A pequena mancha
azul do cérebro que regula seu sono
Qualquer pessoa que sofra de
insônia conhece
a impaciência e a frustração que acompanha a falta de sono.
Você luta
para desligar as luzes
da sua cabeça e silenciar sua voz interior. Você queria ter um botão ou dial
que pudesse amortecer instantaneamente toda aquela atividade mental.
Mas a ideia de um
atenuador mental não é algo tão forçado como pode parecer.
A maior parte dos
neurocientistas concorda atualmente que a nossa vigília ocorre em uma espécie
de continuum. Ela é coordenada por uma complexa rede de regiões cerebrais e, no
centro delas, fica um minúsculo feixe de neurônios conhecido como "locus
coeruleus" – "mancha azul", em latim.
Esta descrição é
literal. Os neurônios do locus coeruleus são tingidos em cor de safira devido à
produção de um neurotransmissor específico, chamado norepinefrina.
Esta também é uma
indicação da função da mancha azul. A norepinefrina controla nossa agitação
psicológica e fisiológica.
Por muito tempo, os
cientistas acreditaram que o locus coeruleus ficava dormente durante o sono.
Mas, agora, está ficando mais claro que ele nunca fica totalmente quieto. Na
verdade, ele mantém baixos níveis de atividade intermitentes que podem regular
a profundidade do nosso sono.
Compreender melhor
este processo pode ajudar a tratar os distúrbios do sono associados a condições
como a ansiedade.
·
A
'caixa de marchas' do cérebro
O locus coeruleus
fica no tronco encefálico, pouco acima da parte de trás do pescoço. Ele contém
cerca de 50 mil células, o que é uma parcela minúscula dos 86 bilhões de
neurônios que contém, em média, o sistema nervoso central.
O primeiro a
observar sua existência foi o médico da rainha francesa Maria Antonieta
(1755-1793), Félix Vicq d'Azyr (1748-1794), no final do século 18. Mas a mancha
azul passaria ainda muito tempo sem receber atenção.
Tudo começou a
mudar no século 20, quando ficou claro que o pigmento azul do locus coeruleus
desempenhava papel fundamental na sinalização do cérebro.
A norepinefrina
(também conhecida como noradrenalina) aumenta a possibilidade de que os neurônios
sofram "picos", causados por correntes elétricas.
Quando ficam
ativas, as células do locus coeruleus transmitem pacotes desse
neurotransmissor, ao lado das suas projeções para outras regiões do cérebro,
aumentando a comunicação entre os neurônios naquela região.
Mas existem nuances
neste processo. Dependendo dos tipos de receptores ali contidos, alguns
neurônios são mais sensíveis a quantidades menores de norepinefrina, enquanto
outros reagem apenas a limites mais altos.
Isso significa que,
quando aumenta a atividade do locus coeruleus, ele começará a influenciar mais
algumas áreas do cérebro do que outras. Isso pode causar efeitos dramáticos ao
nosso foco, concentração e criatividade, por exemplo.
No seu
livro, Hyperefficient: Optimize Your Brain to Transform the Way You
Work ("Hipereficiente: otimize seu cérebro para transformar a forma
em que você trabalha", em tradução livre), a escritora e pesquisadora
neurocientífica Mithu Storoni descreve o locus coeruleus e seu controle sobre a
sinalização da norepinefrina como a caixa de marchas do cérebro, com diferentes
marchas que são mais apropriadas para certos tipos de atividades.
Primeira marcha:
atividade muito suave na mancha azul. Os baixos níveis de norepinefrina indicam
que a nossa atenção é difusa e a nossa mente vagueia de um pensamento para
outro.
Segunda marcha:
disparos moderados na mancha azul, acompanhados por picos ocasionais em
resposta aos estímulos mais relevantes.
O córtex
pré-frontal, relacionado ao autocontrole e pensamento abstrato, é mais sensível
a esta concentração de norepinefrina. Podemos sentir mais facilidade de
concentração em tarefas intelectuais neste estado cerebral.
Terceira marcha:
disparos altos e constantes na mancha azul, liberando altos níveis de
norepinefrina. Ela começa a acionar a atividade em regiões cerebrais associadas
à "reação de fugir ou lutar" e o córtex pré-frontal começa a se
desligar.
Graças ao aumento
da comunicação entre os neurônios, você fica extremamente sensível ao seu
ambiente, mas pode ser difícil separar o sinal do ruído. A concentração começa
a ficar mais difícil e você pode começar a se sentir sobrecarregado.
Muitos fatores
determinam a marcha onde nos encontramos. Um deles é a hora do dia, pois a
atividade da mancha azul se altera com o nosso ritmo circadiano. Ela tende a
ser baixa quando acordamos, aumenta ao longo do dia e diminui à noite.
·
Vigilância
noturna
A função da mancha
azul na excitação explica por que ela fica mais quieta à noite, durante o sono.
Mas ela não fica totalmente silenciosa e dispara esporadicamente.
Pesquisas recentes
de Anita Lüthi, da Universidade de Lausanne, na Suíça, indicam que esta
atividade pode determinar a qualidade do nosso sono.
Nós alternamos
entre diferentes estágios de sono ao longo da noite. Existe o sono REM
("movimento rápido dos olhos", na sigla em inglês), que, como o nome
sugere, é marcado pela oscilação dos nossos globos oculares.
O sono REM é
associado aos sonhos vívidos e acredita-se que ele seja fundamental para o
processamento e consolidação das memórias.
Mas grande parte do
nosso repouso é passado em sono não REM (NREM). Nesta fase, o cérebro pode
fazer uma limpeza profunda, eliminando resíduos celulares que poderiam gerar
distúrbios neuronais, se eles se acumulassem.
Lüthi mediu a
atividade cerebral de camundongos enquanto eles dormiam e concluiu que o sono
NREM é associado a surtos temporários de atividade do locus coeruleus a cada 50
segundos.
Este processo
aparentemente estimula os tálamos, duas regiões ovoides localizadas no meio do
cérebro, relacionadas ao processamento sensorial. Com isso, os animais ficam
mais sensíveis aos estímulos externos, como ruídos, sem acordar totalmente.
"Ele gera este
estado de aumento da vigilância", afirma Lüthi. "Ele realmente
oferece esta ideia de que a vigília pode ser gradual no cérebro."
Lüthi sugere que
estes períodos regulares de aumento da vigilância a possíveis ameaças seriam
essenciais para a sobrevivência no ambiente selvagem.
"O sono tem
importância fundamental, mas ele precisa ser suplementado com um mecanismo que
permita certo grau de vigília", explica ela. "Você precisa permanecer
reativo ao ambiente."
O início do sono
REM foi quase sempre associado à baixa atividade do locus coeruleus. Isso
indica que ele também desempenha papel importante na transição para este estado
repleto de sonhos.
"A transição
para o sono REM precisa ser muito bem controlada porque, no sono REM, temos
atonia", segundo Lüthi. Trata-se da paralisia temporária do nosso corpo,
que nos impede de agir fisicamente fora dos nossos sonhos. "Ficamos
totalmente desconectados do ambiente."
Lüthi destaca que
seus experimentos foram realizados em roedores. Por isso, ainda precisamos
confirmar se a mancha azul desempenha papel similar no sono humano.
Se este papel for
confirmado, ela suspeita que a alteração da atividade do locus coeruleus
poderia estar relacionada a condições como a ansiedade, que pode contribuir
para distúrbios do sono.
Lüthi descobriu que
a exposição dos seus ratos de laboratório a suaves fontes de estresse, como
bater na sua gaiola, elevou a atividade da mancha azul e aumentou seu estado de
vigilância por toda a noite. Com isso, o sono dos animais ficou fragmentado.
·
Como
encontrar a calma mental
O conhecimento cada
vez maior deste processo neural leva alguns cientistas a pesquisar se
diferentes tipos de estímulo cerebral podem acalmar a mancha azul e melhorar o
sono.
Uma equipe de
pesquisa sul-coreana testou recentemente um fone de ouvido que transmite uma
pequena corrente elétrica sobre um dos nervos da testa conectado à mancha azul.
A intenção é reduzir temporariamente sua atividade, mas ainda não se sabe se
isso realmente diminui a insônia.
Por enquanto,
podemos tentar pensar com um pouco mais de cuidado sobre o nosso comportamento
no início da noite e evitar estímulos excessivos pouco antes de ir dormir.
"Se você se
forçar a continuar quando estiver cansado, seu cérebro irá enfrentar a situação
aumentando de marcha, para fornecer energia em quantidade suficiente para seu
maquinário que enfrenta dificuldades", escreve Storoni no livro
Hyperefficient. "Por isso, ele fica quase 'travado' em marcha alta."
Deixar simplesmente
nossa mente relaxar antes da hora de dormir — sem TV, telefone ou tablet — é
considerado boa "higiene do sono" há muito tempo.
Podemos também
aproveitar o tráfego de duas mãos entre o locus coeruleus e o corpo.
A mancha azul faz
parte do sistema nervoso autônomo, que controla funções fisiológicas
inconscientes, como a respiração, batimentos cardíacos e a pressão sanguínea.
Ele é dividido em
duas partes: o sistema nervoso simpático, responsável por acionar a reação ao
estresse, e o sistema nervoso parassimpático, que prepara o corpo para o
repouso e o relaxamento.
Aparentemente,
podemos ativar seletivamente cada uma das partes, com diferentes atividades
físicas.
Exercícios
moderados a intensos — andar, correr, remar, pedalar ou praticar pugilismo —
podem colocar o setor simpático em ação, acelerando a atividade da mancha azul
e aumentando nossa excitação mental.
Isso é uma ótima
notícia para quem acorda cambaleante de manhã e precisa despertar, mas é menos
útil quando você tenta acalmar sua mente após um dia difícil de trabalho.
Talvez você imagine
que o exercício físico irá deixar você esgotado, mas visitar a academia tarde
da noite não é uma boa ideia se você tiver problemas para dormir.
Por outro lado,
alongamentos suaves podem promover uma reação de relaxamento do sistema nervoso
parassimpático, que acalma simultaneamente nossos pensamentos e sensações.
Exercícios de
respiração controlados — como pranayama, uma antiga técnica de respiração
decorrente das práticas de ioga — aparentemente trazem o mesmo resultado,
gerando ritmos respiratórios mais lentos que reduzem a agitação em geral.
Podemos usar estas
técnicas em nosso benefício quando formos dormir à noite.
Diversos estudos
indicam que a meditação e os movimentos de mindfulness (atenção plena) podem
nos fazer adormecer mais rápido e melhorar a qualidade geral do sono — mais do
que os tratamentos padrão para insônia.
É verdade que não
temos um interruptor físico que possa desligar nossa atividade mental quando
quisermos.
Mas, gerenciando
nossa rotina diária e aproveitando a conexão entre a nossa mente e o corpo,
temos muito mais possibilidade de conseguir o repouso profundo tão necessário.
Fonte: BBC Future
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