O que torna as
corujas tão incríveis, segundo a cientista que conhece a ave 'melhor que
ninguém'
"Estar perto
dela me fez sentir menor no meu corpo e maior na minha alma."
Jennifer Ackerman
descreve assim, em seu último livro, o profundo
impacto de um de seus muitos encontros com corujas.
A escritora
americana é autora de vários livros famosos que foram traduzidos para mais de
20 idiomas, como A Inteligência das Aves.
Sua obra mais
recente se chama What an Owl Knows: The New Science of the World's Most
Enigmatic Birds ("O que uma coruja sabe: a nova ciência das aves mais
enigmáticas do mundo", em tradução livre).
Ackerman nos
convida a entrar no mundo destas aves misteriosas com habilidades
extraordinárias que a ciência ainda tenta
desvendar.
Como as corujas
conseguem "ver" sons e "multiplicar" ao transmitir sinais?
Por que, diferentemente de outras aves, seus olhos são voltados para frente?
Por que é tão difícil
estudá-las (e alguns cientistas usam cães para fazer isso)?
E qual é o impacto
negativo dos livros de Harry Potter sobre estas
aves?
Jennifer Ackerman
conversou com a BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, no
âmbito do Hay Festival Cartagena, que aconteceu entre 30 de janeiro e 2 de
fevereiro.
LEIA A ENTREVISTA:
·
É
comovente como você descreve em seu livro um encontro com uma coruja que
"parecia um mensageiro de outro tempo e lugar, como a luz das
estrelas". O que há nas corujas que nos fascina tanto?
Jennifer
Ackerman - O encontro me fez sentir uma conexão profunda com uma criatura
selvagem tão estranha, tão cheia de mistério, tão inescrutável e, ainda assim,
profundamente familiar.
Me lembrou que faço
parte de algo maior, um mundo natural precioso e que inspira reverência. É isso
que a alma anseia (pelo menos, a minha alma!): este profundo sentimento de
admiração, mistério e conexão com outras criaturas vivas.
Acho que é uma
combinação de coisas que torna essas aves tão poderosas. Nós nos vemos nelas,
com suas cabeças redondas e olhos grandes olhando para frente.
Algumas espécies
são adoráveis, parecem bebês. Mas também são muito diferentes de nós e de
outras aves. São criaturas da noite, magnificamente adaptadas ao mundo da
escuridão, silenciosas no seu voo, ferozes na sua caça.
É toda essa
combinação de fofa e brutal, familiar e estranha, que torna essas aves tão
interessantes e, às vezes, tão perturbadoras.
·
Por
que é tão difícil estudá-las?
Ackerman - As
corujas são enigmáticas e furtivas, além de bem camufladas. Elas geralmente
vivem em áreas remotas e de difícil acesso.
Elas estão ativas à
noite, quando é complicado estudá-las.
Nas últimas
décadas, os pesquisadores encontraram maneiras inteligentes de usar novas
tecnologias.
Por exemplo, drones
para explorar habitats remotos, câmeras de infravermelho para ver o que eles
fazem à noite, câmeras em ninhos e monitoramento de vídeo para ver as
interações entre pais e filhotes, além de tags de rastreamento via sinais de
rádio e satélite para decifrar seus movimentos em distâncias curtas e longas.
·
Me
conta sobre Max e Zorro, dois cães que estão ajudando os cientistas a estudar
corujas…
Ackerman - Os
pesquisadores descobriram uma maneira incrível e de baixa tecnologia para
rastrear corujas difíceis de encontrar.
Eles usam o poder
olfativo dos cães para localizar espécies de corujas em áreas remotas como a
Tasmânia, na Austrália e o noroeste do Pacífico dos Estados Unidos.
Esses cães
"farejadores" são treinados para localizar as pelotas que as corujas
expelem da boca depois de comer: pedaços não digeridos de pele e ossos que as
corujas regurgitam e jogam no chão sob seus refúgios e ninhos.
Estas pelotas
regurgitadas emitem odores que os cães podem farejar.
Na Austrália, o
Difficult Birds Research Group está rastreando a esquiva coruja-mascarada da
Tasmânia (Tyto novaehollandiae castanops) com a ajuda de um cão chamado Zorro.
Nos EUA, cães como
Max têm sido usados para encontrar corujas-pintadas-do-norte
(Strix occidentalis caurina).
·
No
livro, você descreve a incrível capacidade das corujas de capturar presas. E
você relata, por exemplo, que a grande coruja-cinzenta da América do Norte
encontra presas que estão sob a neve. Como ela faz isso?
Ackerman -
Quando uma coruja caça sua presa ela usa não apenas sua visão aguçada, mas
também uma ferramenta sensorial ainda mais aguçada: sua audição.
A grande
coruja-cinzenta pode detectar um arganaz (pequeno roedor) cavando um túnel de
meio metro sob a neve.
As corujas que
caçam de ouvido, como a coruja-cinzenta, têm cabeças projetadas para escutar.
Elas têm um
"disco facial" plano que funciona como uma espécie de antena
parabólica emplumada para captar o som e canalizá-lo para os ouvidos. Seus
órgãos auditivos no cérebro são muito longos e supersensíveis.
·
Como
as corujas conseguem "ver sons"?
Ackerman - Os
cientistas descobriram que parte do nervo auditivo no cérebro de uma coruja vai
para o centro visual.
Desta forma, as
corujas podem obter uma imagem visual do que ouvem. É algo realmente incrível.
·
Você
poderia explicar a descoberta do cientista uruguaio José Luis Peña, que estuda
o cérebro das corujas na Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York?
Ackerman -
Peña e seus colegas descobriram que quando uma coruja se concentra na sua
presa, o sistema de localização sonora no seu cérebro (os neurônios auditivos)
realiza operações matemáticas avançadas ao transmitir seus sinais: eles somam e
multiplicam os sinais recebidos, e os atualizam à medida que mais informação se
torna disponível.
