As cartas que a ditadura escondeu
Quando decidi contatar Almino Affonso, em 2021, não o conhecia
pessoalmente. Acreditava, contudo, que não seria uma intromissão me apresentar
com uma curta mensagem por escrito, no celular. Tínhamos um grande amigo em
comum e, além disso, como jornalista, é meu ganha-pão pedir informações e
documentos a gente que me tem por estranho. Mas, fosse como fosse, eu me sentia
constrangido. Não é agradável dizer a um desconhecido que você está em posse de
cartas escritas por ele há quase sessenta anos e que nunca chegaram à pessoa
desejada, que deveria tê-las lido. As três missivas tinham sido enviadas a um
amigo no final da década de 1960, quando Affonso se encontrava exilado no
Chile, mas foram interceptadas pelos órgãos de repressão da ditadura brasileira
antes que pudessem ser entregues. Décadas mais tarde, foram parar na
minha gaveta, junto com outras.
Como jornalista e escritor, há trinta anos investigo os crimes cometidos
pela ditadura, sobretudo os que envolvem os 434 mortos e desaparecidos políticos.
Também atuei como pesquisador da Comissão Nacional da Verdade entre 2012 e
2013. Graças a esse histórico, acabei me tornando um para-raios de documentos
da repressão. Às vezes passo anos buscando, sem sucesso, um conjunto específico
de informações; outras vezes, de forma espontânea, recebo um valioso lote de
papéis. Foi assim que, na pandemia, em circunstâncias que devo omitir em
respeito ao sigilo da fonte, chegou até mim uma dezena de cartas escritas por
exilados brasileiros na década de 1960 e interceptadas pelos militares. Com
selos e carimbos de correios estrangeiros (Chile, Uruguai, Alemanha Ocidental e
Estados Unidos), os envelopes, amarelados pelo tempo, estavam todos violados, a
maioria deles com rasgos grosseiros nas laterais. No interior dos invólucros,
as cartas estavam preservadas.
Li-as todas. A primeira coisa que notei foram as semelhanças entre elas:
quase sempre, os exilados descreviam como andava a vida longe do Brasil,
contavam fatos triviais (os perrengues, as descobertas), diziam sentir saudades
de casa e pediam informações sobre parentes e amigos. Vez por outra, um
comentário sobre a situação política ou a repressão, mas nada que pudesse ser
classificado como uma atitude atentatória ao regime militar. Cartas típicas de
expatriados. Concluí que não havia nada a fazer senão entregá-las aos
destinatários ou, se necessário, aos remetentes. Não era, contudo, tarefa
simples. Salvo exceções, os exilados, sabendo que provavelmente estavam sendo
monitorados pelos serviços de inteligência, redigiam as cartas sem citar nomes
completos (inclusive os seus) e omitiam os próprios endereços. Havia outra
dificuldade, isso eu descobri depois: em alguns casos, os destinatários formais
das cartas eram apenas intermediários, pessoas que se supunha não estarem na
mira do regime e que, por isso, poderiam entregar as cartas sem correr perigo.
Os verdadeiros destinatários eram identificados, no corpo do texto, apenas com
prenomes (Eduardo, Moacyr, Haroldo, Cantídio, Rubens etc.)
Cruzando esses prenomes com cidades e outras informações, consegui, na
maioria das cartas, identificar uns e outros. O primeiro lote decifrado tinha
como remetente Almino Affonso e como destinatário Cantídio Salvador Filardi. O
primeiro vivia em Santiago quando escreveu as mensagens; o segundo, em São
Paulo. Quando enfim desvendei o enigma, Filardi já havia morrido; Affonso
estava vivo. Diferentemente do que eu temia, meu primeiro contato com Affonso
transcorreu sem sinal de estranhamento, tensão ou angústia. Ele não pareceu
considerar aquilo uma invasão à sua privacidade. Depois de uma breve troca de
mensagens, combinamos um encontro em São Paulo, numa tarde chuvosa de dezembro
de 2021.
