sábado, 8 de fevereiro de 2025

Lula de mãos dadas com o centrão: o que esperar da nova presidência do Congresso?

Diante das eleições municipais do ano passado, os partidos da direita e do centrão que estão dirigindo a Câmara e o Senado estão mais fortalecidos e a política de conciliação de classes levada por Lula e pelo PT foi fundamental para o fortalecimento desses setores.

A eleição de Hugo Motta (Republicanos) para a presidência da Câmara e de Davi Alcolumbre (União Brasil) para a presidência do Senado é expressão direta do fortalecimento da direita e da extrema direita institucional desde 2022. A correlação de forças mais favorável a esses setores se intensificou com as eleições municipais de 2024, em que o centrão, com seus setores da direita reacionária, saiu fortalecido de modo geral no país.

Para a Câmara Hugo Motta (Republicanos) foi eleito presidente com 444 votos. A 1° vice presidência ficou com Altineu Côrtes (PL), a 2° vice presidência para Elmar Nascimento (União Brasil), o 1° secretário é o Carlos Veras (PT), a 2° secretária Lula da Fonte (PP), a 3° secretária Delegada Katarina (PSD) e o 4° secretário é o Sérgio Souza (MDB).

Para o Senado, Davi Alcolumbre foi eleito com 73 votos. Eduardo Gomes (PL) entrou enquanto 1° vice presidente, Humberto Costa (PT) como 2° vice presidente, Daniella Ribeiro (PSD) como 1° secretaria, Confúcio Moura (MDB) como 2° secretário, Ana Paula Lobato (PDT) enquanto 3° secretária e Laércio Oliveira (PP) enquanto 4° secretário.

Vale destacar que Hugo Motta e Alcolumbre receberam apoio do PSL de Bolsonaro, mas também de Lula e do PT. Hugo Motta é uma figura que foi favorável ao golpe institucional de 2016, foi base de apoio do governo Bolsonaro, já foi integrante da bancada evangélica e da bancada ruralista e votou a favor do Marco Temporal, da PEC do Teto dos Gastos no governo Temer e foi favorável à Reforma Trabalhista. Davi Alcolumbre em sua primeira liderança no Senado aprovou importantes ataques contra a classe trabalhadora, como a Reforma da Previdência. No governo Lula passou a ocupar a liderança da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e atuou para angariar apoio para a tramitação de pautas antipopulares do governo, como o Arcabouço Fiscal.

A política de conciliação de classes levada por Lula e pelo PT, que se expressa novamente no apoio à Motta e à Alcolumbre, já teve inúmeras expressões que foram fundamentais para o fortalecimento da direita e da extrema direita nos últimos anos, que culminou na situação atual: a articulação da frente ampla em 2022, que incluiu partidos como o PSOL até partidos da direita com o intuito de vencer as eleições presidenciais; cargos nos ministérios que, após ser eleito, o governo federal destinou para as mãos de partidos da direita reacionária, como o Republicanos, do bolsonarista Tarcísio de Freitas; e as coligações do PT com o PL de Bolsonaro em mais de 80 cidades pelo país nas eleições municipais de 2024.

Toda essa linha do governo petista fortaleceu os setores da direita do centrão, o que se exemplifica na expressiva votação e fortalecimento a nível nacional desses setores na eleição de 2024 (https://esquerdadiario.com.br/Segundo-turno-confirma-tendencia-no-pais-da-Frente-Ampla-direita-e-extrema-direita-sao-as) e do fortalecimento da extrema direita institucional por meio de figuras como o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos), que leva a frente sua política privatista no estado com auxílio da política das PPPs (parcerias público-privada) fortalecida e incentivada pelo governo federal de Lula-Alckmin através dos investimentos nas privatizações no estado via BNDES e o Arcabouço fiscal.

Em relação às comissões da Câmara e do Senado, há indicativos de que bolsonaristas ocupem postos estratégicos, incluindo dois filhos de Jair Bolsonaro (PL), sendo dado como certo a ida de Flávio Bolsonaro (PL) para a Comissão de Segurança Pública no Senado. Já na Câmara, o PL tenta emplacar o nome de Eduardo Bolsonaro para a área de relações internacionais, já que enquanto secretário do PL possui relações com a extrema direita internacional, com nomes como os presidentes Donald Trump, dos EUA, e Javier Milei, da Argentina. Para a Comissão de Direitos Humanos, com a indicação de Alcolumbre, a maior probabilidade é que seja ocupado por Damares Alves (Republicanos), bolsonarista que ataca as mulheres e os LGBTs, se diz “contra a ideologia de genero”, defende a criminalização do aborto e o Estatuto do Nascituro e defende o Escola Sem Partido.

Nessa mesma toada, Lula afirmou a Alcolumbre que o governo vai emitir licença que abre caminho para a exploração de petróleo na Bacia Foz do Amazonas, mesmo diante de toda a crise climática que se expressa em várias partes do mundo e do quanto um projeto como esse influenciaria a vida dos povos e comunidades da região. Tais acontecimentos expressam o quanto as alianças com setores da direita vão fortalecendo e abrindo cada vez mais espaço para os setores mais reacionários, inclusive para os bolsonaristas que provavelmente ganharão mais espaço e peso no Congresso.

Em relação à tramitação das propostas do governo no Congresso diante da nova composição das presidências da Câmara e do Senado, a tendência é ser tão difícil quanto antes, ou até mais, do governo aprovar o que quer. De um ponto de vista poderia-se dizer que será mais difícil, pois aparecem novos fatores na correlação de forças como as eleições municipais de 2024 (que gerou um fortalecimento dos partidos da direita e do centrão) e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, importante nome da extrema direita mundial. Isso tudo altera a correlação de forças, tornando mais difícil para o governo aprovar medidas que não sejam parte do pacote de ajuste fiscal. Ou seja, medidas de ajuste provavelmente terão tramitação mais rápida no Congresso com, obviamente, os deputados e senadores barganhando seus interesses (nesse âmbito aparece o debate sobre a liberação de emendas, tema de disputa entre Congresso e STF). Já medidas do governo Lula que incluam algum tipo de concessão aos setores pobres, mesmo que mínimas, que são parte das suas promessas de campanha, etc.. o governo tenderá a ter dificuldade de aprovar, já que a linha majoritária do mercado financeiro segue sendo de defender mais ajustes e menos direitos aos trabalhadores, para garantir que sejam estes a pagar pela crise capitalista.

Mesmo diante do nível de ataques que afeta a vida da classe trabalhadora como as reformas, que não foram revogadas pelo governo Lula, e o próprio Arcabouço Fiscal de Haddad, o aumento da inflação e empregos cada vez mais precários, a burguesia dá sinais de se manter dura na exigência a que se tenham mais ajustes fiscais e isso pode dar pouca margem para que sejam aprovadas concessões e medidas de auxílios para os trabalhadores e o povo pobre, o que pode fazer com que o governo federal também busque outros caminhos para dialogar em algum nível com a sua base social que tem sofrido ataques pelas suas próprias mãos como, por exemplo, a nova proposta de liberação de empréstimo consignado à trabalhadores CLT.

Diante de mudanças em diferentes níveis no cenário político nacional e internacional, que precisam ser analisadas dia a dia pois há muitas incertezas sobre o que ocorrerá daqui em diante, o que se expressou na Câmara e no Senado foi um cenário de continuidade. Não houve uma mudança qualitativa nos setores que estarão à frente do Congresso, porém existem matizes de como cada presidente irá dirigir a partir de agora a Câmara e o Senado, que terá níveis de diferenças com o que foi a presidência de Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (PSD). Também está por se ver como será a relação de cada Casa com o STF, se haverá mais atritos e disputas abertas ou mais tentativas de diálogos e acordos, e o quanto o governo Lula irá intervir nesse cenário diante da necessidade de aprovar as suas propostas.

O Congresso, portanto, seguirá primordialmente sob direção da direita e de partidos do centrão. O PL de Bolsonaro e o PT de Lula estarão à frente do Congresso a partir do segundo escalão de cargos, o que expressa ainda o nível de polarização existente entre a extrema direita bolsonarista e a frente ampla e as disputas entre esses setores, com o setor bolsonarista provavelmente ganhando mais espaço e se fortalecendo no Congresso por meio dos cargos nos Ministérios. O elemento importante a ser destacado é que, diante das eleições municipais do ano passado, os partidos da direita e do centrão que estão dirigindo a Câmara e o Senado estão mais fortalecidos.

¨      8 de janeiro: Motta nega golpe e diz buscar "saída" para anistia que agrade a PT e PL

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), classificou os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 como uma "agressão inimaginável" às instituições, mas negou que tenham sido uma tentativa de golpe de Estado. Em entrevista a uma rádio da Paraíba, repercutida pela Folha de S. Paulo, Motta afirmou que os atos foram cometidos por "vândalos e baderneiros" inconformados com o resultado das eleições, e não por um grupo organizado com apoio de instituições como as Forças Armadas.

A declaração de Motta contrasta com a posição do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do caso, que considera os ataques uma tentativa de golpe. Enquanto isso, políticos bolsonaristas têm buscado minimizar a gravidade dos atos, classificando-os como vandalismo e criticando as penas aplicadas pelo STF.

