O que é o turismo
do sono, nova tendência de viagens de luxo
A balsa atravessa
as águas geladas do mar Báltico, em direção ao arquipélago no leste da Suécia. Lugares como
Skarpö, Hjälmö e Gällnö têm seus nomes pintados em cabanas vermelhas, em frente
às suas plataformas de desembarque.
O sufixo
"ö" significa "ilha", em sueco – uma representação
pictórica de uma massa de terra rodeada pelo mar, com duas pessoas minúsculas
esperando para atracar.
Sou a única pessoa
a desembarcar em Svartsö, uma das poucas ilhas do arquipélago onde existem
acomodações que permanecem abertas no inverno.
Sigo ao longo de
uma trilha nevada até o Skärgårdshotell. Ao chegar, sou
levada para uma cabine às margens da floresta, em frente às águas escuras do
lago Svartsöfladen. Parece que cheguei ao local mais distante possível de tudo.
Meu quarto é de uma
simplicidade sueca minimalista. Ele tem uma cama, uma cadeira e uma mesa de
cabeceira.
Não há televisão,
nem outras distrações que me afastem da tranquilidade intocada do ambiente à
minha volta. Na verdade, estou aqui, basicamente, para dormir.
Em uma era em
que a conectividade é
implacável,
o sono se tornou o
maior dos luxos. Por isso, surgiu uma nova tendência de viagem: o turismo do
sono.
Viajantes privados
de sono escolhem seus hotéis com base no menu de travesseiros ou visitam
retiros afastados para dormir, com atividades especificamente criadas para
induzir ao sono.
Mas a Suécia aborda
o turismo do sono de forma diferente, mais natural. Ela faz uso das suas paisagens e da forma de
vida mais tradicional do país.
Frequentemente
lembrada pelas suas cidades agitadas e conectadas, como Gotemburgo e a capital
Estocolmo, a Suécia adota no inverno seu lado sonolento e convida os
visitantes a fazerem o mesmo.
"A natureza
farta e acessível e as grandes áreas selvagens repletas de paz, combinadas com
as noites escuras, baixas temperaturas e a importância cultural do relaxamento,
fazem da Suécia um local ideal para o turismo do sono", explica o
pesquisador do sono Christian Benedict, da Universidade de Uppsala, na Suécia.
"Estudos
demonstraram que a tecnologia e a sua influência sobre as nossas vidas causam
efeitos significativos sobre o nosso sono e passar mais tempo junto à natureza está relacionado
à melhoria da nossa saúde mental e menos noites sem dormir."
Quando decidi fazer
minha própria experiência, escolhi o arquipélago de Estocolmo – um paraíso para
os amantes da natureza com mais de 30 mil ilhas, muitas delas desabitadas.
Svartsö é uma das ilhas maiores, mas ela possui apenas cerca de 65 moradores
permanentes.
Localizada a duas
horas de balsa da capital, Svartsö é um refúgio popular no verão. A ilha atrai
visitantes de fins de semana e feriados com suas casas de veraneio, diversos restaurantes
e muita natureza para andar, nadar, pedalar e andar de caiaque.
Nos meses de
inverno, o Skärgårdshotell é a única acomodação que permanece aberta. Suas
aconchegantes cabines na floresta, no silêncio da sua área própria de bosque
longe do edifício principal, oferecem o tipo de paz e tranquilidade que
procuro, sem me deixar totalmente sozinha no ambiente selvagem.
Moro na cidade e
minha mente não descansa. Acordo várias vezes por noite e me levanto cedo, já
sentindo a necessidade de enfrentar a longa lista de coisas a fazer que me
mantiveram acordada.
Aqui, no inverno da
ilha, tenho pouco a fazer, a não ser caminhar, ler e observar o ritmo do dia, o
que é impossível quando estou rodeada pelas luzes brilhantes da cidade.
Svartsö, em sueco,
significa "ilha preta". O nome se refere ao seu leito rochoso de
granito escuro, mas, no inverno, poderia se referir simplesmente ao céu escuro
da ilha, totalmente livre do brilho da cidade.
A escuridão é
considerada, há muito tempo, uma metáfora para o medo e a depressão. Mas ela
é bem-vinda na região
nórdica.
Mais ao norte, no
Círculo Polar Ártico, a noite polar cobre a terra de escuridão por meses. Em
vez de ficarem em casa, os habitantes locais penduram lanternas no corpo e saem
para explorar as trilhas cobertas pela neve.
E eu faço o mesmo.
Saio para visitar os campos de criação de ovelhas, porcos e cabras ao
entardecer.
Sigo pelos limites
da floresta e me aventuro até a orla, observando o sol se pondo na água e
ouvindo o barulho do pica-pau na árvore, até que ele para, quase como se um
interruptor o tivesse desligado.
A floresta à minha
volta fica em silêncio, enquanto o planeta Terra se acomoda para uma boa noite
de sono, sob um grosso cobertor de neve.
Encontro a sauna do
hotel discretamente instalada entre as árvores e termino o dia no clássico
estilo escandinavo. Meu suor retira do corpo todas as preocupações que poderiam
me deixar acordada e dou um mergulho no mar revigorante.
Após um jantar
simples com stångkorv (linguiça sueca e couve-kale), eu me sento em frente à
fogueira e começo a conversar com um grupo que veio remando de caiaque, desde
Estocolmo.
"Tradicionalmente,
nos meses mais escuros, o fogo era importante para oferecer luz e calor, mas
também fazia parte do ritual noturno", conta Marie, uma das visitantes.
"Depois do
jantar, as pessoas se aconchegavam em volta da fogueira, para que o cintilar
das chamas levasse embora toda a tensão do dia de trabalho."
Para mim,
funcionou. Na verdade, achei aquilo tão hipnótico que, às oito da noite, já
estava pronta para me retirar para minha cabine.
Ali, eu submergi em
um edredom e um aconchegante cobertor de lã – e dormi, pela primeira vez na
vida, por 10 horas seguidas. Acordei renovada, observando pela janela um pedaço
da Lua acima das árvores.
·
Problema
antigo
É fácil imaginar
que a falta de sono seja um problema do século 21. Mas a lenda sueca de Mara
mostra que esta questão é tão antiga quanto a própria floresta.
Mara é um estranho
ser mítico que, segundo a lenda, tortura as pessoas durante o sono, causando
medo, forte ansiedade e opressão no peito. Seu nome deu origem à palavra
inglesa para "pesadelo" – nightmare.
Nos tempos atuais,
as distrações tecnológicas substituíram as criaturas míticas e cada vez mais
pessoas enfrentam dificuldade para pegar no sono.
"A sociedade
sueca é uma das mais digitalizadas da Europa e foi uma das primeiras a adotar a
digitalização", explica a chefe comercial do grupo sueco Scandic Hotels, Thérèse Cedercreutz. "Nosso
interesse pelo sono, especialmente pela falta dele, pode se dever a isso e ao
aumento da consciência sobre o seu impacto sobre a nossa saúde, que passamos a
combater com uma série de medidas."
"Temos salas de
blackout, playlists com músicas que induzem o sono e áreas de bem-estar, onde
são proibidos os telefones celulares. Se nossos clientes não dormirem, nossos
negócios e a saúde deles ficarão prejudicados."
Em todo o mundo,
outros hotéis urbanos e remotos estão levando esta iniciativa adiante.
O Hotel Cadogan, em Londres, tem
seu próprio serviço de Concierge do Sono. Ele foi desenvolvido em associação
com a hipnoterapeuta e especialista em sono Malminder Gill, que mantém um
programa de meditação guiada do sono.
O Hotel Mandarin Oriental de Genebra,
na Suíça, oferece um pacote de três dias, em conjunto com uma clínica do sono
particular. Ele inclui o estudo dos padrões de sono dos hóspedes e a criação de
programas de sono individuais.
Na Tailândia, em
meio à floresta tropical da Costa Real, o naturopata residente do resort Chiva-Som Hua Hin irá orientar você sobre tudo o
que pode afetar o ritmo circadiano, desde a alimentação até os hormônios. E o
Resort do Bem-Estar Carillon, de Miami, nos Estados
Unidos, usa tecnologias eletromagnéticas e infravermelho para induzir seus
hóspedes ao sono.
"Nossos
clientes nos procuram dizendo que se sentem totalmente esgotados e isso, muitas
vezes, parece se dever à falta de sono", conta Stella Photi, fundadora da
empresa de férias Wellbeing Escapes.
"Tentamos
incorporar elementos das culturas locais aos nossos programas de sono",
ela conta.
"Em países
budistas, como a Tailândia ou o Sri Lanka, oferecemos meditação e mindfulness [atenção
plena]. Na Índia, tratamentos ayurvédicos usam ervas cultivadas localmente. E,
na Itália, caminhadas guiadas por vinhedos fazem parte de um programa de
atividades promotoras do sono."
Mas, na Suécia, a
experiência vivida na natureza forma a base do turismo do sono.
"O lema da
natureza é 'simplifique'", explica Jennie Walker, fundadora da empresa de
guias da natureza Walkers Naturturer, no arquipélago da
Costa Oeste da Suécia.
"No inverno,
sobre os afloramentos estéreis característicos do arquipélago de Gotemburgo,
existe pouca vegetação e as bétulas e pinheiros se voltam contra os fortes
ventos do oeste", explica ela. "Uma caminhada sobre os campos rochosos
em um dia de inverno, talvez encontrando uma foca tomando banho de sol sobre um
rochedo, é a preparação perfeita para uma boa noite de sono."
Os retiros de sono
tradicionais costumam se concentrar no relaxamento antes da hora de dormir.
Mas, na Suécia, o foco começa ao
amanhecer.
É possível realizar ao longo do dia atividades que induzam ao sono, como
caminhadas, passeios de caiaque e banhos de floresta.
Por isso, depois da
minha extensa noite de sono, primeiro tomei meu café da manhã com muesli,
iogurte, geleia de mirtilo e rolinhos de canela para me reabastecer. Depois,
saí para caminhar no trecho de Svartsö da Trilha do Arquipélago de Estocolmo –
um caminho único com 270 km de extensão, que atravessa 20 ilhas, desde Arholma,
no norte, até Landsort, no sul.
Em Svartsö, a
trilha de 18 km me leva em torno da ilha. Passo por um grande lago de água doce
e atravesso uma floresta de pinheiros coberta por um tapete de neve. Nela,
observo o curioso esquilo-vermelho, acompanho os rastros de cervos e paro em
frente a uma árvore derrubada por um castor.
O dia inteiro é um
longo banho de floresta. E, quando retorno para minha cabine, não preciso me
preocupar com quase nada, além de jantar, sentar perto da fogueira e dormir bem
– sov gott, como eles dizem na terra do sono.
E assim fiz. Parece
que, para mim, o exercício suave no calmo ambiente com poucas distrações,
levando minha experiência na natureza para a cama, fornece o perfeito reajuste
do ritmo circadiano.
"Os retiros do
sono não se restringem a ajudar as pessoas a dormir durante os feriados",
explica Photi.
"O objetivo é
oferecer uma abordagem pessoal, holística e relaxante, que irá preparar você
para novos hábitos de sono e vigília, gerando mudanças duradouras."
Hoje, vou dormir
pensando nesta ideia.
Fonte: BBC Travel
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