Tudo isso acontece
mais rápido que um piscar de olhos e ajuda a coruja a localizar sua presa.
Notável, de fato!
·
Você
estava nos contando sobre o voo furtivo destas aves. Que adaptações tornam isso
possível?
Ackerman - As
corujas podem voar silenciosamente em parte porque suas asas são grandes em
relação ao corpo, de modo que elas planam e voam lentamente.
Mas também devido
ao design engenhoso de suas asas e penas, que abafam o som.
Suas asas têm uma
fileira de cerdas finas semelhantes a fios de cabelo que se estendem para a
frente ao longo da borda da asa, onde ela encontra o ar que se aproxima.
Quando o fluxo de
ar atinge esse "pente", as bordas dentadas rompem a turbulência,
suprimindo efetivamente qualquer som que poderiam emitir durante o voo.
Em segundo lugar,
há franjas na parte de trás da asa que cumprem uma função semelhante.
E, finalmente, há
uma camada aveludada macia que reveste as penas em toda a asa, silenciando
qualquer ruído de atrito que as penas possam fazer.
·
Diferentemente
de outras aves, as corujas nos olham de frente. Que vantagens isso tem?
Ackerman -
Seus olhos voltados para frente proporcionam uma visão binocular melhor e
percepção de profundidade, uma grande vantagem para focar em presas em
movimento.
As corujas têm
olhos enormes para o tamanho do seu corpo.
Se meus olhos
estivessem em uma proporção semelhante ao meu corpo, como os olhos de uma
coruja em relação ao corpo dela, meus olhos seriam do tamanho de uma laranja.
·
No
livro você fala sobre sua viagem à cidade de Maringá, no sul do Brasil. Você
poderia explicar a participação de cientistas brasileiros e de outros países
latino-americanos no Global Owl Project?
Ackerman - Fui
a Maringá para observar o trabalho de uma equipe de pesquisadores brasileiros
que está estudando a coruja Athene cunicularia (ave conhecida como
coruja-buraqueira).
Essas corujas fazem
seus ninhos no subsolo e, em Maringá, fazem isso em terrenos baldios na
periferia da cidade. São aves muito adaptáveis.
Além do Brasil,
pesquisadores da Colômbia, Peru, Equador, Venezuela e México tentam entender a
árvore genealógica das diferentes subespécies desta coruja.
·
O
oeste do México e o sudeste do Brasil são dois dos locais considerados
"hotspots" para corujas, áreas com um grande número de espécies
endêmicas. A que isso se deve?
Ackerman - O
oeste do México e o sudeste do Brasil são locais ambientalmente estáveis há milhões de anos e apresentam grande variação
geográfica e diversidade de habitats.
Estas condições
permitiram que as corujas se diversificassem nestas regiões.
·
Você
nos lembra das ameaças que as corujas enfrentam devido ao desmatamento e outras
mudanças em seu habitat, por exemplo, na Mata Atlântica do Brasil ou nas
regiões andinas. O que os leitores podem fazer para ajudar estas aves?
Ackerman -
Sugiro que os leitores apoiem as equipes de pesquisa e as organizações que
estão fazendo o trabalho árduo de entender as corujas para que possamos
conservá-las e ao seu habitat.
Estou me referindo
a iniciativas como o Global Owl Project, o Owl Research Institute, o Museu de
História Natural de Bogotá ou pesquisadores de universidades na Colômbia, no
Brasil e em outros países.
Eles também podem
participar de atividades para localizar e contar corujas.
E eles podem conversar
com amigos e familiares sobre o importante papel que as corujas desempenham nos
ecossistemas, mantendo as populações de roedores sob controle, por exemplo.
·
No
livro, você fala sobre a importância da educação para mudar as crenças
populares que prejudicam as corujas. Quais são algumas destas crenças?
Ackerman - Em
alguns lugares do mundo, as corujas são temidas, acredita-se que sejam bruxas
ou aves de mau agouro.
Elas são
perseguidas, e até mesmo mortas.
Uma forma de mudar
essas crenças negativas é educar, principalmente as crianças, para que entendam
que as corujas são simplesmente parte da natureza, e é bom tê-las
por perto.
Os pesquisadores
brasileiros com quem trabalhei em Maringá, por exemplo, contam que as pessoas
em algumas comunidades "pensavam que as corujas traziam algum mal para as
famílias", e atiravam pedras nelas ou as matavam.
Felizmente, os
esforços educacionais estão trabalhando para mudar essas atitudes.
·
Você
também menciona o impacto negativo dos livros e filmes de Harry Potter, em que
o personagem principal tem uma coruja de estimação…
Ackerman -
Infelizmente, os livros e filmes de Harry Potter encorajaram as pessoas a
adotar corujas como animais de estimação.
As corujas são
criaturas selvagens e precisam viver na natureza; são péssimos animais de
estimação.
·
Seu
livro reúne maravilhosamente histórias de cientistas do mundo todo, suas
próprias observações e as habilidades únicas das corujas. E tudo isto se junta
para nos convidar a observar o mundo de uma nova maneira. Qual é, na sua
opinião, o papel dos escritores de livros sobre ciência e natureza?
Ackerman -
Acredito que o papel dos escritores de ciência e natureza é despertar admiração
e um senso de reverência nas pessoas, ajudá-las a entender e amar o mundo
natural e querer salvá-lo.
Como disse certa
vez a grande naturalista e escritora Rachel Carson: "Quanto mais
claramente pudermos concentrar nossa atenção nas maravilhas e realidades da
vida que nos rodeia, menos apreciaremos sua destruição".
Fonte: BBC News
Mundo
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