sábado, 8 de fevereiro de 2025

Florestan Fernandes Jr.: O ódio de Trump joga o mundo de volta à idade média

Em plena era digital, quando os avanços tecnológicos nos colocam num mundo virtual jamais imaginado e o que se esperava era um salto civilizatório proporcional, o que vemos e temos é um retrocesso humanístico sem precedentes. É como se todas as distorções, mazelas sociais e angústias pensadas na imaginação inventiva dos escritores distópicos convergissem para um só momento: os dias que vivemos.

Nas relações sociais voltamos a algo parecido com os da Idade Média. No seu livro “Critique de l'économie numérique”, o economista francês Cédric Duran demonstra, a partir de estudos consistentes, que o avanço tecnológico é uma ilusão que vem sendo instrumentalizada pelos criadores das grandes empresas de tecnologia como forma de dominação e exploração dos internautas ocidentais. É através desse avanço que as conhecidas democracias capitalistas estão sendo corroídas, uma a uma, mundo afora. A volta de Trump ao poder, mesmo depois da invasão do Capitólio, numa tentativa clara de golpe de estado, é a melhor prova disso.

Para Duran, estamos entrando na era do Tecnofeudalismo, onde os novos senhores feudais se impõem através da exploração de dados e do alto grau de dependência de tecnologias digitais das imensas massas humanas.

Faço essa introdução para refletirmos sobre a ameaça representada pela ocupação das mentes e dos corações dos usuários aprisionados pelas plataformas, cujo representante maior hoje é o presidente do mais poderoso país do planeta, os Estados Unidos da América.

Desde sua posse em 20 de janeiro, Trump assinou mais de 70 decretos, o que é estratégico para os planos de impor um estado autocrático nos EUA. Boa parte desses decretos permite ao presidente dos EUA adotar medidas sem a aprovação do Congresso e, muitas delas contrariando a constituição do país. Produzindo medidas no atacado, o governo estadunidense dificulta o conhecimento e as críticas a elas. Num primeiro momento, o decreto que mais impactou o mundo foi o que estabelece uma verdadeira caça aos imigrantes e refugiados que entraram ilegalmente nos EUA.

Após ameaçar a tomada do Canadá, Groenlândia, Panamá, Trump propôs na quarta-feira (05/02) uma limpeza étnica de palestinos, roubando suas terras.

Promete ainda enviar 30 mil imigrantes e deportados nos EUA, considerados de “alta periculosidade”, para a prisão estadunidense de Guantánamo. Uma afronta autoritária aos princípios básicos dos direitos humanos. Esses presos não terão nenhum tipo de proteção jurídico e política. Como bem lembrou o professor Pedro Serrano no Boa Noite 247, isso que está ocorrendo com os imigrantes é muito grave: “Há uma legitimação estatal da tortura, da perseguição física, do aprisionamento sem processo. Para Serrano, ao combater o inimigo representado pelo imigrante, o governo se vale de decretos que suspendem diversos direitos de segmentos sociais do próprio Estados Unidos.

O ódio que permeia as relações sociais no século XXI, turbinado nas redes sociais, é ainda mais vigoroso e perverso que na idade média.

E Umberto Eco, a meu ver, deu a melhor explicação para o sucesso desse ódio desencadeado pelo “novo nazismo” mundial:

“O amor é extremamente seletivo. Se eu te amo, eu quero que você me ame de volta. Eu não quero que você ame outra pessoa. E não quero que a outra pessoa te ame. E assim por diante. Então, isso restringe as relações humanas. Enquanto o ódio é generoso! É caloroso. Ele une todas as pessoas contra outras pessoas. É por isso que é usado por políticos tão frequentemente. Eles não clamam por amor, eles clamam por ódio. ‘você deve morrer lutando contra o inimigo.’ O governo nunca diz que você tem que amar uns aos outros. E a única forma de escapar da tentação do ódio é o humor.”

Esse sentimento de ódio que se sobrepõe ao amor, descrito por Umberto Eco, é o que nos diferencia dos animais irracionais. O homem é o único animal na face da terra que mata seus semelhantes por inveja, racismo, preconceitos, ganância. Ou seja, um campo fértil para expansão do Tecnofeudalismo.

