A precariedade militar da América do
Sul
Se considerarmos os orçamentos e o pessoal ativo no total da população,
a América do Sul apresenta níveis apenas moderados de militarização. Isso
contrasta de forma expressiva com a concentração de recursos naturais nesse
continente, incluindo recursos hídricos, e que por força das circunstâncias
exigem capacidades de controle territorial e dissuasão pelos Estados nacionais
da região.
Países do Oriente Médio, como Israel e Arábia Saudita, em um contexto
geoeconômico igualmente complexo, frequentemente mantêm mais de 10 militares
por 1.000 habitantes, enquanto na América do Sul essa proporção geralmente
varia entre 2 e 5 militares por 1.000 habitantes, dependendo do país. O Brasil,
o maior país do continente, possui cerca de 1,7 milhão de militares e
reservistas em uma população de 216 milhões, representando uma proporção
relativamente baixa. Na América do Sul, os gastos militares representam
geralmente entre 1% e 2% do PIB, abaixo de regiões como América do Norte e
Europa, onde podem ultrapassar 3% do PIB, como nos EUA e na Polônia.
Tudo isso indica um alto grau de exposição geopolítica dos Estados-nação
sul-americanos, em um contexto cada vez mais incerto acerca das garantias de
resolução pacífica de conflitos na terceira década do século XXI. Embora as
ameaças de incorporação do Canadá e da Groenlândia feitas pelo atual chefe de
Estado norte-americano sejam apenas bravatas, elas certamente são algo mais do
que se tivessem sido proferidas por um polemista qualquer.
Mas mesmo a força dos números já não basta na guerra moderna. Vivemos em
um contexto militar no qual as forças são cada vez mais especializadas, mais
profissionalizadas, e tecnologicamente intensivas. Os choques convencionais
entre forças militares seguem no portfólio de opções das grandes potências –
vide a guerra russo-ucraniana -, a despeito da crescente importância da guerra
cibernética e das operações de guerra híbrida no front interno. O controle
territorial e a dissuasão requerem ativos militares modernos; e pesando ainda
mais sobre as desvantagens numéricas sul-americanas, está a sua quase absoluta
dependência tecnológica em relação a potências estrangeiras. Esse é um
prospecto que dificilmente pode ser revertido no curto prazo, embora os exemplos
da Ìndia e da China soem como promissores. Há, contudo, um abismo entre as
condições políticas e econômicas que permitiram a Délhi e a Pequim garantir
suficiente autonomia tecnológica militar nacional, e aquelas vigentes na
América do Sul.
Nem mesmo no que diz respeito ao básico (armas leves, blindados,
artilharia), os países mais militarizados da região contam com autonomia. A
relativa exceção é o Brasil, com uma indústria de defesa suficientemente
consolidada para a produção de seus próprios veículos blindados, como o
formidável Guarani VBTP-MR (mas mesmo nesse caso, em parceria com a italiana
Iveco), em serviço desde 2014, e também exportado para o Líbano, Gana e
Filipinas. O Brasil produz o sistema de mísseis Astros II (Avibras), operado
não só pelo exército brasileiro mas pelas forças armadas do Iraque, Bahrein,
Catar, Arábia Saudita, Indonésia e Malásia.
A comparação com as demais nações mais militarizadas da América do Sul é
impactante. A Argentina encontra-se estagnada, mantendo em operação o obsoleto
TAM (Tanque Argentino Mediano) em serviço desde 1983, e não conta com
capacidade de produção nacional de armas de artilharia A Venezuela, também
desprovida de uma indústria de defesa sólida, depende de importações da Rússia
e da China, como no caso do tanque T-72 e do sofisticado sistema de mísseis
S-300. A Colômbia e o Peru são igualmente dependentes de importações e da
assistência técnica provida por potências estrangeiras.
No que tange ao poder naval, somente o Brasil conta com capacidade,
ainda que limitada, de construção de vasos de guerra. A marinha brasileira
encontra-se em processo de substituição das fragatas classe Niterói (operadas
desde 1975) pela sofisticada fragata classe Tamandaré, com projeto e produção
nacionais, em parceria com a Thyssenkrupp Marine Systems. Na América do Sul, é
o único país capaz de construir submarinos convencionais, e através do ProSub
(em parceria com a França) pretende comissionar um submarino nuclear até 2034.
A Argentina conta com estaleiros militares capazes de produzir as corvetas da
classe Espora (com apoio alemão, e já obsoletas) e pequenos navios de patrulha
costeira. Nos anos 1980 a Argentina era a única nação sul-americana com
capacidade de construção de submarinos (classe TR-1700), mas atualmente a
infraestrutura de engenharia e logística necessária encontra-se fora de
operação, e tecnologicamente defasada. Venezuela, Colômbia e Peru não contam
com construção naval militar significativa, e operam submarinos da classe Kilo
(importados da Rússia) e Tipo 209 (modelos de exportação, produzidos na
Alemanha).
No que tange o poder aéreo, a situação é ainda mais complicada. Mais uma
vez, só o Brasil dispõe de engenharia e indústrias para a produção de aeronaves
militares, e mesmo nesse caso, fortemente dependente de tecnologia estrangeira.
O icônico A-29 Super Tucano, produzido pela Embraer, e operado por 21 forças
aéreas no mundo, é um formidável aparelho para emprego em patrulhamento e
contrainsurgência, mas incapaz de garantir poder de interceptação e
superioridade aérea. Para tal, o Brasil opera o F-39 Gripen, caça multiuso de
4ª geração, de origem sueca, montado parcialmente no Brasil (a partir de acordo
de transferência parcial de tecnologia). Do total, apenas oito de trinta e seis
unidades foram entregues, devido a dificuldades orçamentárias. As defesas
aéreas do Brasil dependem hoje em grande parte da frota composta por antigas
aeronaves F-5 Tiger II, que apesar de modernizadas pela Embraer, são
insuficientes para a tarefa.
A Argentina outrora integrou o hall de países construtores de aeronaves
militares, especialmente com seu IA-58 Pucará, avião de ataque leve e
contrainsurgência, mas hoje opera uma força aérea absolutamente insuficiente e
dependente dos Estados Unidos: em 2024 o Departamento de Estado norte-americano
aprovou a transferência de 24 caças F-16 da Força Aérea da Dinamarca para a
Força Aérea Argentina (ainda não entregues), de modo a conter a oferta de um
lote de JF-17 Thunder produzidos pela China. Neste quesito, a Argentina
junta-se ao Chile, o maior operador de caças F-16 na América do Sul (esse
último com 48 unidades). Já a Venezuela não tem qualquer capacidade de projetar
e produzir aeronaves, e depende do emprego dos avançados Sukhoi Su-30MK2 russos
e de obsoletos Chengdu F-7 chineses. A Força Aérea Venezuelana também opera com
o F-16 da Boeing, mas devido ao status das relações com Washington, a
manutenção dessas
máquinas segue prejudicada. Tal como a Venezuela, o Peru não produz
aeronaves, e opera um número pequeno de aeronaves MiG-29, de fabricação russa,
bem como cerca de uma dezena de caças Mirage 2000 franceses, projetados ao
final dos anos 1970.
A situação da Colômbia é ainda mais crítica, pois a espinha dorsal de
suas defesas aéreas conta com apenas seis caças Kfir, de fabricação israelense,
ainda operacionais. É desnecessário dizer que os atritos recentes entre os
governos Petro e Netanyahu, em função do genocídio perpetrado por Telaviv em
Gaza, cortou totalmente o suporte técnico da IAI (Israel Aircraft Industries) à
Força Aérea Colombiana. A expectativa é de que a Colômbia perca todo seu poder
de interceptação aérea em um ou dois anos.
Em todos esses casos, há uma constante: o tremendo risco geopolítico
envolvido na dependência de serviços de engenharia, assistência técnica e de
tecnologia mantidos por potências estrangeiras. Cumpre dizer que o acordo de
transferência de tecnologia entre a SAAB e a Embraer enfrentou recentemente um
pedido de investigação pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, por
supostas irregularidades no processo de concorrência em que a Boeing foi
derrotada pela empresa sueca. A ele se somam preocupações em Washington de que,
por conter componentes de origem norte-americana, o F-39 Gripen não possa ser
objeto de transferência de tecnologia sem aprovação legislativa nos EUA.
Uma política externa altiva e independente, se perseguida de maneira
vigorosa na América do Sul, pode, no curto prazo, produzir ruídos capazes de
gerar paralisia em elementos vitais para a preservação da integridade
territorial e da segurança nacional, a depender do grau de exposição enfrentado
por um determinado país. Esse é o preço da dependência tecnológica. E um
enquadramento bipolarizante, no qual depender das indústrias russas e chinesas
apareça como mal necessário diante da hegemonia norte-americana, tem a face de
Jano: não há dependência melhor que outra quando o assunto é preservar ou
ampliar os graus de liberdade e autonomia nacional perante o sistema.
¨ CPI do crime
organizado é bem intencionada, mas não ataca atuação profissionalizada das
facções
Ex-delegado de polícia, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) protocolou
requerimento para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que
deverá investigar a atuação do crime organizado. O objetivo do colegiado,
segundo documento apresentado, nesta quinta-feira (6), é averiguar a atuação
das facções no tráfico de drogas e nas milícias.
No entanto, não está no objeto determinado da CPI a apuração do crime em
serviços públicos, licitações e no setor privado. Investigações já comprovaram
a atuação de organizações criminosas no serviço de transporte e no setor de
combustíveis.
Nos bastidores, parlamentares avaliam que o Congresso precisa ser mais
enérgico e propor frentes para enfrentar o problema, ou o estado perderá seu
principal papel diante da profissionalização dos criminosos.
Fonte: Por Daniel
Barreiros, em Outras Palavras/Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário