Medidas para
baratear comida demoram e não beneficiariam Lula neste mandato, diz economista
O governo Lula deve agir
para conter a alta dos preços dos
alimentos,
mas se tomar as medidas que precisam de fato ser tomadas, não deve colher os
frutos disso ainda neste mandato, já que são políticas com impacto de médio a
longo prazo.
Essa é a avaliação
de André Braz, coordenador de Índices de Preços na Fundação Getulio Vargas
(FGV) e um dos principais especialistas em inflação do país.
"O assunto é
urgente, mas o aumento do preço
dos alimentos não aconteceu de ontem para hoje", observa
Braz, lembrando que a inflação de alimentos acumulada desde 2020 é de 55%,
comparado a uma inflação geral de 35% neste mesmo período — uma diferença
significativa.
"Estamos
correndo o risco de ter mais um ano — 2025 — com a inflação de alimentos acima
da inflação média, sendo o Brasil um dos maiores produtores de alimentos no
mundo", afirma.
"Então, dizer
que uma solução fácil vai resolver esse problema, não vai. Taxar exportações ou
criar uma política diferente para o vale-refeição não vai resolver o problema
da alimentação", diz o economista, citando algumas das medidas que vêm sendo
debatidas nas últimas semanas, em meio à preocupação crescente do governo Lula
com o preço da comida na mesa dos brasileiros.
A inflação de
alimentos fechou 2024 em alta de 7,69%, bem acima do avanço de 4,83% da
inflação geral, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).
Itens essenciais
como café (que ficou 39,6% mais caro no ano passado), óleo de soja (29,2%),
carne (20,8%) e leite longa vida (18,8%) puxaram a alta de preços, apontada por
analistas como um dos principais fatores na recente perda de
popularidade de Lula.
No fim de janeiro,
pela primeira vez, uma pesquisa Genial/Quaest mostrou a desaprovação de Lula
(49%) superando a aprovação (47%). No mesmo levantamento, 83% dos entrevistados
disseram sentir que o preço dos alimentos no mercado subiu no último mês e 63%
afirmaram ser contra a mudança no sistema de validade dos alimentos — medida
proposta pelo setor supermercadista para baratear alimentos e já descartada pelo
governo após forte repercussão negativa.
Na quarta-feira
(5/2), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) buscou minimizar a gravidade
do quadro inflacionário, mas reforçou a preocupação do governo com a questão
dos alimentos.
"Nós levamos a
inflação muito a sério e ela está razoavelmente controlada", afirmou Lula,
em entrevista a rádios de Minas Gerais.
"A nossa
preocupação é apenas evitar que o preço dos alimentos continue prejudicando o
povo brasileiro e, por isso, temos feito reuniões com os setores que, na nossa
visão, estão com os preços mais altos", completou o presidente, citando
como exemplo o setor de carnes.
Nesta quinta, fez
novas declarações às rádios Metrópole e Sociedade, da Bahia: "Se você vai
num supermercado aí em Salvador e desconfia que tal produto está caro, você não
compra. Se todo mundo tiver essa consciência e não comprar aquilo que acha que
está caro, quem está vendendo vai ter que baixar [o preço], senão vai
estragar", disse Lula.
O tema virou
imediata pauta da oposição, que fez vídeos e memes comentando a sugestão.
·
O
que é possível fazer para baratear os alimentos
Na semana anterior,
o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Paulo Teixeira, citou entre as
medidas em estudo pelo governo a redução de juros para produtores rurais, o
controle de tarifas de importação e mudanças nas regras do vale-refeição e do
vale-alimentação para reduzir custos.
"As duas
primeiras [das medidas anunciadas por Teixeira] são as que têm maior efeito, o
crédito mais em conta ao produtor rural e o controle de tarifas de
importação", avalia Braz, da FGV.
"Mas é claro
que isso tem que vir com um grande debate. Proteger a agricultura nacional é
importante, mas proteger sem dar competitividade a ela pode ser um
desastre", afirma o economista, explicando que o controle de tarifas de
importação faz sentido particularmente em cadeias produtivas cuja base são
produtores locais, como a cadeia do leite — que tem perdido
produtores em meio à competição com o leite importado de países como Argentina
e Uruguai.
Já a taxação de
exportações — já negada como possibilidade pelo governo, mas ainda tema de
debates na imprensa, após reportagens afirmando que ela estaria sendo defendida
por "uma ala dentro do PT" — seria uma má ideia, na visão do
especialista.
"Isso poderia
ser um desestímulo, que, à frente, serviria como um freio à nossa produção
agrícola, e não como um estímulo ao desenvolvimento dela", avalia Braz.
Para o especialista
em inflação, medidas como as mudanças nos vales alimentação e refeição são
paliativas e não resolvem o problema. Para fazer a diferença de fato, é preciso
investir em infraestrutura. Leva tempo para colher resultados e eles não vão
beneficiar o governo que tomar a iniciativa, mas é preciso começar a fazer isso
agora, já que a tendência de alta no preço dos alimentos não deve melhorar, em
meio ao avanço das mudanças climáticas.
"Não existe
uma fórmula mágica para baratear o preço dos alimentos, isso vai depender de
políticas em diferentes segmentos, e mais de médio e longo prazo", diz
Braz.
"São
investimentos que não vão acontecer da noite para o dia, mas que precisam
começar já, e não podem pertencer à agenda de um governo só. São projetos
estratégicos para o país, então independente se eles [os governos] são de
direita ou de esquerda, eles têm que ter continuidade, é uma agenda
contínua."
O primeiro
investimento a ser feito, segundo Braz, é em baratear o custo de transporte da
produção agrícola, incentivando modais mais baratos, como o fluvial, para
reduzir a dependência do transporte rodoviário, que é o mais caro de todos.
"Outra questão
é como a gente aproveita nossas safras, pois batemos recorde em safra, mas
também batemos recordes em desperdício, e boa parte desse
desperdício tem a ver com a armazenagem de grãos", diz Braz.
"Então investir em silagens, em locais onde a infraestrutura permita fazer
com que esse grão se mantenha útil pelo maior tempo possível, é necessário, é
fundamental."
Por fim, diz o
economista, é preciso incentivar o pequeno produtor rural — que produz culturas
fundamentais como o feijão, essencial na mesa do brasileiro — para além do
acesso a crédito barato.
"Tem que dar
assistência técnica, treinar essa pessoa, dar capacitação — como é que ele
produz mais com a mesma quantidade de terra, que tipo de semente ele pode usar
—, então essa é uma outra parte, além do crédito — de tecnologia. Investir em
ciência é fundamental, só que essas pesquisas levam anos para serem concluídas,
mas elas precisam começar já", afirma o pesquisador da FGV.
·
Por
que os preços dos alimentos não param de subir
Braz lembra que o
preço dos alimentos não começou a subir agora.
Em 2020, os preços
subiram como resultado da pandemia, com as famílias confinadas em casa e o
impulso do auxílio emergencial contribuindo para o aumento da demanda e a alta
de preços.
Em 2021, houve uma crise hídrica que afetou a
agricultura e a geração de energia. Em 2022, foi a vez da guerra entre Rússia e
Ucrânia, que levou a um aumento do preço
das commodities.
O ano de 2023 foi
uma pequena trégua, com a inflação de alimentos contida por uma safra recorde e
com a ausência de efeitos climáticos fortes, o que ajudou a manter uma oferta
regular de alimentos.
Já 2024 foi um ano
de "tempestade perfeita", diz Braz. Primeiro, houve uma
desvalorização cambial aguda, que se agravou no final do ano, mas já vinha de
antes.
A desvalorização
cambial afeta o preço dos alimentos de três maneiras:
- Ela torna os
produtos brasileiros mais atraentes para a exportação, o que é bom para a
balança comercial, mas reduz a oferta interna de produtos;
- Também afeta o
custo de importados, como, por exemplo, o trigo, o que encarece itens muito
consumidos como o pão francês, biscoitos e macarrão;
- Por fim, muitas
commodities que o Brasil cultiva amplamente, como soja e milho, que são a base
da ração animal, têm seus preços cotados em bolsas internacionais. Então quando
o real se desvaloriza, o preço desses grãos sobe, afetando o custo de produção
das carnes de bovinos, suínos e aves.
Em 2024, também
contribuiu para a alta dos alimentos o bom momento do mercado de trabalho.
"Atingimos uma
taxa de desemprego muito baixa, de 6,2% [em dezembro de 2024], o que é louvável
e algo a se comemorar", diz Braz
"Mas a demanda
fica mais aquecida nesse cenário: tem mais gente comprando e, pela lei da
oferta e da procura, há uma pressão de preços em função disso."
Também houve muitos
desafios climáticos no ano passado, com o El Niño encerrando
seu ciclo com as chuvas que inundaram o Rio Grande do Sul, e depois o La Niña trazendo seca
na região e chuva excessiva em outras partes do país.
Tudo isso afetou os
ciclos agrícolas e a oferta de alimentos.
Por fim, Braz
observa que, além de o câmbio desvalorizado ter incentivado uma exportação
recorde de carne bovina em 2024, esse mercado também foi afetado pelo ciclo
pecuário.
Por conta da queda
do preço do boi em 2023, os produtores aumentaram o abate de fêmeas. Isso gera
caixa para o produtor e aumenta temporariamente a oferta de carne, mas reduz o
rebanho no médio prazo, já que são as fêmeas (chamadas de matrizes) que
produzem os bezerros. Essa redução de oferta de bois no pasto empurra os preços
da carne para cima, que foi o que aconteceu em 2024.
E a alta de preços
deve se manter em 2025, já que leva tempo para recompor os rebanhos.
"Para 2025,
boa parte dos efeitos que tivemos no ano passado [sobre a inflação] vão
continuar, porque há alimentos que têm um ciclo mais longo. Então a carne deve
continuar cara. O café, que depende de um ciclo bianual, deve continuar caro,
porque 2025 é ano de ciclo mais fraco", diz Braz.
Por outro lado, a
expectativa de um ano sem grandes complicações climáticas e com safra 10% maior
pode ajudar a inflação de alimentos a subir um pouco menos esse ano. Mas não há
nenhuma expectativa de que os preços voltem a cair.
"É provável que
os alimentos subam [em 2025], mas quem sabe menos do que no ano passado, algo
em torno de 5% a 6%. Já seria uma alta expressiva, mas abaixo do que foi em
2024", prevê o economista.
·
Juro
alto ajuda a conter uma inflação puxada pelo preço dos alimentos?
Para além das
medidas de longo prazo, Braz defende que o governo pode contribuir para o
controle da inflação através de um discurso mais alinhado de controle das
contas públicas.
"Quando a
política fiscal não é contracionista, ela não favorece a desaceleração da
inflação, porque se o Estado está gastando mais, ele está contribuindo para
manter a inflação mais alta", explica.
"Não é que o
Estado tem que cortar seus gastos com uma foice gigante, mas ele tem que
mostrar que está comprometido com isso", afirma.
O economista
observa que os juros altos sozinhos não são capazes de conter uma inflação que
é puxada pela alta nos preços dos alimentos.
Ele lembra que o
peso dos alimentos no IPCA é de 18%, mas que o índice mede a inflação para
famílias com renda até 40 salários mínimos. Para famílias com renda até 5
salários mínimos, esse peso é maior, de até 25%. E famílias com renda até um
salário mínimo gastam quase 100% de seus recursos com alimentação.
"Dado que a
alimentação pesa muito na inflação, e a nossa política fiscal está
enfraquecida, a gente está buscando estabilizar a inflação mais via política
monetária, isso faz com que a gente tenha que subir juros, mas correndo atrás
do rabo, como se você estivesse combatendo fogo com fogo", afirma Braz.
"Você não
consegue reduzir o preço dos alimentos quando o problema é de oferta, como foi
no ano passado, que teve problemas climáticos, aumento de exportação, não tinha
alimento suficiente, tinha uma demanda aquecida — a política monetária não é
capaz de conter o avanço de preços por essas razões", completa.
Nesse cenário, tem
sido discutida a possibilidade de o Brasil entrar num quadro que é chamado
pelos economistas de "dominância fiscal", quando a política de juros
de um país perde a eficácia e já não consegue conter a inflação, por conta da
disparada da dívida pública.
Braz vê o risco de
esse quadro se concretizar como pequeno. Segundo ele, ainda dá tempo de evitar
isso, com um maior alinhamento entre política fiscal e monetária.
¨ Governo aposta
em supersafra para reduzir preços dos alimentos em 2025
O governo
federal projeta uma redução nos preços dos alimentos ainda no primeiro semestre
de 2025, impulsionada por uma supersafra que está prevista para ocorrer ao
longo do período. Segundo o ministro da Casa Civil, Rui Costa, destacou que a
expectativa é positiva, especialmente com o apoio do clima, que tem favorecido
a produção agrícola.
"Este
ano, a expectativa é de uma supersafra. O clima está ajudando e, ao longo deste
primeiro semestre, teremos a colheita. Todos os dados indicam que teremos uma
supersafra, o que resultará na queda do preço dos alimentos. Portanto, a
expectativa é positiva", afirmou Costa em entrevista ao Portal Metro1 –
Rádio Metropole, da Bahia, de acordo com o Estadão Conteúdo.
Esse anúncio
vem em um momento em que o governo tem buscado maneiras de aliviar os impactos
da inflação sobre o custo de vida da população. O presidente Luiz Inácio Lula
da Silva PT), preocupado com os altos preços dos produtos, sugeriu nesta semana
que os consumidores deixem de comprar alimentos com preços elevados, como forma
de pressionar o mercado a reduzir os valores.
Além disso, o
governo segue mantendo um canal de diálogo com empresários e diversos ministérios
para implementar medidas que contenham o aumento da inflação e estabilizem os
preços dos produtos essenciais.
¨ Em crise dos alimentos do governo Lula, Haddad anuncia
que preços devem cair em breve
Em meio a uma crise
comunicacional com a alta dos preços, afetando a imagem do governo Lula, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entrou em cena com dados positivos e
tentar minimizar as críticas ao governo: em previsões atualizadas, anunciou que
espera uma queda no preço dos alimentos nas próximas semanas.
O ministro informou
que o governo está atento às questões econômicas que impactam diretamente a
população. Nesta sexta (07), um vídeo do presidente Lula nas redes sociais foi
usado para criticar a postura do governo.
Nas falas, o
presidente indicava que a população teria buscar preços de vendedores mais
acessíveis, repassando à população a responsabilidade de ter que lidar com os
custos altos. Apontado como um erro de comunicação, o ministro Haddad entrou em
campo para comunicar os dados positivos econômicos do governo Lula e mostrar
que ainda serão tomadas ações.
<><> Boas
notícias
Em um gesto
positivo para a população e mercado, Fernando Haddad disse que os preços devem
cair nas próximas semanas, devido a dois fatores: a desvalorização do dólar e a
safra recorde.
Ele lembrou que a
valorização do dólar no final de 2023 impactou a alta da inflação no ano
passado, com ápice na eleição de Trump nos EUA, no final do ano.
“Isso fez com que o
dólar se valorizasse no mundo inteiro. As moedas perderam valor. Agora, se você
acompanhar o que está acontecendo, o dólar está perdendo força. Já chegou a R$
6,30 no ano passado e hoje está na casa dos R$ 5,70 e poucos. Isso também
colabora para a redução do preço dos alimentos no médio prazo”, expôs.
Somado a isso, “o
Plano Safra do presidente Lula no ano passado foi o maior da história, e vamos
colher a safra agora, a partir de março. A safra vai ser recorde, vamos colher
como nunca colhemos.”
<><> Haddad
critica “memória curta”
Haddad também
elogiou os avanços econômicos alcançados desde o início do governo Lula,
listando a estabilização dos indicadores fiscais, a retomada da confiança no
mercado financeiro e a busca pela melhoria da qualidade de vida dos
brasileiros.
“Estamos
construindo as bases para um país mais estável e justo, mas precisamos de tempo
para consolidar esses avanços”, afirmou o ministro.
Segundo ele, não é
possível enxergar o cenário atual sem levar em consideração a crise deixada
pelos governos dos últimos “7 anos”, de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Haddad criticou o
que chamou de “memória curta do jornalismo” ao comentar a recuperação econômica
do país. Segundo ele, alguns analistas desconsideram o cenário de crise deixado
pelos últimos anos de “má administração”. “Não dá para corrigir 7 anos de erros
em apenas dois”, argumentou.
Fonte: BBC News
Brasil/Brasil 247/Jornal GGN
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