismos, mesmo que ligeiros, pelo
stress físico ou emocional, por procedimentos cirúrgicos ou dentários, mas em alguns
casos acontecem de forma imprevisível e sem qualquer desencadeante
identificado", explica Frederico Regateiro, imunoalergologista no Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra.
O angioedema
hereditário é uma doença rara em que ocorrem crises recorrentes de edema
("inchaço") da pele e mucosas de várias partes do corpo. As crises
podem ser debilitantes e dolorosas e atingem sobretudo a face, a boca, a
faringe, o abdómen, as mãos e pés, e os órgãos genitais. "As crises de
angioedema intestinal podem causar dor do abdómen, náuseas e vómitos. As crises
que atingem a via aérea podem causar dificuldade respiratória e ser,
potencialmente, fatais", refere o médico.
Segundo dados da
Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC), a doença afeta
cerca de 300 portugueses, interferindo negativamente no seu quotidiano e
causando, em contexto de crises, além de desconforto e desfiguração, sofrimento
físico e psíquico. Por ser confundido com uma alergia, o diagnóstico do
angioedema hereditário é, muitas vezes atrasado, estimando-se que existam, em
Portugal, entre 100 a 200 doentes por diagnosticar.
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Sintomas
agravam-se na puberdade
A doença afeta
ambos os sexos. Os sintomas começam a manifestar-se, geralmente, na infância e
agravam-se na puberdade, embora possam iniciar-se mais tarde, já na idade
adulta, em alguns doentes. "Existem vários tipos de angioedema
hereditário, causados por diferentes mutações genéticas e, na maior parte dos
casos, existem outros familiares afectados (embora não em todos os casos)",
diz o imunoalergologista Frederico Regateiro.
Nos doentes com
angioedema hereditário não diagnosticado, as crises podem multiplicar-se sem
razão óbvia, podendo sofrer durante anos antes de serem diagnosticados. O
diagnóstico é feito pela avaliação clínica e por análises de sangue, sendo
importante excluir outras causas mais comuns de angioedema (por exemplo,
angioedema causado por alergias).
Na última década
ocorreram avanços importantes no diagnóstico e terapêutica do angioedema
hereditário. Para além do tratamento das crises agudas, existem fármacos que
permitem reduzir o número e a intensidade das crises, melhorando a qualidade de
vida destes doentes. "Em caso de suspeita, é importante a referenciação a
Serviços de Imunoalergologia e Consultas de Angioedema Hereditário para
diagnóstico e tratamento especializado", frisa o especialista.
Para a SPAIC, é
essencial "combater a falta de informação que existe sobre a
patologia", "sendo fundamental que os profissionais de saúde saibam
reconhecer os sinais da doença, o seu tratamento e também como fazer a
referenciação", segundo uma campanha de informação levada a cabo o ano
passado.
¨ "Cheguei a ir trabalhar com uma mão tão inchada
que parecia do tamanho da mão do Shrek", diz Liliana
Liliana Monteiro
foi diagnosticada com angioedema
hereditário aos
14 anos. Até ao momento do diagnóstico, tinha sintomas frequentes como dores
abdominais e edemas nos olhos e na face, mas que, na maioria das vezes,
desvalorizava. Inclusive os médicos, que associavam estes sintomas a possíveis
alergias ou a ansiedade.
Após sucessivos internamentos
e um edema ocular, aos 14 anos, foi submetida a uma bateria de testes e, daí,
resultou o diagnóstico e a certeza de que viveria com angioedema para o resto
da vida. Só depois do diagnóstico e após pesquisa genética, se percebeu que
vários membros da família materna são portadores da doença. Muitos deles,
devido à idade, apesar dos sintomas, terão ficado por diagnosticar.
O angioedema
hereditário nem sempre é fácil de diagnosticar. É uma patologia rara. Liliana
Monteiro, 40 anos, portadora desta doença genética, conversou a propósito.
LEIA A ENTREVISTA
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1.
Quando começaram a surgir os primeiros sinais/sintomas da doença?
Os primeiros sinais
da doença surgiram ainda era muito pequena, por volta dos 6 anos, sendo que
nessa altura não tinha qualquer diagnóstico de angioedema hereditário.
Manifestava-se sobretudo por dores abdominais, vómitos e diarreia. Estes
sintomas mantinham-se durante 3 ou 4 dias e depois voltava a normalizar. Só
mais tarde, quando a doença me foi diagnosticada, é que associei estes sintomas
a angioedema hereditário.
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2.
O que é o angioedema hereditário? E qual o seu tipo?
O angioedema
hereditário é uma doença que se caracteriza por crises agudas de edemas na pele
e/ ou nas mucosas. O edema pode atingir em qualquer parte do corpo e/ ou
mucosas, nomeadamente, nas vias respiratórias superiores ou no tubo digestivo
(o denominado edema da glote, um dos mais graves). As crises agudas podem
surgir de forma espontânea ou devido a situações
como stress emocional, traumatismos, infeções, procedimentos
médico-cirúrgicos ou induzidas por medicamentos estrogénios/ métodos
contracetivos. Na maioria dos casos, o angioedema hereditário uma doença
hereditária causada por défice de C1 inibidor esterase e existem 2 tipos mais
frequentes: tipo I (défice quantitativo) e tipo II (défice qualitativo). O
angioedema hereditário com que fui diagnosticada é tipo II.
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3.
Pelo que nos conta, o seu diagnóstico não foi imediato?
O diagnóstico não
foi nem fácil nem rápido. Por volta dos 11 anos, acordei com um inchaço na face
sem motivo aparente. Na Urgência não foi possível chegar a um diagnóstico
conclusivo, e foram apontadas hipóteses como uma alergia, consequência de uma
pancada, uma picada de inseto, etc. Mas a partir dessa altura, começaram a
surgir edemas como maior frequência, até que aos 12 anos tive um episódio de
edema na garganta. Estive internada no Hospital D. Estefânia, em Lisboa,
durante uns dias, mas continuei sem diagnóstico mesmo após a alta. Entretanto,
fui reencaminhada para a consulta de Imunoalergologia do Hospital de Santa
Maria, em Lisboa, onde fiz uma bateria de testes a possíveis alergias, todos
eles com resultado negativo. Contudo, foi neste hospital, ao fim de alguns
meses, que obtive o diagnóstico conclusivo: angioedema hereditário.
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4.
Os sintomas perturbavam o seu dia a dia?
Durante esse
período, quando desenvolvia crises, mesmo que ligeiras, foram muitas vezes
impeditivas quer de trabalhar, quer de realizar atividades de lazer. Por
exemplo, quando tinha crises que afetavam membros inferiores, o inchaço era tão
grande que me impedia de andar, até porque, normalmente afetavam os dois pés em
simultâneo. Já nas mãos, cheguei a ir trabalhar com uma mão tão inchada que
parecia do tamanho da mão do Shrek.
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5.
Quais as suas principais preocupações relacionadas com a doença?
Durante muitos anos
a minha maior preocupação foi, sem dúvida, desenvolver uma crise grave estando
longe do hospital, uma vez que a doença era desconhecida e a medicação muito
restrita ou quase nenhuma. Com o passar dos anos, e depois de ser mãe, a minha
maior preocupação era a de que o meu filho pudesse ser portador da mesma doença
(o que até agora, e já depois de fazer exames em dois momentos da sua vida, não
se verificou), assim como a preocupação de desenvolver uma crise muito grave
que me possa causar a morte.
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6.
Qual é/como é o tratamento?
Existem dois tipos
de tratamento para o angioedema hereditário: o tratamento preventivo de crises
agudas, através de uma injeção subcutânea, que faço em casa; e o tratamento de
crises aguda, em forma de administração subcutânea ou concentrado de C1
Inibidor de administração endovenosa, em ambiente hospitalar.
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7.
Qual o momento mais difícil que passou devido à doença?
O momento de maior
risco foi, sem dúvida, aos 15 anos quando tive uma crise de edema da glote com
necessidade de recorrer a ventilação mecânica. O momento mais difícil foram os
nove meses de gravidez, altura em que a doença se agravou ao ponto de ter de
dirigir-me ao hospital todos os dias da semana e, por vezes, mais do que uma vez
por dia, ora para fazer diariamente terapêutica preventiva, ora para ser
submetida a tratamento das crises agudas que desenvolvia. O pós-parto, durante
os três primeiros meses também foi muito complicado, mas com o passar do tempo,
tudo voltou a normalizar-se.
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8.
Atualmente consegue fazer a vida sem contratempos associados à doença?
Desde junho de
2021, com a medicação que faço (injeção subcutânea), as crises são praticamente
inexistentes, e o facto de ter comigo medicação para situações de SOS, dá-me outra
segurança, acredito que seja um sentimento comum a todos os doentes com
angioedema hereditário. A doença não influencia em nada o meu dia a dia. Sei
que vivo com esta doença, mas, honestamente, não me lembro dela. Claro que se
desenvolver uma crise, mesmo que ligeira, fico mais sensível, mas no dia a dia,
não me traz contratempos. Há uns anos os períodos de férias fora de casa eram
um stress, mas neste momento é algo que também não me preocupa, já que vá para
onde for, tenho a possibilidade de levar a medicação SOS. É como eu costumo
dizer: “As pessoas têm animais de estimação que os acompanham, eu tenho o
angioedema que anda sempre comigo”.
Fonte:
SapoLifestyle
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