Affonso me recebeu em seu apartamento, no Alto de Pinheiros, onde morava
sozinho aos 92 anos de idade. Era um imóvel alugado, confortável, mas modesto,
o que, conhecendo o currículo do morador, me causou alguma surpresa. Affonso
foi deputado federal por três mandatos, ministro do Trabalho do governo João
Goulart, secretário estadual de São Paulo nos anos 1980, quando teve sob sua
alçada a construção do metrô da capital, e vice-governador do estado (1987-90),
cargo ao qual renunciou devido a divergências com o exuberante Orestes Quércia.
Sorridente, Affonso me conduziu a uma pequena mesa redonda na copa, onde serviu
café e água de coco. Sugeriu que tirássemos as máscaras respiratórias, o que
fizemos (àquela altura, ambos estávamos vacinados com mais de uma dose contra a
Covid). Conversamos por duas horas e meia, sem entrar no assunto das cartas.
Meu interlocutor, apesar da idade, falava com a voz grossa e empostada, como se
discursasse numa tribuna. Encerrava os longos raciocínios com uma risada aguda,
infantil, que me fez lembrar Zacarias, personagem do programa Os
Trapalhões.
Affonso tinha 34 anos quando foi tragado pelo torvelinho da ditadura.
Como deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) do Amazonas,
esteve na linha de frente da resistência contra o golpe. Em 1º de abril de
1964, quando os tanques do Exército já estavam nas ruas, acompanhou João
Goulart até a escada do avião que levaria o presidente de Brasília a Porto
Alegre. Depois voltou ao Congresso, onde deu sequência a seus pronunciamentos
incandescentes contra os golpistas. Oito dias depois, Affonso viu seu
nome na primeira lista de parlamentares cassados pela ditadura. Apeado do
mandato e tornado inelegível por dez anos, temeu ser preso pelos militares,
talvez morto. Buscou refúgio na Embaixada da antiga Iugoslávia e de lá,
protegido por um salvo-conduto, rumou para Belgrado. Deixou no Brasil a mulher,
Lygia, e os quatro filhos menores de idade, entre eles um recém-nascido. Pulando
de país em país, Affonso ficou desempregado por um ano e meio, vivendo com
privações. No Chile, por fim, arranjou uma vaga na Organização Internacional do
Trabalho (OIT), conseguiu se aprumar e trouxe a família para perto de si.
Durante doze anos, sem autorização para retornar ao Brasil, zanzou a
contragosto por outros quatro países (Iugoslávia, Uruguai, Peru e Argentina).
Nunca perdeu o contato com os amigos mais próximos, como o compadre Cantídio
Salvador Filardi e um companheiro de longa data com quem conviveu na
Iugoslávia: Rubens Paiva.
Quando completava sete anos de degredo, Affonso esboçou uma tentativa de
voltar ao Brasil, incentivado por Paiva, que já tinha deixado Belgrado e se
restabelecido no Rio de Janeiro. O colega, também um deputado cassado do PTB,
convenceu Affonso de que a ditadura, embora sólida, começava a distensionar a
repressão. Affonso deu entrada na papelada necessária para sua repatriação, no
consulado brasileiro em Santiago. Ao notar que o processo se arrastava
inexplicavelmente, resolveu telefonar para a casa dos Paiva, no Rio de Janeiro,
a fim de pedir que o amigo interviesse a seu favor no Itamaraty. Um homem
atendeu o telefonema e disse que Paiva não estava e que não tinha hora para
voltar. Affonso tentou outras duas vezes, em horários diferentes, mas ouviu a
mesma desculpa. Desconfiado, ligou para um irmão que morava no Brasil. Foi
quando soube, numa conversa velada, do que havia se passado. Rubens Paiva,
disse o irmão, estava no hospital em estado grave (isto é, já estava morto);
Eunice e uma das filhas, Eliana, de 15 anos, também estavam hospitalizadas
(encontravam-se, na verdade, presas e submetidas a interrogatórios no DOI-CODI).
Affonso, aterrorizado, desistiu de voltar ao Brasil.