Se o ódio tem que ser combatido com humor, sugiro aos leitores se deliciarem todos os dias com nossos chargistas do 247. Afinal, “a arte existe porque a vida não basta.”

 

¨      Trump, um gângster na Casa Branca. Por Leonardo Sobreira

Não há nada mais emblemático na cultura política dos grandes centros imperiais que o mantra "pilhar, matar e destruir para dominar". Essa máxima não faz distinção entre partidos no caso americano: atravessa, com igual voracidade, administrações democratas e republicanas.

Nos últimos quatro anos, os democratas despejaram bilhões de dólares em uma guerra perdida desde o início na Ucrânia, enviando centenas de milhares de jovens ucranianos ao implacável moedor de carne russo, enquanto alimentavam a ilusão de uma vitória impossível. 

Paralelamente, o governo Biden endossou sem reservas o genocídio palestino, concedendo a Israel um cheque em branco para bombardear civis, exterminando crianças e mulheres sem qualquer restrição ou condenação significativa.

Já os republicanos, sob a liderança de Donald Trump, adotam um tom mais direto e menos dissimulado. Trump não se esconde atrás de retóricas: declarou abertamente seu desejo de ocupar Gaza e transformá-la em um resort, ameaçou a União Europeia com tarifas caso não aumentem as compras de gás natural liquefeito (LNG) americano e chegou a cogitar invadir o Panamá para forçar o país a se distanciar da China. 

Enquanto os democratas tentaram envolver sua política externa em uma aura de "valores", os republicanos trumpistas agora abraçam abertamente a lógica do gangsterismo global.

A queda das máscaras tem, ao menos, um mérito: expõe, de forma irrefutável, os verdadeiros interesses por trás das ações dos EUA. A retórica sobre a defesa dos "valores" é uma falácia convincente para justificar agressões e saques. Ainda assim, há quem continue a se dobrar diante do império, seja por ingenuidade, seja por coerção.

Um dos exemplos mais gritantes dessa farsa foi o papel da USAID, agência que, sob o pretexto de promover o desenvolvimento, especializou-se em fomentar golpes e desestabilizar governos que ousassem contrariar os interesses norte-americanos. 

Afinal, por que os EUA apoiariam a sociedade civil mundo afora? Com quais interesses reais?

Sem o véu da hipocrisia, a realidade se impõe de forma crua: os EUA não são uma nação movida por ideais nobres. O sangue de suas guerras escorre pelas periferias do mundo, deixando um rastro de destruição em cada intervenção militar, cada golpe orquestrado, cada país pilhado até a exaustão.

O mantra imperial permanece intacto: pilhar, matar, destruir. A única diferença é que, agora, o jogo está às claras. Sem disfarces, sem pretextos, sem ilusões. Aceitar essa dominação, sem o antigo disfarce da retórica, não é mais ingenuidade, e sim o resultado direto de ameaças e coerção. 

E, diante disso, resta apenas uma opção às nações que não querem ser subjugadas: fortalecer-se em união para sobreviver em um mundo onde o império age sem máscaras.

 

¨      "Trump é um desafio a ser enfrentado pelos países que têm compromissos democráticos", escreve Marcelo Zero

"Trump não é apenas um bravateiro, mas sim um grande desafio real a ser enfrentado por todos os países que têm compromissos democráticos".

1. É um erro considerar Trump como apenas um “bravateiro”, que somente fará ameaças vazias para conseguir alguns objetivos negociáveis. 

2. Embora as ameaças façam parte do seu “modus operandi”, ele tem a vontade e os meios para, como disse Marco Rubio, criar um novo “mundo livre”, uma nova ordem mundial centrada nos interesses dos EUA e, mais especificamente, nos valores e na visão ideológica da extrema-direita. 

3. No que tange, por exemplo, à ofensiva contra os migrantes latino-americanos, sua política de deportações massivas segue e se intensifica. Claro que é uma política que ofende convenções internacionais relativas aos direitos humanos e aos direitos específicos de asilo e refúgio. Mas seus únicos limites reais sãos os práticos. Ter dinheiro e gente suficiente para executá-la. Evidentemente, será impossível deportar 10 milhões de pessoas em apenas 4 anos, mas o estrago será grande. E os países que protestarem serão punidos e obrigados retroceder, como aconteceu com a Colômbia.  