O presidente da Câmara afirmou que há "um certo desequilíbrio" nas penas aplicadas pelo STF, citando o caso de uma pessoa que teria recebido 17 anos de prisão sem ter cometido atos de grande gravidade.

<>< Debate sobre anistia e tensão entre os Poderes

Motta também comentou o projeto de lei que propõe anistia aos condenados pelos ataques, um tema que gera tensão entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 

"Precisamos punir quem depredou o patrimônio público, mas sem exageros", disse Motta, sinalizando que o projeto de anistia será tratado com cautela. Ele destacou a necessidade de diálogo com o Judiciário para "encontrar uma saída" e evitar conflitos entre os Poderes.

 

¨      Entre a conciliação e a Revolução. Por Jair de Souza

Ultimamente, tem havido muita discussão e controvérsia sobre a maneira como o presidente Lula lida com as dificuldades com as quais sua atual gestão de governo se depara no dia a dia de seu transcorrer.

Exceto em algumas poucas pessoas, por vezes mal-intencionadas, há uma crença generalizada de que Lula nutre um profundo sentimento de identificação com as aspirações das maiorias populares e que, em vista disto, está constantemente preocupado em encontrar formas de atender satisfatoriamente suas reivindicações. Queria acrescentar que eu, pessoalmente, me incluo entre os que assim pensam.

Porém, é conveniente ressaltar que, nem sempre, atuar em consonância com o senso comum significa estar agindo em função do objetivo estratégico real dos grupos aos quais almejamos favorecer. Sem pretender equiparar as situações, e tão somente para deixar mais evidente o que gostaria de expressar, vou recorrer a uma ilustração relacionada ao amplo e insaciável desejo pelo consumo de doces por parte de nossa população infantil.

Se partirmos do princípio de que o correto é buscar atender aos anseios daqueles com quem temos afinidade, deveríamos aceitar como louvável o comportamento dos pais que se dispõem a saciar os desejos de seus filhos ao oferecer-lhes o máximo de guloseimas que estes estão sempre querendo consumir. No entanto, todos sabemos muito bem o quão nocivo isso é para a saúde das próprias crianças. Por isso, muito mais do que satisfazer suas expectativas imediatas, o apropriado seria que os responsáveis tratassem de educá-las para que viessem a entender que, no futuro, aquilo lhes causaria muito mais prejuízos do que benefícios.

De todas maneiras, para que qualquer tarefa educativa neste sentido possa ter êxito, é determinante que entre pais e filhos prevaleçam fortes laços afetivos, e exista um sentimento de confiança das crianças em seus progenitores.

Embora não devamos encarar o povo como uma massa infantilizada, é inegável que este sofre influência de uma série de lugares-comuns, preconceitos e deturpações, que lhe foram sendo inculcados ao longo do tempo através dos diversos aparelhos sociais pelos quais a ideologia das classes dominantes se impõe sobre a totalidade da sociedade. Se não fosse assim, ninguém precisaria de trabalho e organização política para ganhar consciência e defender seus verdadeiros interesses. Bastaria aquiescer com aquilo que é difundido como válido e desejável pelos diversos meios à disposição dos que exercem o poder real na sociedade.

Esclarecido este primeiro ponto, partamos para o seguinte. E, aqui, é mister responder a uma pergunta iniludível: o que é de fato o melhor para as massas trabalhadoras de nosso país?

Apesar de sua aparente simplicidade, estamos diante de uma das questões mais complexas imagináveis. É que a resposta adequada depende de que tenhamos respondido a outra indagação anterior: que tipo de sociedade aspiramos edificar para nosso povo? E, quanto a isto, não basta adjetivar qualitativamente a meta almejada. Não é suficiente dizer que queremos viver em um “mundo bom, justo e solidário”, por exemplo. O adjetivo requerido precisa também deixar evidente a base estrutural dessa sociedade. Por isso, será imprescindível recorrer a termos como “capitalista, neoliberal, socialista, comunista”, ou outro com semelhante função.

Há quem considere que as estruturas sociais básicas não precisariam sofrer grandes transformações para chegarmos à sociedade mais propícia, na qual viveríamos todos da melhor maneira possível. Para os que creem nisso, a continuidade do sistema capitalista não teria necessariamente de entrar em discussão, nem mesmo pelas lideranças que se sintam vinculadas com as aspirações dos trabalhadores. Em conformidade com esta visão, a luta e os esforços dos líderes e dos partidos que buscam defender as massas trabalhadoras deveriam se orientar no sentido de forçar que a parcela da riqueza gerada que corresponde aos trabalhadores venha a ser sempre a maior possível. Contudo, as regras que norteiam o funcionamento do capitalismo liberal poderiam permanecer intactas, sem serem questionadas.

No entanto, a menos que haja profundas transformações nos pilares de sustentação do atual sistema regido pelos preceitos do capitalismo, há outros que acreditam que seja impossível constituir uma sociedade na qual os interesses das maiorias trabalhadoras venham a ser priorizados e garantidos de modo permanente. Portanto, para quem cultiva este entendimento, enquanto não fosse efetivada uma mudança radical nas estruturas vigentes na atualidade, não haveria nenhuma possibilidade real que viabilizasse nossa chegada a um estágio em que as condições das classes trabalhadoras não mais estivessem subordinadas aos caprichos dos detentores do capital.

Muita gente costuma dizer que Lula se identifica muito mais com os que encarnam a primeira das duas alternativas acima indicadas. E, quanto a isto, tendo a concordar. Raramente, se alguma vez, Lula faz menção a uma sociedade estruturada em outras premissas que não as do capitalismo liberal. De minha parte, devo confessar que sou abertamente adepto da segunda. Mas, a dúvida que creio ser importante esclarecer tem a ver com a possibilidade, ou impossibilidade, de que os adeptos dessas duas visões políticas trabalhem de modo unitário e coordenado para que, no final, a solução mais favorável para as maiorias trabalhadoras prevaleça. Sobre isto, vou tentar esboçar algumas palavras.

Não tenho a mínima dúvida de que, no capitalismo, a classe trabalhadora jamais alcançará a hegemonia da sociedade de modo a impor seus interesses estratégicos. No entanto, também não deixo de reconhecer que, mesmo sob este sistema econômico, toda e qualquer melhoria favorável aos setores populares deve sempre ser bem-vinda e estimulada. Só não podemos deixar-nos levar pela ideia de que isto bastará para nos conduzir ao objetivo que nos inspira a travar a luta política. Os avanços conquistados ainda sob o sistema em que estamos, mesmo que pequenos, devem servir para estimular-nos a dar passos cada vez maiores no caminho daquilo que sonhamos alcançar.

Quanto à posição de Lula em todo este processo, o panorama se revela bastante complexo e ambíguo. Ao mesmo tempo em que demonstra estar dotado de uma incomum argúcia para auscultar os sentimentos das massas populares, Lula não parece disposto, ou interessado, a fazer destes agentes ativos e conscientes de um processo de transformação revolucionário. Segundo a visão que nele tem predominado desde que assumiu a Presidência pela primeira vez, cabe ao governo detectar as carências da população e propor medidas para solucioná-las, ao passo que, por sua vez, ao povo corresponde expressar sua concordância com o que vem sendo feito em seu benefício e referendá-lo pelo voto, dando sua anuência para o prosseguimento da atuação governamental.

Em consequência, a habilidade de negociação política de Lula e de seus auxiliares diretos torna-se o fator crucial para que o governo consiga ter sucesso em seu objetivo de atender as demandas populares. Não me recordo de um único momento, durante todos seus anos de gestão, em que Lula tenha convocado o povo para que se mobilizasse com vistas a fazer valer alguma de suas reivindicações que estivesse sendo inviabilizada pela ação de setores antipopulares. A luta de massas visando dirimir conflitos interclasses não está entre os recursos aos quais Lula costuma recorrer.

Porém, por mais que Lula seja uma figura de valor inestimável neste momento para que tenhamos a pretensão de derrotar eleitoralmente o nazifascismo bolsonarista-neopentecostal, acho importante ter ciência de que a superação dos limites do capitalismo liberal não está incluída em suas perspectivas, a menos que venha a ser impulsado a isto por pressão do campo popular.

Assim, para os que, como eu, entendem que não faz sentido ficar inteiramente dependente da exclusiva disposição de uma única pessoa em tomar alguma medida que nos dê condições de avançar no rumo de uma sociedade de novo tipo, a tarefa prioritária é empenhar-nos no sentido de contribuir para que o nível de consciência e organização das massas trabalhadoras cresça o suficiente como para fazer com que o peso de sua mobilização gere uma conjuntura que induza Lula a transpor os limites dentro dos quais ele tem atuado.

Mas, seria isto uma possibilidade viável? Não sei, não creio que possamos responder de antemão sem que esforços no sentido de sua consumação tenham sido realizados. O que me parece menos incerto é que a outra alternativa, ou seja, a da acomodação e conciliação de classes, implica na abdicação definitiva da criação de um outro mundo, aquele no qual os trabalhadores sejam de verdade os senhores de seu próprio destino.

 

Fonte: Esquerda Diário/Brasil 247

 

Nenhum comentário: