“O que resta é um
rentismo para os pobres como compensação do megarentismo para os ricos”, diz sociólogo
O Brasil
democrático da constituição de 1988 conseguiu
ampliar a população incluída na economia, educação, saúde, direito e na própria
política. Mas, hoje se mostra incapaz de transformar e qualificar a produção
organizada das modalidades de inclusão em todos esses sistemas sociais.
Para Roberto Dutra, há uma estagnação
desses serviços e sobre a qual o governo sequer tem noção da profundidade do
problema. “Essa mediocridade multidimensional democratizada, acessível, é não
apenas o traço principal do legado da constituição de 1988, é também o cerne
da política lulista. Mais ainda neste
terceiro mandato”, destaca.
O doutor em sociologia
e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro -
UENF - reconhece melhorias do governo na educação, desenvolvimento
social, economia, embora as
considere “voos de galinha incapazes de fazer decolar processos robustos de
desenvolvimento econômico e social”. “Terceira gestão é claramente a pior das
três. Um governo medíocre e um presidente fraco, tentando reeditar velhas
fórmulas em um contexto novo, marcado pela desilusão com a falsa promessa de
cidadania, direitos e inclusão no deserto econômico”.
Ressalta que o
governo parece uma mera interrupção no processo de fortalecimento da
direita,
provocada pela incompetência e fraqueza de Bolsonaro. Enquanto isso,
alerta, “a direita radical, seja ela mais ou menos extrema em termos de guerra
cultural, tem ampliado seu trabalho de base”.
Nesta entrevista
concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por e-mail, afirma
também que há um distanciamento do governo e o PT em relação à nova classe
trabalhadora e
à pequena burguesia. Segundo Dutra, as notícias falsas que fizeram o
governo recuar não fizeram sucesso à toa. “Tocaram um terreno de medos reais
que afetam mais de 47 milhões de pessoas que trabalham na informalidade, sem
condições econômicas de arcar com suas obrigações financeiras e tributárias. A
ideia de regular o Pix obviamente é
correta, mas deveria ter sido elaborada com todo cuidado e sensibilidade para
não despertar este medo”.
Para ele, isso
mostra falta de sintonia fina com a base social o que, por outro lado, sobra
com os medos e interesses do “mercado dos rentistas”. “O que resta hoje é
um rentismo para os pobres como compensação do megarentismo para os
ricos”, avalia.
<><> Confira
a entrevista.
·
- No início do governo Lula III, havia
entendimento que os desafios mais urgentes eram econômicos e sociais. Essa
expectativa foi cumprida nos primeiros dois anos?
Roberto
Dutra – Nesses dois anos, o governo não foi capaz de indicar um caminho de
soluções para nossos mais urgentes e importantes problemas econômicos e
sociais. Como pontuou o jornalista Vinicius Torres Freire da Folha de
São Paulo: nesses 40 anos de redemocratização, o Brasil moderno vive seu
período de maior deserto econômico.
O legado econômico
da constituição de 1988 é um claro fracasso. Primarismo
produtivo, desindustrialização, baixa
produtividade do trabalho, taxas irrisórias de investimento, renda per
capta crescendo de modo lento e bem abaixo da média de países com muitos
menos recursos que nós, como Grécia e Turquia. Isso não é
destino inevitável. É falta de projeto nacional de desenvolvimento. O suposto legado
social da nova república é coisa pequena que rapidamente se corrói na ausência
de sua contraparte econômica e produtiva.
O que resta hoje é
um rentismo para os
pobres como compensação do megarentismo para os ricos. A pequena
burguesia e a nova classe
trabalhadora estão
completamente abandonadas. E a mediocridade vai se generalizando por todos os
sistemas da sociedade. Temos um sistema de ensino estagnado em seu processo de
qualificação e sem nenhum acoplamento duradouro e estimulante com processos de
desenvolvimento econômico. Os supostos avanços na inclusão social não passam de
ampliação do acesso a sistemas sociais mediocrizados.
·
Há
uma estagnação nos serviços públicos?
Roberto
Dutra - O Brasil democrático da constituição de 1988 conseguiu
ampliar a população incluída nos principais sistemas sociais como economia,
educação, saúde, direito e a própria política. Mas se mostra incapaz de transformar
e qualificar a produção organizada das modalidades de inclusão em todos estes
sistemas. A estagnação da oferta não é apenas econômica. É também política,
educacional, sanitária, jurídica, militar. Esta mediocridade multidimensional
democratizada, acessível, é não apenas o traço principal do legado da
constituição de 1988, é também o cerne da política lulista. Mais ainda
neste terceiro mandato.
O governo não tem
sequer noção do problema. Lula parece cada
vez mais perdido e sem condições de liderar qualquer saída deste deserto de 40
anos. Embora nestes dois anos, possamos identificar avanços e melhorias
pontuais, como no caso da reforma tributária, são meros voos de
galinha incapazes de fazer decolar processos robustos de desenvolvimento
econômico e social.