4. No que tange ao protecionismo, os únicos limites serão também aqueles que empresas e consumidores dos EUA poderão eventualmente impor. O sistema de solução de controvérsias da OMSC está paralisado desde 2017 e Trump se sente à vontade para fazer o que bem entende.

5. Há o entendimento, dentro do MAGA, que a ordem mundial atual, inclusive a ordem comercial e econômica, funciona como uma arma contra os interesses dos EUA. Há também o entendimento que o protecionismo desnorteado é necessário para impulsionar os interesses dos EUA e gerar empregos. Pode ser uma visão equivocada e estúpida, como afirma o WJS, mas essa é a visão dominante. 

6. Assim, Trump tentará de tudo para diminuir os déficits comerciais dos EUA e realocar, em território norte-americano, as indústrias que foram deslocadas para o exterior.

7. E assim será em todas as áreas.

8. É preciso considerar que extrema-direita sempre agiu dessa forma.

9. Sempre agiu preferencialmente pela força, apoiada numa comunicação massiva, insidiosa e muito convincente. Sempre desrespeitou regras e convenções. E se expandiu e se fortaleceu  justamente com essa estratégia anticonvencional, com o uso abusivo das bravatas e das mentiras. Bravateiros tendem a se tornar ditadores de fato.

10. Muito provavelmente, Hitler não teria existido sem o seu Goebbels. Aliás, Hitler Mussolini e outros líderes de extrema-direita também foram considerados, durante muito tempo, como bravateiros e provocadores.

11. Até o último momento, os democratas alemães da República de Weimar acreditaram que Hitler seria “domado”, que não faria nada daquilo que ameaçava fazer, já tudo nele era “muito exagerado e absurdo”. Essas ilusões viraram cinzas junto com o Reichstag.

12. Aqui, no Brasil, muita gente só levou o rocambolesco Bolsonaro a sério quando já era tarde demais.

13. Repito e insisto que Trump não é apenas um bravateiro. Ele tem de ser levado a sério. O uso da bravata em si memo já é algo sério.

14. Ele está normalizando a ameaça, a força bruta e as mentiras grosseiras como armas geopolíticas legítimas. Seu discurso, por mais absurdo que seja aos nossos ouvidos, tem repercussão, tem público e gera multidão de seguidores, interna e externamente.

15. Junto com as Big Techs, (as super Goebbels) ele está criando uma relação direta com um público mundial, que tende a aceitar sua realidade paralela como algo aceitável e legítimo. Na verdade, a única “realidade”.

16. Ele está levando de roldão as normas e regras mundiais e criando uma nova “normalidade” hobbesiana, na qual as democracias e os princípios básicos do que chamamos de “civilização” poderão ser fortemente erodidos. As bases da diplomacia também. 

17. Até mesmo o delírio homicida e cínico da “Riviera do Oriente Médio” é algo muito sério. Pode se tornar uma realidade, ao menos parcial, com o sacrifício dos palestinos e a construção da Grande Israel, o sonho desavergonhado da extrema-direita israelense. Alega-se, com razão, que isso seria limpeza étnica. Mas o que Netanyahu estava fazendo até o recente e precário cessar-fogo era o quê?

18. Claro está que os EUA, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, moldaram a ordem mundial a seu favor. É também verdade que, sempre que quiseram, os EUA desrespeitaram as regras que eles mesmos ajudaram a criar.

19. Mas a intenção agora é mais profunda e insidiosa. Trata-se, como declarou Marco Rubio, de se destruir, unilateralmente, uma ordem mundial “caótica”, que funciona como uma “arma” contra os EUA.

20. Trump é, portanto, um grande desafio real a ser enfrentado por todos os países que têm compromissos com democracia, com o multilateralismo, com o meio ambiente com a multipolaridade e com a construção de uma ordem mundial pacífica e simétrica.

21. E isso não é bravata.

 

¨      Se Trump decidisse materializar a “Riviera de Gaza-Auschwitz”, essa barbárie não seria impedida. Por Jeferson Miola

É terrivelmente trágico reconhecer, mas se Trump de fato decidisse avançar para materializar a “Rivera de Gaza-Auschwitz”, os EUA não seriam impedidos de escalar a barbárie até a “solução final”, assim como acontece hoje com o Holocausto palestino, que segue sendo executado pelo consórcio criminoso Israel-EUA sem qualquer contenção.

Nem a ONU, nem nenhum país do mundo, incluindo as potências do Conselho de Segurança, estão impedindo a continuidade da “solução final” almejada por Israel e EUA inspirados na experiência nazista de Hitler em relação aos judeus.

Por que seria que dessa vez, por mais absurda que seja a proposta do governo estadunidense, os países impediriam o avanço deste processo em relação ao qual, desde o início, se mostram passivos, impotentes e, por que não dizer, relativamente indiferentes?

Os palestinos estão fartos de receber manifestações de solidariedade e escutarem o repúdio do mundo à barbárie dos seus algozes nazi-sionistas. No entanto, declarações comovidas são inócuas, não detêm o morticínio de milhares de crianças e mulheres assassinadas todos os dias por Israel.

O palestino é um povo deserdado e abandonado pelo mundo e pela humanidade. É um povo condenado à eliminação total e à destruição da sua cultura, da sua memória e da sua história, mas que, apesar disso, continua lutando bravamente pela sua sobrevivência e preservação.

Lamentavelmente, não se pode esperar nada em termos militares e/ou de dissuasão de parte da China, da Rússia e, menos ainda, dos países da OTAN, para deter a barbárie promovida pelos EUA com o regime nazi-sionista de Israel contra os palestinos.

Não será pela defesa desse povo exemplar na sua luta de resistência e de sobrevivência que as potências mundiais entrarão em conflito com os EUA – conflito que teria o caráter de uma terceira guerra mundial e com armas nucleares.

Menos de 24 horas depois da declaração vomitável de Trump sobre o roubo do território de Gaza para realizar o projeto macabro com empreendimentos imobiliários e turísticos de alto luxo naquela parte do Mediterrâneo, sua porta-voz desfez o “mal-entendido” e negou o discurso [frise-se: um discurso lido] dele sobre a ocupação e a construção do empreendimento turístico-imobiliário em Gaza.

Trump não avançará o plano não porque tenha enfrentado dificuldades intransponíveis, ou devido ao enorme repúdio mundial, mas simplesmente porque alcançou o objetivo com sua ofensiva aberrante, ou seja, o de afiançar a Netanyahu o apoio para romper o cessar-fogo e retomar a agressão brutal para a continuidade da dizimação do povo palestino.

A sinalização de Trump fortalece Netanyahu, o comandante em campo do genocídio, e contra o qual pesa um mandado de prisão do procurador da Corte Internacional de Justiça por genocídio e crimes contra a humanidade, além de processos na justiça israelense por corrupção e outros crimes.

Com a autorização para exterminar os palestinos, o fugitivo da justiça internacional preserva a coalizão de governo com os partidos tão ou mais nazi-sionistas quanto ele, evita sua queda e, consequente, os julgamentos nos tribunais israelenses.

Tudo o que Trump faz e diz tem método. Principalmente quando ele declara distopias atordoantes e anuncia aberrações impensáveis, que logo em seguida são desmentidas, ou, simplesmente, “esquecidas”.

Depois de escandalizar o senso comum com algo totalmente absurdo e estapafúrdio, ele então recua alguns degraus da “escada do absurdo”, mas a essas alturas o absurdo já estará normalizado e naturalizado como uma possibilidade concreta, que passa a ser assimilada como um “novo normal”, como algo aceitável na arena pública.

A ideia nojenta e macabra da “Riviera de Gaza-Auschwitz” é um exemplo disso.

Trump declarou o roubo do território palestino para a edificação, no local, de um resort em cima da cultura, da história, da memória e de milhares de cadáveres palestinos.

Muito provavelmente o empreendimento imobiliário seria liderado pelas empresas do próprio Trump em parceria com conglomerados estadunidenses e europeus.

Trump escandalizou o mundo e angariou a repulsa da opinião pública mundial, é fato, mas na prática ele conseguiu o essencial: a continuidade e o aprofundamento da barbárie – que se dará em outros termos, é verdade, mas alcançando o objetivo real, ou seja, a “solução final” nazi-sionista de limpeza étnica através do Holocausto palestino.

 

Fonte: Brasil 247

 

Nenhum comentário: