sábado, 8 de fevereiro de 2025

A precariedade militar da América do Sul

Se considerarmos os orçamentos e o pessoal ativo no total da população, a América do Sul apresenta níveis apenas moderados de militarização. Isso contrasta de forma expressiva com a concentração de recursos naturais nesse continente, incluindo recursos hídricos, e que por força das circunstâncias exigem capacidades de controle territorial e dissuasão pelos Estados nacionais da região.

Países do Oriente Médio, como Israel e Arábia Saudita, em um contexto geoeconômico igualmente complexo, frequentemente mantêm mais de 10 militares por 1.000 habitantes, enquanto na América do Sul essa proporção geralmente varia entre 2 e 5 militares por 1.000 habitantes, dependendo do país. O Brasil, o maior país do continente, possui cerca de 1,7 milhão de militares e reservistas em uma população de 216 milhões, representando uma proporção relativamente baixa. Na América do Sul, os gastos militares representam geralmente entre 1% e 2% do PIB, abaixo de regiões como América do Norte e Europa, onde podem ultrapassar 3% do PIB, como nos EUA e na Polônia.

Tudo isso indica um alto grau de exposição geopolítica dos Estados-nação sul-americanos, em um contexto cada vez mais incerto acerca das garantias de resolução pacífica de conflitos na terceira década do século XXI. Embora as ameaças de incorporação do Canadá e da Groenlândia feitas pelo atual chefe de Estado norte-americano sejam apenas bravatas, elas certamente são algo mais do que se tivessem sido proferidas por um polemista qualquer.

Mas mesmo a força dos números já não basta na guerra moderna. Vivemos em um contexto militar no qual as forças são cada vez mais especializadas, mais profissionalizadas, e tecnologicamente intensivas. Os choques convencionais entre forças militares seguem no portfólio de opções das grandes potências – vide a guerra russo-ucraniana -, a despeito da crescente importância da guerra cibernética e das operações de guerra híbrida no front interno. O controle territorial e a dissuasão requerem ativos militares modernos; e pesando ainda mais sobre as desvantagens numéricas sul-americanas, está a sua quase absoluta dependência tecnológica em relação a potências estrangeiras. Esse é um prospecto que dificilmente pode ser revertido no curto prazo, embora os exemplos da Ìndia e da China soem como promissores. Há, contudo, um abismo entre as condições políticas e econômicas que permitiram a Délhi e a Pequim garantir suficiente autonomia tecnológica militar nacional, e aquelas vigentes na América do Sul.

Nem mesmo no que diz respeito ao básico (armas leves, blindados, artilharia), os países mais militarizados da região contam com autonomia. A relativa exceção é o Brasil, com uma indústria de defesa suficientemente consolidada para a produção de seus próprios veículos blindados, como o formidável Guarani VBTP-MR (mas mesmo nesse caso, em parceria com a italiana Iveco), em serviço desde 2014, e também exportado para o Líbano, Gana e Filipinas. O Brasil produz o sistema de mísseis Astros II (Avibras), operado não só pelo exército brasileiro mas pelas forças armadas do Iraque, Bahrein, Catar, Arábia Saudita, Indonésia e Malásia.

A comparação com as demais nações mais militarizadas da América do Sul é impactante. A Argentina encontra-se estagnada, mantendo em operação o obsoleto TAM (Tanque Argentino Mediano) em serviço desde 1983, e não conta com capacidade de produção nacional de armas de artilharia A Venezuela, também desprovida de uma indústria de defesa sólida, depende de importações da Rússia e da China, como no caso do tanque T-72 e do sofisticado sistema de mísseis S-300. A Colômbia e o Peru são igualmente dependentes de importações e da assistência técnica provida por potências estrangeiras.

No que tange ao poder naval, somente o Brasil conta com capacidade, ainda que limitada, de construção de vasos de guerra. A marinha brasileira encontra-se em processo de substituição das fragatas classe Niterói (operadas desde 1975) pela sofisticada fragata classe Tamandaré, com projeto e produção nacionais, em parceria com a Thyssenkrupp Marine Systems. Na América do Sul, é o único país capaz de construir submarinos convencionais, e através do ProSub (em parceria com a França) pretende comissionar um submarino nuclear até 2034. A Argentina conta com estaleiros militares capazes de produzir as corvetas da classe Espora (com apoio alemão, e já obsoletas) e pequenos navios de patrulha costeira. Nos anos 1980 a Argentina era a única nação sul-americana com capacidade de construção de submarinos (classe TR-1700), mas atualmente a infraestrutura de engenharia e logística necessária encontra-se fora de operação, e tecnologicamente defasada. Venezuela, Colômbia e Peru não contam com construção naval militar significativa, e operam submarinos da classe Kilo (importados da Rússia) e Tipo 209 (modelos de exportação, produzidos na Alemanha).

No que tange o poder aéreo, a situação é ainda mais complicada. Mais uma vez, só o Brasil dispõe de engenharia e indústrias para a produção de aeronaves militares, e mesmo nesse caso, fortemente dependente de tecnologia estrangeira. O icônico A-29 Super Tucano, produzido pela Embraer, e operado por 21 forças aéreas no mundo, é um formidável aparelho para emprego em patrulhamento e contrainsurgência, mas incapaz de garantir poder de interceptação e superioridade aérea. Para tal, o Brasil opera o F-39 Gripen, caça multiuso de 4ª geração, de origem sueca, montado parcialmente no Brasil (a partir de acordo de transferência parcial de tecnologia). Do total, apenas oito de trinta e seis unidades foram entregues, devido a dificuldades orçamentárias. As defesas aéreas do Brasil dependem hoje em grande parte da frota composta por antigas aeronaves F-5 Tiger II, que apesar de modernizadas pela Embraer, são insuficientes para a tarefa.

A Argentina outrora integrou o hall de países construtores de aeronaves militares, especialmente com seu IA-58 Pucará, avião de ataque leve e contrainsurgência, mas hoje opera uma força aérea absolutamente insuficiente e dependente dos Estados Unidos: em 2024 o Departamento de Estado norte-americano aprovou a transferência de 24 caças F-16 da Força Aérea da Dinamarca para a Força Aérea Argentina (ainda não entregues), de modo a conter a oferta de um lote de JF-17 Thunder produzidos pela China. Neste quesito, a Argentina junta-se ao Chile, o maior operador de caças F-16 na América do Sul (esse último com 48 unidades). Já a Venezuela não tem qualquer capacidade de projetar e produzir aeronaves, e depende do emprego dos avançados Sukhoi Su-30MK2 russos e de obsoletos Chengdu F-7 chineses. A Força Aérea Venezuelana também opera com o F-16 da Boeing, mas devido ao status das relações com Washington, a manutenção dessas

máquinas segue prejudicada. Tal como a Venezuela, o Peru não produz aeronaves, e opera um número pequeno de aeronaves MiG-29, de fabricação russa, bem como cerca de uma dezena de caças Mirage 2000 franceses, projetados ao final dos anos 1970.

A situação da Colômbia é ainda mais crítica, pois a espinha dorsal de suas defesas aéreas conta com apenas seis caças Kfir, de fabricação israelense, ainda operacionais. É desnecessário dizer que os atritos recentes entre os governos Petro e Netanyahu, em função do genocídio perpetrado por Telaviv em Gaza, cortou totalmente o suporte técnico da IAI (Israel Aircraft Industries) à Força Aérea Colombiana. A expectativa é de que a Colômbia perca todo seu poder de interceptação aérea em um ou dois anos.

Em todos esses casos, há uma constante: o tremendo risco geopolítico envolvido na dependência de serviços de engenharia, assistência técnica e de tecnologia mantidos por potências estrangeiras. Cumpre dizer que o acordo de transferência de tecnologia entre a SAAB e a Embraer enfrentou recentemente um pedido de investigação pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, por supostas irregularidades no processo de concorrência em que a Boeing foi derrotada pela empresa sueca. A ele se somam preocupações em Washington de que, por conter componentes de origem norte-americana, o F-39 Gripen não possa ser objeto de transferência de tecnologia sem aprovação legislativa nos EUA.

Uma política externa altiva e independente, se perseguida de maneira vigorosa na América do Sul, pode, no curto prazo, produzir ruídos capazes de gerar paralisia em elementos vitais para a preservação da integridade territorial e da segurança nacional, a depender do grau de exposição enfrentado por um determinado país. Esse é o preço da dependência tecnológica. E um enquadramento bipolarizante, no qual depender das indústrias russas e chinesas apareça como mal necessário diante da hegemonia norte-americana, tem a face de Jano: não há dependência melhor que outra quando o assunto é preservar ou ampliar os graus de liberdade e autonomia nacional perante o sistema.

¨      CPI do crime organizado é bem intencionada, mas não ataca atuação profissionalizada das facções

Ex-delegado de polícia, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) protocolou requerimento para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que deverá investigar a atuação do crime organizado. O objetivo do colegiado, segundo documento apresentado, nesta quinta-feira (6), é averiguar a atuação das facções no tráfico de drogas e nas milícias. 

No entanto, não está no objeto determinado da CPI a apuração do crime em serviços públicos, licitações e no setor privado. Investigações já comprovaram a atuação de organizações criminosas no serviço de transporte e no setor de combustíveis. 

Nos bastidores, parlamentares avaliam que o Congresso precisa ser mais enérgico e propor frentes para enfrentar o problema, ou o estado perderá seu principal papel diante da profissionalização dos criminosos.

 

Fonte: Por Daniel Barreiros, em Outras Palavras/Brasil 247

 

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