Anos mais tarde, o ex-ministro descobriu que justamente uma carta sua,
apreendida por militares no Aeroporto do Galeão, fora usada como pretexto para
o sequestro, a prisão e o assassinato de Paiva, em janeiro de 1971. A
correspondência foi encontrada em posse de duas mulheres (Cecília de Barros
Correia Viveiros de Castro e Marilene de Lima Corona) que voltavam do exterior
trazendo consigo mensagens de exilados no Chile. Naquele mesmo dia, seis agentes
ostensivamente armados invadiram a casa da família Paiva, na Avenida Delfim
Moreira, no Leblon, e conduziram o ex-deputado para o quartel da 3ª Zona Aérea,
próximo ao Aeroporto Santos Dumont. Paiva foi espancado e, pouco depois,
enviado ao DOI-CODI do Iº Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Ali
morreu sob tortura, aos 41 anos. Seu corpo nunca foi devolvido à família.
Passados quarenta anos da redemocratização, Exército e Aeronáutica ainda negam
a autoria do crime.
O lote de cartas que chegou até mim não incluía essa mensagem para
Paiva. Ao encontrar Affonso, em 2021, levei somente as correspondências que ele
escreveu para Filardi, um antigo colega da Faculdade de Direito de São Paulo.
Entreguei-as ao final de nossa longa conversa, na copa. Com a desculpa de que
precisava ir ao banheiro, deixei-o sozinho por um instante folheando os papéis.
Enquanto fechava a porta do lavabo, pude ouvi-lo exclamar: “São cartas do
Chile… meu Deus!” Affonso acredita que a apreensão daquelas mensagens foi
inútil para o regime militar. “Quase sempre não continham nada de importante,
eram um carinho apenas.” Tanto é assim que, quando retornou do exílio em 1976 e
passou a conviver novamente com Filardi, nenhum dos dois percebeu os lapsos de
comunicação causados pela interceptação das cartas. O colega o contratou para
seu escritório de advocacia, mas em pouco tempo Affonso retomou a atividade
política. Em 1977, ajudou na elaboração da “Carta aos Brasileiros”, que reuniu
figurões do mundo jurídico em uma denúncia pública à ditadura. Em 2022, assinou
e apoiou publicamente a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do
Estado democrático de Direito”, uma reação à escalada autoritária de Jair
Bolsonaro.
Filardi também figurava como destinatário em outras correspondências sob
minha guarda. Ele fazia parte de um grupo a quem o professor brasileiro Norman
Maurice Potter remetia correspondências coletivas do exílio. Assim como Rubens
Paiva e Almino Affonso, Potter não era um ativista radical que ameaçava a
ditadura quando foi obrigado a se exilar. Seu único pecado foi fundar uma
escola de ensino superior.
No final dos anos 1950, Potter, filho de pai britânico, era um jovem
professor de inglês em um colégio de José Bonifácio, pequeno município do
noroeste de São Paulo. Um dia, foi convidado a se juntar ao grupo encarregado
de fundar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFI) na vizinha São
José do Rio Preto. Como a cidade crescia rapidamente, fazendeiros e empresários
locais vinham pressionando o governo estadual a criar uma universidade onde
seus filhos pudessem estudar.
Potter e seus colegas, a maioria oriundos da Universidade de São Paulo
(USP), começaram do zero. Coube a ele, além de planejar o curso de língua e
literatura inglesas, organizar o desengraçado conjunto de prédios de três
andares da FAFI, definindo onde ficariam as salas de aula, os escritórios
administrativos e a biblioteca. A faculdade foi inaugurada em 1957. Empolgados
pela experiência fundadora, Potter e outros professores quiseram romper com a
sisudez do ensino tradicional. Em vez de terno e gravata para os alunos e
vestido social para as alunas, estabeleceram roupas casuais, chinelo de dedo ou
mesmo pés descalços. O professor não precisava ser tratado pelo sobrenome ou
por “vossa excelência” (Potter era apenas Norman). Um cão da raça pastor alemão
batizado de Ringo foi adotado pelo corpo docente. Em sala de aula, falava-se de
injustiça social e os alunos eram instigados ao debate.
Foi um choque para a conservadora São José do Rio Preto, e as primeiras
resistências surgiram na própria faculdade, mais especificamente no
departamento de História Natural, dominado por professores nascidos na região.
A disputa transcorreu normalmente, como é comum na academia, até que veio o
golpe de 1964. A faculdade, como tantas no país, sofreu intervenção, e um juiz
de direito assumiu a reitoria. Foi quando um manifesto, assinado por alguns
professores, denunciou “atividades ilegais” praticadas na faculdade. A
imputação era vaga e sem qualquer prova. Reclamava a “preservação moral e dos
costumes de nossos moços e de nossos filhos”, em nome de “um sistema
democrático” que defendesse, “com firmeza e intransigência, a liberdade, a fé
cristã e os anseios do povo brasileiro”. O manifesto solicitava a instauração
de um “rigoroso inquérito” para apurar “responsabilidades”. Não demorou para
que Potter e seus colegas virassem alvo da repressão. Poucos meses depois do
golpe, alguns deles foram presos na delegacia local e submetidos a tortura
psicológica em um cubículo conhecido como “pela-porco”. Dezoito educadores
foram demitidos e denunciados à Justiça Militar. Entre eles, Potter.
Impedido de trabalhar na universidade que ajudou a construir e temendo a
morte, o professor buscou asilo. No exterior, com suas credenciais e inglês impecável,
conseguiu dar continuidade à carreira acadêmica (na Alemanha, foi integrante do
Instituto de Intérpretes da Universidade de Heidelberg e, posteriormente, nos
Estados Unidos, foi professor da Universidade do Texas e cursou doutorado na
Universidade de Minnesota. Fez parte ainda de um grupo de acadêmicos
estrangeiros que traduziu para o inglês a poesia concreta de Haroldo de
Campos).
No período de exílio na Alemanha Ocidental, que coincidiu com os
momentos mais agudos da repressão no Brasil, Potter escreveu cartas aos amigos
que haviam ficado ou que já tinham retornado ao país. Um lote dessas mensagens
chegou até mim. Em pelo menos duas missivas enviadas em 1966, demonstrando não
saber que os serviços de inteligência do regime interceptavam suas mensagens,
Potter reclamou entre ironias e palavrões que três de seus companheiros (Rubens
Paiva e outros dois, identificados apenas como Raimundo e Arthur) não lhe
escreviam de volta. “Se vocês soubessem como é bom receber uma carta
subdesenvolvida aqui entre os super, vocês escreveriam”, disse em uma das
correspondências. Potter chegou a especular que talvez suas mensagens não
tivessem sido entregues – de fato, não foram.
Nas cartas, Potter quase sempre tratava de assuntos pessoais (a saudade
da terra natal quando ouvia músicas de Vinicius de Moraes; o deleite do outono
europeu; as dificuldades comuns do dia a dia, como bancar o alto custo de vida
etc.) Num sábado, em outubro de 1966, ele supervisionava uma prova em sala de
aula quando, em estado de “monotonia total”, decidiu escrever para Filardi. Com
uma caneta azul e uma folha de papel pautada com timbre da Universidade de
Heidelberg, redigiu sobretudo amenidades. Ao “caríssimo Cantídio [Filardi]”,
Potter contou que, ao ler jornais e revistas europeus, tinha o hábito de buscar
notícias sobre o Brasil, o que quase sempre resultava em frustração. Àquela
altura, o noticiário internacional focava em outras paragens, como a Guerra do
Vietnã e o alvorecer da ditadura militar na Argentina. Quando encontrava
reportagens sobre o Brasil, Potter costumava recortá-las e enviá-las aos amigos
do outro lado do Atlântico. Mas também nesses casos era comum que restasse um
gosto amargo, pois as notas raramente tratavam da repressão. Em geral, eram
elogiosas ao “milagre econômico” promovido pela ditadura. “E é isto que me
irrita mais do que tudo”, praguejou.
Cinco dias antes de Potter escrever a carta, uma eleição farsesca no
Colégio Eleitoral brasileiro escolhera o general Arthur da Costa e Silva para
ocupar a Presidência da República, substituindo o também general Humberto
Castello Branco. As Forças Armadas davam mais uma volta na tranca do regime, o
que significava que mais cartas seriam apreendidas e mais pessoas seriam
presas, torturadas e mortas. Enquanto monitorava os alunos, Potter lamentou o
fato de que o governo militar recebesse tantos encômios na Europa. Sua
conclusão era a de que o establishment internacional desejava
da ditadura brasileira uma só coisa: que fosse capaz de produzir um “governo
estável”. Potter não se conformava com os “juízos seletivos” em relação à
ditadura. “Em outras palavras, [para a imprensa europeia] a situação do
Brasil é ótima quando o comparamos com a Argentina, os demais países da América
do Sul (exceto a Venezuela) e principalmente quando se olha para a África.”
Apesar dos dissabores, Potter tocava o barco. “Novidades por aqui muito
poucas: fomos à Inglaterra onde passamos cerca de vinte dias belíssimos,
principalmente quando nos dirigimos mais ao Norte, em direção à Escócia (…). A
vida aqui na universidade sem grandes mudanças. Trabalho regular, pacato.”
Virou então a folha e continuou escrevendo até onde o papel comportava,
encerrando com “lembranças e abraços aos amigos” e “recomendações à esposa”.
Ponto final. A folha foi então cuidadosamente dobrada, duas vezes, e guardada
num envelope do correio aéreo alemão decorado com detalhes em vermelho e azul.
Na frente e no verso, os nomes e endereços do remetente (“N.M.Potter”) e do
destinatário (“Dr. Cantídio Filardi”) foram escritos à máquina, sem rasura. Só
o nome do país de destino foi grafado com letras maiúsculas: BRASILIEN. Com uma
caneta azul, foi dado o último toque: o acréscimo de tis e acentos agudos onde
a máquina de escrever não o fizera.
Na Alemanha, o envelope recebeu dois selos: um azul, de 1 marco, mostra
a efígie de Annette von Droste-Hülshoff, poetisa, romancista e compositora de
música clássica alemã do século XIX; outro, na cor verde, exibe um carrancudo
Beethoven, pelo valor de 70 cêntimos.
O conjunto de correspondências que recebi percorreu um trajeto
improvável. Escritas originalmente no Chile, no Uruguai, na Alemanha Ocidental
e nos Estados Unidos, elas foram enviadas ao Brasil, em diferentes datas, no
final dos anos 1960. Mais de cinquenta anos depois, sem que tivessem chegado aos
destinatários, viajaram do Brasil para a Suíça, onde eu morava. Algumas delas
retornaram ao Brasil meses mais tarde, quando iniciei a entrega a quem de
direito, como aconteceu em São Paulo no encontro com Almino Affonso. Depois
disso, as correspondências que continuaram comigo seguiram da Suíça para
Portugal, onde passei a viver. E então, de Lisboa, uma nova leva foi despachada
para o Brasil. Nesse lote havia uma mensagem de Potter a Rubens Paiva que, como
as outras, nunca foi entregue.
Em julho de 2023, procurei Marcelo Rubens Paiva, um dos filhos do
deputado cassado. Por WhatsApp, me apresentei, mencionei a carta de Potter que
deveria ter sido entregue a seu pai e perguntei se a família gostaria de
recebê-la. Duas horas depois, Marcelo me enviou um áudio simpático, respondendo
que sim. “Até porque”, disse ele, “estão fazendo um filme sobre a minha mãe”.
As filmagens de Ainda estou aqui, baseado no livro homônimo de
Marcelo, tinham começado havia cerca de um mês. Na troca de mensagens que se
seguiu, Marcelo se prontificou a ajudar na elucidação de pontos nebulosos da
carta. “Pena que minha mãe morreu porque era ela quem conhecia bem essas
pessoas”, ele disse, quando expliquei que ainda não tinha conseguido
identificar o remetente da mensagem e os amigos que ele citava (Até hoje,
continuo tentando decifrar algumas correspondências que restaram comigo.)
A carta chegou às mãos de Marcelo no mês seguinte e, em pouco tempo,
retomamos a conversa por Whatsapp. Ele confirmou ter recebido a correspondência
e lamentou novamente não saber quem eram os personagens citados por Potter,
provavelmente amigos de seu pai. “Minha mãe não está viva para poder dar uma
luz… Aliás estão todos daquela geração já falecendo. É a história se apagando.”
Não guardei registros da carta, que hoje está em posse da família. Depois de
tê-la lido, Marcelo disse que achou graça da comparação que Potter fez entre
França e Alemanha. E comentou: “[Ele] Escreve muito bem, né?”
Fonte:
Por Lucas Figueiredo, na Piauí
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