·
Sobre
a meta de reconstrução do país. Ela foi satisfatória?
Roberto
Dutra - A reconstrução do país só é possível com a superação desta
mediocridade multidimensional democratizada. Salvar e preservar as formas
instituições da democracia liberal e
constitucional é sim importante e não pode ser desprezada. Mas sua sustentação
no médio e no longo prazo depende de resultados econômicos e sociais.
Democracias que não entregam resultados, sobretudo, para a maioria dos que
trabalham e produzem, tendem a perder legitimidade. Não adianta abraçar
prédios, criar muro de contenção para a extrema-direita e dar
testemunho de boas intenções.
A reconstrução do
país requer um projeto de transformação e qualificação na forma como
organizamos e geramos resultados na economia, na educação, no direito, na
segurança pública, na saúde e na própria política. Assim entendida, a
reconstrução do país sequer está na agenda do governo.
·
Que
espaço sociopolítico a direita e a extrema direita têm conquistado no país
durante a gestão Lula III?
Roberto
Dutra - A direita radical, seja ela mais ou menos extrema em termos
de guerra cultural, tem ampliado seu
trabalho de base. Parece ganhar cada vez mais a simpatia da pequena burguesa e
da nova classe
trabalhadora precarizada. O episódio da regulação do Pix é exemplar:
o governo e o PT não conseguem compreender os medos, os sonhos e as
esperanças do trabalhador que sonha com o negócio próprio e nem com os pequenos
burgueses que já conduzem seus empreendimentos. A esquerda é completamente
ignorante e arrogante com relação a estes segmentos sociais: acham que são
todos pobres sem conhecimento de seus próprios interesses, corrompidos pela
subjetividade neoliberal.
Indicador maior
desta arrogância ignorante é o termo “pobre de direita”, uma ideia
simplista e determinista usada por Jessé Souza para adornar e mimar a
cegueira autoindulgente do PT e obviamente vender textos mofados e requentados.
O PT não acredita no trabalho e na autonomia econômica do pequeno e do médio
empresário. Só acredita no ricaço e no pobretão. É um partido dos trabalhadores
que não acredita mais no trabalho. O governo Lula III parece uma mera
interrupção no processo de fortalecimento da direita, provocada pela
incompetência e fraqueza de Bolsonaro.
Seu fracasso tende
a fortalecer o alinhamento das classes trabalhadoras e dos pequenos burgueses
com a direita, ou seja, aprofundar o distanciamento da esquerda com a base
social que ela deveria representar. A comparação com o interregno Biden entre Trump
I e Trump II é até
injusta, pois Biden fez um governo ousado economicamente e mostrou
muito mais vigor que o Lula.
·
Como
as oposições ao governo Lula têm se movimentado e de que maneira têm ampliado
seu capital político?
Roberto
Dutra - Como disse anteriormente, a oposição de direita vai muito bem em
seu trabalho de base com a nova classe trabalhadora e os pequeno burgueses.
O resultado disso é que hoje temos uma cultura popular
de direita muito vistosa, uma demanda popular por políticas de
direita que alimenta o surgimento de várias novas lideranças com Pablo Marçal, Nikolas Ferreira etc.
O problema da
direita parece ser o controlar, unificar e programar sua oferta. Com a
inviabilização jurídica do retorno de Bolsonaro, vemos crescer uma disputa
acirrada pela liderança desta direita popular, e isto pode levar uma
fragmentação capaz de fazer a direita desperdiçar oportunidades. Além disso, a
direita continua sem programa para o país. Mesmo conseguindo abordar as
preocupações e anseios de setores majoritários da população, e nisso superando
a esquerda, a direita não oferece nenhuma política consequente para tirar
o país da mediocridade multidimensional democratizada, mesmo que com
desigualdade e dureza.
Ninguém conseguiu
ainda, na direita, acumular o volume da capital político de Bolsonaro, que
reedita a guerra cultural como orientação dominante e bloqueia o surgimento de
uma direita programaticamente mais inteligente e consequente. Ele parece não
ceder espaço a ninguém para além de seu círculo familiar mais próximo.
·
Quais
são as áreas o governo que estão bem e em quais precisa melhorar ou mudar?
Roberto
Dutra - O governo parece ter um bom diagnóstico da educação básica e o
ministro Camilo Santana parece ter um
caminho de soluções para os problemas. Esta é a única área que me parece boa.
Existe uma política de reindustrialização muito bem
desenhada no papel, mas completamente desconectada da realidade e da prática do
governo, que realiza uma política macroeconômica totalmente hostil a
investimentos produtivos e atraente ao rentismo improdutivo. O
restante do governo é o reino completo da mediocridade.
·
Existia
ou ainda existe um problema de comunicação no atual governo federal?
Roberto
Dutra - A primeira-dama era quem de fato comandava a comunicação do
governo. Uma irresponsabilidade e uma usurpação absurda consentida
pelo presidente Lula. Um desastre totalmente previsível: uma primeira-dama
impopular, esnobe e exibida manipulando e usurpando um presidente fraco e
conivente durante quase dois anos de governo.
Isso é muito mais
do que um problema de comunicação. É um problema de falta de condução do governo
ou até mesmo de falta de autonomia pessoal, quase um caso para o conselho
tutelar. Assusta-me ver supostas feministas defendendo a usurpação e
manipulação de um idoso narcísico e fragilizado como método de ascensão e empoderamento
feminino.
·
Como
o senhor avalia o recente caso envolvendo o Pix?
Roberto
Dutra - Esse caso é até aqui o melhor exemplo do distanciamento, entre o
governo e o PT de um lado, e a nova classe trabalhadora e a pequena
burguesia, de outro. O ministro Haddad e o governo
em geral demonstraram uma completa falta de sintonia com os medos e
preocupações dos milhões de trabalhadores e pequenos burgueses endividados ou
devendo impostos.
As notícias falsas
que fizeram o governo recuar não fizeram sucesso à toa. Tocaram um terreno de
medos reais que afetam mais de 47 milhões de pessoas que trabalham na
informalidade, sem condições econômicas de arcar com suas obrigações
financeiras e tributárias. A ideia de regular o Pix obviamente é
correta, mas deveria ter sido elaborada com todo cuidado e sensibilidade para
não despertar este medo.
O caso mostra bem a
contradição de governo cujo ministro da fazenda frequenta a cozinha dos ricaços
da Faria Lima, e quem sintonia
fina com os medos e interesses do “mercado dos rentistas”, mas que desconhece
complemente a vida, os interesses e as condições do “mercado dos trabalhadores
e pequeno burgueses”. É possível que o caso do Pix tenha criado um
fosso irreversível em dois anos, entre o governo e essa base social.
·
Como
se pode avaliar a gestão do governo Lula de agora em relação ao seus outros
dois mandatos?
Roberto
Dutra - Esta terceira gestão é claramente a pior das três. Um governo
medíocre e um presidente fraco tentando reeditar velhas fórmulas em um contexto
novo, marcado pela desilusão com a falsa promessa de cidadania, direitos e
inclusão no deserto econômico.
·
Quais
as prioridades e desafios para a segunda parte do governo Lula III?
Roberto
Dutra - Para mim a prioridade deveria ser a de preparar novas lideranças
para suceder a Lula. O presidente deveria adotar um gesto atípico de
grandeza: anunciar sua aposentaria em 2025 e convocar o PT, que tem ainda bons
quadros, e outros partidos aliados, para discutir um novo programa para o país,
a ser apresentado no pleito de 2026 por um candidato a ser decidido em
primárias, com debate e mobilização nacional em torno do processo. Ou seja,
realizar um processo oposto ao que foi feito em 2010,
quando Lula anulou e enganou lideranças como Marina Silva e Ciro Gomes para indicar
sozinho e sem mobilização política e ideológica a pior das pretendentes ao
cargo.
¨ Lula promete
anúncio de novos programas sociais voltados ao crédito
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu nesta sexta-feira
(7) o anúncio de novos programas sociais voltados ao crédito por parte do
governo federal. Durante evento para anunciar obras na Bahia, Lula antecipou
que os programas serão oficializados na próxima semana.
“Eu vim aqui junto com meus companheiros da Bahia anunciar um monte de
obras que estão sendo feitas, mas ainda tem mais. Temos alguns programas que
vamos anunciar, e eu não vou nem falar porque é surpresa. A partir da semana
que vem a gente vai começar a anunciar alguns programas. Sabe por quê? Porque
eu quero mais crédito para o povo”, afirmou.
Na sequência o presidente explicou a importância de aumentar o crédito
para fomentar o crescimento econômico e a melhoria na qualidade de vida da
população. “A minha tese é a seguinte: muito dinheiro na mão de poucos
significa a miséria de muitos; agora, pouco dinheiro na mão de todos significa
melhorar a vida de todo o povo brasileiro. É por isso que vamos fazer muitas
políticas de crédito neste país, porque na hora em que o dinheiro começa a
circular na mão das pessoas, ninguém aqui vai comprar dólar, ninguém vai
depositar no exterior. Vocês vão comprar comida, vão comprar roupa, material
escolar e melhorar a vida da cidade de vocês”, disse.
<><> Entregas na Bahia
Lula viajou para Parnamirim (BA) nesta sexta-feira para participar da
entrega que integra o Novo PAC com a participação federal e do governo
estadual. A agenda inclui a entrega da primeira etapa da Adutora da Fé, em Bom
Jesus da Lapa, e do sistema de esgotamento sanitário de Paramirim. Além disso,
serão assinadas ordens de serviço para o início das obras da barragem do Rio da
Caixa e do Canal do Sertão Baiano
Fonte: Entrevista
com Roberto Dutra, em IHU/Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário